Cristiano Figueiró
Resumo
Introdução
Nesse artigo vai ser descrito o processo de composição da peça XX, onde a pré-
composição foi pensada como uma série de gráficos de qualidades sonoras isoladas que se
entrecruzam e ultrapassam o universo de duas dimensões criando um espaço multidimensional
onde os elementos dialogam e concorrem.
Gestalt theory
Durante o século XIX e até o início do século XX, a Psicologia havia se consolidado
como um ramo da Filosofia, e limitava-se a estudar tanto o comportamento como as emoções
e a percepção. Nessa época, os estudos sobre a percepção humana da forma tinham em
comum a análise atomista, ou seja, que procurava o conjunto a partir de seus elementos. Sob
esse ponto de vista, o homem tenderia a somente perceber uma imagem através de suas partes
componentes, compreendendo-as por associações de experiências passadas (associacionismo).
Em oposição direta a isto, surgiu a Teoria da Gestalt (ou “configuração”) no início do
século XX, com as idéias de psicólogos alemães e austríacos, como Max Wertheimer,
Christian von Ehrenfels, Felix Krüger, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka. Inicialmente voltada
apenas para o estudo da psicologia e dos fenômenos psíquicos, a Gestalt acabou ampliando
seu campo de aplicação e se tornou uma verdadeira corrente de pensamento filosófico. A
Teoria da Gestalt afirma que não se pode ter conhecimento do todo através das partes, e sim
das partes através do todo; que os conjuntos possuem leis próprias e estas regem seus
elementos (e não o contrário, como se pensava antes); e que só através da percepção da
totalidade é que o cérebro pode de fato perceber, decodificar e assimilar uma imagem ou um
conceito. Mas sobre esse pensamento já se formulavam concepções distintas. A chamada
“corrente dualista”, da escola de Graz, na Áustria, identificou tres processos distintos na
percepção sensorial: um, a sensação, corresponde à pura percepção física dos elementos de
uma configuração (o formato de uma imagem) , que é particular do objeto percebido; e o
outro, a representação, que seria um processo “extra-sensorial” através do qual os elementos,
agrupados, excitam a percepção e adquirem sentido (a forma visual), que já é particular do
trabalho mental do homem.
A outra concepção, divergente do “dualismo”, era a chamada “corrente monista” (de
mono, único), defendida pelos alemães. Pelo ponto de vista monista, tanto sensação como
representação se dariam simultaneamente, e não em separado. A forma, ou seja, a
compreensão que os dualistas chamaram de “extra-sensorial”, não pode ser dissociada da
sensação do objeto material. Por ocorrerem ao mesmo tempo, percepção sensorial e
representativa vão se completando até finalizarem o processo de percepção visual. Só quando
uma é concluída que a outra pode ser concluída também.
Entre os princípios da Gestalt, destaca-se como fundamental referência para as
composições gráficas, o seguinte conceito: "o todo é mais do que a soma das partes". Isto
equivale a dizer que "A + B" não é simplesmente "(A+B)", mas sim um terceiro elemento "C"
que possui características próprias.
A Teoria da Gestalt, em suas análises estruturais, descobriu certas leis que regem a
percepção humana das formas, facilitando a compreensão das imagens e idéias. Essas leis são
nada menos que conclusões sobre o comportamento natural do cérebro, quando age no
processo de percepção. Os elementos constitutivos são agrupados de acordo com as
características que possuem entre si, como semelhança, proximidade e outras que veremos a
seguir. O fato de o cérebro agir em concordância com os princípios Gestálticos já poderia ser
considerado a evidência fundamental de que a Lei da Pregnância é verdadeira. São estas,
resumidamente, as Leis da Gestalt:
ex. 3.6a e b
Ex. 3.7a, b, c
Ex 3.8a, b, c, d, e
As percepções sobre agrupamento para esses cinco exemplos são analogias auditivasas
percepções visuais em 3.6 e 3.7. As primeiras duas notas de 3.8a se agrupam juntas ( o
exemplo é ouvido como duas notas seguidas de uma nota); as últimas duas notas se agrupam
juntas em 3.8b ; o agrupamento das primeiras duas é muito forte em 3.8c e relativamente
fraco em 3.8d ; 3.8e não possui um agrupamento particularmente perceptível. Esses exemplos
deixam evidente que num nível muito elementar os relativos intervalos de tempo entre pontos
de ataque de eventos musicais fornece uma importante contribuição para a percepção de
agrupamentos.
