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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaieca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
?■■ ■■
índice

O JOGO DA BOLA ' 377

A lempeslade que se amaina:


CIENCIA E FÉ SE EXCIUEM MUTUAMENTE ? 373
No Evangelho segundo Joáo:
A GLORIOSA PAIXÁO DE JESÚS 333
Psicología Transaclonal:
"EU ESTOU OK. VOCÉ ESTÁ OK" 407
No cinema:
■•ALPHAVILLE" VOLTOU ! 420

LIVROS EM ESTANTE 422

COMUNICACÁO IMPORTANTE 424

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

O cristáo tem cerleza da verdade ? — Visáo panorámica do


Protestantismo. — Comunháo na mao. — "O Pequeño Prín
cipe" no cinema.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Assinatural anual Cr$ 50,00

Número avulso de qualquer mes Cr$ 5,00


Volume encadernado dn 1974 CrS 70,00

EDITORA LAUDES S. A.
REDAQAO DE PR ADMINISTRADO
Caixa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZO-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio ele Janeiro (RJ) Tcls.: 268-9981 e 268-2796

No Rio, á Riía Real Grandeza, 108, a Ir. María Rosa Porto


recebe pedidos de assinatura da revista. Tel.: 226-1822.
O JOGO DA BOLA
No tesouro das parábolas da sabedoria de todos os tem-
pos, encontra-se urna que é muito significativa, pois pretende
atender a pergunta: Onde está a felicidade? Ei-la:

Em grande colegio, toca no momento oportuno a campaí-


nha para o recreio. Toda a meninada sai das salas de aula
para o patio. Ha balbúrdia, vozerio e risos. De repente, alguém
langa urna bola de longe no meio das meninas. Entáo o cená-
rio se transforma. A bola eletriza. Todas as estudantes que-
rem apreendé-la e arremessá-la. Acabam, porém, formando
urna roda. A bola vai passando de máo em máo. Circula. To
dos os olhos seguem o seu trajeto. As meninas vibram, estáo
todas alegres.

A esta altura, passa pelo portáo do colegio urna menina


pobre. Para e vé as estudantes bem vestidas e alegres. Por que
estariam táo felizes? — Ah, a bola!... Mas acontece que urna
das meninas da roda deixa a bola escapar-lhe das máos, de
modo que vai parar perto do portáo. De relance, a pobrezinha,
que espreitava, corre em diregáo da pelota; agarra-a e foge
com ela para casa, certa de estar carregando consigo a Dama
Felicidade. Em conseqüéncia, que aconteceu? No patio do cole
gio, dissolveu-se a roda; acabou a vibragáo alegre por falta de
bola... E a menina pobre? Chegou em casa; comegou a jogar
sozinha. Jogou a bola contra a parede. Urna, duas, tres ve-
zes... Depois deixou-a cair por térra, e comegou a chorar,
perguntando em altas vozes: «Onde estás, felicidade?»

Esta estória graciosamente diz muita coisa...

Lembra que a felicidade nao consiste tanto na quantidade


dos objetos de que dispomos, mas, sim, no «passar adiante». As
tumultuadas meninas do patio se tornaram organizadas e ale
gres desde que se dispuseram a passar a bola... A observa
dora de fora julgava que, guardando a bola exclusivamente
para si, estaría saciada e seguramente feliz. Todavia viu-se
frustrada. A felicidade nao consiste na posse egoísta de urna
bola ou de outra qualquer coisa. Tudo o que possuímos egoís
ticamente, nos asfixia. A felicidade é algo de dinámico; está
na circulagáo. Repartindo o que temos e o que somos (muitas
vezes nada temos, mas sempre somos), encontramos a verda-
deira alegría, que é a de nos darmos. A regra suprema do jogo
da felicidade é passar a bola. Estamos no mundo para treinar

— 377 —
essa arte de passar a bola,... passar nossos talentos materiais
e espirituais. Esse passar adiante significa amar..., amar a
pessoa a quem estendemos o que temos de valioso.

A propósito, alias, vem a clássica distincáo entre «dese-


jar», «possuir» e «amar». «Amar» é querer o bem do seme-
lhante, é entregar-se e comungar; quem pratica isto, chega á
perfeigáo e á felicidade. Ao contrario, «désejar» e «possuir»,
se bem que possam estar conjugados com o amor, nem sempre
assim se acham. Pode alguém cobigar algo e usufruir desse
algo em prol do próprio sujeito apenas; está entáo procurando
possuir ou possuindo, mas nao está amando.

O desejo morre quando está saciado ou quando nao con-


segue satisfazer-se. O amor, porém, nao morre. Ortega y Gas-
set afirma que o amor nao morre, mas é ura eterno insatis-
feito, porque amar é querer o bem da pessoa amada; por isto
quem ama, nunca para de querer o bem, e maiores bens, para
o ser amado. Mais: o amor nos faz sair de nos mesmos e gra
vitar em torno da pessoa amada. Isto quer dizer que o amor
é a antítese e a quebra do egoísmo. Por sua vez, diz o Cán
tico dos Cánticos na Biblia que o amor é forte como a morte
(cf. Ct 8,6). Os cristáos podem mesmo dizer que o amor é
mais forte do que a morte, porque o amor de Cristo foi real
mente mais forte do que a morte. É precisamente esse amor
de Cristo que os cristáos trazem dentro de seus coragoes.

Conceber a felicidade como posse e fruigáo de prazer é


iludir-se. A felicidade incluí certamente um tanto de prazer,
mas nao somente isto. Ela também nao está no plano bioló
gico ou no dos apetites sensitivos e vegetativos. A felicidade
se encontra num plano mais elevado ou no plano do amor...
Amor que nao é apenas sexo, nem primeiramente sexo, mas é,
antes de tudo, doagáo generosa e benévola. Quem dá já está
recebendo, está-se enriquecendo e assim prepara a sua verda-
deira alegria.

Sirvam estas idéias de introdugáo a mais um fascículo


de PR! Este apresenta a figura de Cristo, que amou os seus,
entregando-se por eles até o fim. No extremo oposto, está o
quadro frió e ganancioso de «Alphaville». Entre um modelo e
outro, se encontram os estudiosos (cientistas e psicólogos) e,
com eles, todos os homens, á procura do sentido da vida e do
segredo da Felicidade!

E. B.

— 378 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVI — N« 189 — Seíembro de 1975

A tempestade que se amaina:

ciencia e fé se excluem mutuamente?


Em símese: O fato do ateísmo ou do indiferentismo religioso entre
os homens de ciencia já foi mais freqüente e marcante no século passado
e nos prlmelros decenios do séc. XX. Para abrandá-lo, concorreram

1) o decllnio do cientificismo ou do dogmatismo científico, segundo


o qual a ciencia resolverla todos os problemas do homem ;

2) o reconheclmento, por parte dos teólogos, de que a ciencia tem


autonomía no seu setor e nao deve esperar da teologia normas ou indica-
cóes positivas de trabalho ;

3} a consciéncia generalizada de que a fé religiosa nao se opoe á


pesquisa científica, nem alimenta o obscurantismo.

Restam, porém, problemas que impedem varios dentistas de se


achegar mais decididamente á fé:

1) a Insensibilidade de muitos ás grandes interrogacSes (donde


vimos ? para onde vamos ? qual o sentido do sofrimento e da morte ?);

2) a suposicio de que so existe auténtico raciocinio no setor da


ciencia, pois a religiSo serla questao de sentimentalismo e afetos mais
ou menos cegos;

3) a tese de que a ciencia nSo se deve prolongar num vlsio filosó


fica ou teológica da realidade, pois poderia perder sua autonomía e ser
vítlma do concordismo, que assujeita a ciencia ás proposites da filosofía
e da teologia.

Eis, porém, que o espirito de muitos dentistas hoje se abre ao reco


nheclmento da existencia e de atributos de Deus através das criaturas
vlslveis estudadas pela ciencia; além do que, é inata em todo homem a
tendencia a "curiosar" a respeito das grandes IndagacSes que norteiam a
vida humana: "donde... para onde...? porque o trabalho, o sofrimento,
a morte ?" Estas perspectivas de abertura fundamentam a esperance de
que um diálogo criteriosamente travado entre cristáos e ateus poderá
reduzir a distancia que muitos cientistas concebem entre a ciencia e a fé.

Comentario: Sabemos que o ateísmo é dos maiores pro


blemas que a Igreja e a humanidade enfrentam em nossos días.
Apontam-se varías causas para este fenómeno, como se pode

— 379 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

verificar na Constituigáo «Gaudium et Spes» n' 19 do Con


cilio do Vaticano II. Recentemente o escritor católico Chris-
tian Chabanis interrogou vinte pensadores (cientistas, filóso
fos, políticos, escritores...) incrédulos a respeito de Deus e
da religiáo, recolhendo finalmente os seus depoimentos em um
livro intitulado «Dieu existe-t-il? Non...» (Fayard, París
1973). Esses testemunhos sao de inspiragáo materialista, mar-
xista, estruturalista...; nem todos, porém, revelam seguranca
ou estado de ánimo satisfeito. É o caso, por exemplo, do bió
logo Jean Rostand, que atesta ter um ateísmo «nem sereno,
nem jubiloso, nem contente. Nao está satisfeito nem tranquilo,
mas, ao contrario, exposto como urna chaga viva que se abre
incessantemente».

Os depoimentos de cientistas que se dizem ateus em nos-


sos dias, levam-nos a refletir sobre as relagoes entre ciencia e
fé. Pode-se dizer que aquela rechaza esta?... e que, quanto
mais alguém se dedica á ciencia, tanto mais se arrisca a ser
abalado em sua fé?

A resposta negativa poderia ser dada a partir de depoi


mentos de grandes cientistas do século passado e dos nossos
tempos que professaram e professam a fé em Deus; entre
outros, citemos apenas os nomes de Ampére, Max Planck,
Marconi, Einstein, Werner von Braun, os astronautas Aldrin,
Armstrong, James Benson Irwin...

Todavía examinaremos abaixo a questáo, procurando con


siderar a evolugáo do problema e as pistas que hoje se ofere-
cem 'á sua solugáo.

1. Problemas superados

A questáo das relagóes entre a ciencia e a fé já se apre-


sentou em termos mais agudos e pungentes do que hoje em
dia. Verifica-sc que atualmente se dissiparam dificuldades que
outrora se punham em torno de tres temas principáis: o cien
tificismo, a sacralizagáo indevida e o binomio «fé e pesquisa
científica». Percorramos cada um destes tres tópicos.

1.1. Cientificismo

O divorcio entre ciencia e fé era muito mais freqüente no


século passado, quando a ciencia comecou a tomar o impulso
que até os nossos dias se vai intensificando. A muitos estu-

— 380 —
CIENCIA EFÉSE EXCLUEM?

diosos parecia que a ciencia, em seu progresso, daría resposta


a todas as interrogacóes do homem; bastaría cultivar conse-
qüentemente os setores da pesquisa científica para que se resol-
vessem todas as dúvidas da humanidade. Em conseqüéncia,
havia cientistas que agrediam e ridicularizavam a fé e a reli-
giáo. Tal posicáo é chamada «cientificismo» ou «cientismo».
Ora este já perdeu sua voga. Os estudiosos, quanto mais pene-
tram no mundo do saber, tanto mais conscientes se tornam
de que pouco sabem e de que devem reformular sentengas
outrora tidas como inabaláveis; além do que, encontram novas
interrogagóes a pedir respostas. Assim na linguagem dos pró-
prios cientistas o cientificismo está anacrónico; qualquer secta
rismo «cientificista», seja de origem crista, seja de origem
marxista ou materialista, está ultrapassado.

Lévi-Strauss, o pensador estruturalista ateu, diz, por exem-


plo, que a ciencia é incapaz de «responder a todas as questóes.
Ela nao o pode nem o poderá jamáis» (transcrito da citada
obra de Ch. Chabanis).

Muito interessante é também o testemunho de Frangois


Jacob, notável biólogo francés, premio Nobel:

"Nao creio que a ciencia jamáis consiga explicar o que um homem


pode ressentir diante do sorriso de urna mulher, diante de um por do sol
ou de um concertó de Bach. Estes sao dois aspectos do homem, dols
aspectos irredutiveis um ao outro (a ciencia e os afetos)... Nao se pode
propor uma filosofía que dé razoes de nascer, viver, ter fllhos e morrer,
sem levar em conta os dois aspectos. Julgo que há af um grave problema,
e que esta é uma das razdes pelas quais estamos numa situacSo de ruptura
e angustia" (transcrito da citada obra de Ch. Chabanis).

Entre os cientistas ateus entrevistados por Christian Cha


banis, está também Raymond Aron, que prestou o seguinte
depoimento:

"Slnto-me chocado quando tal ou tal clentista considera que os resul


tados da sua disciplina, por exemplo a biología, demonstram o absurdo das
crencas religiosas ou permitem explicar integralmente o mundo no qual
estamos".

Nesses testemunhos chama-nos a atencáo o fato de que os


seus autores admitem outra fonte de saber e de respostas para
o homem, além da ciencia, ou seja, além das experiencias de
laboratorio, das pesquisas «in loco» e das oonclusóes ou leis
estatísticas que daí se podem deduzir.

— 381 —
6 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS-* 189/1975

1.2. Saeralizacáo ¡ndsvida

Até fins do século passado e ainda no deeorrer do sé-


culo XX, muitos cristáos e teólogos julgavam poder tirar da
Biblia e das proposigóes da fé respostas para questóes cientí
ficas: teses sobre a origem do mundo, o evolucionismo e o
fixismo, a idade da térra e do género humano eram apresen-
tadas em nome da fé. Ora hoje em dia se percebe claramente
que Deus, ao revelar ao homem seus designios de salvagáo,
nao Ihe quis desvendar os segredos da natureza; estes, por-
tanto, ficam sendo estritamente objeto de pesquisa científica.

Em outros termos: nos tempos recentes, a teología já nao


propóe ao cientista cxplicagóes teológicas de fenómenos natu-
rais. Sabe-se que tais fenómenos tém causas ¡mediatas, físicas
e químicas, de tal modo que é lícito construir teorías científi
cas sem apelar direta e imediatamente para Deus. Assaz
diversa era a posicáo dos pensadores cristáos nos séculos
XVI/XVII: Descartes (f 1650 e Newton (tl727), por exem-
plo, admitiam que Deus governa diretamente os processos físi
cos e biológicos, de sorte que nao seria possível explicá-los
senáo por recurso explícito a Deus. Leibnitz (t 1716), porém,
declarava que situar Deus no seio mesmo dos fenómenos natu-
rais manifestava «urna idéia assaz miserável da sabedoria de
Deus».

