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5 de Março de 2009

LUÍZA NETO JORGE

«Não me quero com o tempo


nem com a moda»

ASSÍRIO & ALVIM


Actriz: Lucília Raimundo
Músico: Adriano Filipe
DJ: Vítor Silveira

Exposição de Pintura: Filomena Carmo Pinto


[Gasto-me à espera da noite]

Gasto-me à espera da noite


impraticável

fiel
sugo os lábios da noite

invariável caio
nos poços da noite

Gasto-me à espera da noite alheia


amassada de garagalhadas doces e areia

Amor anoitecido vem


tecer-me um vestido
nocturno

Atraiçoo os anúncios luminosos


até a lua nova sabe a ausente
— e eu anavalhei-te com naifas de ansiedade —

Estou à espera da noite contigo


venham as pontes ruindo sob os barcos
venham em rodas de sol
os montes os túneis e deus

estou à espera da noite contigo


livre de amor e ódio
livre
sem o cordão umbilical da morte
livre da morte

estou
à espera
da noite

FRÁGIL POESIA 5/03/2009 3


[Desgrenho cada minuto calmo —]

Desgrenho cada minuto calmo —


basta de tranças imóveis dobadas sobre mim
caules rectilíneos de flores de pedra

Quebro os tabus de vidro


na beira dos passeios
febril como as pedras prenhes de evasão

e agonio-me de perigos escondidos


a terra imprevista sob a terra
o mar imprevisto sobre o mar

Beijo as espáduas do espaço


desfeito

EXORCISMO

o sangue o suor
a água lustral
o leito do sol
retido na mama
o sangue sangrando
com o vinho
o pranto o rito
líquido o vinho
tinto no mijo
de deus no sangue
descendo na urina
subindo água
benta no sangue
o filtro do amor
filtrando o suor
um licor dividindo
o choro do pus

FRÁGIL POESIA 5/03/2009 4


A CABEÇA EM AMBULÂNCIA

Há feridas cíclicas há violentos voos


dentro de câmaras de ar curvas
feridas que se pensam de noite
e rebentam pela manhã

ou que de noite se abrem


e pela manhã são pensadas
com todos os pensamentos
que os órgãos são hábeis
em inventar como pensos

ligaduras capacetes
sacramentos
com que se prende a cabeça
quando ela se nos afasta

quando ela nos pressente


em síncope ou desnudamento
ou num erro mais espaçoso
ou numa letra mais muda
ou na sala de tortura
na sala escura, de infância.

FRÁGIL POESIA 5/03/2009 5


A CASA DO MUNDO

Aquilo que às vezes parece


um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.

Cheira a teias eróticas. Arca delirante


arca sobre o cheiro a mar de amar.

Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.


O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirenéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.

Luzindo cheguei à porta.


Interrompo os objectos de família, atiro-lhes
a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.

Um espelho verde de face oval


é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sanguíneos.

É a casa do mundo:
desaparece em seguida.

FRÁGIL POESIA 5/03/2009 6


[Este é o tempo todo que me falta]

Este é o tempo todo que me falta


e nem é muito nem pouco.

De mim direi o que deixarem


as falas que flutuam entre mim.

Palavras não se repetem


nem o verso sai do sítio em si

Repousa muito aí, até esquecer.

A morada é nesta confluência


do que digo e aquilo que farei

depois e antes de não saber


falar

VENHO DE DENTRO, ABRIU-SE A PORTA…

Venho de dentro, abriu-se a porta:


nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.

Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo.


De só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra

Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã.
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvolução do corpo.

FRÁGIL POESIA 5/03/2009 7


MINIBIOGRAFIA

Não me quero com o tempo nem com a moda


Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.

Porque envelheço, adoeço, esqueço


Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.

E se a nave vier do fundo espaço


Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:


Meia palavra a bom entendedor.

FRÁGIL POESIA 5/03/2009 8

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