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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMCS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
filos o pió

ciemcia«

60UTCÍNA

BÍBLm
MORAL

NO XIII — N? 152
AGOSTO DE 19;
Indiice

Pág..

341
"A QUEM... SE NAO A TI?"

Pergunta fundamental:

JESÚS CRISTO ERA REALMENTE


REALMENT DEUS ?
I. PODE-SE DAR
\R CRÉDITO
CRÉDI1 _ AOS EVANGELHOS ? 343-
(continua)

Queslao do domingo:

Í! MESMO QUANDO NAO SINTO VONTADE ? 360

Um brado violento:
3S7
O MANIFESTÓ DOS 33

Católicos e anglicanos em diálogo:


ACORDÓ SOBRE A S. EUCARISTÍA

LIVRO : "JESÚS CRISTO LIBERTADOR" por L. Boft . 385


RESENHA DE

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


"A QUEM... SE NAO A
e frecuente comentar a voga ou a «onda»... A

rc5f|
diferentes» nos horizontes do mundo de hoje.

signssyr^^
bfm paS um observador objetivo de nossos tempos.
Poder-se-ia penetrar nos porqués dessa onda?
_ Sem a pretensáo de esgotar o significado dos fatos, pa
rece conssntáneo sugerir o saguinte:

Todr, homem é naturalmente dotado da capacidade de se

tém fome e sede .^


^ j^iga f prendei a en q

Foi o Cristo encontrado ñas páginas do Evangelho.que fez


m,P o homem se encontrasse a si mesmo e produzisse vmte se-
Jufos deSzaeáo ocidental: deu coragem aos mártires, fe e
— 341 —
ardor aos missionários e monges que salvaram a cultura antiga
para transmiti-la aos bárbaros,... denodo e graga aos cavaleiros
e trovadores, acume aos pensadores da Idade Media, visao oti-
mista e interesse aos descobridores e pesquisadores dos tempos
modernos É por Cristo que o homem aprende a valorizar
a si mesmo, tomando consciéncia de que nao é simplesmente
um ser bioquímico langado no turbilháo do cosmos mas traz a
«marca do Fabricante» e o apelo do Eterno em si. É tambem o
Cristo quem dá a saber ao homem que este mundo nao e conse-
qüéncia de urna aventura dos deuses do Olimpo, mas o espelho
da sabedoria do Criador.
É de notar, porém, que o Cristo «Fonte de coragem, oti-
mismo e confianga» foi sempre o Cristo desafiador e desconser-
tante isto é, o Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o
Cristo táo próximo quanto distante dos homens. Pode-se draer
aue o que, no Cristo, moveu os homens aos grandes feitos atra-
vés dos séculos, foi precisamente o caráter absoluto de Jesús.
O homem precisa de um ponto de referencia absoluto; o Absolu
to é exigido pelos «mais ou menos» que constantemente empre-
gamos em nossa linguagem cotidiana. É falso querer cancelar de
nossas mentes o Absoluto, visto que inconscientemente a Ele
nos referimos ao abordar as contigencias de cada día.

Tem pois razáo o homem de hoja quando se volta curio


samente para o Cristo; tal curiosidade é síntoma de urna reali-
dade sadia. Nao queira, porém, retirar do Cristo aquilo que
foi sempre o segredo da eficacia de Jesús junto aos homens, ou
se a Tsua transcendencia, o seu ser Dens. LÚJeres relativos
houve-os muitos na historia da humanidade; todavía somente o
absoluto toca o mais fundo de cada ser humano. Um Cristo mero
homem viria a frustrar os interesses e as expectativas daqueles
que hoje para Ele voltam o seu olhar.

Dirá, porém, alguém: «Mas somente p-la fé é que se pode


aceitar a Divindade de Cristo!» — É certo que sim. Mas a fe tor-
nou-se, hoje mais do que nunca, condigáo para que alguem viva
ee cresca- os homens só foram á Lúa, porque, trabalhando em
equipe, acreditaram:... acreditaram uns nos outros acredi
taram na ordem que rege o universo... Ora o para alem da
Lúa que a humanidade caminha!

E.B.

— 342 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIII —• N* 152 — Agosto de 1972

Pergunta fundamenta!:

jesús cristo era realmente deus?

I. PODE-SE DAR CRÉDITO AOS EVANGELHOS?1

Em sintese: Para responder á questSo "Cristo era realmente Deus?",


é preciso recorrer, antes do mals, aos Evangelhos e escritos do Novo
Testamento, pols estes constltuem a principal fonte de Informacoes atinen
tes a Jesús.

No presente artigo indaga-se: "Sao os Evangelhos realmente file-


dignos?" No próximo número de PR, averiguar-se-á o que dizem sobre Jesús
Cristo e se considerará o veredicto proferido pela historia sobre tais afir*
magóes.

A critica hoie em día reconhece que os Evangelhos nao oferecem urna


blografia de Cristo no sentido próprio desta palavra, mas sSo coletóneas de
ditos e feitos do Mestre. Supóem a pregagáo oral da mensagem de Cristo
que entre 30 e 50 (ou talvez entre 30 e 55/60) teve lugar na Palestina, na
Siria, na Asia Menor, na Grecia e em Roma. Os estudiosos liberáis admi-
tem (nao raro em virtude de suas premlssas de filosofía exlstenclallsta,
sociologista ) que no decorrer dos decenios os arautos e os ouvintes
da Boa-Nova tenham deturpado essa mensagem de modo que passaram a
professar um "Cristo" (o Cristo da fé) diferente do Cristo real da historia
Em conseqüéncia, já nao feriamos nos Evangelhos o eco fiel dos ditos e
feitos de Cristo.
A esta tese liberal (mals inspirada por poslcñes filosóficas do que
por criterios de literatura, historia e exegese) podem-se objetar dados pon-
deráveis: 1) os Apostólos nSo tencionavam ser mais do que testemunhas
¿o que"hawlam ouvkJo e visto (cf. At 1,21s; 1 Cor 15,1s; Gal 1 te). 2) Fazlam
auestao de guardar o depósito que tinham recebido, distingulndo-o bem de
mitos e fábulas (cf. 1 Tim 1,4; 4,7 ¡ 2 Tim 4,4 ; 2 Pe 1, 16). 3) Além disto,
a doutrlna católica enslna que o Espirito Santo asslstiu aos Apostólos e
evangelistas na sua obra de transmissSo da Boa-Nova, posslbilitando a
explicitacao da mesma sem deturpacdes.

i No fascículo n' 153 de PR, continuaremos e encerraremos este es-


tudo, apresentado o testemunho de Jesús a respelto de si mesmo.

— 343 —
4 «PERGUNTE E RESP0NDEREMOS> 152/1972

Pode-se, pois, dar crédito ao testemunho dos Evangelhos e deles


depreender o que Jesús disse a respeito de si e o que fez para comprovar
o que dlsse.

Rcsposta: Muitas pessoas acreditam sem dificuldade na


existencia de Deus, que por mais de um motivo Ihes parece
obvia. Diante de Cristo, porém, nao véem por que aceitar que
seja verdadeiramente Deus (Deus feito homem), como ensina
a fe crista: a nogáo de «Deus encarnado» (verdadeiro Deus e
verdadeiro homem) parece-lhes paradoxal demais ou mesmo
mitológica. Dada a grande freqüéncia com que voltam tais dú-
vidas, vamos abordar o assunto de maneira sincera e profunda,
visando a ajudar a quantos lealmente procuram a verdade.

Há cinqüenta anos ou mais, quem quisesse encaminhar


a resposta á questáo da Divindade de Cristo, compulsava os
Evangelhos e citava os textos que mais realcam a consciéncia
que Jesús tinha de s-ar realmente Deus, igual ao Pai; acrescen-
tava-se um perfil físico e psíquico de Cristo para mostrar que
Jesús era sa.dk) c alheio a toda obsessáo e fraudulencia enga
ñadora. Estava assim, em linhas gerais, encerrada a demons-
tragáo. — Hoje em día, nao é possível proceder táo sumaria
mente, pois se pergunta se os textos dos Evangelhos citados
referam a realidade histórica (a figura e os dizeres do Jesús
que viveu na Palestina) ou, antes, o modo de pensar dos discí
pulos, que teráo atribuido a Cristo os predicados que eles sub
jetivamente imaginavam e santiam.

Em conseqüéncia, o presente estudo será dividido em duas


partes:

1) Crítica dos Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, Joáo)


ou averiguagáo da fidelidade histórica dos mesmos. — Estes sao
realmente a fonte principal de informagóes sobre Jesús Cristo, de
modo que neles é que se baseia qualquer posigáo pro ou contra
a Divindade de Cristo. Fora da literatura crista, encontramos
testemunhos de rabinos judeus (Talmud) e de escritores roma
nos sobre Jesús Cristo. Cf. PR 7/1957, pp. 23-27. Assim ates
tada, a existencia real de Jesús Cristo como homem nao é pos
ta em xequa pelos críticos hoje em día.

2) Exame dos dizeres de Jesús e dos Evangelistas con-


cernentes á Divindade de Cristo. Ao que se seguirá urna refle-

— 344 —
JESÚS CRISTO É DEUS?

xáo sobre as conseqüéncias de tais dizeres na historia poste


rior da humanidade. A historia é importante criterio para ava-
liarmos a pessoa s a obra de Jesús Cristo.

O nosso estudo, portante, se estenderá por dois fascículos


consecutivos de PR. Neste número deter-nos-emos sobre a in-
vestigagáo da fidelidads das Evangelhos á historia.
O presente artigo poderá parecer um tanto técnico e elevado. — Jul-
gamos, porém, que nao se poderla abordar assunto táo importante sem usar
da máxima seriedade e de precisáo ñas afirmagóes.

A crítica considera a questáo sob dois aspectos:

— fidelidade literaria dos Evangelhos: o texto que hoje


temos de Mateus, Marcos, Lucas e Joáo corresponde aos ma
nuscritos autógrafos ou terá sido interpolado e deturpado, de
modo que já nao se praste a um estudo serio?

— fidelidade histórica: o que os Evangelhos (literariamen


te criticados) referem, é o espelho de realidades históricas ou
a expressáo do qus subjetivamente pensavam os cristáos?

Estudaremos cada urna destas questóes de per si.

1. Texto do Evangelho foi falsificado ?

1. Os críticos nao alimentam serias dúvidas sobre a au-


tencidade literaria dos textos gregos de Mt, Me, Le e Jo de que
hoje dispomos1.

Com efeito, embora tais textos apresentem numerosas va


riantes (geralmente de pouca monta, pois versam sobre colo-
cagáo ou omissáo de artigo, emprego de partículas enfáticas,
modos e tempos de verbos, etc.), pode-se reconstituir com gran
de probabilidade a face do texto original. Existe grande nú
mero de códices antigos e de tradugóes feitas nos séc. H/m
(para o sirio, o copta, o latim...); tais códices e tradugóes,
confrontados entre si, permitem ao estudioso dirimir as dúvi-

10 Evangelho segundo S. Mateus foi originariamente escrito em


aramaico, mas este texto inicial se perdeu, de modo que hoje em dia só
se possuí a respectiva versao grega, a qual corresponde a nova elaboracáo
e ampliagSo do texto aramaico.

Marcos, Lucas e JoSo escreveram seus autógrafos em grego.

— 345 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

das concernentes ao teor dos origináis dos Evangelhos. Assim


em 1967 contavam-se

81 papiros (datados dos séc. II-IV) que apresentam par


tes do texto do Novo Testamento; .

266 códices maíusculos l (dos séc. IV-X) do Novo Testa


mento;

2.754 códices minúsculos 2 (dos séc. X-XVI) do Novo Tes


tamento;

2.135 lecionários3 do Novo Testamento.

Estes dados perfaziam em 1987 um total de 5.236 manus


critos, completos ou fragmentarios, do Novo Testamento. Tal
quantidade (que vai crescendo, pois váo sendo descobertos no-
vos testemunhos antigos e medievais do texto bíblico) pode ser
dita «fantástica», desde que se leve em conta a transmissáo das
obras dos autores clássicos romanos e gregos.

Na verdade, acónteos nao raro que só se possui um ma


nuscrito de determinada obra de um clássico (ao passo que do
Novo Testamento existem milhares). E tal manuscrito (copia
do autógrafo já perdido) dista de seus origináis pelo intervalo de
sáculos. Assim o autor que melhor se pode conhecer, é Virgi
lio (t 19 a. C.); ora há um intervalo de 350 anos entre a mor-
te deste poeta e o mais antigo manuscrito do mesmo hoje con
servado. Para Tito Lívio (f 17 d. C), o intervalo correspon
dente é de 500 anos; para Horacio (t 8 a. C), é de 900 anos;
para Cornélio Nepos (t 32 a. C), 1200 anos; para Platáo
(t 347 a. C.) e Tutídides (t 395 a. C), 1300 anos; para Eurí-
pedes (t 407/406 a. C), 1600 anos.
Note-se também que o mais antigo papiro do Novo Tes
tamento que se tenha, é o de tf 457. Data do inicio do sáculo II
e apresenta o texto de Jo 18,31-33. 37s (é importante observar
que o evangelho de S. Joáo foi redigido nos últimos anos do
sáculo I). Acha-se guardado em Manchester, na John Rylands
Library. Este manuscrito, descoberto em 1935 no Egito, dá a
ver que, poucos decenios (os que correspondem aproximadamen-

1 Escritos com letras gregas maiúsculas (uncíais, capltais).


- Escritos com letras gregas minúsculas.
° Repertorios de lelturas a ser utilizadas na liturgia, repertorios com-
postos em diversas épocas da historia antiga e medieval da Igreja.

— 346 —
JESÚS CRISTO É DEUS?

te á duracáo de urna geragáo humana) após a composigáo de


Joáo na Asia Menor, este livro já era lido no Egito.

O sabio suico Martín Bodmer constituiu urna biblioteca


perto de Genebra, em que se guardam importantes manuscri
tos do Novo Testamento: assim o Papyrus Bodmer III ou P 66,
que é um conjunto de folhas de papiro com o texto do Evan-
gelho .de Sao Joáo, conjunto datado do ano 200 aproximada
mente e descoberto em 1956. O Papyrus Bodmer XIV-XV ou
P 75 data do inicio do séc. III; descoberto em 1961, reproduz,
quase por inteiro, o teroeiro e o quarto Evangelhos.

Outra colegáo célebre é designada por «Papiro de Ches-


ter-Beatty» (P 45). Encontra-se em Londres e conserva frag
mentos de papiros que foram escritos no sáculo III com o texto
dos Evangelhos e dos Atos dos Apostólos.

O cotejo dos papiros, dos códices e das tradugóes antigás


do Novo Testamento tem possibilitado aos estudiosos a con-
feceáo de edigóes críticas do Novo Testamento, tais como as
de Merk (católico) e Nestle (protestante) e — a mais abaliza
da — a edigáo de Aland, Black, Martini, Metzger e Wikgren
(comissáo mista protestante-católica).

