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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Magonaria e Igreja Católica
ontem, hoje e amanha

Igreja: Carisma e Poder"

A Doenca tem Sentido?

A Uncao dos Enfermos?

A Familia Hoje

Ano XXIII - jan.-fev. -1982


PERGUNTE E RESPONDEREMOS Ano XXIII - jan./fev. - 1982 -
Publicacao bimestral
N9 260

Diretor-Responsável:
D. Estevao Bettencourt OSB SUMARIO
I Autor e Redator de toda a materia
I publicada rteste periódico

Oiretor-Administrador:
VINTE E CINCO ANOS 1
D. Hildebrando P. Martins OSB
Um livro importante:
Administrado e distribuido: "MACONARIA E IGREJA CATÓLICA ON-
TEM, HOJE E AMANHÁ" 2
Edícoes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 - 59and., sala 501 Um livro provocador:
Tel.: (021) 291-7122 "IGREJA:CARÍSIMA E PODER"
Caixa postal 2666 de Leonardo Boff 15
20001 Rio de Janeiro RJ
Pergunta crucial:
A DOENCATEM SENTIDO? 27
I Pagamento em cheque
lou vale postal ao: Tem valor
A UNCAO DOS ENFERMOS? 33
IMosteiro de Sao Bento
Ido Rio de Janeiro O Sínodo Mundial dos Bispos falou sobre
A FAMI'LIA HOJE 45
Caixa postal 2666
120001 Rio de Janeiro RJ
LIVROS EM ESTANTE 67

¡ASSINATURA ANUAL
1981-1982
NO PRÓXIMO NUMERO: 261
Após Iode agosto: Cr$ 800,00
margo-abril
lEsgotados os meses de Janeiro,
jfevereiro, marco-abril de 1981.
"Laborem Exercens" (sobre o trabalho).
¡A assinatura comeca
ino mes da inscricáo. Que é a TFP?

Fé e Política.
Renove-a o mais cedo possivel.
Existem rapas humanas?

"O Milagre".
COMUNIQUE-NOS QUALQUER
A real presenpa de Cristo na Eucaristía.
MUDANCA DE ENDERECO
É bom fazer promessas?

Composicao e impretsáo:

Marques-Saraiva
Santos Rodrigues, 240
Com aorovacao eclesiástica
VINTE E CINCO ANOS...