Com outras palavras ainda: a teología reconhece a auto


nomía da pesquisa científica. Naturalmente, essa autonomía
tem seus limites remotos. Jamáis poderá ser tal que exclua
a existencia de Deus, a criagáo do mundo e do homem, a Pro
videncia em relaqáo á historia, as leis moráis impressas na
natureza do homem, etc. Por conseguinte, a ciencia e a fé já
nao competem entre si; mas vé-se que a fé continua o cami-
nho de penetragáo dentro da verdade iniciado pela ciencia;...
continua, levando para um plano superior. É esta urna das
grandes afirmacóes do Concilio do Vaticano II na sua Consti-
tituicáo «Gaudium et Spes» n» 36:

"Se a pesquisa metódica em todas as ciencias proceder de maneira


verdaderamente científica e segundo as leis moráis, na realidade nunca
será oposta á fé; tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se
do mesmo Deus. Mais ainda: aquele que tenta perscrutar com hum¡Idade
e perseverarla os segredos das coisas, ainda que disto nño tome cons-
cléncia, é como que conduzido pela máo de Deus, que sustenta todas as
coisas, fazendo que elas sejam o que sfio. Portanto, permita-se-nos lamentar
algumas atltudes que nao faltaram, ás vezes entre os próprios cristios, por

— 382 —
CIENCIA E FÉ SE EXCLUEM?

nao se reconhecer claramente a legitima autonomía das ciencias. Ñas


disputas e controversias suscitadas por este motivo, levaram a mente de
muitos a julgar que a fé e a ciencia se opunham entre si.

Todavia, se pelas palavras 'autonomía das realidades temporals1 se en-


tende que as coisas criadas nao dependem de Deus e o homem as pode
usar sem referencia ao Criador, todo aquele que admite Deus percebe o
quanto sejam falsas tais máximas. Na verdade, sem o Criador a criatura
esva¡-se. Além disto, todos os crentes, de qualquer religiio, sempre ouvl-
ram a voz de Deus e a sua manifestacáo na linguagem das criaturas. E
pelo esquecimento de Deus a próprla criatura torna-se obscura".

Alias, já o Concilio do Vaticano I (1870) havia declarado:

"Embora a fé esteja ácima da razáo, nao pode haver genutna contra-


dlcSo entre urna e outra. O mesmo Deus, que revela seus misterios e
infunde a fé, deu á mente humana a luz da razáo; ora Deus nao pode
negar a si mesmo nem a verdade pode contradizer á verdade. Tém-se
falsos espécimens dessa contradlgáo quando as proposites da fé nao sao
entendidas e expostas segundo a mente da Igreja ou quando opIniSes sSo
tidas como sentencas definitivas da razao" (Denzlnger-Schoenmetzer, En-
qulrldio 3017 [1797]).

1.3. Fé religiosa e pesquisa científico,

É tranquilo hoje dizer-se que a fé e a ciencia nao susten-


tam afirmagóes contraditórias ou antagónicas entre si. Mais
aínda: também se verifica em nossos dias que a fé, embora
professe proposigóes dogmáticas (no tocante a Deus e á sal-
vagáo do homem), nao se opóe á atitude de busca e pesquisa
característica dos cientistas. Estes, até decenios atrás, acusa-
vam a fé de vedar ou, ao menos, prejudicar o progresso da
ciencia. Atualmente a teología tem consciéncia clara de que
as verdades da fé nao tem por objeto os fenómenos da natu-
reza, mas, sim, o estatuto fundamental do homem e do mundo
e as relagóes de ambos com Deus. Também se vé nítidamente
que a adesáo aos dogmas da fé nao exclui — mas, ao contra
rio, exige — um esforgo constante de pesquisa a fim de que
essas proposigóes de fé possam ser mais conhecidas e as suas
riquezas se tornem mais explanadas.

Entre outros exemplos, pode-se lembrar o que se tem dado


no setor da exegese bíblica: até o século XDC tinha-se por
certo que as primeiras páginas do Génesis ensinavam a criagáo
do mundo em seis dias de vinte e quatro horas ou em seis
períodos; o homem teria sido criado a partir do barro, e a
mulher a partir da costela de Adáo;... o livro de Josué (c. 10)

— 383 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

ensinaria o sistema geocéntrico (a térra seria fixa e o sol


giraría em torno da mesma). Em conseqüéncia, quando os
astrónomos e biólogos aventaram novas teorías, muitos pensa
dores católicos as rejeitaram em nome de urna exegesc bíblica
mal entendida. Os conflitos que se registraram no séc. XVII
(por ocasiáo da tese de Galileo Galilei) e no séc. XDC (em
relagáo a Darwin e Haeckel), foram superados desde que a
exegese bíblica tomou mais profunda consciéncia de seu ám
bito estritamente religioso e de sua tarefa de exprimir verda
des em vista da salvadlo eterna dos homens (cf. Constituigáo
«Dei Verbum» n9 11 do Vaticano II).

Assim esvaiu-se o «dogmatismo» desnecessário de certos


pensadores cristáos, permitindo melhor relacionamento entre
a fé e a ciencia.

Doutro lado, porém, deve-se dizer (como, alias, já foi ace-


nado atrás) que o dogmatismo de certos cientistas do século
passado também se esvaiu nos últimos decenios. Com efeito,
mais e mais os cientistas tomam consciéncia da índole própria
e dos limites da sua tarefa. Compreendem sempre melhor que
a ciencia estritamente dita se mantém no plano dos fenómenos:
define seus conceitos, descobre suas leis, procura exprimir as
estruturas dos corpos mediante fórmulas apropriadas... Os
cientistas sabem que nao devem pedir á ciencia o que ela nao
lhes pode dar; as ciencias naturais se distinguem da filosofía
da natureza. Por isto os cientistas tendem hoje a rejeitar a
utilizagáo da ciencia para fundamentar alguma filosofía ou ideo-
logia, seja espiritualista, seja materialista (na Rússia Sovié
tica, porém, até hoje a ciencia ó cultivada a fim de conseguir
«provas» das teses do materialismo dialético; tenham-se em
vista principalmente as pesquisas russas em torno da origem
da vida). Muito importante a este propósito é a declaragáo
de Lévi-Strauss:

"Um ateísmo que se justifique sobre bases científicas, é Impossível


de se sustentar, porque implicarla que a ciencia seja capaz de responder
a todas as interrogacSes do homem. Evidentemente ela nao é nem jamáis
será capaz disto" (citado por Ch. Chabanis na obra indicada).

Principalmente depois da descoberta da energía nuclear e


da bomba atómica, os cientistas tém nítida consciéncia de que
a ciencia, entregue a si só, nao pode resolver todos os proble
mas da humanidade. A ciencia deve deixar lugar a outros
tipos de reflexáo, que seráo a reflexáo filosófica e a da fé.

_ 384 —
CIENCIA EFÉSE EXCLUEM? 9

Passemos agora á consideracáo dos pontos que ainda


contribuem para manter distantes da fé muitos homens de
ciencia.

2. Problemas ainda existentes

A evolucáo das relacóes entre a ciencia e a fé contribuiu


para que se amenizasse o problema da incredulidade dos ho
mens de ciencia. Já nao é possível sustentar, como ocorria
até um passado recente, que ciencia e fé nao sao compatíveis
entre si. Todavía ainda restam problemas; principalmente nos
países de ideología marxista a ciencia é apresentada de tal
modo que implique o ateísmo. Também se registra em grande
número de dentistas incrédulos, mesmo nos de mais alto nivel,
um desconhecimento quase desconcertante daquilo que a fé
crista realmente professa; muitos se referem a ela atendendo
a concepgóes e realidades do passado, que já nao corresponden!
as atuais posigóes dos cristáos e da Igreja; esta tem procurado
acompanhar a ciencia e a vida dos homens, adaptando-se a
tudo que nao fira o patrimonio de doutrina ou de moral entre
gue por Cristo 'á Igreja.

De maneira concreta, tres sao os problemas que dificul-


tam as relacóes entre certos dentistas e a fé: 1) muitos nem
sequer se interrogam a respeito do porqué e do para qué da
existencia; 2) há os que julgam que a fé é mera questáo de
sentimento; 3) segundo outros, nao se deve procurar prolon
gar os conhecimentos da ciencia mediante os da filosofía e
da fé.

Vejamos cada qual destes problemas de per si.

2.1. Insenstbilidade as grandes interroga;5es

Nota-se inegavelmente, entre varios estudiosos de hoje,


certa indiferenca em relacáo aos pontos cardeais da existencia
humana, indiferenca da qual dá testemunho Lévi-Strauss:

"De modo nenhum posso dlzer que o ateísmo seja urna atltude posi
tiva. É simplesmente a ausencia de certos problemas, de certas questaes,
de certas interrogacOes... Ao discutir com pessoas que creem, tenho
setnpre a impressio de que a diferenca fundamental entre elas e mlm
provém de que colocam problemas que eu nfio me coloco... A atlvidade
científica acarreta, para a maloria dos cientistas, satisfaces suficientes
para que n§o tenham necessidade de colocar outras questaes".

— 385 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

As razóes da falta de interesse pelas questóes capitais da


vida humana devem ser procuradas, antes do mais, no clima
cultural do mundo de hoje. A eficacia da ciencia, o caráter
tangível de suas realizagóes bem sucedidas conferem-lhe um
fascinio que inverte a escala dos valores de muitos homens;
sao, em conseqüéncia, menosprezados os esforgos daqueles que
tentam penetrar no misterio da existencia humana e dos seus
pontos cardeais; tais tendencias filosófico-religiosas vém a ser
consideradas totalmente destituidas de sentido e valor.
O retrocesso geral do ensino da filosofía em nossos dias
é outra causa e, ao mesmo tempo, expressáo desse descaso em
relagáo as grandes questóes do espirito humano. A filosofía é
nao raro tida como inútil, pois nao abre carreira nem possibi-
lita empregos de grandes salarios; o que importa a muitos
jovens e adultos hoje, é a eficacia concreta e material que
possa estar associada aos seus estudos. É esta, ao menos, a
atitude de muitos estudantes no inicio de seu currículo de estu
dos. Nao há dúvida, porém, de que, com o passar do tempo,
se véem na necessidade de reformular tal atitude, pois o pró-
prio estudo abre questóes filosóficas que a «curiosidades» hu
mana (no bom sentido) dificilmente consegue afastar: Donde
vem o mundo?... o homem? Para onde caminha o que ve
mos?. .. Que somos nos, homens? etc.
Alias, é isto mesmo que se nota em alguns cientístas que
se dizem ateus; verifica-se que mostram preocupagáo por ques
tóes que estáo fora dos limites da ciencia empírica e que de
per si levam ao reconhecimento da existencia de Deus. É o
caso de Jean Rostand, por exemplo, que declarou a Christian
Chabanis: «Neo posso dizer-lhe até que ponto eu quisera que
houvesse... Deus seria urna palavra demasiado grande, mas...
algo».
Este algo é alusáo inicial ao transcendental; na procura
desse algo estáo a procura e o encontró do Infinito e do
Criador.

Outro problema que muitos cientistas de hoje eoloeam, é


o seguinte:

2.2. Raciocinio somente na ciencia.. .!

1. Com outras palavras, diriam muitos: «Nao há ma-


neira válida de raciocinar senáo no setor das ciencias. A reli-
giáo é assunto meramente afetivo, que escapa ao alcance e ao
controle da razáo».

— 386 —
CIENCIA E FÉ SE EXCLUEM? 11

Esta posigáo nao se recusa, como a anterior, a reconhecer


as grandes interrogacóes da mente humana. Também aceita
que a ciencia nao possa responder a todas as indagagóes do
ser humano. Mas afirma que a religiáo nao pode contribuir
para resolvé-las. De modo especial, dizem, a religiáo perma
nece no ámbito da afetividade, ámbito em que a ciencia nada
tem que fazer. Esta posigáo, alias, é defendida nao só por
cientistas agnósticos, mas também tem atraído, até certo ponto,
o modo de pensar de alguns cristáos.

Eis o que declara, por exemplo, o dentista David R.


Inglish, físico, Diretor do grande Laboratorio Argonne nos
EE.UU.:

"Crer em Deus é um sentlmento subjetivo que se encontra no coracflo


de todos os homens. O concelto de Deus nao pode ser alcanzado mediante
urna prova racional" (citado por Friederick E. Trinklein, "The God of
Sclence", Grand Rapid, Michigan 1971, p. 53).

2. Por que certos cientistas recusam á religiáo a possi-


bilidade de investigar validamente os setores que nao perten-
cem ao dominio da ciencia?

Isto talvez se deva ás caricaturas da fé que se chamam


crendices e das quais nao estáo isentas nem mesmo pessoas
de nivel cultural elevado (astrologia, quiromancia, as diversas
formas de superstigáo: n« 13, figa, ferradura de cávalo, dente
de elefante...). Está claro que tais crendices nao resistem a
um serio exame por parte da razáo — o que leva a admitir
indevidamente que a razáo nao é posta a funcionar quando se
trata de crer. — Outra possível causa da mencionada atitude-
de cientistas é o fato de que outrora se apresentava a imagem.
de Deus em termos demasiadamente antropomórficos. É dista
que se queixa, por exemplo, o biólogo Francois Jacob, para
quem, na idade de dez ou doze anos, «a palavra Deus se esva-
ziou repentinamente de todo o seu conteúdo» (citado por Cn-
Chabanis, obra citada, p. 58).

3. Acontece, porém, que a problemática assim experimen


tada por homens de ciencias, em vez de se abrandar, recru-
desce pelo fato de que certos cristáos hoje em dia tendem a
minimizar a possibilidade de raciocinar a respeito das propo-
sigóes da fé. Todo raciocinio sobre a fé lhes é suspeito; a fé
seria um sentimento íntimo, mais ou menos cegó; nao poderia
ser expressa por fórmulas lógicas; seria incomunicável por

— 387 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

conceitos e palavras. Os cristáos que assim pensam, baseiam-se


no fato de que Deus é inefável e a experiencia religiosa indi-
zivel. Iludem-se, porém, pois Deus quis revelar-se mediante
conceitos humanos, que a razáo tem o direito de penetrar com
a perspicacia que lhe toca: pode-se dizer, sem a mínima dúvida,
que Deus é Amor, Justica, Misericordia..., mas deve-se acres-
centrar que nao é Amor, Justiga, Misericordia... como o ho-
mem o é. — Ademáis a atitude de tais cristáos dificulta o
acesso dos incrédulos á fé também pelo fato de que todo ho-
mem experimenta a profunda necessidade de nao perder o con
tato com a razáo, principalmente quando se entrega a concep-
góes que influam sobre toda a vida humana.

Examinemos agora outro problema que ainda abre distan


cias entre certos cientistas e a fé.

2.3. Ciencia fechada ou aberta ?

Os cientistas discutem a questáo: a filosofía e a fé tém ou


nao relacáo com a ciencia?

— Certo é que nao se devem confundir esses tres tipos de


saber. A filosofía e a fé nao devem ditar leis á pesquisa cien
tífica. Todavía alguns estudiosos váo mais longe, afirmando
que o cientista deve ignorar por completo as afirmagóes da
ciencia e da fé, pois, em caso contrario, correríamos o risco de
anular a autonomía da ciencia e favorecer um retorno nocivo
ao concordismo1.