Em suma, o balango do estudo crítico do texto dos Evan


gelhos é altamente positivo. Permite verificar que a transmis-
sáo do Novo Testamento através dos séculos deixou inalte
rado o depósito dos Evangelistas e Apostólos e nos fornece hoje
sólida base para estudos sobre a pessoa e a obra de Jesús Cris
to. Se o retrato de Jesús que nos veio através dos Evangelhos
sofreu falsificagáo, esta só se pede ter dado quando os Evan
gelhos foram consignados por escrito ou antes, pois é inegável
que o texto escrito nos chegou as máos hoje em estado de alta
fidelidade.

2. A fim de que o leitor possa formar um juízo sobre o valor


do confronto dos manuscritos, sejam consignados aqui alguns
exemplos ilustrativas:

— o trecho de Le 22, 43s, que refere o suor de sangue du


rante a oracáo de Jesús no horto das Oliveiras, foi posto em
xeque já nos primeiros séculos da Igreja por motivos teológicos:
caracteriza muito fortemente (para alguns cristáos, demasia
do fortemente) a natureza humana de Cristo. — O confronto
dos manuscritos demonstrou que tal secgáo pertence ao teor
original de Le;

— 347 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

— a secgáo de Jo 7,53-8,11, que narra o episodio da mu-


lher depreendida em adulterio, parece ter constituido urna fo-
lha avulsa, que os copistas dos Evangelhos colocaram ora no
fim do Evangelho de Sao Joáo (após Jo 21,23, ou seja, após o
texto continuo dos quatro Evangelhos) ou dentro do Evange-
Ihode Sao Lucas (após Le 21,38) ou também no lugar em que
hoje se acha (após Jo 7,52);1

— a passagem de Jo 5,4 (um anjo desda na piscina de


Bezata e movía a agua, de modo a curar o primeiro doente que
rola se projetasse após a mogáo da agua) é tida evidentemente
como interpolagáo tardía;

— o famoso trecho de 1 Jo 5,6s (testemunho da SS. Trin-


dade) é reconhecido, sem hesitacáo, como enxerto praticado
no séc. IV por ocasiáo da controversia ariana.

Assim os exegetas estáo em condigóes de restabelecer o


texto em seu teor original nos casas mais controvertidos. Os
resultados até hoje adquiridos pela critica sao da tal monta
ene so pode dizer que a imagem de Jesús consignada pelos
Evangelistas nao sofrerá alteragáo em conssqüencia de pesqui
sas futuras.

Resta agora indagar se os autores dos Evangelhos nos


dito ou que seja o espelho da realidade ocorrida..
transmitiram um retrato de Jesús ao qual se possa dar cré-

2. Os Evangelistas foram verídicos ?

1. Sabe-se que a moderna critica dos Evangelhos chegou


á sua modalidade mais recenta e aprimorada na chamada «Es
cola da historia das formas» Farmgeschichtliche Mcthode ou
Cchule); nessa linha crítica destaca-se o nome de Rudolf Bult
mann, arauto da «demitizacáo» (Enfcmythologisierung) dos
Evangelhos. As afirmacóes cte tal corrente de pensamento sao
desfavoráveis 'á fidelidade histórica dos Evangelistas; princi
palmente Bultmann rejeita a tendencia a se procurar reconhe-
cer algo do Jesús histórico (o Jesús que viveu e pregou na Pa
lestina há quase 2.000 anos); nos Evangelhos só se encontra-

1 O fato de nSo se saber exatamente qual o autor humano de determi


nada passagem bíblica, n§o significa que essa passagem nSo seja Inspirada
ou canónica. Pode-se discutir aquele sem se p6r em dúvida a inspirac&o
bíblica.

— 348 —
JESÚS CRISTO É DEUS?

ria o Jesús da fé, ou seja, o Jesús que as comunidades cristas,


em sua fé e em seu senso místico, configuraran! e apregoaram.

Ora nao há quem nao reconhega que Bultmann e outros


fautores do -«método da historia das formas» nao sao apenas
exfigetas, ou seja, estudiosos do texto do Evangelho e da his
toria do Novo Testamento. Em suas afirmagóes, norteiam-se
por principios filosóficos do existencialismo de Martín Heideg-
ger, do sociologismo de E. Durkheim, do racionalismo, assim
como pela nogáo luterana de «fé fiducial» (confianca em Deus
e antiintelectualismo). Sao esses principios filosóficos e teológi
cos, e nao a exegese como tal, que os levam a conclusóes extre
mamente negativas no tocante á veracidade dos Evangelhos. A
respeito vsjam-se ulteriores informagóes em PR 91/1967, pp.
282-290; 93/1967, pp. 375-387; 97/1968, pp. 18-28; 108/1968,
pp. 503 515.

O que neste artigo nos propomos, é utilizar os resultados


válidos e indiscutíveis do método da historia das formas e expor
ao leitor a posicáo do estudioso sereno e destituido de precon-
ceitos diante das mais recentes pesquisas da crítica dos Evan
gelhos. Procederemos passo a passo, encarando a historia da for-
macáo dos Evangelhos e o que daí resulta para a veracidade
e a credibilidade das informagóes que eles hoje nos transmitem.

2.1. A historia da formajáo dos Evangelhos

1. Jesús tem em comum com alguns mestres que a huma-


nidade tem venerado entusiásticamente, o fato de nao haver
deixado um só escrito seu. Como no caso de Buda, Confúcio,
Sócrates, também no de Jesús, foram os discípulos que consig-
naram os ensinamentos por escrito. A pouca estima que os an-
tigos tinham pelas formas escritas, explica tal fato. Platáo, por
exemplo, dizia no seu «Fedo» que somente a palavra viva
(paidéia) é atuante, ao passo que a palavra escrita vem a ser
um meio incerto ou mesmo urna brincadeira (paidía).

Jesús, tendo pregado, ordenou a seus discípulos que fossem


também eles pregar a Boa-Nova (cf. Mt 28,19s). Surge entáo
a pergunta: como da palavra oral se fez o Evangelho escrito
que hoje possuimos?

2. Nao se julgue que urna ou algumas das testemunhas


oculares e auriculares da vida de Jesús (por exemplo, um apos
tólo) tenha resolvido, em dada época, redigir finalmente suas

— 349 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

recordagóes concernentes a Cristo, transmitindo-nos assim o


que hoje temos. Ao contrario, houve entre a palavra oral de
Jesús e os Evangelhos escritos urna historia, na qual se podem
distinguir tres etapas:

1) A prega;éio dos Apostólos e dos discípulos diretos de Jesús

Ñas mais antigás comunidades cristas, os ensinamentos de


Jesús eram transmitidos de viva voz. As testemunhas oculares
e auriculares da vida do Senhor referiam os ditos e os feitos
do Senhor, acrescentando-lhes explicagóes e comentarios, sem-
pre que fosse necessário adaptá-los a circunstancias novas. A
Igreja nao necessitava de um livro dos Evangelhos, mesmo
para pregar aos nao cristáos. Os primeiros missionários eram
testemunhas oculares e auriculares de Cristo (cf. At 2,22-24;
3,13-15; 4,20; 5,32; 8,5). Dir-se-ia que a própria Igreja viva era
como um livro ou urna carta em que os interessados podiam
ler para ihformar-se. Sao Paulo mesmo afirmava aos corintios:
«Vos é que sois nossa carta... que pode ser compreendida e
lida por todos os homens» (2 Cor 3,2). Por conseguinte, para
Sao Paulo, cujas cartas se tornaram livros do Novo Testamen
to, existia um testemunho maior do que o escrito em papiro, a
saber: o testemunho da vida das comunidades cristas.

2) A pregajáo dos discípulos dos Apostólos

A pregagáo dos Apostólos logrou éxito, de modo que as co


munidades se foram multiplicando. As primeiras testemunhas
de Cristo já nao bastavam para apregoar a palavra e celebrar
o culto divino; foram obrigadas a instituir colaboradores que
nao tinham visto nem ouvido diretamente o Cristo; tais discí
pulos indiretos sao mencionados em At ll,19s; 13,1. Sao Paulo,
em Ef 4,11, enumerava os ministros que exerciam fungóes ñas
comunidades: «... apostólos, profetas, evangelistas, pastores,
doutores», ou seja, arautos da Palavra e da vida de Cristo.

Compreende-se que essss missionários da segunda geragáo


tenham comegado a escrever algo da tradigáo concernente a
Jesús. Este processo lhes sustentava a memoria e garantía a
fidelidade aos ensinamentos; além do que, fornecia aos cristáos
um memorial de Cristo mais seguro e duradouro; foi, alias, em
vista desta firmeza na fé que Sao Lucas escreveu o seu Evan-
gelho para os cristáos de origem grega (cf. Le. 1, 1-4). Os pri-

_ 350 —
JESÚS CRISTO É DEUS? 11

meiros escritos da mensagem crista nao eram Evangelhos com


pletos, mas secQóes ou folhas volantes avulsas, que continham
ou urna serie de episodios doutrinários (apoftegmas) ou um
conjunto de parábolas ou as narragóes concementes á morte e
ressurreigáo do Senhor...

No decorrer da segunda geragáo crista, o Evangelho saiu


da Palestina, comegando a ser apregoado em ambientes cultu
ráis e lingüísticos do helenismo. Por conseguinte, as palavras do
Senhor foram traduzidas do aramaico para o grego — o que
teve importancia capital.

A fixacáo por escrito dos ditos e feitos de Jesús deve ter


sido favorecida por um precedente, ou seja, pelo fato de que já
o povo de Israel fora paulatinamente consignando por escrito
as suas tradigóes históricas e doutrinárias; os livros de Israel
continuavam a ser lidos e comentados ñas assembléias cristas.
A Igreja sabia ser a verdadeira descendencia de Abraáo (Rom
4,11) e o auténtico Israel de Deus (cf. Gal 6,16); por isto conser-
vava os livros de Israel como genuino patrimonio dos cristáos.
De resto, o próprio Cristo se referia freqüentemente aos escritos
do A'ntigo Testamento, que ele considerava Palavra de Deus
(cf. Jo 10,35; Mt 22,31s); Ele sabia e proclamava que era o Filho
do homem de Daniel (cf. Dan 7,13; Me 14,62), o Servidor de
Javé de Isaías (cf. Is 52,13-53, 12; Le 22,37), oTtei que se sen
taría a direita de D*us conforme SI 109,1 (cf. Me 12,36s). As-
sim como Jesús explicou aos discípulos de Emaus o que Moisés,
os profetas e as Escrituras tinham dito a respeito dele (cf. Le
24,27), assim a Igreja recebeu de Jesús ressuscitado e glorifi
cado urna nova compreensáo das Escrituras (cf. Le 24,25). Em
conseqüéncia, os cristáos comecaram a narrar os feitos e os di
tos de Jesús utilizando termos e passagens do Antigo Testamen
to (cf. Mt 8,17 e Is 53,4); a Igreja sabia que todo o Antigo Tes
tamento fora escrito em vista do Cristo e da nova e definitiva
Alianga (cf. Rom 15,4).

Assim os escritos do Antigo Testamento contribuiram para


que se originassem, como sua continuagáo, resposta e consuma-
gáo, os livros do Novo Testamento.

3) Da pregoíáo parcialmente escrita aos textos dos Evangelhos


oficializados pela Igreja

Nem tudo que Jesús fizera e dissera, podía caber num livro
(cf. Jo 20, 30s). Mas ao menos os principáis de seus ditos e fei-

— 351 —
12 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

tos foram sendo consignados por escrito e transmitidos ñas pri-


meiras comunidades cristas. Aos poucos concebeu-se entre os
discípulos de Cristo a necessidade de se fazer urna sintese desses
episodios que circulavam mais ou menos avulsos ou independen-
tes uns dos outros. Os Evangelistas se encarregaram de fazé-la
na qualidade de escribas ou escritores das comunidades cristas.
Nao intencionavam escrever urna biografía completa de Jesús,
mas concatenar os episódos e fragmentos escritos que eram
transmitidos de local a local na Igreja. O quadro geográfico e
cronológico de muitos desses episodios nos Evangelhos ficou sen
do genérico e sobrio; o agrupamento e a seqUéncia de tais pe
gas literarias obedecía muitas vezes a criterios didáticos e sis
temáticos, mais do que propriamente a ordem de sueessáo dos
acontecimentos. — Esse processo nao impediu que cada Evange
lista colocasse na redagáo respectiva o seu estilo e o seu enfo
que próprios; cada qual apresentou a figura de Cristo segundo
o seu modo pessoal, procurando realgar em Jesús de Nazaré
alguns tragos do Salvador prometido a judeus e gentíos.

4) O testemunho de Le 1,1-4

As tres etapas que acabamos de assinalar na confeesáo


dos Evangelhos, acham-se atestadas pelo próprio Sao Lucas,
que no prólogo do seu Evangelho escreve:

"Muitos empreenderam compor urna historia dos acontecimentos que


se realizaran! entre nos, como no-Ios transmltiram aqueles que foram desde
o principio testemunhas oculares e que se tornaram ministros da palavra.
Também a mim pareceu bem, depois de haver diligentemente investigado
tudo desde o principio, escrevé-los para ti segundo a ordem, ó excelentísimo
Teófilo, para que conhegas a solidez daqueles ensinamentos que tens re-
cebldo" (Le 1,1-4).

Nesta passagem, o Evangelista distingue tres momentos:

a) O momento e a fungáo das testemunhas oculares. «Os


que viram e se tornaram servidores da palavra», dieram ini
cio á tradigáo do Evangelho. Esta procedeu, pois, de teste
munhas; nao foi concebida em escolas, academias ou em so-
nhos e revelagóes particulares; os Apostólos faziam questáo de
se apresentar sempre como testemunhas do que Jesús dissera
e fizera (veja-se em At 1, 21s a exigencia para que alguém
seja constituido Apostólo). Nao eram os senhores da palavra,
mas os servidores e ministros da mesma.

b) Os inicios da redacao escrita. «Muitos empreenderam


compor urna historia dos acontecimetos que se realizaram

— 352 —
JESÚS CRISTO É DEUS? 13

entre nos». A tradigáo oral foi-se fixando em fragmentos es


critos; nenhum Evangelho foi redigido de um só lance; na
literatura antiga nada havia que equivalesse ou se asseme-
thasse a um Evangelho escrito.

c) A redacáo dios Evangelhos completos. «Resolví, tam-


bém eu, depois de haver diligentemente investigado tudo,...
escrever...» A funcáo dos Evangelistas foi, portante, a de
reunir e concatenar, colocando na sua obra algo de seu genio
pessoal.

Quanto as datas em que foram redigidos os Evangelhos,


nao há convergencia absoluta entre os estudiosos que tentam
assinalá-las. Podem-se aceitar os seguintes dados como sendo
os mais prováveis: o Evangelho de Marcos (original grego)
data dos anos de 65/70; o de Lucas (original grego) remonta
a 75/80; o de Mateus supóe uma primeira redagáo em ara-
maico por volta de 50; este texto se perdeu, de modo que hoje
só temos uma redagáo grega ampliada, que se deve aos anos
de 80/85. O Evangelho de Joáo data de cerca do ano 100.