O ano de 1982 é. para PR, ano de |ublleu. Com efelto, em margo de


1957 salu o primeiro fascículo intitulado "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
á guisa de apéndice da "Revista Gregoriana". A publicaclo foi ultrapas-
sando o ámbito de seus objetivos iniciáis e tornou-se em 1957 mesmo
revista mensal independente. Ocorre. porém, que a contagem oficial dos
anos da revista só comecou em 1958; além do qué nos anos de 1965 e
1966 PR nSo foi editado. Em conseqüéncia, oficialmente PR está no 23"?
ano de existencia, quando na verdade pode comemorar o seu jublleu
de prata.
Registramos o fato solenemente, antes do mais para agradecer a
Deus o dom da existencia deste Instrumento de trabalho; é do Pal das
luzes que procede toda boa dádiva (cf. Tg 1, 17). Agradecemos outrossim
ás criaturas: em primeiro lugar, vem a Ir. Marie-Rose Porto O.P., Reli
giosa Inflamada de zelo apostólico, que foi a co-fundadora de PR e esteio
incansável deste periódico; Deus Ihe recompense a generosidade e Ihe
dé a paga reservada ao servidor que, com um talento, mereceu dez outrosl
Somos gratos outrossim aos Editores que sucesslvamente assumiram a si
a administrado e o flnanciamento da revista: o Instituto Pió X do Rio de
Janeiro, o Sr. Osmar Marques Felipe e sua empresa benemérita (Incluida
a Gráfica Marques Saralva), a Editora Laudes, do Dep. Alvaro Valle, a
Editora dos PP. Paulinos e a Editora "Lumen Chrlstl" do Mostelro de SSo
Bento, com seu dlretor D. Hildebrando Martlns O.S.B. A todos estes
generosos colaboradores queira Deus retribuir na medida da sua infinita
liberalidade I Nao podemos deixar de mencionar outrossim o apoio de
pastores que S. Eminencia o Sr. Cardeal Dom Eugenio de Araujo Sales
e o Sr. Nuncio Apostólico Dom Carmine Rocco tém prestado a PR, incen
tivando sempre a obra asslm realizada. Multos outros Srs. Bispos tém-se
manifestado como amigos e estimuladores de PR — o que muito nos
honra e funda sincero preito de gratidáo. Ainda nos referimos a D. Abade
Inácio Barbosa, Accloiy OSB, do Mosteiro de Sao Bento do Rio de Ja
neiro, que assumiu a revista no momento oportuno, assim como a nume
rosos colaboradores de todas as partes do Brasil que nos mandam regu
larmente subsrdlos e publicacóes que sustentam e enriquecem as pesqui
sas de PR; outros difundem a revista em seu ambiente respectivo; mais
outros enviam sugestóes e criticas. A todos estes fica a Imensa gratldSo
de PR, que espera poder contar sempre com tais amigos. PR é obra da
graca de Deus e da amizade dos homens.
E neste momento solene PR aínda concretlza a sua gTatidSo a Deus
e aos homens reafirmando o seu propósito de fidetldade á doutrina da fé
tal como é enstnada pela S. Igreja que Cristo confiou a Pedro e seus
sucessores. Desejamos SERVIR e eremos que urna das mais nobres e
úteis formas de servir é transmitir aos homens, com pureza cristalina, a
Palavra de Deus, que é penhor de Verdade e Vida I
E.B.

— 1 —
PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXIII — N* 260 — Janeiro-fevereiro de 1982

Um livro importante:

"maznaría e igreja católica ontem,


hoje e amanha"
por Benlmeli, Caprile e Alberton1

Em síntese: O presente llvro historia as relacdes entre a Maconaria


e a Igreja Católica desde a fundac&o daquela. Procura mostrar que a
Maconaria em suas rafzes e em sua llnha tradicional nSo é antl-rellgiosa,
mas, ao contrario, professa a fó no Grande Arquiteto do Universo; tor-
nou-se antlcrisiá ou irreligiosa na segunda metade do século passado
nos pafses latinos da Europa e da América. €sta seccSo irreligiosa da
Maconaria teve grande repercussao no Brasil e marcou profundamente
a imagem das Lojas em nosso pafs. Todavía, segundo os autores em
pauta, tal córrante é minoritaria dentro da Maconaria; esta, em sua parte
preponderante, continua fiel ás suas tradlcdes deístas do século XVIII,
despreocupada de questoes religiosas ou mesmo disposta a aproxímar-se
da tgreja Católica.

Como se ve, o llvro tenta desfazer a Imagem negra da Maconaria


no mundo e, especialmente, no Brasil, em provelto do diálogo Igreja-
-Maconarla. Os autores n§o Julgam dirimentes as restrlcdes feitas á
Maconaria pela Conferencia Episcopal da Alemanha; cf. PR 254/1981,
págs. 78-96.

Comentario: Em 1980 foi dado a lume importante es-


tudo sobre a Maconaria e a Igreja Católica, a cargo de tres
especialistas no assunto: os PP. J.A.F. Benimeli, G. Caprile
S. J. e V. Alberton S. J.

i BENIMELI, J. A. F., CAPRILE. G., ALBERTON, V., Maconaria e


Igreja Católica ontem, ho|e e amanlia. Ed. Paulinas, Sao Paulo 1981,
135 x 205 mm, 319 págs.