Ora deve-se, em réplica, dízer que a ciencia, depois de


utilizar todo o seu instrumental de trabalho, ainda deixa ou
suscita muitas questóes, as quais ela mesma nao dá resposta,
mas as quais, numa visáo mais ampia e profunda, a filosofía
e a fé podem responder; tais sao: Donde vimos? Para onde
vamos? Qual o sentido do trabalho?... do sofrimento?... da
morte?

De modo especial, enumeraremos dois pontos em que a


ciencia se abre naturalmente para a filosofía e a fé, pedindo
urna complementaeáo da parte destas.

10 concordismo é a atitude de estudiosos do século passado que


tudo faziam para obter a concordia violenta ou artificial das proposites da
fé com as da ciencia ou vlce-versa; no caso, ou a ciencia era sacrificada
as proposicoes da fé, ou a fé era moldada segundo os traeos das conclu-
sOes científicas.

— 388 —
I CIENCIA E FÉ SE EXCLUEM? 13

2.3.1. Presenta criadora de Deus

A pesquisa científica pode chegar sem dificuldade a esta


interrogagáo: como se explica que seres contingentes (entre os
quais está o próprio homem), seres que nao tém a existencia
por sua própria natureza, tenham chegado á existencia? Atra-
vessaram por si mesmos o abismo do nada ou urna causa lhes
deu existencia?

A resposta nao é difícil: as realidades penetradas pela cien


cia nao podem por si ter chegado á existencia. Nem o cosmos
nem a humanidade tém em si mesmos a sua razáo de ser; no
mundo yisível, nada há de absoluto; as criaturas sensíveis nao
eram, vieram a ser e tendem a transformar-se. Isto faz que
os olhos do dentista possam discretamente perceber, através
das criaturas visíveis, a presenga e a agáo de Deus Criador;
Este é o Absoluto, que os seres contingentes supóem e postu-
lam, ou sem o qual os seres contingentes nao teriam razáo de
ser nem jusificativa. Nem a secularizagáo do pensamento
científico nem as modernas «teologías da morte de Deus» po
dem invalidar esta afirmagáo fundamental, por mais legítima
que seja a sua tendencia a evitar falsos concordismos.

2.3.2. A analogía

A ciencia pode-se abrir mais aínda. Nao somente está


apta a reconhecer a existencia da Causa Primeira e, por con-
seguinte, de Deus, mas pode também dizer algo sobre os pró-
prios atributos de Deus. Ao conhecimento científico em parti
cular aplica-se o texto de Sao Paulo:

"Quanto se pode conhecer a respeito de Deus, é manifestó a eles:


Deus mesmo se lhes deu a conhecer, já que seus atributos Invlsfvels
— tanto o seu eterno poder como a sua Divindade — tornam-se visfveis
aos olhos da Inteligencia, desde a criacSo do mundo, por meló das suas
obras" (Rm 1, 19s).

S. Tomás de Aquino expós a mesma verdade recorrendo


ao conceito de analogía do ser: as perfeigóes propriamente ditas
que ñas criaturas se encontram de maneira limitada, existem
realmente em Deus, mas sem limitacóes; como foi dito atrás,
Deus é Amor.Justiga, Sabedoria, Inteligencia, nao, porém, nos
termos limitados em que o homem é amor, justiga, sabedoria,
inteligencia...

— 389 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS., 189/1975

Infelizmente, porém, alguns motivos concorrem para que


determinados cientistas nao reconhegam tal verdade. Entre
outros, saliente-se a preocupagáo excessiva por salvar a auto
nomía da ciencia e distinguir esta última das especulares filo
sóficas e religiosas. Note-se também o fato de que a ciencia
é muitas vezes cultivada em vista de resultados utilitaristas e
tecnológicos (como fazia notar Paulo VI em sua audiencia de
10/X/73), de modo que o dentista nao dá a devida atengáo
as dimensóes contemplativas ou sapienciais dos seus estudos.

Todavia há igualmente cientistas que declaram ter encon


trado o sabor da verdade religiosa através das proposicóes da
ciencia:

"Passel da ¡ncredulidade á fé, porque eu era, antes do mais, um espi


rito científico e, ácima de tudo, procurava a verdade" ("Bulletln de l'Union
Cathoüque des Scientifiques Frangais", maio-junho 1973, p. 28).

Resta considerar um terceiro tipo de possivel abertura da


ciencia aos valores transcendentais.

2.3.3. Da víselo puramente científica a urna víselo global

Apesar das afirmagóes em contrario, pode-se seguramente


dizer que o espirito humano traz em si urna tendencia inata a
abarcar a realidade numa visáo global («Weltanschauung», Cos-
movisáo). Isto, em outras palavras, quer dizer que a ciencia
tende a prolongar-se e integrar-se em urna síntese filosófica e
religiosa. Por mais definido que seja o método científico, ele
parece trazer em si um chamado a superar-se e a chegar a
urna visáo da realidade que se sitúa além daquilo que a ciencia
pode alcanear por seus próprios métodos.

Nao há dúvida de que é legitima e útil a distincáo entre


Física e Meta-Física. Aquela constituí urna aproximacáo posi
tiva da realidade, abstraindo de qualquer raciocinio que ultra-
passe os fenómenos analisados. A Meta-Física (alem da Fí
sica), ao contrario, parte dos dados da Física e os ultrapassa,
a fim de continuar pelo raciocinio as descobertas que os senti
dos realizam pela experiencia. Sem anular esta distincáo, pode
mos afirmar que nao é fácil ao homem opor-se ao dinamismo
do seu espirito, que, passando por cima das distingóes metodo
lógicas, aspira a urna compreensáo completa e plena da reali
dade.

— 390 —
CIENCIA EFÉSE EXCLUEM? 15

É certo que muitos dentistas se recusam a dar este passo.


Outros, porém, sentindo-o necessário, resolveram-se a dá-lo.
Tais sao, entre outros, os casos de Teilhard de Chardin e Jac-
ques Monod, aquele procurando chegar a urna cosmovisáo
crista, enquanto este enveredou pelo materialismo e o ateísmo;
Jacques Monod (que, sem dúvida, foi infeliz na sua tentativa de
síntese) deu á sua obra «O acaso e a necessidade» o significa
tivo subtitulo: «Ensaio sobre a filosofía natural da biología
moderna»; este subtítulo bem mostra que o cientista — como
ser humano, e nao estritamente como cristáo — reconhece que
a ciencia, por só, nao leva a toda a compreensáo da reali-
dade que o homem deseja alcanzar.

Note-se ainda: algumas ciencias, no exercício mesmo das


suas atividades, sao levadas a formular interrogagóes para as
quais elas nao tém resposta em seu próprio campo de traba-
Iho; assim, o matemático enfrenta noje problemas de funda
mentos que sao de índole nítidamente filosófica; o físico está
envolvido no problema das relagóes entre sujeito e objeto
(objetividade ou subjetividade dos nossos conhecimentos),...
no problema do determinismo ou indeterminismo das leis natu-
rais — questóes estas que sao de índole filosófica. O biólogo
se depara com as nogóes de finalidade, evolugáo teleológica ou
casual, psiquismo dos irracionais e do homem,... e outras
questóes de teor filosófico. O astrónomo nao pode deixar de
se interrogar a respeito do universo como um todo regido por
leis sabias que a sabedoria humana aos poucos vai descobríndo.

Estes reflexóes já nos permitem tentar urna

3. Oonclusao

Verifica-se que o problema do divorcio entre a ciencia e


a fé se vai empalidecendo; há dentistas incrédulos que, embora
nao se abram diretamente para as proposicóes da fé, estáo
dispostos a aceitar um «além da ciencia». O processo de apro-
ximagáo poderá ser fomentado se os pensadores cristáos se
entregarem a urna reflexáo filosófica e teológica cada vez mais
exigente e urna compreensáo sempre mais nítida da ciéntía e
dos métodos e objetivos desta. Nao resta dúvida, porém, de
que a fé, em última análise, depende da abertura dos coragóes
á graga de Deus — o que supóe total disponibilidade da von-
tade e dos afetos do ser humano. O cristáo tem, pois, um

— 391 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

duplo papel a exercer frente aos cientistas ateus: 1) a prática


do diálogo, que saiba ir ao encontró dos problemas e enfoques
do incrédulo; 2) a conduta de vida coerente, que equivalha a
nova maneira de viver a fé professada pelo discípulo de Cristo.

Bibliografía:

Chrlstian Chabanis, "Dieu exlste-t-ll 1 Non..." París 1973.

Frederlck E. Trinklein, "Trie God of Science". Grand Rapid, Michi


gan 1971.

Jean Ladrlére, "La science, le monde et la fol". Paris 1972.

Varios, "Science et Théologie", col. "Recherches et Débats" n? 67.


París 1970.

Francols Russo, "Ciencia y Incredulidad", em "Criterio", a XLVII,


27/II/75, n? 1709/10, pp. 56-65.

Georges Morel, "Dieu existe-t-il ?", em "Etudes", juin 1973, pp.


811-828.

Glovanni Bortolaso, "L'uomo di fronte al mlstero di Dio", em "La


Clvlltá Cattolica" n? 2992, 15/11/75, pp. 333-340.

«SÓ HÁ UMA TRISTEZA

A DE NAO SER SANTO»

Léon Bloy

— 392 —
No Evangelho segundo Joáo:

a gloriosa paixáo de Jesús

Em sfnlese: O Evangelho segundo Sfio JoSo é mais breve do que


os Slnóticos em seu relato da Palxfio de Cristo, mas p8e em relevo certos
tragos que apresentam o significado teológico dos acontecimentos referidos.
Esta IntencSo teológica do Evangelista se depreende claramente da anállse
de certos temas marcantes do IV Evangelho: a cruciflxáo como exaltacSo,
a hora 'de Jesús, a anteclpac§o de acontecimentos escatológlcos (Jufzo,
restauracfio do povo na unldade), a precfencla de Jesús a respeito da sua
Paixao, a liberdade soberana com que o Senhor se entregou ao adversarios.

Comentario: Embora o Evangelho segundo S. Joáo siga


um roteiro diverso do dos Evangelhos sinóticos, em se tra
tando da Paixáo de Jesús verifica-se convergencia dos guatro
Evangelistas numa narracáo, que é substancialmente a mesma
sob quatro redactes diferentes. Isto se explica bem pelo fato
de que a historia da Paixáo, repetida em todas as celebracóes
eucarísticas, foi desde os primeiros decenios fixada na primi
tiva tradigáo crista. Apesar disto, porém, verifica-se que o
Evangelho segundo S. Joáo se distingue dos anteriores por
diversos tragos característicos, que póem em relevo o signifi
cada teológico da Paixáo do Senhor. Nao sem motivo se diz
que Sao Joáo é «o teólogo».

Interessa-nos, pois, por em realce esses acenos teológicos


da Paixáo de Cristo tais como os refere o quarto Evangelho.

1. As diferenjas entre Jo e os Sinóticos

A narracáo joanéia é, sob certos aspectos, menos completa


do que a dos Sinóticos, mas nao deixa de acrescentar a esta
alguns dados esclarecedores e significativos.

Abaixo váo recenseados os traeos diferenciáis:

— 393 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

1.1. OmissSes em Jo

Sao Joáo silencia os seguintes dados:

1) A agonia de Jesús no horto das Oliveiras (cf. Mt


26,36-46; Me 14,32-42; Le 22,39-49). Todavia notem-se as pala-
vras de Jesús em Jo 18,11: «Nao beberei o cálice que meu Pai
me deu?»; constituem urna alusáo discreta a tal acontecimento.
Merecem atencáo também os dizeres com que Jesús exprime
a sua perturbagáo diante da morte: «Agora a minha está per
turbada; e que direi? — Pai, salva-me desta hora! Mas por
causa disto é que vim a esta hora. Pai, glorifica o teu nome»
(Jo 12,27s). Em Jo, portante, Jesús conhece o estremecimiento
causado pela perspectiva da morte, mas conhece-o em pé,
diante da multidáo, nao de joelhos, nem na noite e no isola-
mento do horto das Oliveiras.

2) O ósculo de Judas (Mt 26,48-50, par.) *.

3) O abandono de Jesús por parte dos discípulos (Mt


26,56; Me 14,50) 2.

4) O comparecimento de Jesús diante do sinedrio (ou


tribunal judaico); cf. Mt 26,57-66; 27,1, par. Sao Joáo nao
fala explícitamente deste processo porque todo o seu Evange-
lho se desdobra como urna longa contestagáo jurídica, desde o
interrogatorio de Joáo Batista (1,19) até a decisáo de mata-
rem Jesús (11,49-53).

5) As cenas de ultrajes em casa do Sumo Sacerdote


(Mt 26,67, par.), em casa de Herodes (Le 23,6-12).

6) As zombarias dos soldados (Le 23,11) e dos ladrees


(Mt 27,38) 8.

i Sao Lucas apenas diz: "Judas aproxlmou-se de Jesús para dar-lhe


um ósculo" (Le 22, 47). N9o quls dlzer que o traidor deu um ósculo a
Jesús. — A abreviatura "par." significa "textos paralelos".

8 Lucas nao fala desse abandono, pols tende a poupar os apostólos.


Desculpa mesmo o sonó dos discípulos no horto das Oliveiras, dlzendo:
"Jesús foi ter com seus discípulos, que Efe encontrou adormecidos por
tristeza" (Le 22,46).

3 Joáo fala apenas de dols outros, nao os mencionando como ladrees


(Jo 19,18).

— 394 —
A FELIZ PAIXAO DE JESÚS 19

7) As trevas sobre a térra (Mt 27,45, par.).

8) O grito de abandono: «Meu Deus, meu Deus...»


(SI 21); cf. Mt 27,46s.

9) A ruptura do véu do Templo (Mt 27, 51, par.).

10) O enforcamento de Judas (Mt 27,3-10).

11) A confissáo do centuriáo (Mt 27,54, par.).

1.2. Textos peculiares a Jo

Há, porém, no texto do quarto Evangelho, episodios pró-


prios de Sao Joáo:

1) Jesús derruba os que o querem prender (Jo 18,3).

2) O comparecimento diante de Anas (Jo 18,13-24), des


crito de modo que nao se sabe quem é realmente o verdadeiro
juiz (seria Jesús? seriam os judeus?).

3) O processo diante de Pilatos, cujas cenas majestosas


também relevam a dignidade de Jesús (Jo 18,28-19,15). Te-
nham-se em vista especialmente as expressóes «Eis o homem»,
«Eis o vosso Rei».

4) A inscrigáo da cruz de Cristo redigida em hebraico,


latim e grego, de modo a desencadear protestos (Jo 19,20-22).

5) Apartilha das vestes sobre o fundo do SI 21


(Jo 19,23s).