Uma vez proposta a historia da formagáo do texto atual


dos Evangelhos, coloca-se obviamente a pergunta: essas su-
cessivas etapas da transmissáo oral e escrita nao contribuiram
para deturpar a figura e a mensagem origináis de Cristo? As
preocupacóes com a disciplina, a liturgia, a apología das pri-
meiras comunidades nao concorreram para se formar uma no
va imagem de Jesús nos primeiros decenios? Podemos aceitar
que os Evangelistas consignaram realmente o Jesús da histo
ria e nao apenas o Jesús da fé (ou das concepgóes subjetivas
dos antigos cristáos) ? — É o que vamos estudar abaixo.

2.2. Que crédito merecem os Evangelistas ?

2.2.1. Em termos positivos

1. Os estudos de crítica literaria dos Evangelhos, mostran


do ñdelidade dos códigos á transmissáo do texto sagrado, su-
gerem-nos que, se houve alleragóes essenciais na figura de
Jesús, estas alteracóes se deram no período de pregagáo oral
que antecedeu a fixagáo dos Evangelhos por escrito. Ora já
este fato suscita dificuldades á crítica liberal. Com efeito,

1) em menos de trinta anos os antigos cristáos teriam


concebido uma imagem radicalmente nova de Jesús; em trinta
anos no máximo, o rabino e profeta de Nazaré ter-se-ia torna-

— 353 —
14 -rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

do o Cristo da fé. Ora esta hipótese parece nao levar em con-


ta a lentidáo do processo em que sao aureolados ou endeusa-
dos os vultos da historia. Enquanto há tsstemunhas oculares
e auriculares de um personagem humano, há sempre controle
sobre as lendas e fábulas respectivas (principalmente no caso
de Jesús os adversarios eram ávidos de denunciar qualquer
fraude na transmissáo da figura e da mensagem de Cristo).

2) Em toda a sua pregagáo oral e escrita os Apostólos fa-


ziam questáo de testemunhar apenas o que acontecerá, distin-
guindo ciosamente de tal testemunho as fábulas © mitos que
certos falsos arautos tentavam introduzir na pragagáo do
Evangelho (cf. 1 Tim l,3s; 4,7; 2 Tim 4,3s; Ti 1,14;
2 Pe 1,16) \

3) Para controlar a veracidade dos Evangelistas, temos


outros livros do Novo Testamento, principalmente as cartas
de Sao Paulo. Estas foram redigidas — pode-se dizer — antes
que os Evangelhos chegassem á sua atual forma escrita, ou
seja, entre 50 e 67. Nos outros livros do Novo Testamento nao
se encontram minucias da vida de Jesús, pois estas nao esta-
vam na mira dos respectivos autores sagrados; mas temos ai
o testemunho dos acontecimentos essendais concernentes a
Cristo: nasceu da mulher e foi submetido á Lei (Gal 4,4); era
filho de Davi (cf. Rom 1,14); pregou a Boa-Nova e realizou
feitos maravilhosos (cf. At 2,22; 10,37-39); padeceu a morte
de cruz e ressusdtou (cf. At 1,22; 2,23-36; 3,13-15; 4,10;
10,39-41; 1 Cor 15, 3-7; Gal 2,20; Col 2,14s). Sao Paulo faz
eco explícito a certos ensinamentos de Jesús: sabe que Jesús
se opós ao divorcio (cf. 1 Cor 7,10-15; Me 10,lls; Le 16,18);

i Apenas para facilitar a reflexáo do leitor, transcrevemos aqui alguns


dos textos citados ácima:

1 Tim 1,3-5 : "Torno a lembrar-te a recomendagáo que te del quando


partí para a Macedónia: devias permanecer em Éfeso para impedir que
certas pessoas andassem a ensinar doutrinas extravagantes, e a preocupar-se
com fábulas (mythols) e genealogías. Essas coisas, em vez de promover a
obra de Deus, que se baseia na fé, so servem para ocasionar disputas".
1 Tim 4,7: "Quanto ás fábulas profanas (mythous), esses contos extra
vagantes de comadres, rejeita-os. Exercita-te na piedade".
Ti 1,14: "Repreende-os severamente, para que se conservem saos
na fé e nao se apeguem a fábulas (mythois) judaicas e aos preceitos daque-
les que vlram as costas á verdade".
2 Pe 1,16: "Nao foi baseados em fábulas (mythois) ardilosamente in
ventadas que vos fizemos conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor
Jesús Cristo, mas, sim, depois de termos sido testemunhas oculares de sua
majestade".

— 354 —
JESÚS CRISTO É DEUS? 15

instituiu a ceia eucaristica (cf. 1 Cor 11,23-25; Me 14,23s); re-


fere-se aos preceitos que o Senhor estabeleceu (cf. 1 Cor 7,10;
9,14; 11,23).

Numa crítica sobria e serena, pode-se, pois, concluir: há


serias razóes em favor da autenticidade da figura e da men-
sagem de Jesús que os Evangelistas nos transmitem.

Todavía torna-se necessário agora observar as modalida


des dessa auténtica transmissáo.

2.2.2. As modalidades do falo positivo

Para completar a nossa nogáo de fidelidad© dos Evange-


lhos, impóem-se-nos ulteriores observagóss:

1) No tocante aos discursos de Jesús, compreende-se que


os imediatos ouvintes nao tenham pensado em decorá-los. Por
vezes, mal entendiam todo o alcance do que Jesús lhes ensi-
nava. Quando, pois, apregoaram a mensagem de Cristo, nao
puderam por vezes senáo referir o conteúdo dessa mensagem,
recorrendo a linguagem sinónima e variegada. É o que expli
ca as diversidades ñas palavras de Jesús sobre o pao e o vinho
ñas narragóes da última ceia (cf. Mt 26,26-29; Me 14,22-24;
Le 22,19s; 1 Cor 11,23-25); na formulagáo do Pai-Nosso (cf.
Mt 6,9-13; Le 11,2-4); no ssrmáo missionário de Cristo (cf.
Me 6,8s; Mt 10,9s)... Sabe-se também que o vocabulario e
o estilo de Jesús no Evangelho de Sao Joáo sao diversos dos
que os sinóticos apresentam.

Contudo mesmo assim há passagens em que os críticos


julgam poder reconhscer literalmente as palavras mesmas pro
feridas por Jesús no seu sabor primitivo aramaico; sao «ipsis-
sima verba Christi» (segundo o estudioso protestante Joachim
Jeremías). Assim a expressáo «Em verdade, em verdade
(amém, amém) eu vos digo...», com a qual Jesús introduz
muitas de suas afirmac.5es, nao tinha paralelo na literatura
contemporánea aos Apostólos; é criaqáo de Jesús literalmente
consignada pelos Evangelistas (cf. Me 9,1; Mt 26,21; Jo 1,51;
3,3; 13,21). Também certas expressóes do Pai-Nosso, como o
apelativo Eai e algumas petigóes («perdoa-nos as nossas divi
das. .., santificado seja o teu nome...») tém genuino sabor
aramaico. Diga-se o mesmo a respeito das palavras com que
Jesús confere o primado a Pedro em Mt 16,17-19; sao o eco

— 355 —
16 ^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

imediato da linguagem original de Jesús («Feliz és tu,... car


ne e sangue..., Pai que está nos céus..., Pedro-pedra..., por
tas do inferno..., chaves do Reino dos céus..., ligar-des-
ligar»). Mais: o uso das parábolas, táo freqüente como é nos
Evangelhos, nao pode ter sido criado pelas comunidades pri
mitivas.

2) Os Evangelistas intencionaram dar testemunho da vida


de Jesús sem inventar; cf. Le 1,1-4; Jo 19,35; 20,30s; 21,24s.
Isto, porém, nao excluí que tenham recorrido a géneros litera
rios ou procedimentos estilísticos vigentes entre os judeus. Já
que a finalidade sua era anunciar a Boa-Nova ou fazer que
os leitores, lendo os ditos e os feitos de Jesús, reconhecessem
o Messias prometido aos patriarcas, procuraram eles aludir aos
fatos históricos de maneira e torná-los transparentes ou mos
trar o significado teológico desses fatos.

É o que acontece, por exemplo, com a genealogía de Jesús


reproduzida em Mt 1, 1-17. Evidentemente o Evangelista dis-
pós os nomes da tabsla genealógica em tres series de quatorze
personagens, a fim de aludir ao nome de Davi(d) (as consoan-
tes D, V, D em hebraico tém o valor numérico 4+6+4=14).
Jesús, aparecendo como o herdeiro de 3 X 14 geragóes, era evi
dentemente caracterizado (para um judeu) como sendo o Filho
de Davi por excelencia ou o Rei messiánico. — Sao Lucas
(3,23-38), ao contrario, apresenta outro tipo de genealogía, pas-
sando de Jesús até Adáo, para mostrar que Jesús era o novo
Adáo, o irmáo e Salvador de todos os homens.

Em suma, há inegavelmente nos Evangelhos modos lite


rarios usuais entre os judeus e menos conhecidos a nos, moder
nos. É necessário levar em conta tais modos a fim de entender-
mos a historiografía dos Evangelistas como estes a entendiam
e nao como nos a poderíamos entender (se nao estivéssemos
prevenidos).

3) É inegável também que os pregadores do Evangelho, ao


anunciaren! a Boa-Nova aos diversos auditorios que encontra-
vam, explicitavam-na, pondo em relevo dados importantes para
tais ouvintes. A pregagáo sempre foi algo de vivo, concebido
para responder as questóes vitáis trazidas pelos destinatarios.
Assim em Mt 12, 39s é explicado o sinal de Joñas que em Le 11,
29 é somente mencionado; ora pode-se crer que a explicitagáo

— 356 —
JESÚS CRISTO É DEUS? 17

tenha sido feita pelos Apostólos ao apregoarem os episodios,


após a morte e a ressurreigáo de Jesús.1

Acontece, porém, que este e outros exemplos de explicita-


gáo da mensagem de Jesús concorrem para levantar dúvidas
em certos críticos sobre a autenticidade da figura e da doutri-
na de Jesús transmitida pelos Evangelistas.

Que dizer em resposta a tais dúvidas?

— É o que veremos sob o título abaixo.

3. A palovra final

Em última análise, devenios reconhecer que a redagáo es


crita dos Evangelhos que hoje temos, traz em si a marca do es
tilo e da vida das comunidades cristas nascentes. Este resultado
do chamado «método da historia das formas» é incontestável.
A S. Igreja nao teve dificuldade em reconhecé-lo mediante a
Instrucáo da Pontificia Comissáo Bíblica «Sancta Mater Ec-
clesia» de 21/IV/1964.

1. A yerificagáo deste fato, porém, nao leva necessaria-


mente a afirmar que houve deturpacáo da mensagem de Jesús
através das etapas da pregacáo oral, ou seja, nos trinta anos
entre a ascensáo do Senhor e o inicio da redagáo dos Evange
lhos. Quem afirma a deturpagáo e, por conseguinte, nega a ve-
racidade dos Evangelhos, só o faz na base de principios filo
sóficos (do existencialismo, do sociologismo), e nao simplesmen-
te em consequencia de suas investigagóes exegeticas (literarias
e históricas). Quem nao adota a filosofía dos críticos liberáis,
mas procura tranquilamente auscultar os textos e a historia das
tempos do Novo Testamento, nao terá motivos que o obriguem
a negar a veracidade dos Evangelhos. Ao contrario, destituido
de preconceitos, levará em conta todos os indicios positivos
(atrás brevemente mencionados) que abonam a fidelidade his-

1 Comparem-se os textos :

Le 11,29: "Esta geracáo... pede um sinal; mas nSo se Ihe dará


outro sinal sengo o do profeta Joñas. Pois, como Joñas foi um sinal para
os nlnlvltas, assim o Fltho do homem o será para esta geracSo".
Mt 12,39a: "Esta geracSo... pede um sinal; mas nao Ihe será dado
outro sinal senáo aquele do profeta Joñas. Do mesmo modo que Joñas esteve
tres dias e tres noites no ventre do peixe, assim o Fllho do homem flcará
tres dias e tres noites no seio da térra".

— 357 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

tórica dos Evangelhos. E aceitará serenamente o testemunho


dos Evangelistas.

2. Para um estudioso católico que se deixe orientar nao


somente por criterios científicos, mas também por sua fé, faá
nova razáo para afirmar a historicidade dos Evangelhos. Com
efeito; Jesús prometeu a seus Apostólos a assisténcia do Espi
rito Santo, o qual haveria de os levar á plena compraensáo das
palavras de Cristo (cf. Jo 14,17; 16,4. 13). A fé, portante, ensi-
na que a explicitacáo e a aplicagáo da Boa-Nova feita pelos
arautos da Igreja e consignada nos Evangelhos representa o
desdobramento genuino da doutrina de Cristo. Nao pode haver,
portante, diferenca essencial entre o Jesús da historia (Jesús
que viveu outrora na Palestina) e o Jesús da fé (Jesús afirma
do e acreditado pelas comunidades primitivas).

É nesta altura que se distanciam, uns dos outros, críticos


católicos e críticos protestantes liberáis. Textos admitem que o
texto escrito dos Evangelhos é o reflexo nao somente da me
moria dos Evangelistas, mas também da pregagáo oral dos pri-
meiros decenios. A exegese liberal (Dibelius, Bultmann), po-
rém, admite, em virtude de posigóes preconcebidas, que a pre
gagáo viva desfigurou a imagem e o pensamento de Cristo, ao
passo que a exegese católica — isenta de preconceitos e guiada
pela consciéncia de que o Espirito Santo assiste a sua Igreja e
inspirou os autores sagrados — afirma identidade substancial
entre a pregagáo viva de Jesús e o texto escrito dos Evangelhos.

«O Jesús da historia fica sendo o fundamento necessário sobre


o qual se apoia a nossa transicáo para o Cristo da fé. Se houvesse,
como pretenden) freqüentemente certas correntes nao-católicas, con-
tradicao entre esses dois termos, nossa fé estaría privada dos feiros
sobre os quais a Igreja sempre a fez pousar... Nao colocamos nossa
fé num Cristo saído da fantasia dos homens, mas no Cristo que Deus
nos deu no personagem histórico que tinha por no me Jesús de
Nazaré» (J. Michl, «Le probléme de Jésus», p. 24).

Bibliografía :

J. Michl, "Le probléme de Jésus. Oe Jesús de l'histoire au Christ de la


foi". Mulhouse 1698.
Ch. H. Schelkle, "Introductlon au Nouveau Testament". Mulhouse 1965.
D. Grasso, "II problema di Cristo". Assisi 1965.
J. Albanese, "A procura da fé". SSo Paulo 1971.
P. Cerruti, "O Cristianismo em sua origem histórica e divina". Río de
Janeiro 1963.
Veja-se também o livro "Jesús Cristo Libertador" recenseado á p. 385
deste fascículo.