— 2 —
«MACONARIA E IGREJA CATÓLICA»

A primeira edicáo desta obra, em espanhol, esteve aos


cuidados do Pe. Benimeli; datava do ano de 1965, embora, por
razóes de censura poiitica, só tenha sido posta em circulagáo
em 1968. Urna segunda edigáo, também em espanhol, atuali-
zada e ampliada, saiu em 1977, já que entre 1965 e 1977 ñas
relagóes entre a Igreja Católica e a Magonaria se verificaram
acontecimentos de relevo.

A terceira edigáo saiu pouco depois em italiano por obra


do Pe. Caprile S. J., beneficiando-se do teor de novos documen
tos publicados sobre o assunto.

Finalmente a quarta edicáo, revista e adaptada á reali-


dade brasileira e portuguesa, se deve ao Pe. Valerio Alberton
S. J. e data de 1981.

O que a obra tem de valioso, é a apresentagáo de ampio


documentário atinente as relagóes entre a Igreja e a Magona-
ria desde 1738 até 1980 (nao há ai mengáo da Nota da S.
Congregagáo para a Doutrina da Fó datada de 17 de feve-
reiro de 1981 e comentada em PR 258/1981, págs. 305-313).
Faltava ao público brasileiro um volume que lhe oferecesse,
de forma auténtica, as declaragóes da Igreja sobre a Magonaria
e as da Magonaria sobre Deus e a fé crista. Esta coletánea,
acompanhada de bons e interessantes comentarios, facilitará
ao estudioso tomar conhecimento da problemática «Igreja-Ma-
gonaria», a respeito da qual só dispunha de noticias esparsas.
Éste conhecimento tem sua importancia, pois «a Ordem ma-
gónica brasileira é a mais numerosa do mundo latino, contando
com 150.000 membros, segundo urna apreciagáo de Fr. Boa-
ventura Kloppenburg O.F.M.» (cf. p. 15).

Ñas páginas subseqüentes, procuraremos rcproduzir os


tragos principáis do livro em foco; ao que acrescentaremos
algumas poucas observagóes.

1. O conteúdo do livro
*

Os autores da obra professam ter procurado táo somente


eonhecer a verdade histórica através de sereno espirito crítico.
Segundo este seu intuito, transcrevem e analisam variados
documentos e concluem que a Magonaria tinha em suas ori-
gens (1723) urna configuragáo filosófico-religiosa que se foi
alterando de maneiras diversas, a tal ponto que hoje é impos-
sível proferir sobre ela um juizo global e monolítico.

_ 3 _
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

É precisamente esta evolucáo das Lojas Magónicas que


interessa agora reconstituir na base dos textos reproduzidos
pela obra em foco.

1.1. No século XVIII

A Maeonaria moderna tem seu surto em Londres. Deri-


va-se de corporacóes de pedreiros medievais que, após o sc-
culo XVI, perderam a importancia na vida pública; por isto
resolveram admitir em seu gremio intelectuais que lhes res-
taurassem o vigor e a influencia e que, dos pedreiros medie
vais, guardariam os símbolos (esquadro, compasso, régua...)
assim como a obrigagáo do segredo'. Aos 28/02/1723 o pastor
protestante James Anderson deu 'ás Lojas de Londres as Cons-
tituicóes que regeriam a sua nova fase ou a Magonaria pro-
priamente dita8.

Deve-se notar que o livro das Constituig5es de Anderson,


tido como a Magna Carta ou o Coráo da Magonaria univer
sal, professa a necessidade de religiáo para todo magom; em-
bora nao se mostré propugnador direto do Cristianismo, é
avesso ao ateísmo, como se depreende do artigo I:
"1. Um magom é obrlgado a obedecer á lei moral, em virtude de
seu titulo; e, se ele bem entender a arte, nunca será um ateu estúpido
nem um irreligioso libertino. Posto que, nos tempos antlgos, os magons
tivessem a obrigagio de seguir a religiáo do próprio país ou nagao,
qualquer que ela fosse, presentemente julgou-se mais conveniente obrigá-
-los a praticar a religiáo em que todos os homens estáo de acordó, dei-
xando-lhes plena liberdade ás convicgóes particulares.