6) A sede de Jesús, com o «Tudo consumado»


(Jo 19,28-30).

7) Maria e Joáo ao pé da Cruz (Jo 19,25-27).

8) O golpe de langa: o sangue e a agua (Jo 19,31-37).

9) O embalsámente do corpo de Jesús por parte de Ni-


codemos (Jo 19,38-42) K

i Asslm o Evangelista procede segundo a lei da "Inclusáo" : Nlco-


demos, presente no inicio da vida de Jesús (Jo 3), está presente também
no lim ; contempla a exaltacáo que Jesús Ihe anunciara (Jo 3,14).

— 395 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

Já este confronto sumario dá a ver que Joáo nao se detém


nos aspectos trágicos e dolorosos da Paixáo, mas encara-a em
perspectiva teológica, como cumprimento da obra da salvac.áo
prometida pelo Pai ñas Escrituras. Loisy observa-o bem: «A
Paixáo, no quarto Evangelho, é narrada do ponto de vista da
gloria de Cristo: apresenta Jesús glorificado na morte» («Le
quatriéme Evangile». Paris 1903, p. 820).

A fim de realc.ar melhor o ponto de vista joaneu, comen


taremos, a seguir, alguns temas fundamentáis que parecem
subjacentes ao relato joaneu.

2. Temas fundamentáis

Destacaremos «a exaltagáo do Filho do Homem», «a Hora


de Jesús», o significado escatológico da Paixáo do Senhor, a
consciéncia que Jesús tinha da sua morte salvífica, a liberdade
com que o Senhor se entregou.

2.1. A exaltaeóo do Filho do Homem

É através deste enfoque que o quarto Evangelho mais


claramente apresenta a sua profunda visáo teológica da Paixáo
do Senhor.

Logo de inicio, note-se que nos Evangelhos sinóticos Je


sús prediz tres vezes a sua Paixáo, morte e ressurreigáo, como
abaixo se vé:

Mt 16,21 : "A partir desse momento, comecou Jesús a mostrar a


seus discípulos que devia Ir a Jerusalém para sofrer muitas coisas por
parte dos anciños, dos principes dos sacerdotes e dos escribas, e para ser
morto e ressuscltar ao terceiro dia".

Mt 17, 22s : "Enquanto se encontravam reunidos na Galiléia, Jesús


disse aos seus discípulos: 'O Filho do Homem deve ser entregue as máos
dos homens ; eles o mataráo, mas ressuscitará ao terceiro dia'. Ficaram
os discípulos profundamente tristes".

Mt 20,17-19: "Subindo a Jerusalém, Jesús tomou á parte os doze


e Ihes disse enquanto seguiam pela estrada: 'Subimos agora a Jerusalém,
e o Filho do Homem será entregue aos principes dos sacerdotes e aos
escribas. Eles o condenaráo á morte e o entregarao aos gentíos para ser
escarnecido, acollado e crucificado, mas ao terceiro dia Ele ressuscltará'".

— 396 —
A FELIZ PAIXAO DE JESÚS 21

Ora em Joáo Jesús também prediz a sua Paixáo. Obser-


ve-se, porém, o estilo em que o faz: na verdade, o Senhor anun
cia a sua exaltagáo:

Jo 3,14: "Assim como Moisés exaltou a serpente no deserto, do


mesmo modo ó necessário que o Filho do homem seja exaltado, para que
todo aquele que eré tenha nele a vida eterna".

Jo 8, 28: "Quando exallardes o Fllho do homem, conhecereis quem


eu sou e que nada fago por mlm mesmo, mas falo conforme o Pal me
ensinou".

Jo 12, 32.34 : "Disse Jesús : 'Quando eu for exaltado ácima da térra,


atratrei a mim todos os homens'. Dizia isto para Indicar de que morté
havia de morrer. A multidáo respondeu-lhe: 'Aprendemos da Leí que o
Cristo permanece eternamente. Como é, pois, que dizes: É necessário
que o Filho do homem seja exaltado ? Quem é esse Filho do homem ?'"

A origem, na Biblia, da teología da «exaltagáo» é muito


provavelmente a passagem em que o Profeta descreve a mis-
sáo do Servidor de Javé nos seguintes termos:

"Eis que o meu Servidor prosperará.


Crescerá, elevar-se-á, será exaltado".
(Is 52,13)

Os quatro cánticos ditos «do Servidor de Javé» (Is 42,1-4;


49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12) constituem urna visáo antecipada
da vocacáo, da missáo e da Paixáo expiatoria, salvífica do Ser
vidor com o qual a tradicáo crista identificou o Senhor Jesús.
Esse Servidor padece e morre inocente, carregando as faltas
alheias; por isto Javé o exalta e glorifica, como diz o próprio
Profeta:

"Aprouve ao Senhor esmagá-lo com sofrlmentos. Oferecendo a sua


vida em sacrificio expiatorio, terá urna posterldade duradoura e vivera
longos días, e a obra do Senhor prosperará ñas suas mfios...

O Justo, meu servidor, Justificará a multos e tomará sobre si as


iniquidades deles. Por Isto eu I he darei parte nos despojos com os gran
des e dividirá a presa com os poderosos, porque Ele próprio entregou a
sua vida á morte e foi contado entre os pecadores, tomando sobre si os
pecados de todos e intercedendo pelos culpados" (Is 53,10-12).

Na Igreja antiga nota-se a tendencia a identificar a exal-


tacáo (hypsoosis) do Servidor de Javé com a Ascensáo do Se
nhor Jesús aos céus. É o que atestam as seguintes passagens
do apostólo S. Pedro:

At 2, 33: "Jesús, lendo sido exaltado pela dlreita de Deus, recebeu


do Pal o Espirito Santo prometido e derramou o que vedes e ouvis".

— 397 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

At 5,30s: "O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesús, a quem raa-
tastes, suspendendo-0 num madeiro. Foi a Ele que Deus exaltou com a
sua dlreita como Chefe e Salvador".

Sao Paulo faz eco a tais dizeres, afirmando:

"Por Isto Deus o exaltou e deu-lhe o nome que está ácima de todo
nome para que, ao nome de Jesús, todo joelho se dobre nos céus, na
térra e debaixo da térra" (Fl 2,9s).

Todavía Sao Joáo antecipa, por assim dizer, a exaltagáo


de Cristo, identificando-a com a elevacáo de Jesús no patíbulo
da cruz:

Jo 12,31-33: "Agora o principe deste mundo será lancado fora. Eu,


quando for exaltado ácima da térra, atrairei a mim todos os homens. Dizia
Ele isto para Indicar de que morte havia de morrer".

O evangelista emprega aquí exatamente o mesmo verbo


hypsóo que os apostólos utilizam ao falarem da Ascensáo do
Senhor. Desta forma Sao Joáo apresenta a crucifixáo sob nova
luz: se a Ascensáo equivale á entronizacáo regia de Jesús,
esta, conforme o quarto Evangelho, se dá inicialmente no Cal
vario. Essa elevagáo do Cristo na cruz é considerada em pers
pectiva regia: do alto da cruz Jesús atrai a si todos os homens
para dar-lhes a salvagáo; torna-se assim o Reí de todos os
que nele acreditam. Na cruz de Cristo ocorre mesmo urna
substituicáo de poderes: o príncipe deste mundo é lancado fora;
o dominio de Satanás cede á realeza de Jesús; Este, no alto
da cruz, como que a partir de um trono, atrai a si todos os
homens.

Mas nao só a realeza de Cristo é apresentada pelo evan


gelista; a sua funcao de Salvador é igualmente incutida pelo
verbo hypsóo. Tenham-se em vista os textos seguintes:

Jo 3,14a: "Assim como Moisés exaltou (hypsosen) a serpente no


deserto, do mesmo modo é necessário que o Fllho do homem seja exal
tado (hj/psothenal), para que todo aquele que eré tenha nele a vida eterna"^

Estes dizeres aludem ao episodio narrado em Nm 21,Ss:


os israelitas no deserto foram vitimas de serpentes mortíferas;
o Senhor Deus entáo mandou que Moisés fizesse urna serpente
de bronze e a levantasse em meio ao povo. Olhando para
aquela serpente, ficavam curados todos os que tivessem sido
picados pelas serpentes venenosas. Ora Jesús diz que também
Ele será levantado (na cruz) e que a sua crucifixáo trará a

_ 398 —
A FELIZ PAIXAO DE JESÚS 23

salvagáo para todos os que nele crerem. O livro da Sabedoria,


no séc. I a. C, ao recordar o episodio de Nm 21, chama a
serpente de bronze «sinal de salvagáo» (16,6); é precisamente
o que a cruz de Cristo quer ser para todos os homens.

Enfatizando, pois, a palavra «exaltar», o quarto Evange-


lho realga o aspecto regio e glorioso que a Paixáo de Cristo
tem na perspectiva de Sao Joáo. A realeza de Jesús nao se
exerce apenas por ocasiáo da ressurreicáo do Crucificado, mas
comeca a ser realidade desde a cruz e a morte do Senhor.

2.2. A hora de Jesús

1. O tema da «hora de Jesús» é próprio do quarto Evan-


gelho. Tem sua origem na literatura apocalítica judaica, onde
significava o momento da consumagáo dos tempos e da der
rota definitiva dos inimigos do povo de Deusjcf. Dn 8,17.19;
11,35.40.45. O sentido de consumagáo ou escatológico da
«hora» também se encontra na apocalíptica sinótica ou nos
textos dos Evangelhos sinóticos (Mt, Me, Le) que se referem
ao fim dos tempos. Assim

Mt 24, 36: "A respelto daquele día e daquela hora ninguém sabe
quando será, nem os arijos do céu, mas únicamente o Pa".

Tenham-se em vista também as palavras de Sao Joáo em


sua primeira carta:

"Filhlnhos, esta é a última hora. E, como ouvistes dlzer que o Antl-


cristo vem, assim surglram já muitos Anticrlstos; e, por isto, conhecemos
quando será, nem os anjos( do céu, mas únicamente o Pal".

2. Nos Evangelhos Sinóticos (Mt, Me, Le) a «hora» vai


tomando um significado mais preciso: a hora se torna pre
sente pela vinda de Jesús, ou, mais particularmente, pela Pai
xáo do Senhor. Por isto diz Sao Marcos que «no horto das
Oliveiras» Jesús se prostrava por térra e pedia que, se fosse
possível, se afastasse dele aqueta, hora» (Me 14,35). No mo
mento de ser preso, declara o Senhor aos seus discípulos: «Veio
a hora; o Filho do homem será entregue as máos dos pecado
res» (Me 14,41).

É em sentido semelhante que o termo hora aparece no


quarto Evangelho. Todavía Joáo estende amplamente a im
portancia do tema e aprofunda o sentido teológico do mesmo.

— 399 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

Desde o inicio do quarto Evangelho, a vida de Jesús está orien


tada para essa hora misteriosa: Jesús fala déla como sendo a
sua hora, a hora em que Ele realizará definitivamente a sua
obra salvífica. Desde as bodas de Cana, Jesús dirige o olhar
dos seus discípulos para a cruz, declarando: «Minha hora ainda
nao chegou» (Jo 2,4).

É em fungáo dessa hora que Jesús dispóe toda a sua ati-


vidade de profeta e taumaturgo. Qualquer tentativa de prisáo
ou apedrejamento é inútil enquanto nao tenha chegado a hora
de Jesús:

Jo 7,30 : "(Os judeus) procuravam prender Jesús, mas ninguém pos


a mSo sobre Ele, porque ainda nao chegara a sua hora".

Jo 8,20: "Jesús pronunciou estas palavras... quando estava ensi-


nando no templo. Ninguém o prendeu, porque ainda nao chegara a sua
hora".

Uma vez, porém, colocado diante da perspectiva imediata


da sua morte, Jesús exclama solenemente: «Chegou a hora em
que o Filho do homem deve ser glorificado» (Jo 12,23). Este
texto indica que a hora da Paixáo é também a da glorificagáo.
A hora é angustiante, pois Jesús senté, como todo homem, os
estertores da morte, mas esta é vista através da gloria que
decorre da Paixáo; pela primeira vez no Evangelho a hora é
identificada com a glorificagáo de Jesús. Este conceito reapa
rece nos textos que se relacionam com a Páscoa final de Jesús:

Jo 17,1 : "Levantando os olhos ao céu, acrescentou Jesús: 'Pai, é


chegada a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique'".

Assim, por exemplo, o Evangelista inicia o seu relato da


Paixáo:
Jo 13,1 : "Era antes da festa de Páscoa. Jesús sabia que chegara
a hora de passar deste mundo para o Pai. Tendo amado os seus, que
estavam no mundo, até o fim dedicou-lhes extremado amor".

Estes versículos dáo a hora de Jesús uma nota de soleni-


dade e brilho. Os acontecimentos dolorosos que se realizam na
hora solene, sao apresentados em seu sentido profundo, como
acontecimentos salvificos. A morte cruel de Jesús será como
a do grao de trigo, que morre, mas dá muito fruto:

"Em verdade, em verdade vos digo: se o grao de trigo que cai na


térra, nao morrer, ficará so. Se, porém, morrer, produzirá muito fruto...
Agora a minha alma se senté conturbada. Que direi ? Pai, livra-me desta
hora. Mas foi para isto que cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome!"
(Jo 12, 23. 27s).

— 400 —
A FELIZ PAIXAO DE JESÚS 25

A glorificacáo do Pai e de Jesús na hora prevista decorre


do fato de que a morte do Senhor foi um sacrificio fecundo e
eficaz.

É por isto que Jesús vai ao encontró da morte, como Se


nhor dos acontecimentos, como Pontífice a realizar os ritos da
sua liturgia:

"Eu vos digo estas coisas agora, antes que acontegam, para que,
quando acontecerem, vos acreditéis. Já nao poderel dlzer-vos multas coisas.
Vem o principe deste mundo; nenhum direito tem ele sobre mlm ; mas é
preciso que o mundo reconheca que amo o Pal e que faco como o Pal
me ordenou.

Levantai-vos! Vamo-nos daqui i" (Jo 14, 29-31).

Em conclusáo, yerifica-se que, conforme Sao Joáo, a Pai-


xáo de Jesús está inserida num plano global e sabio do Se
nhor Deus. Por tras da aparéncia de que os acontecimentos
se sucedem movidos por fatores meramente humanos, tudo, na
Paixáo de Cristo, é sabiamente dirigido pelo designio do Pai,
que se realiza na hora sabiamente intencionada.

2.3. AnteeipacSo dos aconlecimentos fináis

Além da exaltacáo regia de Jesús efetuada na hora defi


nida pelo Pai, Sao Joáo viu na Paixáo do Senhor a realizagáo
antecipada de certos eventos que os outros autores sagrados
colocam no fim da historia universal. Sejam mencionados em
especial o juizo escatológico e a restauraeáo do povo de Deus
na unidade perdida pela dispersáo.

