texto teatral, onde se destaca a função do encenador, o qual interpreta o texto escrito pelo dramaturgo
e encena, ou seja, cria e põe em cena o espectáculo teatral.
O texto dramático é constituído por:
. falas ou réplicas das personagens, que aparecem em discurso directo, a seguir ao nome de quem
as diz, podendo apresentar-se sob a forma de diálogo, monólogo ou aparte;
. didascálias ou indicações cénicas, que surgem normalmente entre parêntesis e informam dos
movimentos, gestos e atitudes das personagens, dos objectos utilizados em cena, do guarda-roupa, do
cenário, dos efeitos luminosos e sonoros, entre outros.
As intervenções das personagens são fundamentais para o desenvolvimento da acção, que decorre num
espaço e num tempo.
- ausência de divisão externa, embora se possa considerar que cada cena começa com a entrada
Estrutura
externa da(s) personagem(ns) e termina com a aceitação do destino atribuído;
- estrofes de oito versos, com sete sílabas métricas (redondilhas maiores), seguindo o esquema
rimático ABBAACCA, com predomínio da rima emparelhada.
Estrutura - presença de três partes clássicas: exposição (breve apresentação da personagem); conflito
interna interrogatório feito pelo Diabo e pelo Anjo); desenlace (atribuição da sentença pelo Anjo ou
pelo Diabo).
Intenção - denúncia e correcção dos vícios da sociedade portuguesa quinhentista segundo o lema latino do
Crítica ridendo castigat mores (a rir se corrigem os costumes), daí que:
Personagens -as personagens que desfilam no cais sejam tipos, representando o comportamento comum a uma
classe ou a um grupo social/profissional;
Símbolos - outras figuras e determinados objectos funcionem com símbolos cénicos, contribuindo para
Cénicos ilustrar esse comportamento;
Espaço - a acção decorra no cais onde tem lugar o Juízo Final, pelo que as personagens são condenadas
Cénico ou absolvidas de acordo com esse comportamento;
- o percurso das personagens em palco se relacione com o destino que lhes é atribuído, em
Percurso
Cénico virtude de tal comportamento (a barca do Diabo ou a barca do Anjo);
Processos - se faça uso de processos de cómico como o cómico de linguagem (vocabulário, jogos de
de cómico palavras, registos de língua), o cómico de situação (não adaptação da personagem à situação em
que se encontra) e o cómico de carácter (não adaptação da personagem àquilo que deveria ser a
sua realidade);
- se faça uso de figuras de estilo como a ironia (usada pelo Diabo, que dizendo o contrário da
Figuras verdade perceptível acerca da personagem, com uma entoação reveladora da mesma a condena,
de estilo ridicularizando-a) e o eufemismo (usado sobretudo pelo Diabo para se referir ao destino comum
à maior parte da sociedade representada no auto- o Inferno).
O Auto da Barca do Inferno não é composto por uma acção única mas por um conjunto de mini-
acções paralelas, cada uma delas girando em torno dum ou mais protagonistas.
Oito destas mini-acções são formadas pelas três partes clássicas: a exposição, o conflito e o desenlace.
A maior parte das vezes, a exposição e o conflito apresentam-se interligados: a primeira consta de uma
breve apresentação da personagem e o segundo de um duplo interrogatório, feito pelo Diabo e pelo Anjo.
O desenlace é constituído pela sentença proferida pelo Anjo ou pelo Diabo, que condena as
almas recém-falecidas a entrarem na barca do Inferno, prelúdio da sua condenação eterna.
Cada mini-acção funciona semelhantemente a um tribunal: temos, todavia, de reconhecer que há
um (Diabo), dois (Diabo e Anjo) ou três (Diabo, Anjo e Parvo) advogados de acusação mas nenhum de
defesa: é o réu, que tem de defender a sua causa. Trata-se, pois, dum tribunal rigoroso em que os réus
têm poucas ou nenhumas possibilidades de defesa.
**********
As obras renascentistas foram marcadas pela riqueza de detalhes e a reprodução de traços humanos.
A razão, de acordo com o pensamento da renascença, era uma manifestação do espírito humano que
colocava o indivíduo mais próximo de Deus. Ao exercer sua capacidade de questionar o mundo, o homem
simplesmente dava vazão a um dom concedido por Deus (neoplatonismo). Outro aspecto fundamental das
obras renascentistas era o privilégio dado às acções humanas ou humanismo. Tal característica
representava-se na reprodução de situações do quotidiano e na rigorosa reprodução dos traços e
formas humanas (naturalismo). Esse aspecto humanista inspirava-se noutro ponto-chave do
Renascimento: o elogio às concepções artísticas da Antiguidade Clássica ou Classicismo.
O quadro seguinte mostra que a muitos tipos se liga uma crítica nitidamente social – tirania,
corrupção, traficância, desonestidade. O Frade, o Enforcado e o Judeu aparecem nitidamente na
perspectiva da crítica religiosa. Pode-se ainda verificar que os tipos que veiculam a crítica social
também servem para criticar a má vivência religiosa.
Conclui-se, portanto, que esta peça faz crítica social e religiosa.
Decorrente da faceta nitidamente critica da peça, as personagens aparecem-nos como
redutoras de grupos sociais – são personagens tipo.
A figura do Parvo funciona como despoletador do riso e como auxiliar na crítica. Esta está
principalmente a cargo do Diabo, mas também do Anjo.
Aspectos
Tipos Outros aspectos criticados Quem critica
criticados
Fidalgo Diabo
. poder instituído Má consciência religiosa Anjo
Onzeneiro Anjo
Tirania . poder do dinheiro
Corregedor Diabo
Procurador Má consciência religiosa Anjo
. justiça pública Parvo
Corrupção
Frade Diabo
. Má consciência Parvo
religiosa
Enforcado Diabo
Religião .ignorância
Judeu Diabo
.sacrilégio Parvo
5- a Alcoviteira
Comera “a carne da panela no dia de Nosso Senhor”, não respeitara os
mortos, sacrificara o Salvador e não contribuíra para o comércio do
6- o Judeu
mar. Tão “mui ruim pessoa” que era, não foi dentro do batel ,mas a
reboque.
7- o Corregedor Roubara quando era ouvidor. Como juiz, não aplicara a justiça de
acordo com as leis, usando de malícia. Aceitara peitas dos judeus e
explorara, sem os ouvir, os lavradores ignorantes. No Inferno estavam
também os escrivães ”prosperados” e os mestres das burlas vistas.