Essa religiáo consiste em serem bons, sinceros, honrados, de modo


que possam ser diferenciados dos outros. Por esse motivo, a Maeonaria
é considerada como o centro de uniio e faculta os meios para se esta-
belecer leal amizado entre pessoas que, sem ela, nao se conheceriam".

No tocante á. política, diz a mesma Constituicño :


"2. Um magom é submisso aos poderes civis onde quer que resida
ou trabalhe, e jamáis deve entrar em conspirado contra a paz e o bom
andamento da administragao; deve ser respeitoso e obediente aos ma
gistrados ...

■ A obrigagáo de segredo referente á arte e á profissáo de determi


nada categoría de trabajadores era comum na Idade Media. Ainda hoje
ocorre em certas familias que cultivam tradicionalmente determinado oficio
(confecgSo de instrumentos musicais, de relógios...).
2Vé-se, pois, que atualmente a Maeonaria nada tem que ver com
confrarias de iniciados ou "iluminados" da antigüidade pré-cristá ou dos
primelros tempos do Cristianismo.

— 4 —
«MACONARIA E IGREJA CATÓLICA»

3. Em Loja nunca devem encontrar eco os ressentimentos parti


culares e as questoes, devendo todos abster-se de discussoes sobre
assuntos que dlgam respelto á religiáo e á administracáo do Estado, visto
que os MM... pertencem á rellgi3o universal, posto que de diferentes
jiagñes e Idiomas.

Convencionou-se nunca falar sobre política, porquanto esta nunca


contribuiu para o bem-estar da Loja nem jamáis poderá fazé-lo. Isto deve
ser sempre mantido e deverá ser estritamente observado".

Á primeira autoridade a condenar a Maconaria assim


oriunda foi a do poder civil. Por exemplo, aos 14/09/1737, o
Cardeal Fleury, primeiro Ministro de Luís XV da Franca, proi-
bia toda reuniáo secreta, principalmente as dos freyma^ons.
Dois anos antes, idéntica proibicáo fora promulgada na Holan
da, cujo exemplo parece ter sido seguido por muitos outros
Governos da Europa.

Em tal contexto apareceu o primeiro documento da Igreja


relativo á Maconaria: a Constituigáo Apostólica Iii Emi-
iienti, de 28/04/1738, assinada pelo Papa Clemente XII (1730-
-1740). Lembrando que varios Governos haviam resolvido
adotar medidas contra a agáo invasora das sociedades secre
tas, o Papa, por sua vez, condenava tais sociedades, aduzindo
como motivos:

— o recurso ao segredo e ao juramento existente ñas


Lojas Masónicas. O segredo sugería que em tais conventículos
se sustentavam doutrinas heréticas e planos contrarios á paz
pública e ao bem da Igreja • ;

— o relativismo filosófico-religioso, que parecía resultar


do fato de que em tais Lojas se reuniam homens de diversas
religióes;

— «outros justos e razoáveis motivos por Nos conhecidos».

A propósito do segundo motivo, note-se que a reuniáo e


a colaboragáo de homens de diversas crengas religiosas era
algo de inédito e, portanto, aparentemente inaceitável aos ca
tólicos do século XVIII; parecía levar ao indiferentismo reli
gioso ou a urna religiosidade natural chamada deísmo. — Hoje

»O Papa Bento XIV (1740-1758), que em 1751 também condenou a


Magonaria. explicitou o repudio ao segredo, citando urna frase de Minúcio
Félix, escritor cristáo do século III: "As coisas honestas gozam sempre
da publicidade: as criminosas buscam o segredo".
g «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

em dia, a experiencia, sem deixar de apontar tal perigo, evi


dencia casos em que a colaboragáo de católicos com nao cató
licos em vista de fins humanitarios pode ser útil e mesmo
isenta do perigo de relativismo.