— 358 —
Gomo

7
..." Debrufado sobre urna materia que
Ihe resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu
cim/to, enquanto para si adquire tenacidade,
p.ngenho e espirito de invencao. Main aínda,
vivido em conium, na esperanza, no sofri-
mentó, na aspirado e na alvgria partilha-
da, o trabalho une as vontades, aproxima os
espiritas e sóida os cora^oes: realizando-o, os
hotneus desv.obrem que sao irmaos."

PAULO VI
(Carta Encíclica Populorum Progressio)

marco - 1967

ENGEFUSA
Ética- Seguranca- Pioneirismo
Questáo do domingo:

missa obrigatória?
tem valor, mesmo quando nao
sinto vontade?

Em síntese: A S. Missa é o sacrificio do Calvarlo perpetuado sobre


os altares; Cristo se oferece entáo com a sua Igreja ao Pai. Sem Missa nSo
há Cristianismo, como nao o há sem o Calvarlo. Por isto é que a Igreja
estabeleceu para os seus fiéis o precelto da Missa dominical. O Concilio
do Vaticano II, longe de diminuir a importancia desta norma, valorizou de
novo modo o domingo e abriu novas posslbilidades de participacSo da
S. Missa: diversos estilos de celebrado, horarios dilatados, etc. A "espon-
taneidade" com que o fiel católico vá á Missa no domingo, nSo é condlcao
para que tal ato tenha valor e sentido; há valores que exigem sacrificio e
disciplina, mas nem por isto podem ser menosprezados. De resto, a espon-
taneidade da participacáo e a estima da S. Missa nao podem faltar em
quem tenha exata consciéncia do que é a Missa; a pastoral deverá avivar
tal consciéncia nos fiéis, e lembrar-lhes que o Cristianismo so se vive ple
namente em contato com o Sacramento e a Comunidade.

O episcopado do Canadá publicou recentemente urna Declaragáo sobre


o assunto, que vai transcrita ñas páginas seguintes.

Retsposta: É freqüente indagar-se, entre fiéis católicos, se


a Missa aos domingos (ou aos sábados de tarde) ainda é obri
gatória. A mentalidade aberta e compreensiva do Concilio do
Vaticano n nao dispensa o cristáo de lei táo minuciosa? E
que valor pode tsr a Missa para quem a ela assista constran-
gido e a contragosto?

Estas perguntas, decisivas na prática da catequese e na


formagáo das consciéncias, seráo o objeto das reflexóes que
se seguem.

1. Tem valor?

Para comecar, lsve-se em conta que pode haver auténti


cos valores que custem sacrificios; o próprio comer — condicáo

— 360 —
MISSA OBRIGAT6RIA? 21

indispensável á vida — pode ser penoso, de modo que o indivi


duo só se alimente vencendo fastío e capricho. O tratamento
da saúde, em geral, pode exigir dura disciplina. Todavía nem
por isto o bom senso o rejeita. Apesar de praticado com sacri
ficio e constrangimento, conserva pleno sentido e nao deixa de
ser obligatorio para quem queira sobreviver; a «espontaneida
des, no caso, nao é criterio decisivo.

Em conseqüéncia, vé-se que a freqüentacáo da S. Missa


aos domingos pode ter pleno sentido e valor mesmo quando o
cristáo nao «sinta vontade» de ir á igreja. O fato de, nao obs
tante, vencer-se e participar da Eucaristía é um testemunho de
fé e de amor a Deus (testemunho que Deus reconhece e que
o próprio individuo pode reconhecer). Em verdade, o homem
fala ao Senhor principalmente pela inteligencia e a vontade,
que a fé ilumina; a sensibilidade e os afetos sao subordinados
as facuidades superiores; por isto é que, mesmo quando no pla
no afetivo o cristáo se senté indiferente e frió em relacáo aos
valores religiosos, conservam pleno valor os atos que ele pra-
tique em virtude da sua fé religiosa esclarecida. — Ademáis
note-se que a pessoa que quisesse seguir suas inclinacdes espon
táneas — caprichosas e volúveis como por vezes sao — nunca
se desabrocharía nem realizaría algum ideal. Toda auténtica
personalidade subordina suas tendencias inatas a luz da razáo
e da fé.

Lógicamente entáo indagamos: em que consiste o valor da


Missa?

2. Missa: valor cuja nobreza abriga

1. Para o cristáo, a Missa é o sacrificio que Cristo ofe-


receu urna vez no Calvario e agora perpetua sobre os altares;
na Missa Cristo, como Sacerdote e Hostia, se entrega ao Pai,
envolvendo na sua oblacáo a Igreja, isto é, cada um de seus
fiéis. Ora o sacrificio do Calvario é o sacrificio da Redencáo;
sem ele nao há Cristianismo nem vida crista. Por conseguinte,
sem a Missa o Cristianismo se torna mera escola de bons cos-
tumes ou sistema de morigeracáo; já nao é a comunicagáo da
vida de Deus Pai aos homens mediante Cristo; já nao é inser-
gao dos homens no Corpo Místico de Cristo para que com Cristo
voltem ao Pai.

2. Consciente disto, a S. Igreja incluiu entre os seus pre-


ceitos o da participacáo da Missa aos domingos. Mediante esta

— 361 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

norma, a Igreja quer lembrar aos seus filhos a importancia


capital da S. Missa e propiciar-lhes o estímulo para que nao se
afastem déla por muito tempo. É compreensível que, ao termi
nar um ciclo de sete días (semana), o cristáo consagre o séti
mo dia ao Senhor e participe da S. Missa; é por esta que o fiel
católico oferece ao Pai com Cristo sua labutas, dores, alegrías
e esperangas vividas durante a semana; dá assim um sentido
novo aos seus trabalhos e sentimentos; em resposta, recebe do
Pai o viático ou alimento necessário para caminhar certeira-
mente por mais uma semana, procurando construir o mundo
e atingir finalmente a mansáo do Pai.

Esta lei da Igreja é sabia; inspira-se da mais auténtica


consciéncia do teroairo preceito do Decálogo («Guardar o dia
do Senhor») assim como do significado da S. Missa para a vida
crista.

3. Sem dúvida, a Igreja poderia modificar o preceito da


Missa dominical, pois se trata de uma lei positiva. Todavía até
hoje nao concorrem razóes peremptórias para tanto. Nao pa
rece demasiado exigir dos cristáos que consagrem trinta ou
quarenta minutos de cada semana ao culto de Deus e ao seu
revigoramento espiritual na mais auténtica fonte; sao esses
trinta ou quarenta minutos — ponto alto da vida crista — que
comunicam significado e valor aos restantes minutos de toda
a semana. É lógico que, se alguém, por motivos realmente im
periosos, está impossibilitado de participar da S. Missa, já nao
se acha sujeito á lei. Também se compreende que a cada cris
táo seja lícito procurar a igreja e o tipo de celebracSo eucaris
tica (fiel as normas da Igreja) que mais correspondam ao seu
estilo pessoal de oragáo e vivencia comunitaria.

O Concilio do Vaticano II, longe de afrouxar ou desvalo


rizar a participacáo da S. Missa no dia do Senhor, quis, ao con
trario, recomendá-la e facilitá-la; em vista disto, ampliou o
prazo útil para o cumplimento do preceito: já que o dia do
Senhor na Biblia é contado de por do sol a por do sol, a S. Igre-
já, inspirada pela recente renóvagáo litúrgica, permite que, des
de o sábado a tarde até o domingo á noite, os fiéis possam satis-
fazer á observancia do preceito (seja recordado que até pou-
cos anos atrás só se celebrava a Eucaristía no domingo de
manhá).

4. Talvez, porém, queira alguém dizer: prefiro ir á igreja


em dia de semana, quando nao há o movimento de pessoas e vo-
zes que caracterizam uma assembléia eucaristica de domingo,

— 362 —
MISSA OBRIGATÓRIA? 23

principalmente ñas igrejas paroquiais. Rezo entáo mais sosse-


gado e recomido.

— O cristáo tem plena razáo ao procurar rezar profunda


mente em lugares silenciosos. Faca-o freqüentemente e com
fervor. Isto, porém, nao impedirá que vá também á assembléia
eucarística do domingo. O homem é um ser de dimensóes so-
ciais; íessas dimensóes foram assumidas pelo Cristianismo, que
dos seus membros faz urna só familia, um só povo em marcha;
esse povo caminha conjuntamente para a Casa do Pai, cele
brando a mesma Eucaristía e corriendo o mesmo pao da unida-
de. Assim como ninguém se realiza a sos na sua vida civil ou
profissional, assim também ninguém vive a sua fé isoladamente,
mas é na Igreja e na comunidade que cada cristáo encontra o
alimento e o estímulo para o seu pleno desabrochar esporotual.
Nao há Cristianismo sem adesáo á Igreja e sem vida eclesial. Dd
a escolha, por parte da Igreja, de um dia determinado da se
mana para se realizar, por excelencia, a assembléia eucarísti
ca do povo de Deus. Nao há dúvida, o domingo é o dia mais
indicado para isso, pois comemora a ressurreíeáo do Senhor,
ou seja, a Vitoria de Cristo sobre o pecado e a morte, Vitoria
em conseqüéncia da qual o género humano entrou na posse da
vida eterna.

5. O cristáo que tenha compreendido o que é a S. Missa e


o que é ser cristáo nao pode deixar de conceber o desejo es
pontáneo de participar regularmente da S. Missa. Esta já nao
é para ele um fardo, mas urna necessidade vital. Há deveres
exigentes que praticamos sem ter consciéncia de que sao de
veres, mas, ao contrario, movidos por plena espontaneidades
tais sao os deveres vitáis do comer, respirar, repousar, etc. A
S. Missa assume este aspecto para quem a compreendeu devi-
•damente: é fonte e condicáo de vida, encontró com o Pai, ante
gozo dos valores eternos. O cristáo consciente disto nao con-
segue dispensar-se da freqüentagáo da S. Missa.

Vé-se, pois, que a pastoral hoje em dia deve interessar-se


especialmente por esclarecer os fiéis sobre a S. Missa e a vida
crista em geral: dé a ver que o Cristianismo nao é nem sim-
plesmente mensagem de amor, fraternidade e justiga, nem me-
to sistema de morigeracáo ou educacáo moral, nem apenas re-
lacionamento subjetivo e privado da criatura com o Criador.
Embora tenha essas dimensóes, o Cristianismo as envolve to
das numa visáo de sacramento: é Deus quem se dá primeira-
tnente ao homem, suscitando a resposta do homem; e Deus se

— 363 —
2£ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

dá objetivamente, mediante o Corpo de Cristo prolongado na


Igreja e na Eucaristía.

3. Um documento recente

Precisamente a fim de atender aos fiéis que indagam sobre


o preceito da S. Missa dominical, os bispos do Canadá promul-
garam recentemente urna Instrucáo assaz significativa. Visto
que o documento é de alta utilidade também para os cristáos
no Brasil, vai abaixo transcrito em tradugáo portuguesa:

«Alguns cristáos interrogan! a si mesmos sobre o sentido e o deven,


da celebracao da Eucaristía aos domingos.

O domingo é o dia do Senhor. Toda a comunidade crista reune-se


para comemorar no misterio da Eucaristía a morte e a ressurreisáo
de Cristo. O Concillo do Vaticano II quis valorizar a Liturgia do
domingo na vida crista. Seria grave erro pensar que os bispos no
Concilio tenham intencionado diminuir a importancia do domingo
para Oí cristáos.

Hoje como ontem, e até o fim dos tempos, os fiéis devem reu-
nir-se no domingo, e eles se reunem para glorificar a Deus e celebrar
a ressurreicao do Senhor. Escutam a palavra de Deus; nela en con
tra m vida e luz. Compartilham o corpo e o sangue do Senhor. Juntos,
fazem a deseoberta de como o Senhor prepara com etes 'céus novos
e térra nova'.

O crístSo e a comunidade dos fiéis prerisam de se reencontrar


como irmaos em momentos nos quais, mediante a comunháo com o
Corpo de Cristo, podem reanimar a sua fé e a sua esperanca a
servico do mundo a transformar.

A celebracao do domingo ñas paróquias, reunindo todos os


cristáos, ricos e pobres, de todas as classes sociais e idades, é a
manifestacáo da universalidade do Igreja e o ato pelo qual ela se
torna visível aos homens.

Longe de desaparecer como obrigacáo ultrapassada após o


Concilio do Vaticano II, a celebracao do domingo tornou-se aínda
mais importante em virtude da luz, dos valores e das facilidades,
que o Concilio proporeionou aos cristáos.

— 364 —
ÑAS PÁGINAS

SEGUINTES

VOCÉ

ENCONTRARÁ
A ENCICLOPEDIA

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e que nao poderá faltar em .sua casa.


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Volume 2 O NOVO TESTAMENTO


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Volume 7 O ENSINAMENTO DOUTRINARIO DA IGREJA


Quentln de la Bedoyére

Volume 8 O ENSINAMENTO MORAL E SOCIAL DA


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Chrlstopher Derrlck

Volume 9 A LITURGIA DA IGREJA


Paullnus Mllner. O. P., S. T. h.

Volume 10 A CONSTRUYO DE IGREJAS


Peter F. Anson

Volume 11 A ARTE NA IGREJA


Iris Conlay e Peter F. Anson

Volume 12 DICIONARIO — ÍNDICE

COORDENACAO DA EDIQAO BRASILEIRA

Departamento de Teología da
Pontificia Universidad? Católica do
Rio de Janeiro

Supervlsáo: Antonlus Benko, S J.

Colaboradores: Antonio José Coelho de Abreu. S. J-


Antonio P. Ouglielmi, Fe.

Armando Cardoso, S. J.

Dom Estivao Bettencourt, O. S. B.

Paulo Roberto Teixelra. S. J.

Valdeli Costa. S. J.

Prof» Zilah Xavier de Almeida Gomes


MISSA OBRIGATÓRIA? 25

Mais aínda : numa época em que os homens procuram a sua


líbertacáo em todas as acepcoes desfa palavra, o sentido da assem-
bléia de domingo toma dimensóes correspondentes as novas ne-
cessidades.

Sinal de Deus entre os homens, vía que indica em que direcáo


se prepara a térra nova á qual os homens aspiram, forca que sustenta
a difícil procura, a assembléia fraterna dos cristáos é um líame
capital e um gesto privilegiado.

Assim, pois, a celebracáo do domingo nao se pode subtrair as


exiigéncias da lei do Evangelho, que é leí de amor 1 £ urna obriga-
cao que a maturidade dos cristaos estima como responsabilidade
pessoal e primordial. Como preceito da Igreja, a lei da participacao
na Eucaristia do domingo é mantida e reafirmada por causa da
sua nobreza nativa.