Examinando simples percepções visuais novamente, notamos como desenhos
semelhantes tendem a se agrupar juntos. Em 3.9a o desenho do meio tende a formar um grupo
com os dois desenhos da esquerda, uma vez que eles são quadrados; em 3.9b o desenho do
meio se agrupa com os dois desenhos da direita, que são círculos.
Ex 3.9a, b
Efeitos consideravelmente fracos são produzidos colocando a nota do meio com altura
não idêntica a das notas anteriores e posteriores, porém mais próxima de um grupo ou de outro
com mostra a figura 3.11a e b. Se a nota do meio é eqüidistante das notas extremas, como em
3.11c , intuições sobre agrupamento são indeterminadas.
Ex. 3.11 a b c
1
Com o cubo da esqueda, a maioria das pessoas percebe a face da esquerda de baixo como estando na frente na maioria das vezes. Isso é
possível por que as pessoas observam os objetos por cima, com o lado de fora visível, mais frequentemente do que por baixo, com o fundo
visível, então o cérebro "prefere" a interpretação de que o cubo é visto por cima. Humanos ususlamente não percebem uma interpretação
inconsistente do cubo. Um cubo cujas arestas se cruzam de uma maneira inconsistente é um exemplo de um objeto impossível,
especificamente aqui um cubo impossível (ver trabalho de M.S. Escher).
Enquanto o quadrado do meio é movido para a esquerda, como em 3.12c, o princípio
da proximidade exerce um efeito ainda maior e se sobrepõe ao princípio da similaridade; a
intuição agora claramente agrupa o quadrado com o grupo da esquerda, ainda que algum
conflito ainda possa ser sentido. Alguns exemplos musicais análogos aparecem em 3.13.
Ex: 3.12a, b, c
Ex: 3.13a,b, c
“Agora tudo que é regra ou regra repetida é parte da máquina mental. Uma pequena “máquina
imaginativa”, Philippot diria – uma escolha, um conjunto de decisões. Um trabalho musical pode ser
analisado como uma multitude de máquinas mentais. Um tema melódico numa sinfonia é um molde,
uma máquina mental, da mesma maneira que sua estrutura o é. Essas máquinas mentais são algo muito
restritivo e determinístico, e algumas vezes muito vagos e indecisos. Nos últimos anos nós temos visto
que essa idéia de mecanismo é realmente um conceito muito geral. Ele passa através de todas as áreas
do conhecimento e das ações humanas, da lógica estrita as manifestações artísticas.”
Ligeti fala aqui sobre uma permeabilidade dos intervalos de altura, pode-se pensar
em ampliar esse pensamento de permeabilidade para conceitos como permissividade
evolutiva, ou seja, a permissividade de emergência de estruturas derivadas do material da
própria pesquisa feita sobre a matéria sonora. Como por exemplo a emergência de certos
comportamentos em trechos isolados do material. Outro conceito possível é a análise e
manipulação de graus de similaridade entre estruturas, através da determinação de graus de
parentesco entre estruturas. Segundo Ligeti:
Conjuntos de notas:
1) escala de dó maior
2) c#, d, e, f, g, a, b
3) c, c#, d, d#, e, f, g, g#, a, b
4) c, d, e, f#, g#, a, b
5) escala de dó maior
LIGETI, György. Transformações da Forma Musical. In: Die Reihe (revista) nov/dez 1958.
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