2.3.1. O ¡uízo escatológico

Nos Evangelhos Sinóticos e ñas cartas paulinas, encon-


tram-se descricóes do juízo final em cenário universal: o sol,
a lúa, as estrelas, a térra e a natureza abalam-se, denunciando
a presenta do Juiz que vem encerrar a historia deste mundo
(Mt 24, 1-41; Me 13, 1-8.14-32; Le 21, 5-11.20-36). Ora nao
se encontra descricáo paralela nos escritos joaneus; para o
quarto Evangelho, o julgamento se exerce todos os dias: sao
os homens mesmos que o proferem mediante o seu comporta-
mentó frente a Cristo; consiste na decisáo que tomam em pre-
senca da luz e da verdade do Senhor Jesús. Diante deste os
homens se dividem em dois grupos:

— 401 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

"Vlm a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que aqueles


que nao véem vejam, e aqueles que véem se tornem cegos" (Jo 9,39).

O julgamento propriamente dito (krisis) ocorre quando


alguém rejeita a luz ou a palavra de Jesús (o julgamento toma
entáo o sentido de condenagáo), como se preende dos seguin-
tes dizeres:

"Nisto está o julgamento (condenacSo): a luz velo ao mundo e os


homens preferlram as trevas á luz, porque as suas obras eram más"
(Jo 3, 19).

"Em verdade, em verdade vos digo: aquele que ouve a minha palavra
e acredita naquele que me envlou, tem a vida eterna e nao incorre em
condenacáo, mas passou da morte para a vida" (Jo 5, 24).

Mesmo quando menciona o julgamento no último dia, o


Evangelista acentúa que o que julga os homens é a sua opgáo
diante de Cristo e da sua palavra:

"Quem me despreza e nao recebe as minhas palavras, tem quem o


julgue. A própria palavra que eu preguel, o julgará no último dia"
(Jo 12, 48).

Os que créem em Jesús, nao sao julgados (condenados);


os que nao créem, já estáo julgados (condenados), como se lé
em Jo 3,18.

Essa confrontado entre os homens e Jesús comegou com


o inicio da pregagáo de Cristo e deve prosseguir-se até o fim
dos tempos. Todavia, para Sao Joáo, o julgamento do mundo
se concentra num momento preciso da historia da salvagáo,
momento que é «a hora»:

"É agora o julgamento deste mundo. Agora o principe deste mundo


será lancado (ora" (Jo 12, 31).

Vé-se, pois, que é precisamente diante de Cristo exaltado


sobre a cruz que os homens se cindem em dois grupos. Por
conseguinte, se a cruz coincide com a exaltagáo do Rei-Messias,
ela vem a ser também a condenacáo do mundo pecador.

2.3.2. A restaúraselo do pavo no unidade

1. O cisma das dez tribos, ocorrido em 930 a. C, divi-


diu o povo de Israel. Este foi posteriormente deportado por
inimigos e constituiu a diáspora ou dispersáo.

— 402 —
A FELIZ PAIXAO DE JESÚS 27

Ora entre as promessas escatológicas da Biblia está a da


restauragáo do povo na sua unidade. Em capítulo referente á
obra do Messias, escreve o profeta Jeremías: «Aquele que dis-
persou Israel, o reúne, e guarda-o como um pastor guarda o
seu rebanho» (Jr 31,10). A iniciativa dessa restauragáo vem
de Deus; é em torno do Senhor que Israel há de ser reunido.

Juntamente com a volta dos filhos de Israel á unidade, os


profetas descrevem a congregacáo de todas as nacóes em torno
da palavra e do santuario do Senhor, formando assim um so
povo com os israelitas; tenham-se em vista os seguintes dize-
res de Isaías:

"No fim dos tempos... viráo muitos povos e dlráo: 'Vlnde, subamos
á montanha do Senhor, á casa do Deus de Jaco; Ele nos enslnará os
seus camlnhos e nos andaremos pelas suas veredas, porque de SISo salrá
a Leí e de Jerusalém a palavra do Senhor1" (Is 2,2s).

2. Os autores do Novo Testamento propóem estas pro


messas como algo de já efetuado, mas nao todos do mesmo
modo. Cada qual salienta um aspecto da obra de Cristo como
realizacáo do que foi anunciado pelos profetas.

Assim, conforme S. Lucas nos Atos dos Apostólos, é no


dia de Pentecostés que se realiza a restauracáo da unidade dos
filhos de Israel e dos demais povos. Sao Joto, porém, consi
dera que o novo povo de Deus se constituí em torno de Cristo
elevado sobre a cruz. Por isto cita com énfase a profecía de
Caifas, que apresentava de tal modo o sentido da morte de
Cristo:

"Caifas,... que era Sumo Sacerdote naquele ano, dlsse-lhes: 'Vos


nada sabéis. NSo compreendels que vos Interessa morra um só homem
pelo povo e nfio pereca a nacSo intelra V Ora ele nfio disse Isto por si
próprlo, mas, sendo Sumo Sacerdote naquele ano, profetlzou que Jesús
devla morrer pela nac§o. E nSo somento pela nacfio, mas também para
trazer á unidade os filhos de Deus que andavam dispersos" (Jo 12, 49-52).

O próprio Jesús, antes da sua Paixáo, deu o mesmo signi


ficado a sua morte na cruz:

"Quando for exaltado ácima da térra, atrairel todos os homens a


mlm" (Jo 12, 32).

Com efeito, do alto da cruz Jesús atrai todos os homens


para constituir em torno de si a nova comunidade messiánica.

— 403 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

2.4. A nreciéncia de Jesús

Sao Joáo freqüentemente salienta o fato de que Jesús


conhece o coracáo do homem.

Para designar este conhecimento, o evangelista usa dois


verbos gregos: ginosko e oida, cada qual com seus matizes.

Ginosko significa o conhecimento natural que Jesús ad-


quire por meios ordinarios. Assim Jesús conhece Natanael que
Ele viu debaixo da figueira (Jo 1,48), os primeiros convertidos
de Jerusalém (Jo 2,23-25), as intengóes da multidáo entusiasta
que o quer proclamar rei (Jo 6,15); aos judeus que litigam,
diz Jesús: «Eu vos conheco, e sei que o amor de Deus nao
existe em vos» (Jo 5,42). Esse olhar penetrante e perscruta-
dor de Jesús suscita a admiragáo de Joáo, que escreve: «Ele
sabia o que há no coragáo do homem» (Jo 2,25).

O verbo oida significa um conhecimento nao adquirido,


mas divino e perfeito. É desta maneira que Jesús conhece
tudo o que diz respeito á sua Paixáo ou k sua hora:

"Era antes da festa de Páscoa. Jesús sabia que chegara a hora de


passar deste mundo para o Pai..." (Jo 13,1).

"Jesús sabia desde o cornejo aquele que havia de O entregar"


(Jo 6,64.70s). Cf. 7,33; 8,21; 12,35.

Assim no drama da Paixáo, Jesús, embora vítima, é o


único ator plenamente consciente do que deve acontecer.

Durante a última ceia disse o Senhor:

"Em verdade, em verdade vos digo que um de vos há de me trair"


(Jo 13,21).

Jesús sabia exatamente o que Judas estava por fazer:

"O que tens a fazer, faze-o depressa" (Jo 13, 27).

Duas vezes aínda Sao Joáo nota que Jesús estava cons
ciente de tudo: por ocasiáo da sua prisáo e no momento de seu
último suspiro:

"Sabendo Jesús tudo o que Ihe ia acontecer, adiantou-se e disse-lhes:


'A quem buscáis ?' " (Jo 18,4).

— 404 —
A FELIZ PAIXAO DE JESÚS 29

"Sabendo que tudo eslava consumado,... Jesús dlsse: Tenho sede'"


(Jo 19,28).

Essas alusóes ao profundo conhecimento que Jesús tem do


seu futuro, sao ilustradas pelo próprio Cristo ao declarar:

"Desde já vo-lo digo antes que acóntela, para que, quando acontecer,
acreditéis que EU SOU" (Jo 13,19).

Por conseguinte, a Paixáo dolorosa de Jesús, longe de


desconcertar os discípulos, deveria fortalecé-los, pois manifes-
taria a preciéncia de Jesús e também a sua pessoa divina. Na
verdade, a expressáo Eu sou nao se deve completar no sentido
de Eu sou o Messias, mas é urna alusáo ao nome de Deus reve
lado a Moisés: JAHWEH (Ex 3,14). Aplicando tal nome a Si,
Jesús se aprésenla como o Eterno e o Absoluto. Conseqüente-
mente, urna única atitude se impóe diante dele: «Vemos que
sabes tudo... Cremos que saiste de Deus» (Jo 16,30).

2.5. A Mberdade de Jesús

O Senhor se identificou com o Bom Pastor, que dá livre-


mente a vida por suas ovelhas:

"Meu Pai me ama, porque entrego mlnha vida para depols retomá-la.
Ninguém me tira a vida, mas eu a entrego por mim mesmo. Tenho o poder
de entregá-la e tenho o poder de retomá-la. Este é o mandamento que
recebl do meu Pai" (Jo 10,17s).

Esse dom de Si, Jesús o fez quando a sua hora chegou.


Os adversarios multiplicaram as tentativas para prendé-lo e
matá-lo (Jo 5,16-18; 8,20.59; 10,31-39; 11,53-57; 12,19); toda-
via nada conseguiram, enquanto nao chegou a hora de Jesús
(cf. Jo 8,20).

Também o género de morte foi escolhido por Jesús. Em-


bora tentassem apedrejá-lo repetidamente, Cristo predisse que
seria exaltado sobre a cruz; cf. Jo 3,14; 8,28; 12,32.34.

Urna vez preso e entregue a Pilatos, disse o Senhor: «Nao


tenas poder sobre Mim se nao te fosse dado do alto» (Jo 19,11).

Em suma, estes tópicos do quarto Evangelho realcam, do


seu modo e mais urna vez, a soberanía com que Jesús realiza
a sua obra salvadora. Se Cristo tem urna realidade humana,

— 405 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

sujeita a ser vulnerada pelos algozes, Ele tem também a reali-


dade de Deus, que o torna vitorioso e centro da historia atra-
vés da sua própria Paixáo.

«Quando Judas saiu, disse Jesús: 'Agora o Filho do ho-


mem foi glorificado e Deus foi glorificado nele. Se Deus foi
glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo. E
em breve O glorificará'» (Jo 13,31s).

Bibliografía:

I. de la Potterte, "La passion selon saint Jean", em "Assemblées du


Seigneur" 21. Paris 1969.

J. Riaud, "La gloire et la royauté de Jesús dans la passion selon S.


Jean", em "Bible et Vie chrétienne" n<? 56 (1964) pp. 28-44.

A. Janssens de Varebeke, "La structure des scénes du récit de la


passion en Joh. XVIII-XIX. Recherces sur les procedes de composition et
de rédactlon du quatrléme Evangile", em "Ephemerldes Theologicae Lova-
nlenses" 38 (1962), pp. 504-522.

X. Léon-Dufour, art. "Passion", em "Dlctlonnalre de la Bible. Supplé-


ment" t. VI. Paris 1960, cois. 1419-1492.

F.-M. Braun, "La Passion de Notre Seigneur Jésus-Christ d'aprés Saint


Jean (XVIII-XIX)", em "Nouvelle Revue Thóologique" 60 (1933), pp. 289-302.
385-400. 481-499.

O MELHOR AMIGO

E' AQUELE QUE NOS

FAZ MELHORES DO QUE SOMOS

— 406 —
Psicología Transacional:

«eu estou ok
vocé está ok»

Em 8Ínlese: O llvro do Dr. Thomas A. Harrls "Eu estou OK. Vocé


está OK" chama a atenc.fio para os elementos constitutivos de toda perso-
nalldade: o Pal (autoritarismo dos genitores e educadores), a Crlanca
(atitude de dependencia do pequenlno) e o Adulto (capacidade de se apro-
veltar daquele e deste para fazer a síntese de valores e atitudes do res
pectivo sujeito). Segundo a predominancia de um destes tres elementos,
o autor distingue quatro posicdes de vida: 1) "Eu nfio sou OK. Voce
é OK" (dependencia ansiosa do Imaturo); 2) "Eu nfio sou OK. Vocé nfio
é OK" (desfinlmo e desespero); 3) "Eu sou OK. Voce nfio é OK" (atitude
do criminoso). 4) "Eu sou OK. Vocé ó OK" (atitude do adulto maduro, em
paz consigo mesmo e com os outros). Esta última é a posicfio de quem
usa prevalentemente da razSo e da vontade.

A Análise Transacional visa a fazer que o Adulto se emancipe cada


vez mals das ¡ndevidas reacSes do Pal e da Crlanca e realizo llvremente
a sua sfntese pessoal.

No tocante aos valores moráis, Th. Harris reconhece seu valor. O


mesmo se diga em relacfio á experiencia religiosa, que o autor respeita.
Todavía julga que a personalidade bem estruturada nSo pode aceitar dogmas
e normas moráis incutldos pela RellgiSo; estes fariam as vezes de Pal e
infantllizariam o homem religioso; por Isto o autort propugna que cada pessoa,
como Adulto, faca a sua sfntese religiosa próprla. — Ao afirmar Isto, Th.
Harrls ignora o auténtico ser Adulto no setor religioso; o Adulto, com efelto,
é aquele que compreende que Deus é malor do que o homem, de tal modo
que o homem pode e deve submeter-se ás verdades e ás normas reveladas
pelo Senhor Deus; o que importa ao Adulto, é nSo crer cegamente, mas,
slm, examinar as credenclais dos dogmas e preceltos apresentados em
nome do Senhor Deus. Na base destas observacSes, merece serias restrl-
cOes o capitulo 12 do llvro em foco, capitulo que prejudlca um livro, de
resto, bem concebido.

Comentario: A psicología vai sendo cada vez mais estu-


dada em nossos dias, pois fornece subsidios ricos para a com-
preensáo do comportamento humano e a orientacáo de quem
vacila. Entre os últimos livros que tém feito sucesso neste
setor, está o do Dr. Thomas A. Harris, psiquiatra da Califor
nia (U.S.A.). Após vinte e cinco anos de experiencia médica,

— 407 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

o Dr. Harris houve por bem publicar a obra «I'm QK. You're
OK», que, traduzida para o portugués, conhece a sua sexta
edigáo em 1975, com o título «Eu estou OK. Vocé está OK.
As relacóes do bem-estar pessoal. Um guia prático para sua
autoanálise» (tradugáo de Edith Arthens), publicagáo da Edi
tora Artenova S. A. (Rio de Janeiro, RJ). O livro expóe o
pensamento de Thomas Harris ou a doutrina da Análise Tran-
sacional.

Dada a atengáo que a obra em foco vem merecendo no


Brasil, vamos dedicar-lhe as páginas seguintes, ñas quais pro
curaremos sintetizar o conteúdo desse livro; ao que acrescen-
taremos alguns comentarios inspirados pelas posigóes de Tho
mas Harris.