A estrutura das paróquias de hoje tornar-se-á acolhedora para


todas as formas de expressáo, de animacao e de agrupamento .que
contrtbuam para se construirem células de comunidades, urna rede
mais articulada áa oracao, urna melhor experiencia da comunháo
ecleslal, um enga¡amento aberto a todos e urna promocáo da comu-
nidade maior. Para se aiingirem tais fins, as comunidades de base
podem tornar-se um instrumento eficaz. Outros meios poderáo ainda
ser procurados. É para um esforco coletivo de penetracáo do sen
tido da assembléia eucarística que desejamos convidar os cristaos»
(traduzido de «L'Osservatore Romano», ed. francesa, 12/V/1972, p. 6).

Em suma, com este documento os bispos do Canadá lem-


bram que ser cristáo nao é simplesmente cultivar urna sá filo
sofía e um generoso amor aos homens, mas é receber de Deus
a vida eterna, prenhe ás sabedoria e de amor, a fim de derra-
má-la sobre todos os homens; assim penetrado pelo dom de
Deus, o cristáo pode validamente aspirar a colaborar na trans-
formagáo deste mundo, que a ciencia e a técnica tornam cada
vez mais complexo e exigente. Ora é precisamente na S. Missa,
fielmente participada de domingo em domingo, que o cristáo
recebe um pouco de etemidade para poder dar sentido e valor
á labuta dos seis dias de trabalho da semana.

— 365
ffiZ NflDfl /OZ¡NHO
Nem mesmo urna e abastece as máquinas que
Companhia que há 60 anos abrem novas estradas.
vem acómpanhando o Mas sua
prógresso, presente em todo responsabilidade maior é
o país (com cérea de 3500 com gente.

postos de servigo), na Seu pessoal é tremado


industria (com mais ;de 300 de acordó com as modernas
produtos), rió campo técnicas administrativas.
e no lar. [ A Esso sabe que
A Esso tem urna precisa de gente, porque
tradiejio de pioneirismo. ninguém, nem mesmo urna
Chegóu á grande compa-
Transamazónica com as nhia, pode fazer .^
primeiras frentes de trabalho nada sozinho.
Um brado violento:

o manifestó dos 33

Em sintese: Aos 17 de margo de 1972, trlnta e tres teólogos perten-


centes a sete nacfies diversas do Ocldente lancaram um Manifestó "Contra
a reslgnacfio na Igreja". Incitam os fiéis a resistir a certas normas das
autoridades da Igreja que Ihes parecam "nao estar manifestamente de
acordó com o Evangelho"; preconizam também reformas menores, aparente
mente anodinas, onde as reformas malores sejam abertamente ilícitas;
asslm se prepararao situapoes consumadas. Nestes termos, o Manifestó
vem a ser um incitamento á "guerrilha eclesiástica".

O Manifestó suscitou urna sórie de comentarlos da parte de blspos e


outros teólogos. Embora a intencáo dos signatarios seja válida (desejam
renovar sempre mais a face humana da Igreja), o documento nSo ó feliz.
Na verdade, a Igreja n§o é simplesmente urna socledade de homens, em
que possam ser aplicados os meios de luta e conquista que os grupos
humanos utlllzam. A Igreja é o Cristo prolongado, que exerce a sua mlssao
através do magisterio e do ministerio dos blspos; por Isto as grandes ques-
tfies da Igreja, embora nSo dispensem o recurso aos melos humanos, hSo
de ser encaradas sempre numa perspectiva de fó profunda, esperance viva
e amor cristfio. Mals: os teólogos conslderam as reformas disciplinares da
Igreja do ponto de vista doutrlnárlo e lógico; os blspos, porém, levam em
conta outrosslm os aspectos pastorais e prudenciáis dessas reformas. Por
Isto os teólogos e os blspos devem complementar-ae mutuamente, flcando,
porém, a palavra final aos blspos. Aos teólogos compete exercer a fé jun
tamente com a cléricia e despertar no povo de Deus fé mals viva e conflanca
mals coerente no Cristo que govema a Igreja. Qualquer pronunclamento de
doutos e sabios crlstfios dirigido ao povo de Deus já nfio é digno de acel-
tacao, caso esqueja essa sua finalidade.

Comentario: Quem acompanha a vida da Igreja hoje era


dia através de jomáis e noticiarios, foi informado a respeito de
um Manifestó de 33 teólogos de renome internacional intitula
do «Contra a resignacao na Igreja». Trata-se de um (documento
de 2.500 palavras tornado público aos 17/IÜ/1972 e assinado
por doze teólogos alemáes, cinco holandeses, quatro suígos e ou
tros provenientes da Austria, da Espanha, dos Estados Unidos
e do Canadá..Nao há um francés, um belga, um inglés, um ita
liano, um polonés ou um latino-americano. Para surpresa dos
entendidos, apareceram entre os signatarios homens conside
rados cheios de equilibrio, como Lohfink e Haag.

— 367 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

Abaixo daremos em síntese as principáis idéias do docu


mento para poder, depois, comentá-lo sucintamente.

O Manifestó pode ser lido na íntegra em "La Documentatlon Catholi-


que" t. 69, n? 1607. de 16/IV/1972; "II Regno" a. XVII, n? 243, 1/V/1972.

1. «Contra a resignando na Igreja»

Sabe-se que há numerosos fiéis católicos (especialmente


entre os teólogos) preocupados com o que lhes parece ser a
morosidade da aplicagáo das diretrizes do Concilio do Vaticano
II. Por isto já em 1969 os teólogos responsáveis pela revista
«Concilium» promoveram em Bruxelas um Congresso Interna
cional de Teología; as teses um tanto avanzadas desse certame
nao encontraran! grande eco. Em 1971 a mesma corrente de
estudiosos tentou condicionar o Sínodo dos Bispos que se reu
niría em Roma nos meses de outubro/novembro; empreende-
ram campanhas pela imprensa escrita e pelo radio a fim de fa-
zer que o Sínodo «refletisse»... Este, porém, nao correspon-
deu as exigencias dos que o pressionaram. Em conseqüéncia,
tais estudiosos apslam agora para a contestacáo; receiam a
estagnacáo dos que preconizaran! a renovagáo da Igreja; apre-
goam urna tática que se poderia chamar «guerrilha eclesiástica»
e «cerceamento das autoridades».

As queixas que os manifestantes apresentam, referem-se á


maneira como sao nomeados os bispos..., á insistencia sobre
a autoridade e sobre a necessidade da obediencia na Igreja...,
ao paternalismo que os bispos exercem sobre os simples fiéis
e o baixo clero incapazes de apelar contra as decisóes das auto
ridades eclesiásticas..., a desconfianza das autoridades em re-
lacáo a certos teólogos que procuram programar o futuro da
Igreja..., a manutengáo integral da lei do celibato sacerdo
tal... — E qual o remedio preconizado pelos manifestantes?

— Nao se trata de purificar a fé e os costumes mediante


um trabalho humilde e perseverante; tal trabalho foi esbogado,
por exemplo, pelo Padre Yves Congar em «Vraie et fausse re
forme dans l'Église» e J.J. von Allmen em «La Reforme dans
l'&glise» (1971), da parte protestante. Trata-se, antes, de em-
preender urna acto «política». Os fiéis sao incitados a exercer
resistencia contra certas determinagóes da Igreja ou entáo a
fazer pressáo sobre os seus pastores hierárquicos: empreendam
por própria iniciativa pequeñas reformas, aparentemente ino
cuas, onde as grandes nao sejam permitidas; assim prepara-

— 368 —
«CONTRA A RESIGNACAO NA IGREJA» 29

rao o terreno para as mudancas vultosas na Igreja. A resisten


cia e a pressáo sao justificadas desde que os fiéis julguem que
determinada norma da Igreja «nao está manifestamente, de
acordó com o Evangelho». Em outros termos: o Manifestó pre
coniza desobediencia e rebeldía atuante dentro da Igreja; apre-
senta normas estratégicas para a conquista de certas metas.
Que dizer a tais propósitos?

2. Comentando o Manifestó. . .
2.1. A repercussáo

Os signatarios do Manifestó sao 33 teólogos e professo-


P9S. Esta quota representa porcentagem mínima desde que
se leve em conta que atualmente há cinco ou seis mil profes
ares de teología ñas Facilidades e nos Seminarios católicos
do mundo inteiro. A opiniáo católica reagiu diversamente nos
diversos países em que foi publicado o Manifestó. Na Bélgica,
por exemplo, os jomáis de língua flamenga deram-lhe certa
atengáo insistindo sobre os nomes dos teólogos holandeses
signatarios do documento; os jomáis belgas de língua france
sa, mesmo os de tendencia avancada, consagraram apenas pou-
cas linhasao documento. Na Franca, a imprensa também se mos-
trou reservada, exprimindo mesmo certo descontentamente
frente ao Manifestó. Em outros países., certas meios divulgaran!
o documento na integra. Os bispos da Europa redigiram respos-
tas oportunas ao mesmo: nota-.se de modo especial por sua fir
meza e caridade a do episcopado alemáo (doze signatarios do
Manifestó eram alemáes); também se pronunciou com grande
sabedoria o Cardeal Franz Koenig de Viena; o Cardeal Garrone
em Roma num tom tranquilo qualificou o Manifestó de «dema
gógico e arbitrario». Dos artigos e comentarios suscitados pelo
Manifestó depreende-se que o apelo á rebeliáo nao encontrou
eco no povo de Deus como tal.

Nos países em que a imprensa apenas resumiu o documen


to, ela pos em relevo os dsscontentamentos e as críticas diri
gidas á Igreja; mas nao deu expressáo aos ensinamentos es
tratégicos do Manifestó, que constituem todavía a parte mais
longa. Nao sería este silencio o sinal do mal-estar que o pú
blico experimenta diante da proclamacáo de manobras e estra
tegias dentro da Igreja,... proclamagáo feita por professores
de teología? Tal atitude nao convém a tais homens. Os fiéis
católicos, mesmo os que criticam a atual situacáo, parecem

— 369 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

hesitar diante dos ensinamentos contestatarios e provocado


res dos mestres de teología. Quem reflete um tanto sobre o
Manifestó, tem a impressáo de que é obra de uns poucos ho-
mens que procuram dar vulto a teses e métodos que em si sao
precarios e nao corresponden! ao bom senso do povo de Deus.

2.2. A fótica preconizada

Resistencia passiva e pressáo sistemática sao táticas que


podem ter lugar em sociedades meramente humanas; sao mei-
os pelos quais os homens procuram obter dos homens o que
por vias tranquilas nao lhes é dado; a estrategia, a conquista
astuta sao compreensiveis desde que haja guerra ou guerrilha.

Ora a Igreja tem certamente urna face humana — o que


lhe é comum com outras sociedades. Mas a Igreja tem algo
mais,... algo de mais importante: é urna realidad© divino-hu-
mana, é o Cristo prolongado. Por isto os principáis problemas
da Igreja nao sao problemas de estrutura ou administragáo
(como seriam talvez os de urna sociedade meramente huma
na), mas sao problemas de fé, de esperance e de amor a Cris
to. Sendo assim, em última análise, nao é a pressáo ou a re
sistencia que há de renovar a Igreja, mas, sim, mais íntima
uniáo a Cristo e a Deus Pai. Ao teólogo nao compete ser um
arauto de «ideología eclesiástica» (de direita ou de esquerda),
impelindo o povo de Deus contra as autoridades ou o clero
contra os bispos, mas ao teólogo compete ilustrar e avivar a
fé revelada por Cristo e contribuir para que o povo de Deus
a viva mais intensamente. Quando os 33 manifestantes apon-
tam o «sistema eclesiástico» como raiz de todo o mal na Igre
ja, nao estáo insinuando que na Igreja as questóes se reduzem
a distribuigáo de poderes, encargos e mandatos? Poder-se-ia
conceber interpretacáo mais falsa da missáo de dirigir e gover-
nar existente na Igreja?

Provocar militancia contra as autoridades da Igreja sig


nifica violar a uniáo e a comunháo de fé e de amor que de-
vem caracterizar os discípulos de Cristo; significa fomentar
partidos e assim contrariar frontalmente as intencóes de Cris
to (cf. 1 Cor l,12s).

Os bispos da Austria, numa declaragáo publicada aos


24/IÜ/1972, chamaram a atengáo para o surto de partidos
dentro da Igreja. Censurando severamente o fenómeno, pro-
puseram valiosas reflexóes, das quais extraímos os seguintes
tópicos:

— 370 —
«CONTRA A RESIGNACAO NA IGREJA» 31

«Jó antigamente a Igreja teve que sofrer sob partidos, que ela
veio a condenar. Também a Igreja Católica hoje senlie-se obligada
a realizar nao somente com relacao aos crístáos separados, mas
também em seu próprio seio a oracao e o mandamento do Senhor :
Que «les $e¡am um só (Jo 17,32). Em verdade, nos últimos tempos
surgiram grupos que, quase como organizacoes em luto, se levantam
contra outros grupos na Igreja e, nao raro, contra as próprios auto
ridades eclesiásticas. Desta forma deixam de cumprir, como grupos,
a sua tarefa esssncial, que é a de contribuir para a comtrucao da
comunldade ecletial.

Existe um legitimo setor de liberdade na teologia e na disciplina


da Igreja. Todavia o magisterio da Igreja tem a estrita obrigacao de
impedir que sejam ultrapassados os limites desse setor, desde que
ven ha a sofrer ameacas a unidad» da fé e da vida da Igreja...

E contrario ao estilo de vida crista, procurar descobrir descon


fiadamente no irmao em Cristo o que possa haver de mau, fazer
denuncias anónimas, apelar precipitadamente para o público. Além
do mais, a Igreja assim se torna um teatro, que para murtas pessojs
é escándalo.

Segundo a palavra de Cristo, o auténtico modo de proceder


contra o irmao que falhou, consiste, antes do mais, <gm procurarmos
entreter-nos com ele pessoalmente; caso isto nao baste, tentaremos
entender-nos no pr.esenca de um pequeño circulo de irmaos; final
mente, o caso poderá ser submetido ao ¡ulgamento da comunidade
proferido pelas pessoas que o Senhor colocou á frente dssta (cf.
Mt 18,15-18).

A Conferencia dos Bispos da Austria tem por certo que os


representantes dos presbíteros « do povo de Deus sao as comissóes
oficialmente instituidas, os conselhos de presbíteros, os conselhos pas
tarais, os conselhos de leigos « outros órgáos oficiáis.

Ainda que de .antemSo nao nos seja licito duvidar da boa


vontade de ninguém, os bispos se véem obñgados a expressar a
sua profunda preocupacáo pelo surto e o desenvolvimento de grupos
tais na Igreja que na prática corresponden! a partidos.

Muitos dos mates denunciados poderáo ser dissipados se pro-


fessarmos fielmente o senso de responsabilidade e a liberdade de
decisáo do Papa e dos bispos, e conseqüentemente Ihes prestarmos
obediencia. Os bispos receberam do Senhor as suas facilidades e
sao, como todos os outros fiéis, obrigados a atender aos seus deveres

— 371 —
32 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

em consciéncia» (transcrito, em traducáo portuguesa, a partir de


«Herder-'Korrespondenz», Mai 1972, p. 232).