1. Análise Tran&acional

Para comegar, o Dr. Thomas A. Harris e sua escola


distinguem em todo ser humano tres elementos constituti
vos da respectiva personalidade: o Pai (P), a Crianza (C) e
o Adulto (A).

1.1. O Pai, a Crianza, o Adulto

Vejamos cada qual destes tres temas de per si.

1.1.1. O Pai

O Pai significa todas as impressóes recebidas pela pessoa


em seus cinco primeiros anos de vida. Essas impressóes sao
comunicadas pelo genitor ou, melhor, pelos genitores e por
aqueles que lhes fazem as vezes*. Provém dos preceitos («Faze
isto») e proibigóes («Nao fagas aquilo») que a crianga ouve
constantemente; provém outrossim do semblante horrorizado,
angustiado ou também sorridente dos genitores e mestres do
pequenino. Essas impressóes sao acolhidas pela crianga como
sendo «a verdade», pois se originam de «gente grande» numa
idade em que é importante para a crianga agradar e obedecer
aos mais velhos.

1 Visto que Pai, no caso, nio significa um individuo, mas um con


junto de pessoas, escreve-se com P malúsculo.

— 408 —
«EU ESTOU OK. VOCfi...» 33

As impressóes recebidas em idade infantil gravam-se pro


fundamente no espirito da crianga, pois na verdade «o cerebro
funciona como um gravador de alta fidelidade, que registra
mima fita todas as experiencias sofridas desde o nascimento e,
possivelmente, até mesmo antes do nascimento» (pp. 31s). As
impressóes assim gravadas oonstituem o Pai interno que du
rante a existencia inteira tende a proteger, defender e guiar a
pessoa.

Eis um, entre muitos exemplos, do que significa o Pai:


uma dona de casa tinha os últimos aparelhos eletrodomésticos
langados no comercio. Todavía recusava-se a adquirir uma
máquina destruidora de lixo. O seu marido estimulava-a a com-
prá-la, mostrando-lhe as vantagens proporcionadas por tal apa-
relho. Em tese, a mulher concordava com o marido, mas ia
inventando desculpa após desculpa para nao ir á loja e fazer
a respectiva compra. Diante disso, o marido sugeriu-lhe que
procurasse examinar o porque da sua resistencia... Refle-
tindo um pouco sobre o passado, a dona de casa reconheceu
que sua infancia decorrera em anos de penuria (década de
1930). Em casa, o lixo era cuidadosamente guardado para
alimentar uns porquinhos, que eram vendidos por ocasiáo do
Natal, propiciando boa renda aos seus genitores. Os pratos
eram mesmo lavados sem sabáo, para que a agua suja, com
sua magra ragáo de nutrientes, pudesse ser incluida na comida
dos porcos. Como menina pequeña, ela percebera que o lixo
era algo de importante e, como mulher adulta, achava difícil
comprar um aparelho que a ajudasse a desfazer-se do lixo.
Finalmente, a dona de casa convenceu-se do valor da aquisicáo
e efetuou-a com muito proveito para o servigo de sua casa.

Deve-se observar que, além dos país e mestres físicos,


outros componentes concorrem para constituir o Pai de grande
número de criancas: a televisáo e os meios de comunicagáo
social. Os programas a que a crianga assiste, vém a ser para
ela uma escola: violencia, erotismo, deboche, como também
respeito e dignidade sáo-lhe assim incutídos, principalmente se
os pais nao manifestam desaprovagáo mudando o tipo de espe-
táculo oferecido a crianga.

1.1.2. A Crianja

Por «crianga» enténdem-se as reagóes da pessoa (até os


cinco anos de idade) &s impressóes jue ela percebe. Trata-se
de sentimentos despertados na crianga pelas atitudes que os

— 409 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

mais yelhos tomam frente a ela. Trata-se também de sensa-


cóes ligadas com a descoberta da realidade da vida: a sensa-
cáo de acender a luz mediante o interruptor, a de beber agua
na mangueira do jardim, a de «cagar» o sabonete debaixo da
agua...

Visto que o pequenino é dependente, desajeitado, inepto,


tende a se sentir frustrado na infancia. Essa frustragáo, ele
poderia exprimi-la pela fórmula «Eu nao sou OK», ao passo
que ele diría aos mais velhos, que Ihe parecem habéis e pode
rosos: «Vocé é OK».

Assim como alguém pode ser dominado pelo Pai durante


toda a vida, pode também ser dominado pela Crianca, de ma-
neira habitual ou, ao menos, esporádica. Muitas situagóes da
existencia de urna pessoa podem contribuir para que experi
mente os mesmos sentimentos e as mesmas reagóes que expe-
rimentava na infancia. Assim, quando a raiva predomina sobre
o raciocinio, diz-se que a Crianca está prevalecendo nessa
pessoa.

Se o ser humano emerge da infancia trazendo em si o


Pai e a Crianca, pergunta-se: que se tornará ele no futuro?
— É o que se verá abaixo.

1.1.3. O Adulto

Já aos dez meses de idade a crianca descobre que é capaz


de ter sua atividade própria: segura um brinquedo, dá ponta-
-pés, ergue-se com o auxilio dos bracos e é capaz de se abai-
xar... Ora a auto-realizagáo que se vai assim esbogando, é
o principio do que se chama «o Adulto». Este é o comporta-
mentó que se serve dos dados ensinados pelo Pai e dos dados
sentidos pela Crianca, mas nao se identifica nem com uns nem
com outros, pois supóe o raciocinio ou a reflexáo sobre os
elementos acumulados nos primeiros anos de vida.

O Adulto é comparável a um computador que processa


dados e formula decisóes, após receber informagóes de tres fon-
tes: o Pai, a Crianca e a experiencia que a pessoa colheu e
colhe no decorrer da sua vida. O Adulto examina os dados
do Pai para ver se sao auténticos e aínda válidos com o pas-

— 410 —
*EU ESTOU OK. VOCe...» 35

sar do tempo; examina a Crianga para averiguar se os seus


sentimentos ou reacóes de outrora ainda sao adaptados ao pre
sente ou, ao contrario, se tornaram arcaicos. O objetivo do
Adulto nao é acabar com o Pai ou a Crianga, mas ser livre
para usar ou nao usar..., usar deste ou daquele moda os
dados transmitidos por um e outro. O Adulto procura averi
guar se aquilo que lhe diziam ser bondade, é realmente bon-
dade. «De fato, é verdade, os carros que passam na rúa sao
perigosos», concluí o menino que viu seu cáozinho ser atrope-
lado. «Realmente eu me sinto melhor quando nao tenho as
caigas molhadas», diz a menina que aprendeu a ir ao banheiro
sozinha.

Na base destas nogóes, deve-se dizer que a Análise Tran-


sacional visa a fazer que o Adulto tome consciéncia dos regis
tros do Pai e da Crianga; o Adulto assim tenta emancipar-se
de tudo que seja lastro (atitudes) carregado inconsciente ou
involuntariamente, e torna-se mais apto para exercer a sua
liberdade de escolha e criar novas opgóes suas.

1.2. As quatro posijSes de vida

Conforme a Análise Transacional, os comportamentos das


pessoas podem ser enquadrados dentro do que o Dr. Harris
chama «as quatro posigóes de vida». Estas podem ser assim
apresentadas:

1) «Bu nao sou OK. Vocé é OK». Tal é a posigáo da


primeira infancia, que tende a se prolongar por toda a vida da
pessoa. A crianga é dependente, imatura, carente de carinho.
Pergunta a si mesma: que hei de fazer para obter carinho ou
aprovagáo daqueles que parecem sabios e poderosos? Ela age
em fungáo das respostas que possa dar sucessivamente a tal
pergunta.

2) «Eu nalo sou OK. Vocé nao é OK». Se a crianga nao


recebe o devido carinho da parte de sua máe e se vé abando
nada, ela pode, já no seu segundo ano de vida, concluir: «Eeu
nao sou OK. Vocé nao é OK». É a posigáo de quem se senté
desestimulado para viver; nao tendo esperanga, «passa» sim-
plesmente pela vida; concebe o vago desejo de voltar ao seu
primeiro ano, quando era alimentado como bebé.
3) «Eir sou OK. Vocé nao é OK». Urna crianga agredida
com freqüéncia pelos pais que inicialmente ela considerava OK,
mudará para urna terceira posigáo: «Eu nao sou OK. Vocé

— 411 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

nao é OK». Essa pessoa experimenta urna sensagáo de recon


forto quando se acha sozinha, distante daqueles que a maltra-
tam e espancam. Tende a langar a culpa de todos os males
sobre os outros, e a se inocentar. Pode-se tornar vingativa e,
conseqüentemente, um criminoso ferino.

4) «Eu sou OK. Vocé é OK». Esta posigáo que nao é


baseada em emocóes e sentimentos, mas deriva-se de urna deci-
sáo tomada conscientemente. Equivale a urna conversáo reali
zada na base de raciocinios e convicgoes. Em suma, é a posi-
gáo do Adulto, que superou as atitudes do Pai e da Crianga.

Detenhamo-nos um pouco mais sobre esta quarta posigáo.

1.3. As expressóes do Adulto

Para se compreender devidamente um comportamento de


Adulto, é oportuno propor anteriormente as transagóes ou
intercambios de pessoas ñas quais predomina o Pal ou a
Crianga.

1.3.1. Pai - Pai, Cria rija - Crianga

O Pai se exprime de maneira autoritaria, categórica,


«horrorizada», como mostra o próprio Dr. Harris no trecho
seguinte:

"Há alguns anos eu estava viajando num ónibus Greyhound para


Berketey, quando tomei nota de urna serie de transacóes. A primeira foi
um intercambio Pai-Pai entre duas desanimadas senhoras, sentadas lado a
lado, perto de mlm. Filosofavam elas a respe¡to do ónibus chegar ou nSo
a Berkeley dentro do horario. Vejamos as transacSes iniciáis :

Senhora n? 1 : (Olha para o seu relóglo, dá corda nele, atrai o olhar


da senhora ao lado, suspira baixinho).

Senhora n<? 2: (Suspira também, muda de posicáo, olha para o seu


relóglo).

Senhora n? 1: Parece que vamos atrasar de novo.


Senhora rr? 2: É sempre asslm.
Sdnhora tfí 1 : Jé viu algum día um ónlbus dentro do horario?
Senhora rfí 2: Nunca.

Senhora rr? 1 : É como eu digo sempre para o Herbe.rt: hoje em


día nSo se tém mals os servicos que eles ofereciam antigamente.
Senhora n? 2: No entanto eles sabem cobrar mais caro. Pode ter
certeza dlsso!

— 412 —
«EU ESTOU OK. VOCÉ...» 37

Estas transacóes s8o Pal-Pa!, no sentido de que se realizam sem


o beneficio dos dados da realidade e s§o do mesmo tipo de intercambio
opinatlvo que essas duas senhoras, quando meninas, ouvlram de suas
mamáes e titias a respeito das vlclssitudes das viagens de bonde. A
Senhora n?1 ea Senhora n? 2 desfrutam de mais prazer comentando os
'horrores' da viagem do que terlam sentido se procurassem saber os fatos.
O motivo disto é a sensacSo boa que acusar e descobrir culpados pro
porciona" (p. 93s).

Eis outras transagóes Pai-Pai:

"Estimulo: O dever déla ó ficar em casa, com os filhos.

Resposta: Evidentemente ela nao tem senso de dever.

Estimulo: Irrita ver como sobem os impostos para sustentar todos


esses incapazes ás custas do povo.

Resposta: Onde é que isto vai parar?

Estimulo: As crlancas de hoje em dia s§o preguicosas.

Resposla: É um sinal dos tempos.

Estímulo: Vou terminar com isso de urna vez por todas I

Resposta: Isso mesmo I Essas cofsas a gente tem que corriglr en-
quanto estáo no principio!

Estimulo: Filho ilegitimo, vocé sabe.

Resposta: Oh, isso explica tudo I

Estimulo: John, despedido ? Como foi que eles se atreveram a


fazer urna coisa dessas ?

Resposta: Vamos, vamos, querida i Para comecar, nem sei por que
ele trabalhava naquela companhia que nao vale nada.

Estimulo: Ela se casou com ele por causa do seu dínheiro.

Resposta: Bem, foi so o que conseguiu.

Estímulo: Nao se pode confiar mesmo nessa gente I

Resposla: Exatamente! Sao todos iguais I" (p. 98s).

As transagóes Pai-Pai nao sao raras na sociedade. Menos


freqüentes sao as de Crianza a Crianca, pois a Crianga é muito
mais propensa a receber estímulos do que a dá-los. Em geral,
o ser humano tem transacóes para procurar estímulos. Sao
palavras de Bertrand Russel: «Nao se pode trabalhar duro,
pensando apenas no cumplimento do dever. Sao necessários
pequeños sucessos de tempos em tempos para que... se tenha
urna fonte de energía» («Autobiografía»). Quando o Adulto
nao está envolvido na transacáo, nenhum dos participantes se

— 413 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

senté positivamente estimulado; a relagáo entáo nao se torna


complementar e morre de puro tedio. Exemplo claro deste
fenómeno é o movimento hippy. Seus componentes exaltavam
a vida baseada em transagoes Crianca-Crianoa. Todavía a
desagradável surpresa comegou a se tornar evidente: nao tem
graga alguém estar «na sua», enquanto todos os outros estáo
«na deles». Desligando-se das institugóes formáis, os hippies
se desligaram do Pai (desaprovagáo) e do Adulto (realidade
«banal»); mas, tendo cortado a desaprovagáo, descobriram que
cortaram também a fonte de louvor e aprovagáo. A vida
hippy comegou assim a se bascar em estímulos cada vez mais
primitivos, tais como os da fantasía (fuga mediante drogas)
e continua atividade sexual. O sexo pode vir a ser exclusiva
mente urna atividade Crianga-Crianga, já que o impulso sexual
é urna gravagáo genética na Crianga, como o sao todos os
impulsos biológicos primarios. O sexo auténtico é aquele em
que há um componente Adulto dotado de consideragáo, genti
leza e responsabilidade pelos sentimentos do parceiro.

Examinemos agora as transagóes Adulto-Adulto.

1.3.2. Adulto - Adulto

Eis alguns espécimens dos mais significativos deste géneror

1) "Nao sei o que fazer. Nao consigo decidir qual a melhor soluc&o.

Resposta: Nao creio que vocé deva tomar urna decisáo, estando-
assim tao fatigado. Por que nao vai dormir ? Conversaremos a esse res-
peito amanha de manha".

2) "John tem parecido preocupado últimamente.

Resposta: Por que vocé nao o convida para jantar ?"

3) "Os impostos subirlo novamente no ano que vem.

Resposta: Nio é urna boa noticia. Se queremos continuar a gastar,


temos que conseguir o dinheiro em alguma parte".

Para que alguém se torne Adulto, importa-lhe conhecer


cada vez melhor a própria Crianga e seus sentimentos nao OK,
como também é necessário que descubra os sinais e as reagóes.
do respectivo Pai. Quando urna pessoa pode dizer: «Este é
meu Pai» ou «Esta é a minha Crianga», é o seu Adulto que-
fala.

— 414 —
«EU ESTOU OK. VOCÉ...» 39

Em síntese, um Adulto forte é construido através das


seguintes etapas:

1) Aprenda a conhecer sua Crianpa, com suas vulnera


bilidades e as expressóes dos sentimentos da raesma.

2) Aprenda a reconhecer seu Pai, suas admoestacóes,


suas posicóes fixas e as expressoes das mesmas.

3) Antes de tomar urna decisáo, conté até dez, se neces-


sário, a finí de dar ao Adulto tempo para processar os dados
que entram no computador e separar o Pai e a Crianca.

4) Em caso de dúvida, fique quieto. Vocé nao poderá ser


atacado pelo que nao tiver dito.

5) Elabore urna escala de valores. Nao se podem tomar


decisoes sem que se tenha estrutura ética.

6) Seja sensível para a Crianca existente nos outros.


Fale com ela, estimule-a carinhosamente; leve em conta o
fardo do Nao OK que ela carrega.

Urna vez propostas as características do Adulto, Thomas


Harris considera á luz da trilogía P(ai)-C(rianca)-A(dulto)
os problemas da vida conjugal e da educagáo dos filhos, o
retardo mensal, a violencia no mundo, as revoltas estudantis,
os preconceitos raciais, os impasses internacionais, inclusive as
guerras. No capitulo 12, o autor se detém sobre o P-A-C e os
vaíores moráis, levando em conta a Religiáo e as atitudes reli
giosas. Esta temática chama particularmente a nossa atengáo.

1.4. P-A-C, Religiáo e valores moráis

Thomas Harris mostra ter certa cultura religiosa; cita


freqüentemente o Pe. Teilhard de Chardin S. J. e o teólogo
protestante Paúl Tillich. Respeita os valores religiosos e mo
ráis, focalizando-os, porém, de maneira própria, ou seja atra
vés de categorías psicológicas, como se verá abaixo.

Th. Harris julga que nao se deve levar em consideragáo


apenas o passado ou a historia pregressa das pessoas. Estas
agem freqüentemente em fungáo do futuro ou do ideal e dos
valores moráis que elas se propóem atingir. Ora, esses valo-

— 415 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

res moráis, cada individuo os concebe a seu modo; por isto


existe, em todo ser humano, liberdade de arbitrio; o homem
nao é simplesmente joguete ou vitima de traumas e complexos
adquiridos na infancia, mas se move imprevisivelmente (inspi
rado por livre arbitrio) em demanda de valores moráis. Em
conseqüéncia, o psicólogo e o psiquiatra que pretendam igno
rar padróes moráis e religiosos, arriscam-se a nao poder enten
der devidamente os seus pacientes.

Acontece, porém, que, para Thomas Harris, a Religiáo e


a Moral fazem as vezes do Pai; costumam ter índole dogmática,
autoritaria, de modo a impor crencas e normas de comporta-
mentó. Por isto Thomas Harris apregoa a aplicacáo do sistema
P-C-A aos valores moráis e religiosos — o que quer dizer:
julgue cada pessoa as proposiQóes religiosas e éticas que rece-
beu, compare-as com a sua experiencia de vida e, em conse
qüéncia, faga sua escolha e sua sintese pessoais, de modo a
ter, como Adulto, sua Religiáo e seus padróes moráis. Quem
procura seguir a sua sintese religiosa pessoal, coloca-se «em
estado de graga», como diz a linguagem crista — o que significa
em terminología psicológica: passa a viver o lema «Eu estou
OK. Vocé está OK». Ao afirmar isto, Th. Harris critica certas
distorcóes da mensagem crista, que ele equívocamente julga
serem a auténtica mensagem da teología católica (cf. p. 266).

Em resumo diz o autor:

"Que acontece numa experiencia religiosa ?

Minha opiniáo é que a experiencia religiosa pode ser uma combinacáo


única da Chanca (um senlimento de ligacáo estreita, intima) e do Adulto
(uma reflexáo sobre os principios fundamentáis), com a total exclusáo
do Pai...

A fé dos nossos país nao é a minha fé, embora, ao exercitar á .minha


fé, eu possa vir a ter a mesma experiencia que eles tiveram" (p. 271s).

É nestes termos que Th. Harris analisa e propóe as atitu-


des religiosas da personalidade OK.

Procuremos agora formular uma avaliagáo das teses desse


autor, que tanto sucesso vem obtendo.

2. Refletindo sobre o livro...

Distinguiremos as proposigóes de Psicología em geral da-


quelas que se referem á Religiáo, na obra de Th. Harris.

— 416 —
«EU ESTOU OK. VOCÉ...» 41

2.1. O sistema P-A-C

Nao há dúvida, é válida e muito útil a perspectiva de que


dois fatores antagónicos se defrontam em nos, exigindo o con
trole e o processamento de dados que nos fazem viver nao se
gundo o Pai apenas, nem táo somente segundo a Crianca, mas,
sim, segundo o Adulto. Ser Adulto, no caso, significa usar da
razáo e mover conscientemente a vontade na construcáo de
uma personalidade segundo um ideal livremente escolhido. Ora
é realmente a isto que toda educacáo e toda psicoterapia ten-
dem por sua própria índole.

De modo especial, importa realgar o valor da tese de Harris


quando incita a que procuremos viver nao tanto de emocóes e
sentimentos quanto de atos conscientes e decisóes livremente
adotadas. O que define uma personalidade, é, antes do mais,
o uso de sua razáo e a aplicacáo de sua vontade ; emocóes e
sentimentos háo de ser subordinados as facilidades superiores
da personalidade. Assim o sujeito se liberta de preconceitos e
bloqueios, de modo a viver mais lógica e racionalmente. Thomas
Harris, como seus mestres H. Stack Sullivan e Adler, discorda
de Siegmund Freud quando afirmam que o homem nao é ne-
cessariamente o joguete de instintos eróticos, mas, sim, urna
síntese de elementos e valores que a pessoa concebe e cultiva
com liberdade de arbitrio.

Todavia a esta altura uma observacáo se impóe do ponto


de vista cristáo : além dos influxos recebidos na infancia, aptos
a deformar uma personalidade, deve-se levar em conta o lastro
de concupiscencias desordenadas, egoismo e amor próprio de
que cada ser humano é portador desde a infancia. A Biblia
fala do pecado dos primeiros pais e das conseqüéncias que este
desencadeou sobre todo o género humano; refere outrossim a
Redengáo trazida por Jesús Cristo, Redencáo que se exerce em
cada individuo mediante a graca ou um dom especial de Deus
concedido a todo homem em vista de sua libertacáo moral e
da formacáo de sua auténtica personalidade (ser santo é, sem
dúvida, ter uma personalidade OK ou perfeitamente controlada
e equilibrada).

O sistema psicológico de Thomas Harris nao excluí neces-


sariamente tal perspectiva crista, embora o próprio autor nao
tenha entendido o Cristianismo no que este tem de mais
típico ou sobrenatural.

— 417 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

2.2. A conceitua;do religiosa

Frente áReligiáo, Thomas Harris julgou dever aplicar o


esquema P-C-A e, conseqüentemente, negar a autoridade de
crencas e proposicóes religiosas umversalmente aceitas; estas
despersonalizariam o individuo. Por isto cada um deveria fazer
sua sintese religiosa como Adulto.

Diante desta posicáo, é mister observar o seguinte:

Por certo, convcm que todo homem viva sua fé religiosa


de maneira adulta; hoje em dia mais do que nunca, os mestres
de espiritualidade apregoam esta necessidade. Mas precisa
mente a consciénda adulta leva a reconhecer que Deus é maior
do que o homem e que, por conseguinte, servir a Deus equivale
a reinar. Submeter-se a Deus, que é Pai, nao é infantilismo ou
ser Crianca, mas, sim, expressáo de maturidade adulta. Por isto
o homem auténticamente religioso aceita proposicóes de fé e
normas éticas provenientes de Deus desde que estejam devida-
mente credenciadas; a maturidade religiosa consiste nao em
rejeitar de antemáo os dogmas da fé *, mas, sim, em examinar
a veracidade e a autoridade das fontes que transmitem tais
dogmas; assim o homem religioso distinguirá nítidamente entre
a fé e suas proposites, de um lado, e, de outro lado, as cren-
dices e as projecóes da fantasía «mística».

A atitude de quem faz sua sintese religiosa individualista,


longe de ser adulta, é infantil, pois significa que tal pessoa nao
refletiu suficientemente sobre quem é Deus, mas, antes, iden
tifica Religiáo com sistema de morigeracáo ou com filosofía
de vida. Em se tratando de sabedoria humana, é-me lícito, sem
dúvida, discordar e fazer minha sintese pessoal; o mesmo,
porém, nao se dá quando me vejo, limitado como sou, diante
da infinita sabedoria de Deus.

Em última análise, deve-se dizer que o livro de Thomas


Harris «Eu estou OK. Vocé está OK» apresenta perspectivas
de valor no tocante á formagáo e á estruturagáo de urna per-
sonalidade. Assim

'A palavra "dogmas" nao é simpática ao homem de hoje. Por isto


precisa de ser explicada: significa proposicSes que Deus comunica ao
homem e que, por serem reveladas por Deus, n5o podem ser demonstradas
apodictlcamente como as proposicóes das ciencias humanas. O saber de
Deus, sendo infinito, ultrapassa de longe a capacidade da inteligencia
humana. Todavía note-se que as auténticas proposicSes de fé lém suas
credencials ou seus motivos de credlbilldade, que satisfazem á razáo; esta
nSo abdica de si mesma quando eré.

— 418 —
«EU ESTOU OK. VOCÉ...»

1) Afirma e demonstra a existencia do livre arbitrio, re


cusando reduzir o comportamento humano a determinismos e
mecanismos psicológicos. Cf. pp. 85-87.

2) Reconhece os valores moráis e a necessidade de que


todo ser humano os respeite e cultive; afasta-se mesmo de
Jean-Paul Sartre, que propugna urna Moral meramente subje
tiva, ao passo que Th. Harris a deseja objetiva e universal.

"Se nao existe um 'eleve ser assim' universal, nao há entilo modo de
se afirmar que Albert Schweitzer foi um homem melhor do que Adolf Hitler.
A única observacáo válida que poderiamos fazer, serla a de que Albert
Schweitzer fez isso e aquilo e que Adolf Hitler fez tais e tais coisas.
Mesmo que observássemos, depois, que Albert Schweitzer salvou um
número determinado de vidas e que Adolf Hitler provocou a morte de
milhoes de pessoas, poderiamos ver isto apenas como urna estatfstica citada
numa página de Historia, sem dar qualquer importancia ás reflexSes éticas
a respeito da disparidade do comportamento humano" (pp. 256s).

O fundamento universal da Moral seria, segundo Th. Harris,


o valor da pessoa humana adulta.

3) O autor aceita também o papel positivo da experiencia


religiosa, admitindo que todos os homens possam fazer tal ex
periencia. Cf. pp. 268-274.

Todavía, quando o autor aborda o Cristianismo, nao se


liberta do psicologismo ou do perigo de tudo querer enquadrar
dentro de categorías psicológicas em detrimento de valores
transcendentais ou auténticamente religiosos. Harris submete
o fenómeno religioso cristáo ás categorías e ao julgamento da
psicología, nao levando suficientemente em conta o aspecto
transcendental da fé crista. O capítulo 12 da obra, ao mesmo
tempo que a principio entusiasma o leitor por valorizar a ética
objetiva, decepciona-o logo depois, ao desfigurar o Cristia
nismo, aplicando a este erróneamente os criterios «Pai, Crianc.a,
Adulto». ,

O sabio leitor saberá distinguir o que o famoso livro de


Thomas Harris propóe de válido daquilo que ele comporta de
inaceitável. Teria sido melhor que o autor nao encarasse o
fenómeno religioso em sua obra; esta entáo nao sofrena as
restrigóes que inevitavelmente se lhe devem fazer em virtude
do seu capítulo 12.

— 419 —
No cinema:

"alphaville" voltou!

1. Há dez anos, foi apresentado ao público brasileiro o


filme francés «Alphaville», sob a directo de Jean Luc Godard,
também autor da famosa película «A Chinesa». Em 1975, ao
retornar ao Brasil, o filme conserva sua plena atualidade e
continua sendo dos filmes mais significativos que se tenham
produzido.

O enredo se abre com os dizeres: «A realidade é complexa


demais para ser transmitida oralmente; só a lenda lhe permite
correr o mundo!» Em conseqüéncia, Godard descreve a imagi
naria viagem de um agente de policía norte-americano, Lemmy
Caution, a urna cidade construida em outra galácia e gover-
nada pela fría «lógica» dos computadores e de homens que
pensam únicamente em cálculo sob a orientagáo do Prof. von
Braun. O regime ai é ditatorial; o que interessa aos governan-
tes sao conquistas técnicas e espaciáis mediante o sacrificio de
cidadáos e guerras a outros planetas. Os habitantes de Alpha
ville que paregam «nao lógicos» ou inúteis, sao eliminados.
Vé-se mesmo a execucáo capital de homens «ilógicos» perante
as autoridades supremas da cidade, durante um certame de
natagáo; um dos condenados tornou-se réu por haver pranteado
a morte de sua esposa. Em Alphaville nao é permitido chorar!

Logo que Lemmy Caution (com a falsa identidade de


Ivan Johnson, repórter do «Figaro Pravda»), chega 'á cidade
fantástica, vé-se perseguido por jovens enviadas a seduzi-lo no
hotel sob as ordens de patróes violentos e perversos; o que tais
senhores prezam, é «ouro e mulheres».

Natacha, filha do Prof. von Braun, é urna dessas «progra-


madoras» destinadas a seduzir o visitante de Alphaville. Desem-
penha seu papel com ares de «linda esfinge». Todavía L. Cau
tion sabe desvencilhar-se dos percalgos e despertar na jovem
certas noches que ela ignora por completo: ela sabe o que
significa «volúpia», nao conhece, porém, as palavras «amor»
e «consciéncia». Quando o visitante lhe pronuncia tais vocábulos,

— 420 —
O FILME «ALPHAVILLE»

ela procura a Biblia que deveria estar no quarto do hotel, mas


nao a encontra; ai nao há Biblia, mas existe um Dicionário,
que Natacha consulta; confessa ela que os Dicionários sao im-
portantíssimos em Alphaville, porque de vez em quando certos
termos, como salvar, crer, ternura, sao retirados do uso oficial
e substituidos por outros. Aos poucos, Natacha, em diálogos
sucessivos com L. Caution, vai compreendendo palavras que
ela nem sequer conhecia; entre outras, é muito enfatizado o
vocábulo CONSCIÉNCIA.