Desta e de outras declaracóes dos bispos da Igreja, de-


preende-se o seguinte: nao será mediante suspeitas, censuras
públicas e, muito menos, mediante a rebeliáo, que se poderá
renovar a face humana da Igreja onde ela precisa de renova-
gáo. A presente fase áe transicáo, com os problemas que ela
suscita, só será devidamente superada pelo recurso a urna fé
profunda em Cristo que age na Igreja, palo recurso a urna
esperanza viva e a um servigo fiel num auténtico amor ao Se-
nhor e á comunidade. A consciéncia destas verdades deve im
pelir os fiéis — leigos, teólogos e bispos — á solidariedade mu
tua e á colaboragáo em espirito de fratsrnidade. Ninguém,
pois, imbuido destas idéias se dispensará, por própria iniciativa,
de cumprir suas obrigacóes na Igreja, nem incitará grupos
ou comunidades a se oporem ao respectivo bispo. Tais atitu-
des implicam morte, e nao vida, para as comunidades cristas.
O auténtico teólogo — aquele que nao tem somente cien
cia e filosofía, mas também a fé lúcida — há de ser o primei-
ro a ensinar tais proposigóes.

2.3. Igreja e renovacfio

Os 33 manifestantes se insurgem contra a aparente iner


cia das autoridades da Igreja no tocante as reformas de dis
ciplina eclesiástica (celibato do clero, escolha dos bispos, ce-
lebracóes litúrgicas...). É de notar, porém, que o S. Padre
e os bispos se tém mostrado conscientes das questóes aponta-
das pelos teólogos hoje em dia. O recente Sínodo dos Bispos
(outubro/novembro 1971, Roma) estudou-as com lealdade. Se
os bispos nao procedem as mudangas preconizadas por certos
grupos mais avangados, leve-se em conta o seguinte:

Nem todas as propostas de mudanza de disciplina, pelo


fato de ser teóricamente válidas, sao também convenientes na
prática ou ñas situagóes concretas da Igreja. As autoridades
supremas da Igreja tém a visáo do conjunto do povo de Deus,
e podem, melhor do que este ou aquele individuo ou grupo,
avallar as aportunidades, as conotacóes e conseqüéncias de
determinada reforma da disciplina. O teólogo aponta a lógica
ou a fundamentagáo doutrinal das reformas; os bispos, porém,
além de reconhecerem os aspectos intelectuais, sentem igual
mente os aspectos pastorais e prudenciáis próprios de cada re-

— 372 —
«CONTRA A RESIGNACAO NA IGREJA» 33

forma. Quem pode garantir a um cristáo (por mais douto que


seja (ou a um grupo inteiro) que a respectiva opiniáo sobre um
assunto controvertido é necessariamente o alvitre certo e ne-
cessário? Nao se pode julgar temerario o convite á desobedi
encia e a rebeldía proferido por tal grupo ou tal individuo?
Haja, pois, complementagáo entns teólogos e bispos. Se aos
bispos compete abrir-se irrestritamente para os sinais de Deus
nos tempos atuais, aos teólogos cabe excitar a sua fé e con
fiar na agáo do Espirito que passa pelo episcopado. Nesse
clima de confianga mutua, haverá colaboragáo, e jamáis resis
tencia passiva ou pressáo política.

A confianga que guarda a unidade e o amor fraterno, na


da tem que ver com resignagáo (atitude passiva e, por vezes,
decrépita). É, ao contrario, urna expressáo da auténtica per-
sonalidade do cristáo, que procura ver com os olhos da fé (ou
com a visio do próprio Deus) os interesses do bem comum e
da Igreja. Nem a firmeza dos bispos em certos pontos de dou-
trina ou disciplina pode ser tachada de «absolutismo principes
co» (como faz o manifestó); o servigo a verdade e ao amor,
para ser auténtico, tem que saber oportunamente dizer Nao,
mesmo que isto desagrade aos interessados.

Em suma, o Manifestó dos 33 teólogos, por impressionan-


te que seja, nao pode encontrar aceitagáo por parte dos au
ténticos discípulos de Cristo. Isto nao quer dizer que estes de-
vam fechar os olhos á obra de renovacáo empreendlda pela
Igreja contemporánea; os signatarios do documento lembra-
ram-nos que a mensagem de Cristo é destinada a acompanhar
os homens através dos sáculos, sem perder a sua identidade,
mas revestindo-se das expressóes que as culturas e épocas da
historia lhes possam sucessivamente inspirar.

«Nao se pode amar e estimar alguém sem Ihe dizer o que se


sabe ser a verdade. No diálogo entre amigos, dir-se-á esta verdade
considerando atentamente o que ele pensa, o que sabe, o que deje ¡a
e o que senté. Tal ponto de vista exclui toda polémica, e ainda toda
bajulacáo e toda dissimulacao da verdade. Amo o mesmo Deus que
amas: como nao estaríamos profundamente unidos?» (J. M. Perrin
O. P.).

— 373 —
Católicos e anglicanos em diálogo:

acordó sobre a s. eucaristía

Em sfnlese: A partir de 1966, Roma e Cantuárla vém entretendo con-


versacóes sobre a re-unlfio de cristáos católicos e anglicanos na única Igreja
de Cristo. Em 1969 constltuiu-se urna comlssfio mista de teólogos a fim de
estudar sucesslvamente os pontos diferenciáis: Eucaristía, sacerdocio, auto-
ridade na Igreja ou primado do Papa. O prlmelro ponto do programa acaba
de ser cumprido: em 7 de setembro de 1971, a comissao assinou o do
cumento ou acordó cujo texto vai publicado ñas páginas seguintes. Embora
a comlsslo tenha caráter oficial, o acordó nao envolve as autoridades supre
mas da Igreja Católica e da ComunhSo Angticana. Tais autoridades perml-
tiram a publicacao do acordó, porque substancialmente nSo trai nem a fé
católica nem a fé anglicana; desejam, porém, que o texto seja estudado e
comentado por pessoas competentes, a fim de que possa receber a sua
redacáo definitiva.

A publicacSo da Declaracáo provocou reacoes contraditórias, algumas


favorávels, outras avessas ao documento. Num jufzo equilibrado, pode-se
dizer que o documento representa um passo positivo e válido em demanda
da re-uniio de católicos e anglicanos. A fé católica na Eucaristía está ai
ressalvada debaixo de urna terminología, que foi escolhlda cuidadosamente,
a fim de nao melindrar os interessados. O texto nao diz explícitamente que
a Eucaristía é sacrificio, mas pretende afirmá-lo equivalentemente, asseve-
rando que ela é memorial (no sentido das liturgias antigás). Também dá
valor relativo á palavra transubslanciacáo, embora afirme a real presenca
de Cristo na Eucaristía, real presenca que se deve nao á fé dos cristáos,
mas é realizada objetivamente pelo próprio Deus mediante as palavras da
consagracáo eucarística.

Comentario: Propalou-se recentemente a noticia de que


católicos e protestantes haviam chegado a um acordó. Os ter
mos deste acontecimonto assaz complexo e delicado nao foram
divulgados com a rvecessária clareza, sempre que abordados
pela imprensa. Em conseqüéncia, muitas pessoas interessadas,
nao sabendo precisamente de que se tratava, se viram perple-
xas ante o noticiario. A fim .de dissipar as dúvidas sobre o as-
sunto, vamos agora apresentar os precedentes do acordó, o
texto respectivo e breve comentario ao mesmo.

— 374 —
ACORDÓ CATÓLICO • ANGUCANO 35

1. Precedentes
A chamada «Comunháo (Igreja) Anglicana ou Episco
pal» é o bloco cristáo que se separou da Igreja Católica sob
Henrique Vm em 1534. Esse bloco conservou numerosos ele
mentos do Catolicismo, inclusive o episcopado ou o governo
de dioceses por meio de bispos locáis. O movimento ecuméni
co, visando á restauragáo da unidade entre os cristáos separa
dos, encontrou vivo eco entre os anglicanos. Em 1966, como
fruto de Concilio do Vaticano II, constituiu-se em Roma um
Centro Anglicano de Estudos, destinado a manter o diálogo
entre anglicanos e católicos. Em 1969, após tres anos de con
tatos mutuos, católicos e anglicanos constituiram urna comis-
sáo mista de teólogos que, em nome das autoridades oficiáis
de cada parte, estudariam os caminhos da unidade anglicano-
-católica. Esta comissáo mista de teólogos tem, pois, mandato
oficial; os seus membros católicos possuem delegagáo para rea
lizar conversacóes com os anglicanos e rever com estes os pon
tos doutrinários que distancian! uns dos outros. Ora entre es-
ses pontos o principal é o da validade das ordenagóes anglica-
nas: bispos e presbíteros anglicanos continuam realmente a
sucessáo apostólica? Ou foi esta interrompida por ocasiáo do
cisma no sáculo XVI? — Em 1896, o Papa Leáo XIII decla-
rou as ordenagóes anglicanas inválidas porque a fórmula de
ordenagáo usada no sáculo XVI, por ordem da rainha Elisa-
bete, para reconstituir a hierarquia episcopal na Inglaterra
nao mencionava o sacrificio da Missa entre as atribuicóes do
bispo. Se inválidas sao as ordenagóes anglicanas, compreende-
-se que também sejam inválidos os sacramentos das comunida
des aglicanas. — A respeito das ordenagóes anglicanas veja
PR 25/1960, pp. 38-44.

A declaragáo do S. Padre Leáo XIII tem sido objeto de


estudos nos últimos tempos, pois constituí um dos maiores
obstáculos á re-uniáo de anglicanos e católicos. Para que tal
declaraeáo deixe de ser empecilho, os teólogos de ambas as
partes tém procurado primeiramente chegar a um acordó so
bre a S. Eucaristía. Eis por que a comissáo mista de teólogos
se dedicou com afinco a essa tarefa desde setembro de 1969.
Finalmente, após mais de dois anos de estudos, chegou a ela
borar um documento que representa unánimemente o pensa-
mento dos membros da comissáo. Tal documento assinado em
Windsor (Inglaterra) aos 7 de setembro de 1971, foi subme-
tido as autoridades eclesiásticas católicas e anglicanas. Estas
consentiram na publicagáo de tal texto, sob a responsabilidade
exclusiva da comissáo de teólogos. A publicagáo nao signifi-

— 375 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

ca que as autoridades eclesiásticas hajam aprovado a declara-


gáo em foco ou lhe atribuam caráter oficial. Ao contrario, a
declaragáo da comissáo foi dada a lume para poder ser co
mentada pelos estudiosos e, conseqüentemente, ser melhorada
ou completada.

Os estudos sobre o ministro da Eucaristía ou sobre o sa


cerdocio já estáo em curso ñas sessóes da comissáo teológica
mista. Esta programou tres etapas de trabalho: 1) acordó so
bre a doutrina eucarística; 2) acordó sobre o sacerdocio (epis
copado e presbiterato), até setembro de 1972; 3) acordó so
bre a autoridade na Igreja e o primado do Sumo Pontífice. O
Pe. Georges Tavard, membro da comissáo, tem encarado esse
programa com otimismo e confianga, apesar dos possívéis
mal-entendidos e obstáculos que a tarefa suscita no grande
público. O bispo anglicano J. Moorman, de Ripon, nao hesitou
dizer que «tal declaragáo é a mais importante que anglicanos
e católicos tenham publicado após a Reforma».

2. O texto da Declara;ao

Eis os membros da comissáo que elaboraram e assinaram


o documento em foco:

Parte católica: A. Clark, bispo auxiliar de Northampton


(co-presidente); C. Butler, bispo auxiliar de Westminster; B.
Ahern C.P., Roma; Ryan S.J., Woodstock College, New York;
J.J. Scarisbrick, Universidade de Warwick; G. Tavard A.A.,
Delware; J.M. Tillard O.P., Ottawa; P. Duprey, Subsecre
tario do Secretariado para o Unidade dos cristáos, Roma; E. J.
Yarnold S.J., Campion Hall, Oxford. — Consultor: E. Schal-
lert S.J., Universidade de San Francisco. — Secretario: W.
Purdy, do Secretariado para a Unidade dos Cristáos, Roma.

Parte anglicana: H.R. Me Adoo, bispo de Ossory (co-pre


sidente); F.R. Arnott, arcebispo de Birsbane; J.R.H. Moor-
mann, bispo de Ripon; E.G. Knapp-Fisher, bispo de Pretoria;
H. Chadwick, deáo da «Christ Church» de Oxford; J. W. Char-
ley, S. John's College, Nottingham; E. Fairweather, Trinity
College, Toronto; H. E. Root, Universidade de Southampton;
A. Vogel, bispo coadjutor de West Missouri. — Consultores:
R.J. Halliburton, St. Stephen's, Oxford; H.I. Smythe, Cen
tro Anglicano, Roma. — Secretario: Collin Davsy, Secretario
Geral adjunto da «Church of England Council on Foreign Re-
lations».

— 376 —
ACORDÓ CATÓLICO ■ ANGLICANO 37

Ohseo-vador do Oonselho Mundial de Igrejas: G. Gassmann


(de confissáo luterana), Estrasburgo (Franga).
Os membros da comissáo, para elaborar a sua declara-
Cáo, procuraram abstrair tanto dos 39 artigos de fé da Igreja
Anglicana (cuja doutrina eucarística foi influenciada pelo cal
vinismo) como das definigóes do Concilio de Trento concer-
nentes a transubstanciacao; quiseram assim servir-se apenas
das fontes comuns a todos os cristáos, que sao a S. Escritura
e os documentos mais antigos da Igreja; usaram, pois, um vo
cabulario menos técnico e especializado do que o das escolas
teológicas, vocabulario, porém, que pretende nao ser vago ou
impreciso. Note-se também que o vocabulario do Concilio do
Vaticano II é profundamente marcado pela linguagem bíblica;
assim a S. Escritura, que outrora foi ocasiáo de divisáo entre
os cristáos, vai sendo atualmente o livro que os reúne ds novo.
A declaragáo compreende doze incisos, distribuidos por
tres capítulos. O texto original inglés foi distribuido pelo Se
cretariado para a Unidads dos Cristáos em Roma (cf. «La Do-
cumentation Catholique» de 16/1/1972). Eis o texto em tra-
dugáo portuguesa:

Introducáo

«A seguinto declaracóo de acordó é froto do pensamento e da


discussáo da Comissáo Internacional anglicano-católica romana do
rante os dois últimos anos. O resultado foi a conviccáo dos membros
da Comissáo de que alcancemos orna concordia sobre os pontos prin
cipáis da doutrina eucarística. Estamos igualmente convencidos de
que, mesmo nao se procurando apresentar una exposicao completa
sobre a questao, nada de essenáal foi omitido. O documento apro-
vado em nosso terceiro encontró, em Windsor, a 7 de setembro de
1971, foi apresentado a nossas aotoridades oficiáis, mas nao pode
evidentemente ser ratificado por elas, nem o será até que nossas
respectivas Igrejas possam avaliar suas conclusoes.