O visitante acaba-se tornando importuno as autoridades


de Alphaville; penetra onde nao deve, tira fotografías estraté
gicas sem autorizagáo, defende-se galhardamente dos que o
querem explorar... Em conseqüéncia, é submetido a julga-
mento. Os computadores («centros nervosos») revelam que ele
mentiu, pois se apresentou com a falsa identidade de jomalista.
Deve, pois, conforme a lógica, ser condenado e executado...
Todavía consegue matar os que lhe querem mal. No hotel,
Natacha von Braun, filha do professor que o quer eliminar,
procura-o á revelia das autoridades locáis; ela se esforoa por
entender mais e mais Lemmy Caution; este lhe dá a ver que
está iludida, pois nao nasceu em Alphaville, como pensa, e,
sim, em Nueva York; desta cidade é que seu pai foi expulso
em 1964. Natacha é entáo levada por Lemmy Caution, que
resolve voltar a Térra, deixando a cidade com seus habitantes
enlouquecidos ou prostrados no solo, mortos; nao sao homens
normáis, mas produtos de fabricagáo e regidos «nao por con-
ceitos moráis e pela consciéncia de urna vocagáo, mas por
disposigóes físicas controláveis pela técnica».

Na viagem de retorno, Lemmy diz a Natacha que nao


olhe para tras. Recusa-se a ensinar-lhe certas palavras, pois
acha que ela as deve descobrir por si ; se nao o conseguir,
morrerá. Finalmente Natacha descobre otermo «amor», e
dirige tal palavra a Lemmy Caution... Assim termina o filme!

2. «Alphaville» vem a ser urna crítica fina á civilízagáo


da técnica e da automagáo, que vai imprimindo ao homem um
ritmo de vida brutal, frió (falsamente «lógico») e desumano.
Dai procedem infelicidade e morte; os habitantes de Alphaville
sao todos tristes, duros ; o filme é marcadamente sombrío e
preto — o que faz fundo de cena á exclamagáo «Para nossa
desgrasa o mundo é realidade! Para minha desgraga, eu sou eu:
Alphaville». Esta é a «Capital da Dor», como insinúa um livro
que Lemmy apresenta a Natacha.

— 421 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

Certas frases pronunciadas nos diálogos do filme ou á guisa


de fundo falado exprimem bem a filosofía da película e se tor-
nam extremamente eloqüentes : «Sempre mais longe, diz o odio.
Sempre mais perto, diz o amor», «É proibido usar a expressáo
por qué? (pourquoi?); diga-se porque (parce que)», «Nunca
se compreende coisa alguma ! Nunca se compreende coisa al-
guma ! E urna bela noite a gente acaba morrendo !», «Tudo
o que é estranho, parece normal nesta cidade»...
Em sintese, o filme constituí seria advertencia aos res-
ponsáveis pelos destinos da humanidade (governantes, intelec-
tuais, técnicos..., por que nao dizer : todos os homens ?), que
correrá para a sua ruina e autodestruicáo se nao souber asso-
ciar os vocábulos Ciencia e Consciéncia; esta incute amor e
compreensáo, salvaguardando os valores humanos e cristáos
da sociedade. É muito significativa a mengáo da Biblia que
deveria estar nos quartos de hotel e que falta em Alphaville;
substituem-na os Dicionários oficiáis, com linguagem sempre
alterada segundo as conveniencias do regime !
Do ponto de vista técnico, o filme é notável pelo seu jogo
de luzes e sombras, manchas pretas e focos luminosos, a signi
ficar a luta entre valores e desvalores, entre a humanizaejio e
a robotizagáo do homem. Filme altamente recomendável!
Estévao Bcttencourt O.S.B.

livros em estante
Jesús nos Evangelhos Sinóticos, por Johan Konings. Colecáo "Subsi
dios"— 3. — Edicáo da Pontificia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Instituto de Teología e Ciencias Religiosas, Porto Alegre 1974,
152 x 220 mm, 161 pp. — Distribulcio da Livraria Interna Sul 3 da CNBB,
■Av. Alberto Bins, 1026, Porto Alegre (RS).
O autor deste livro é profesor de exegese bíblica no Instituto de Teo
logía a Ciencias Religiosas da PUCRGS, Porto Alegre. Formado em diver
sas Faculdades da Universidade Católica de Lovaina, velo em 1972 para o
Brasil, onde tem desenvolvido intenso labor no campo dos estudos bíblicos.
O presente volume é o resultado de um curso ministrado em 1973 a
clero e leigos da diocese de Lins (SP). Após propor as díferencas entre
os Evangelhos Sinóticos e o Quarto Evangelho, percorre os grandes temas
dos Sinóticos (o Reino de Deus, o Sermáo da Montanha, o Messias, o ca-
minho da cruz, a Imagem de Jesús, apocalipse e escatologia.. .)■ anali-
sando minuciosamente certas passagens mais importantes, a fim de por
em relevo a mensagem dos Evangelistas.
O autor tem grande capacidade de sintese; oferece em palavras
poucas e claras alguns dos grandes resultados das pesquisas da critica
contemporánea. Konings tem consciéncia de que nem tudo a! é sentenca
comprovada; trata-se, ás vezes, de pontos de vista. Refere-se constante-

— 422 —
LIVROS EM ESTANTE 47

mente áquilo que as antigás comunidades cristas pensavam a respelto de


Jesús; acentúa fortemente o lado humano de Cristo. Mas dlstlngue-se bem
das escolas liberáis e racionalistas, quando, por exemplo, afirma: "Nao
se pode mafs, hoje em día, instituir urna mera oposlcao entre o 'Jesús
da historia' e o 'Cristo da fé", entre 'Jesús de Naiaré1 e o 'Cristo da
pregacao crista', entre o 'anunciador do Reino' e o 'Messias anunciado'.
A historia nSo é mals vista como oposta á mensagem, mas como presente-
na mensagem. Nao é no 'milagro da ressurreicSo' que Jesús revelou a
face de Deus. A ressurreicSo é a conflrmacSo de que ete revelou a face
de Deus naqullo que disse e fez antes da ressurreicSo. Por isso a men
sagem do Cristo pasca) supSe o Jesús histórico" (p. 132s).
Estas palavras d&o a cháncela de autenticidade á obra de Konlngs.
Todavía pode-se pedir ao autor que em próxima edicSo explicite um pouca
mais a Divlndade de Jesús, que ele professa. Urna breve remodelacSo do
texto neste sentido prestarla grande servlco a leitores menos iniciados na
temática e na linguagem própria do autor (o livro se destina nSo só a
especialistas, mas também ao laicato). Konlngs reconhece o transcendente
em Jesús, mas por vezes de maneira multo Indi reta, quando justamente se
desejaria toda a clareza em assunto tfio delicado e matizado pelos estu
diosos. Refe rimo-nos especialmente ao final do Prefacio do livro, pp. 6s,
onde Jesús aparece multo bem como o "executlvo" de Deus, o homerrr
que despertou o homem para seu IrmSo e pregou, como verdadeira reilgiSo,
o amor ao próximo; os outros aspectos da personalidade de Jesús sSo
circunscritos em termos um tanto vagos; por que nao fazer mencSo af do-
conteúdo de Mt 11, 25-27; Le 10,21s?
O sabio leitor aproveitará devidamente o livro de Konings, explieltando
o pensamento do autor quando necessário.

Encontró com o Quarto Evangeiho, por Johan Konings. — Ed. Vozes,


Petrópolis 1975, 135 x 210 mm, 92 pp.
Este livro apareceu em primelra edicSo na colecSo "Subsidios" atrás
citada. Urna vez revisto e ampliado, acaba de ser publicado pela Ed. Vozes.
Também se originou de um curso ministrado em Lins, SP (feverelro
de 1973). Depols de propor, mais urna vez, e de maneira sumaria, a orlgem
dos Evangelhos e as características de Joao, analisa os grandes temas do
Quarto Evangeiho. O autor poderla ter amplamente elaborado os aspectos
de surto e confeccSo do texto hodierno de JoSo. Preferlu, porém, supor
esta tarefa de modo a se ater principalmente ao texto e á exegese de seu
conteúdo. É o que torna a leitura do livro tranquilamente! acesslvel ao-
grande público.

O tema do homem, por Julián Marías. TraducSo do espanhol por


Diva Ribelro de Toledo Piza. ColecSo "Problemas atuals e suas fontes"
n? 2. — Livraria Duas Cidades, SSo Paulo 1975, 140 x 210 mm, 336 pp.
é este o segundo volume de urna serie que oferece textos-fontes ou
antologías de grandes pensadores a respelto dos problemas modernos.
O primelro Intltula-se "Arte como Antiarte" (de Ernesto Grassi).
Este segundo volume referente ao homem é de grande valor. Comeca-
por urna apresentacSo do problema mesmo do homem. Tal questSo nao
era colocada pelos prlmelros filósofos gregos, que se davam principalmente
ao estudo da Física ou do cosmos. Fol depols parcialmente encarada pelos
gregos posteriores (PlatSo, Aristóteles, depols de Parménldes), que consl-

— 423 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 189/1975

deravam o corpo (a física) do homem, a ética e as (acuidades de conhe-


cimento do homem, sem, porém, encarar a sfntese do ser humano.
S. Agostinho (t 430) muito se preocupou com o problema, mas dando
atencáo principalmente á "anima" ou á alma, tida como santuario ou
ponto de encontró do homem com Deus.

Na filosofia moderna, Descartes se fixa no pensamento ("cogito, ergo


sum"): o homem é um ser pensante. O idealismo posterior isola o Eu
que pensa, e procura possíveis pontes com o mundo exterior; tal é o
caso de Kant e sua escola. Finalmente o existencialismo considera primor-
dialmente o homem como situado no mundo e como nó de relacóes.
Apesar do progresso realizado em antropología filosófica, fica abarla
a pergunta: que é propiamente o homem, que pensa, e como está relacio
nado com o mundo ? O problema pode talvez estar maís bem formulado
hoje do que outrora, mas ainda nao está resolvido. — Julián Marías mostra
que o Cristianismo trouxe valiosa contribuicao para a solucao da questao,
acentuando a integridade ou a totalidade do ser humano, ao mesmo tempo
que o ser pessoal de cada um : "A Cristologia traz implícita urna rigorosa
antropología, desde o problema que a encarnacao de Cristo coloca até a
doutrina da anakephalaiosis ou recapitulado e da ressurreicáo da carne.
Tudo isto, porém, é religiáo, nao filosofía; a filosofía voltar-se-á ao tema
do homem, a partir de pressupostos cristáos, em Santo Agostinho" (p. 12).
Para ajudar os estudiosos na pesquisa da problemática filosófica,
J. Marías apresenta textos de cinqüenta e sete autores ou escolas desde
Aclmeao de Crotón (séc. Vil a. C. 1) ató Wilhelm Dilthey (t 1911). Promete
continuar a obra antológica penetrando pelo séc. XX. Mesmo sem esta
prolongacáo, o volume dado a lume por J. Marías é extremamente útil; o
antologista julga que estamos parecendo voitar hoje as últimas décadas
do séc. XIX (cf. p. 335). Além dos clássicos gregos PlatSo e Aristóteles,
encontramos nessa coletanea textos de S. Agostinho, S. Bernardo, S.
Boaventura, S. Tomás de Aquino, Suarez, Descartes, Pascal, Hume, Kant,
Hegel, Kierkegaard, Nletzsche, Brentano...

A obra significa verdadeiro enriquecimiento do nosso material biblio


gráfico ; principalmente as escolas se beneflciaráo do seu contributo.

E. B.

A EDITORA LAUDES COMUNICA QUE EM JULHO PP.


SUSPENDEU A REMESSA DE "PERGUNTE E RESPONDERE
MOS" AOS ASSINANTES QUE ATÉ JUNHO DE 1975 NAO
RENOVARAM SUA ASSINATURA PARA O CORRENTE ANO.
O ENVIÓ RECOMECARÁ DESDE QUE OS AMIGOS DÉEM
ALGUM SINAL DE SI.
VÍA DE REGRA, AS ASSINATURAS DE PR ATÉ 1974
IAM DE JANEIRO A DEZEMBRO. NOS ÚLTIMOS MESES, AS
ASSINATURAS TÉM COMECADO A VIGORAR A PARTIR DO
MES EM QUE FORAM FEITAS.
AGUARDAMOS COMUNICACÁO DAS PESSOAS INTE-
RESSADAS EM RECEBER A SUA REVISTA PR.

— 424 —
PÁGINA LITERARIA

Para os nossos leitores amigos de poesia, vai aqui urna


be'a pega, que os poderá inspirar a conceber urna traducáo
ou algo de análogo em língua portuguesa:

L'ECHO

T. Brofel

Ródant triste et solitaire


Dans la forét du mytére,
J'ai crié, le coeur tres bas :
«La vie est triste ici-bas I»
L'Echo m'a répondu : Bah I

Puis d'ufie voix bien touchante ¡


«Echo I La vie est mechante !»
L'Echo m'a répondu : Chante !

«Echo ! Echo des grands bois,


Lourde, trop lourde est ma croix I»
L'Echo m'a répondu : Crois !

«La haine en moi va germer.


Dois-¡e rire ou blasphémer ?»
Et l'Echo m'a dit : Aímer!

Comme l'Echo des grands bois


Me conseilla de le faire,
J'aime, ¡e chante et je crois. . .
... Et je suis heureux sur la terre. ..
SEJA!

SE VOCÉ NAO PUDER SER UM PINHEIRO NO TOPO DE UMA COLINA,

SEJA UM ARBUSTO NO VALE.

MAS SEJA O MELHOR ARBUSTO A MARGEM DO REGATO.

SEJA UM RAMO, SE NAO PUDER SER UMA ÁRVORE.

SE NAO PUDER SER UM RAMO, SEJA UM POUCO DE RELVA

E DÉ ALEGRÍA A ALGUM CAMINHO.

SE VOCÉ NAO PUDER SER ALMlSCAR, SEJA ENTÁO APENAS UMA TILIA,

MAS A TILIA MAIS VIVA DO LAGO I

NAO PODEMOS SER TODOS CAPITÁES ; TEMOS DE SER TRIPULACÁO.

HA ALGUMA COISA PARA TODOS NOS AQUÍ.

HA GRANDES OBRAS E OUTRAS MENORES A REALIZAR,

E É A PRÓXIMA TA.REFA QUE DEVEMOS EMPREENDER.

SE VOCÉ NAO PUDER SER UMA ESTRADA, SEJA UMA SENDA.

SE NAO PUDER SER O SOL, SEJA UMA ESTRELA.

NAO É PELO TAMANHO QUE TERA ÉXITO OU FRACASSO,

MAS SEJA O MELHOR DO QUE QUER QUE VOCÉ SEJA !

DOUGLAS MALLOCH

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