Gostaríamos de assinalar que os membros da Comissáo que


subscrevem esta declaracáo foram nomeados oficialmente e provém
de varios países, representando urna ampia variedade de pensamentos
teológicos. Nossa intencao foi alcancar om acordó em nivel de fé,
de tal modo que todos nos fdssemos capazes de dizer, dentro dos
limites da declaracáo : esta é a fé crista sobre a Eucaristía.

(a) H. R. Me Adoo, bispo de Ossory


Alan Clark, bispo auxiliar de Northampton
co-presidentes

— 377 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

A DECLARADO

1. No decorrer da historia da Igreja, a compreensáo que os


cristáos rinham da Eucaristía, exprimiu-se segundo diversas tradicóes.
Em conseqüéncia, muitos termos passaram a designar a Eucaristia :
ceia, liturgia, santos misterios, sinaxe, Missa, Santa Comunhao. Nao
obstante, Eucaristia é o vocábulo mais comumente utilizado. Um
acordó substancial sobre a finlidade e o sentido da Eucaristia há de
ser uma etapa importante na marcha para a unidade orgánica. Tive-
mos, pois, a intencao de procurar uma compreensáo mais profunda
dessa realidade chamada Eucaristia, compreensáo que seja conforme
aos ensinamentos da Escritura e á tradicáo de nossa heranea comum.
Desejamos exprimir neste documento o acordó a que chegamos.

2. Mediante a vida, a morte e a ressurreicáo de Jesús Cristo,


Deus reconciliou os homens consigo, e oferece a unidade á humani-
dade inteira em Cristo. Por meio da sua palavra. Ele nos chama a
estabelecer urna nova relacao com Ele como Pai, e entre nos como
filhos do Pai : relacao inaugurada através do batismo em Cristo e
pelo Espirito Santo, nutrida e aprofundada pela Eucaristia, expressa
pela confissáo de uma mesma fé e por uma vida comum de servico
no amor.

I. O misterio da Eucaristia

3. Quando o povo cristáo se reúne para a Eucaristia a fim de


comemorar os atos salvíficos que nos reuniram. Cristo torna eficazes
entre nos os frutos eternos de sua vitória, suscita e renova a nossa
resposta de fé, de acáo de gracas « de entrega de nos mesmos. Na
Eucaristia, por meio do Espírtio Santo, Cristo edifica a vida da Igreja,
torna mais íntima a comunhao de seus membros e os faz cumprir a
sua missáo. Ao encontrar seu centro na Eucaristia e ao compartilhar
regularmente o corpo e o sangue do Senhor, o Igreja afirma e pro
clama efetivamente a sua natureza de corpo de Cristo. No conjunto
da acáo eucarística, na sua presenta sacramental sob a forma de
pao e vinho, e, por essa p.resenca, o Senhor crucificado e ressuscitado
se oferece ao seu povo, segundo a sua promessa.

4. Na Eucaristia anunciamos a morte do Senhor até que volte.


Provamos, por anteeipacáo, os bens do reino futuro, e fazemos me
moria, com acao de gracas, daquilo que Cristo fez por nos ,- recebe
mos Cristo presente entre nos; exprimimos nossa expectativa de
que ele regresse na plenitude do reino, quando 'o próprío Filho se
submeter Aquele que Ihe submeteu tudo, a fim de> que Deus seja
tudo em todos' {1 Cor 15, 28). Quando, convidados por um mesma

— 378 —
ACORDÓ CATÓLICO-ANGLICANO 39

Senhor, nos reunimos oo redor de urna mesma mesa para comparti-


Ihar o mesmo pao, estamos unidos em nosso compromisso nao somente
para com Cristo e nossos irmaos, mas também para com a missao
da Igreja no mundo.

II. A Igreja e o sacrificio de Cristo

5. A Redencáo pela morte e a ressurreicao de Cristo se efetuou


urna vez por todas na historia. A morte de Cristo na cruz, cume de
toda a vida de obediencia do Senhor, foi o sacrificio único, perfeito
e suficiente pelos pecados do mundo. Nao pode haver repeticao
desse sacrificio, nem acréscimo ao que Cristo rea I izou urna vez por
todas. Nenhuma tentativa de exprimir a ligacáo entre o sacrificio de
Cristo e a Eucaristía deve obscurecer este fato fundamental da fé
crista.1

Contudo Deus concedeu a Eucaristía á sua Igreja como meio


através do qual se anuncia e se torna eficaz na vida da Igreja a
obra redentora de Cristo sobre a cruz. A nocáo de memorial, tal
como era entendida na celebracáo pascal da época de Jesús — en
tendida no sentido de tornar efetivamente presente um acontedmento
do passado —, abriu o caminho para melhor compreensáo da re la-
cao existente entre o sacrificio de Cristo e a Eucaristía. O memorial
eucaristías nao é, pois, a simples recordacáo de um acontecimento
passado ou do seu significado, mas a proclamacáo eficaz, por parte
da Igreja, da obra poderosa de Deus. Cristo ¡nstituiu a Eucaristía
como memorial (anamnesis) do conjunto da obra reconciliadora de
Deus realizada por Ele (Cristo). Na oracáo eucarística a Igreja con
tinua a celebrar o memorial perpetuo da morte de Cristo. Seus mem-
bros unidos a Deus e entre si dao gragas a Deus por todas as suas
misericordias, im plora m os beneficios da paixáo de Cristo em nome
de toda a Igreja; participam desses beneficios e se unem ao gesto
de oferta que o mesmo Cristo faz de si a Deus.

III. A presenga de Cristo

6. A Comunhao com Cristo na Eucaristía supóe a verdadera


presenoa de Cristo, significada eficazmente pelo pao e pelo vinho

1 Para exprimir o sentido da morte e da ressurreicSo de Cristo, a


Igreja antiga usou freqüentemente um vocabulario sacriflcal. Para os judeus,
o sacrificio era um meio tradicional de comunicar-se com Deus. A Páscoa,
por exemplo, era um alimento comunitario; o día das proplciacfies era
essencialmente expiatorio, e a Alianca estabelecia urna comunhao entre
Deus e o homem.

— 379 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

que, neste misterio, se tornam seu corpo e seu sangue. * Todavía a


presenca real do Corpo e do Sangue de Cristo só se pode entender
no contexto da obra redentora pela qual Cristo se entrega, e pela
qual Cristo em si mesmo outorga aos seus a reconciiiacao, a paz e
a vida. De um lado, o dom da Eucaristía brota do misterio pasca I
da morte e da ressurreicao de Cristo, misterio pelo qual o plano sal-
vífico de Deus foi definitivamente realizado. Doutro lado, a finalidade
da Eucaristía é comunicar ao corpo de Cristo que é a Igreja, a vida
de Cristo crucificado e ressuscitado, de modo que seus membros esfe-
¡am cada vez mais plenamente unidos a Cristo e entre si.

7. Cristo está presente e atua de varias maneiras em toda a


celebracáo eucarística. O próprio Senhor, pela proclamacao da sua
palavra, convida o seu povo a sua mesa,- por seu ministro preside a
essa mesa, e se dá sacr.amentalmente no corpo e no sangue de seu
sacrificio pascal.- O próprio Senhor presente á direita do Pal, e
por conseguinte transcendendo a ordem sacramental, oferece assim á
sua Igreja nos sinaís eucarísticos o dom especial de si mesmo.

8. O corpo e o sangue sacramentáis do Salvador estáo presen


tes como urna oferta ao eren te que espera o regresso do Senhor.
Quando esta oferta é acolhida com fé, dá-se um encontró vivificante.
De modo nenhum essa presenca de Cristo depende da fé individual
para converter-se no dom real que o Senhor faz de si mesmo á sua
Igre'ia. Contudo pela fé na presenca de Cristo esta nao é somente
presenca para o fiel, mas também presenca com o fiel. Assim, ao
considerar o misterio da presenca eucarística, devenios reconhecer ao
mesmo lempo o sinal sacramental da presenca de Cristo e a relacáo
pessoal entre Cristo e o fiel que resulta dessa presenca.

9. As palavras do Senhor na Última Ceia : 'Toma! e comei;


isto é meu corpo1 nao nos permitem dissociar o dom da presenca

■A palavra transubstanelacao ó comumente usada na Igreja Católica


Romana para Indicar qua Deus, atuando na Eucaristía, efetua urna mudanca
na realldade interna dos elementos. Este termo deve ser considerado como
urna afirmaeflo do telto da presenca de Cristo e da mudanca misteriosa e
radical que se realiza. Na teología católica romana contemporánea, esté
termo nflo é considerado como afirmacao do modo dessa mudanca.

2 Os tres modos de presenca do Senhor aquí reamados (presenca na


palavra, presenca no ministro, presenca no sacramento) foram também afir
mados pelo Concilio do Vaticano II na Constituido sobre a S. Liturgia n' 7.
Naturalmente, na Eucaristía o modo de presenca é incomparavelmente
superior aos demais, pols se trata de presenca substancial.

— 380 —
ACORDÓ CATÓLICO -ANGLICANO 41

do ato dq alimentacáo sacramental. Os elementos nao sao simples


sinais.- o corpo e o sangue de Cristo se tornam realmente presentes
e se dáo realmente. Nao obstante, estao presentes e se dao realmente
paro que, ao recebé-los, os fiéis se unam na comunháo a Cristo
Nosso Senhor.

10. Segundo a ordem litúrgica tradicional, a prece de consa-


gracSo (anáfora) leva á comunháo dos fiéis. Por essa oracáo de
acao de gracas, palavra de fé dirigida ao Pai, o pao e o vinho se
tornam, por acao do Espirito Santo, o corpo e o sangue de Cristo,
de modo que na comunháo comemos a carne de Cristo e bebemos
o seu sangue.

11. O Senhor que vem assim ao encontró do seu povo, pelo


poder do Espirito Santo, é o Senhor da gloria. Na celebracao euca-
rística, provamos antecipadamente a alegría do mundo futuro. Pela
acao transformadora do Espirito de Deus, o pao e o vinho da térra
se tornam o maná celestial e o novo vinho do banquete escatológico
para o homem novo; elementos da primeira criacáo se tornam ante-
cipacao e primicias d.a nova térra e dos novos céus.

12. Julgamos ter alcancado um acordó substancial sobre a


doutrina da Eucaristía. Aínda que todos estelamos condicionados por
nossos modos tradicionais de exprimir e praticar nossa fé na Eucaristía,
estamos convictos de que, se fícam alguns pontos de desacordó, pode-
rao resolver-se na base dos principios aqui enunciados. Reconhece-
mos a existencia de diversas aproximacoes teológicas em cada urna
das Igrejas. Todavía consideramos tarefa nossa encontrar urna vía a
fim de caminharmos [untos para além dos desacordos doutrinários
do passado. Esperamos firmemente que, em virtude do acordó rea
lizado no tocante á fé na Eucaristía, esta doutrina ¡á nao constitua
obstáculos para a unídade que procuramos».

3. Refletíndo sobre o documento...

1. O fato de que teólogos católicos e anglicanos tenham


chegado finalmente a assinar a declaragáo aqui transcrita, é
realmente digno de toda a atencáo. As autoridades oficiáis, ou
seja, a Santa Sé de Roma e o arcebispo de Cantuária (Ingla
terra), até hoje nao pronunciaran! julgamento sobre o docu
mento. Visto, porém, que permitiram a publicagáo do acordó
(a publicacáo nao foi ilegal), pode-se .dizer que o texto nao trai
a fé da Igreja Católica nem a da Comunháo Anglicana, mas
pode servir de base para novas e salutares conversagóes. Os

— 381 —
f2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

redatores do documento aguardam as observacóes e críticas


dos estudiosos competentes, a fim de retocar o texto e dar-lhe
a redacáo definitiva; é mediante etapas desse género que atual-
mente se redige qualquer documento de relevo.

2. O público interessado tem-se manifestado sobre o acor-


do dos teólogos anglicanos e católicos. Por exemplo, os mem-
bros da «Protestant Truth Society» consideram o consenti-
mento dos teólogos anglicanos da comissáo mista como capitu-
lacáo e traigáo. De outro lado, uma assodagáo inglesa de 1.300
presbíteros católicos, «The Catholic Priests Association», re-
provou o acordó como sendo um compromisso inaceitável, de
teor mais anglicano do que católico.

O Cardeal Charles Journet, na revista «Nova et Vetera»


(dezembro 1971), rejeitou o relativismo com que o documento
menciona o termo «transubstanciagáo». Esta palavra se tor-
nou a expressáo clássica da conversáo da realidade do pao e
do vinho na realidade do corpo e do sangue de Cristo.

Outros comentadores julgam que o documento de Wind-


sor constitui um passo positivo em direcáo de um acordó ofi
cial, definitivo. Assim o bispo católico de Birmingham. D. Geor-
ge Patrick Dwyer, embora julgue o texto incompleto e su-
jeito a reservas, aceita que seja ponto de partida para ulte
riores reflexóes. Como quer que seja, o acordó a que chega-
ram os teólogos em Windsor, nao justifica a intercomunháo,
ou seja, a participacáo ativa (com recepcáo da comunháo)
de católicos na celebracáo eucarística anglicana, e vice-versa,
embora certos comentadores já tsnham tentado tirar tal con-
clusáo do acordó.

O teólogo P. Jorge Mejia, membro da Comissáo Interna


cional de Teología da Santa Sé, teceu comentarios assaz favo-
ráveis ao documento na revista argentina «Criterio» n9 1639,
de 9/IH/1972, pp. 112-114.

4. Entre os comentadores mais reservados, duas sao as


principáis dificuldades levantadas contra o documento de
Windsor:

a) A primeira diz respeito á S. Eucaristía como sacrificio.


— Note-se que texto do acordó nao afirma uma só vez que" a
Missa é sacrificio, procurando assim nao ferir certa tradigáo
anglicana avessa a tal modo de falar. O texto, porém, procu-

— 382 —
_ ACORDÓ CATÓUCO-ANGLICANO 43

rou professar a mesma doutrina, dizendo que a Eucaristía é o


memorial da morte de Cristo: o memorial, conforme os judeus
e as liturgias antigás, nao é simplesmente recordagáo psico
lógica do passado, mas é a maneira de tornar efetivamente
presente um acontecimento passado (cf. n» 5 do documento).
— O fato é que a grande maioria dos leitores modernos ignora
tal significacáo técnica que o vocábulo tinha na antiguidade, e
entende «memorial» como simples recordagáo psicológica. Ora
a doutrina católica proiisssa que a Missa é o próprio sacrificio
do Calvario perpetuado, de maneira sacramental, sobre os
nossos altares; estaría clara para o grande público esta posi-
cao no documento de Windsor?

É de observar, contudo, que os anglicanos da «Protestant


Truth Society» contestaran! o texto, dizendo que «tanto insis
te sobre a índole de sacrificio da Eucaristía que a posicáo re
formada se acha ai destituida de todo efeito».
b) Outro ponto delicado do documento, segundo alguns
comentadores, é o que concerne a real presenca de Cristo na
Eucaristía. — A comisáo mista de teólogos evitou usar o ter
mo «transubstanciagáo» no corpo da declaracáo, e colocou-o
apenas em nota, dizendo que significa, no caso, o fato, e nao o
miodia da real presenga de Cristo na Eucaristía. Parece, porém,
que, no caso, o fato e modo estáo intimamente ligados entre sí,
¡segundo a teología católica: trata-se da conversáo de toda a
realidade do pao e do vinho na realidade do corpo e do san-
gue de Cristo; é a realidade entendida da maneira mais obvia
e simples que a palavra «transubstanciagáo» tem em mira na
teología católica. Quem silencia o vocábulo «transubstancia
gáo», vé-se, pois, obrigado a encontrar outro que tenha o mes-
mo ámbito e significado; nao se diga, porém, que o pao se con
serva após a consagragáo, de modo que Cristo esteja presente
no pao remanescente (tal é a doutrina da empanáoslo, profes-
sada por Lutero, nao aceita, porém, pela Igreja Católica).

5. Em conclusáo, parece que os fiéis católicos podem ver


no acordó de Windsor urna etapa válida em demanda da reu-
niáo de católicos e protestantes. Debaixo de terminologa cui
dadosamente escolhida, está expressa a fé católica na Euca
ristía, sacrificio e sacramento. Verdade é que nao foram encara
dos no documento todos os modos como a piedade católica culti
va a Eucaristía: conservacáo das especies, adoragáo, exposieáo
do SS. Sacramento, Comunháo freqüsnte ou cotidiana... O
silencio, porém, nao equivale a negacáo. Os fiéis orientáis tém
suas formas próprias de culto á Eucaristía, que diferem das

— 383 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

formas católicas, dentro da mesma fé; por que os anglicanos,


um dia restituidos á plena comunháo da Igreja Católica, nao
teriam seus modos próprios de cultuar a S. Eucaristía?

Deste forma, em Windsor, um novo vínculo se prepara en


tre católicos e anglicanos, e as possibilidades ás uniáo defini
tiva se tornaram. mais próximas. Os fiéis católicos nao podem
deixar de conceber interesse pelo trabalho assim efetuado e
pedir ao Pai do céu leve a bom termo os sinceros esforcos rea
lizados de parte a parte em prol da unidade dos cristáos.
Bibliografía:

"Angllkanisch-katholischer Konsens über die Eucharlstíe", em "Herder-


-Korrespondenz", Februar 1972, pp. 59-61. n»>uer
Ch. Boyer, "Sur l'accord de Windsor", em "L'Osservatore Romano",
ed. francesa, 17/111/1972, p. 8.

,,~, J- MeJ|a* "El acuerd° angllcano-católlco sobre la Eucaristía" em


"Criterio" n? 1639, 9/111/1972, pp. 112-114.116-118. ="ca"s«a , em
PR 25/1960, pp. 38-44 (valldade das ordenacoes angl Icarias ?).
REB XXVI, 4, dezembro 1966, pp. 902-904 (diálogo entre Roma e Can-
tuárla).

EstevSo Bettencourt O.S.B.

Lancamentos Laudes:

A VIOLENCIA
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— 384 —
resenha de livro
Jesús disto IibertattoT. Ensaio de Cristalogia critica para
o nosso tempo, por Leonardo Boff. Publicagóes CID, Teolo-
gia/2. — Editora Vozes, Petrópolis 1972,135 x 210 mm, 285 pp.

O livro tenciona apresentar uma súmula de doutrina reno


vada referente a Jesús Cristo. Desejando guardar fidelidade
aos ensinamentos da fé católica, o autor recorre aos resultados
recentes da exegese bíblica e aos principios da filosofía moderna,
a fim de reconstituir uma imagem de Cristo depurada de con-
cepgóes que lhe foram impostas no decorrer dos tempes, e rica
de significado para as populacóes da América Latina.

Nao há dúvida, a obra é interessante para um leitor de


cultura teológica; reveste-se de ampia erudigáo e aprésente pers
pectivas grandiosas sobre Cristo, a humanidade e a historia
deste mundo...

Todavia nao podemos deixar de recensear tragos do livro


do douto mestre que nos parecem merecer reparos:

1. Aplicado do Método da historia das formas

Frei Leonardo Boff, versado em estudos biblicos católicos


e protestantes, serve-se freqüentemente do chamado «Método
da historia das formas» (cf. pp. 8-13 deste fascículo) para re-
compor a figura de Jesús histórico real, livre das elaboragóes
teológicas que os antigos cristáos conceberam a respeito de
Cristo. Procura entáo discernir ñas páginas do Evangelho
os elementos históricos e as expressees da fé das primeiras co
munidades cristas. Em conseqüéncia, julga que

— a morte de Cristo se deve ao fanatismo dos judeus, de


um lado, e ao desajo, nutrido por Jesús, de amar os seus até o
fim; cf. p. 147 do livro em foco. — A concepgáo da morte de
Jesús como expiagáo sacrificial pelos pecados do mundo nao
seria proveniente dos dizeres do próprio Jesús, mas, sim, de-
ver-se-ia a uma «interpretacáo» construida pelos antigos cris
táos. A expressáo dessa interpretacáo estaña em textos de Sao
Paulo como Rom 3,25, na carta aos Hebreus, como também ñas
palavras atribuidas a Cristo pelas comunidades do século I
(«sangue derramado para a remissáo dos pecados»; cf. Me 14,
24; Le 22,20; Mt 26,28).

- 385 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

— conseqüentemente, segundo o autor, as profecías em que


Cristo tres vezes prediz a sua morte, assumindo-a como sacri
ficio para a redencáo dos homens, sao construgóes dos antigás
cristáos, e nao palavras do próprio Jesús (cf. Me 8,31; 10,32-34.
45; Le 22,19; Mt 16,26-28). Veja-se p. 128 do livro em questáo.

— Os textos que afirmam a índole sacrificial da última ceia


de Cristo e da Eucaristía também seriam elaboragóes da Igreja
primitiva (cf. 1 Cor 11,23-26; Me 14,22-25; Le 22,15-20; Mt 26,
26-29). O autor só reconhece como provenientes de Cristo as
palavras de Le 22,15-19a.29, em que Cristo refere algo ligado
á sua pessoa mesma, e nao á vida da Igreja: «Tenho desejado
ardentemente comer convosco esta Páscoa...». Cf. p. 128s.

— A autenticidade das sete palavras proferidas por Jesús na


cruz também é posta em xeque, com excegáo de Me 15,34: «Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» Cf. p. 124.

— A historia da infancia de Jesús em Mateus e Lucas seria


outrossim urna elaboracáo dos cristáos do séc. I; Jesús nao te-
ria nascido em Belém, mas em Nazaré. Cf. pp. 178-192.

— Jesús nao terá atribuido a si os títulos de «Filho do Pai


(Deus)» e «Filho do homem» com as conseqüéncias messiáni-
cas e teológicas que os estudiosos posteriores lhes atribuiram.
Foram também os cristáos dos diversos ambientes mediter
ráneos (Palestina, Imperio greco-romano) que fizeram de Jesús
«o Messias ou Cristo, o segundo Adáo, o Senhor, o Salvador, o
Cabega do cosmos, o Filho Unigénito de Deus, Deus mesmo».
Em suma, todo um conjunto de títulos com que Jesús se designa
nos escritos do Novo Testamento, é considerado como interpre-
tagáo das antigás comunidades cristas: «Tudo o que havia de
importante e essencial para a vida e para a historia foi atribui
do a Cristo, até a realidade mais sublime e essencial que possa
haver, Deus» (p. 170).
Nao é necessário enumerar outros, entre os muitos outros,
espécimens das conclusóes exegéticas a que chsga Leonardo
Boff. Este autor distingue mesmo entre «Jesulogia» e «Cristolo-
gia». «Jesulogia» seria a tentativa de encontrar Jesús tal como
Ele viveu (dir-se-ia o «Jesús ,da historia»), antes que a teología
o decorasse com o título de Cristo e outros afins (criando o
«Jesús da fé»).

Ao ler o livro de Freí Leonardo, ou ao menos esta resenha,


talvez pergunte o leitor: pode alguém ser cristáo (católico) e

— 386 —
RESENHA DE LIVRO 47

afirmar ou sugerir o que o erudito autor franciscano apresenta?


— Frei Leonardo (e os que aceitam as suas teses)1 responderiam
positivamente. Diriam que as elaboragóes teológicas atrás as-
sinaladas nao foram senáo explicitagóes homogéneas e autén
ticas das palavras ou das atitudes apressntadas por Cristo. Tais
construcóes («Jesús é Deus, a sua morte foi sacrificio expiato
rio, a Eucaristía é sacrificio...»), embora nao se deVítm aos la
bios de Jesús, constituem a interpretagáo fiel daquilo que os
Apostólos puderam ver, ouvir e sentir da parte de Cristo. Assim
poderia o cristáo dar-lhes pleno crédito e se salvariam as exi
gencias da fé católica.

Todavía é preciso reconhecer que as posigóes de Frei Leo


nardo sao assaz arbitrarias e, além do mais, ambiguas. Arbi
trarías, porque vém a ser conjeturas baseadas em. argumentos
ora mais, ora menos subjetivos, que nao se impóem por sua evi
dencia, mas dependem de teses filosóficas preconcebidas; ade
máis nao levam suficientemente em conta o magisterio da Igre-
ja e a fé de quase vinte séculos de Cristianismo (note-se bem
que o estudo da figura de Jesús nao se faz apenas á luz da lin
güistica, da historia e da exegese científica, mas é também e
necessariamente um assunto em que a fé tem de falar,... a fé
que os cristáos recebem de Deus através da voz auténtica da
Igreja). Arbitrarias, também porque, enquanto o autor recusa
aceitar como palavras de Cristo numerosos textos do Evange-
lho, cita passagens dos apócrifos como auténticos dizeres de
Jesús (cf. p. 79. 81. 229). Ambiguas sao as posigóes de Leonardo
Boff, porque tanto podem ser entendidas em sentido católico
como em sentido liberal e racionalista: o Jesús que fica após
as distingóes feitas pelo autor, poderia ser um mero profeta,
ardoroso e idealista, mas mero homem, que ignorava mesmo
o desfecho exato e todo o aléanos da sua obra. É necessária for
te dase de boa vontade para que o leitor faga urna síntese cató
lica de tudo o que Frei Lenardo vai langando em suas páginas.

Passamos assim a urna segunda categoría de comentarios


que desanvolveráo esta última observagáo:

2. Ambigüidade

Pode-se dizer que de modo geral esta característica (am


bigüidade) marca todo o livro ,de Frei Leonardo. Ha. nele varias
afirmagóes de sentido impreciso ou vago, como, por exemplo:

— 387 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 152/1972

«Jesús nada de novo prega» (p. 97.104); «Porque Jesús


foi de tal forma aberto a Deus a ponto de ser totalmente re
pletado por Ele é que deve ser chamado de Deus encarnado...
A completa hominizacáo do homem implica sua divinizagáo»
(p. 273); «Deus quis que Jesús de Nazaré pudesse viver com
tal intensidade e profundidade sua humanidade a ponto día tor-
nar-se um com Deus e ser simultáneamente Deus e homem»
(p. 282); «Humano assim só pode ser Deus mesmo» (p. 193);
«Definindo Jesús, estamos definindo a nos mesmos» (p. 52);
as afirmagóes sobre «desteologizar» da p. 111, sobre «cristáos
anónimos* das pp. 270-272.

É certo que cada qual destes e de outros tópicos que se


poderiam acrescentar, é suscetível de explicagáo habilidosa que
pretenda manter fidelidade a fé católica. Mas, tomados a ri
gor, sao dizisres que levam a erróneas concepcóes concementes
a Cristo e ao Cristianismo. Tem-se a impressáo de que o autor
franciscano, desfijando fugir á linguagem e aos conceitos clás-
sicos, nao conseguiu encontrar novo vocabulario táo claro
quanto o anterior; valeu-se de urna terminología escorregadia
e polivalente. Esta linguagem dá.por vezes a impressáo de que
o autor quis contornar a verdade, em vez di» professar de ma-
neira clara e nova as perenes verdades da fé.
Estas reflexóes, embora nao compresndam todos os pontos
nevrálgicos do livro de Frei Leonardo, já nos permitem con
cluir o seguinte: apasar de conter belas passagens, o livro há
de ser lido com reserva e discernimento; destina-se a pessoas
que, devidamente iniciadas na exegese e na filosofía contempo
ráneas, saberáo aproveitar quanto de auténtico e positivo ñas
páginas de Leonardo Boff se encontra, e poderáo identificar
como hipóteses as posicóes pessoais ou arbitrarias do autor.

Lancado ao grande público, o livro pode confundir as men


tes e langar mais dúvidas ou problemas do que corroborar a
sá visáo crista.

Eis quanto se pode dizer num julgamento, aínda muito


brando e moderado, do livro «Jesús Cristo Libertador».

Corrijam-se as citacóes bíblicas: á p. 105, 1. 6 de cima para


baixo, leia-se Mt 23 em vez de Mt 21; linha 5 de baixo para
cima, leia-se Mt 21,21 em vez de Mt 21,23.

E.B.

— 388 —
NO PRÓXIMO NÚMERO:

Jesús é Deus ? O testemunho de Jesús

«Jesús Cristo Superitar»

Crise de autoridade

Mae de aluguel ?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 30,00

Número avulso de qualquer mes Cr$ 4,00

Volumes cncadernados de 1958 e 1959 (prego unitario) CrS 35,00

índice Geral de 1957 e 1964 Cr$ 10,00

índice de qualquer ano Cr$ 3,00

EDITORA LAUDES S. A.

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Calxa Posta! 2.666 Rúa SSo Rafael, 38, ZC-09
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-9981 e 268-2796
MELBOURNE - AUSTRALIA
18 a 25 de fevereiro de 1973

A CREDIBRÁS TU
RISMO, sucessora de Camilío
Kahn, orgutha-se de ter organizado
com total éxito, peregrinac&es aos Con-
gressos Eucaristicos de MUNICH, BOM-
BAIM e BOGOTÁ, e agora está organizando
urna ao 40.° Congr.es.so Eúcaríst'coque terá a
Assisténcia-¿fpiritual de D. Estevao Bitten-
court,O.S.B.re.'q\ie.'yisjtafé: Papeete,Nandi,
Auckland, Mélt¿ume;'..5¡dpeí, Hong Kong,
Teherán-,-Térra Santa, "Roma e Paris. Vocé
poderá participar deste ato de fé crista
com'ttído. financiado, á longo prazo e
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