Quanto aos «justos e razoáveis motivos», ainda alegados


por Clemente XII, sao ho¿e obscuros; embora os historiadores
os tentem explicar, nenhuma sentenga dos estudiosos satisfaz
aos pesquisadores.

No século XVm, o Papa Bento XIV, aos 18/05/1751, tor-


nou a condenar a Magonaria mediante a Constituicáo Providas,
baseando-se ñas mesmas razóes que seu antecessor.

Os Papas Clemente XIII (1758-1769), Clemente XIV


(1769-1774) e Pió VI (1775-1799) nao emitiram documento
condenatorio á Maconaria.

1.2. Na primeira metade do século XIX

A acáo das sociedades secretas fez-se sentir com certa


veeméncia no século XIX. Destacou-se desde os primeiros de
cenios a dos Carbonarios, que tinham caráter político e luta-
vam pela unificagáo da península itálica. Fundada em 1797,
a Carbonaria tinha suas cerimónias de iniciagáo e seu ritual,
que mesclava o simbolismo e a terminología masónicas com
a mística crista. Embora fosse independente da Magonaria, a
Carbonaria fácilmente era confundida com esta, e conseqüen-
temente foi prejudicial a esta.

Tal realidade provocou a Constituicáo Eclesiam a Iesu


Christo de Pió VH (1800-1821) datada de 13/09/1821, que
condenou a Carbonaria e, ao mesmo tempo, todas as socie
dades secretas, inclusive a Magonaria.

Alguns anos depois, Leáo XII (1823-1829), aos 13/03/1825,


mediante a Constituigáo Quo graviora reiterou as condenagSes
precedentes, exprímindo a convicgáo de que as sociedades se
cretas tramavam contra a Igreja e os poderes civis em geral.

Os Papas Pío VIH (1829-1830) e Gregorio XVI (1831-


-1846) confirmaram, respectivamente ñas encíclicas Traditi
humiütati (24/05/1829) e Miran vos (15/08/1832), as dispo-
sigóes de seus predecessores contra as sociedades secretas.

— 6 —
«MACONARIA E IGREJA CATÓLICA»

1.3. Na segunda tnefade do sáculo XIX

Os Pontífices Pió IX (1848-1878) e Leáo XIII (1878-1903)


emitiram cerca de 350 documentos contra as sociedades se
cretas. Isto se entende pelo fato de que durante tal período a
agáo destas foi especialmente intensa na península itálica, re
dundando na queda do Estado Pontificio em 1870.
De modo especial, a Magonaria dita «latina» afastou-se
cada vez mais dos seus principios firmados em Londres pela
Constituigáo de Anderson ; foi tomando características anti
eclesiásticas e atéias. Com efeito; ainda em 1849, o Grande
Oriente da Franga adotava nova Constituigáo, que declarava
ser a Magonaria urna instiutigáo eminentemente filantrópica,
filosófica e progressista, que tinha como fundamento a crenga
em Deus e na imortalidade da alma. Mas, sob Napoleáo m
(1852-1870), a Magonaria francesa, influenciada por elemen
tos anti-romanos da política do Imperador, organizou intensa
propaganda anticlerical. Levantou-se entáo forte onda anti-
-religiosa ñas Lojas Magónicas da Europa latina, a ponto que
em varias délas foi supressa a antiga invocagáo magónica «Á
Gloria do Grande Arquiteto do Universo». Em 1877 explodiu
o cisma do Grande Oriente da Franga, seguido por outras cor-
rentes magónicas, que riscaram de suas Constituigóes o ar
tigo 1», artigo que precisamente impunha a obrigagáo, para
todo magom, de crer em Deus e na imortalidade da alma;
eliminaram também o juramento sobre a Biblia, considerada
como expressáo da palavra e da vontade de Deus.
Tais Lojas magónicas foram (e estáo) excomungadas pela
Grande Loja Universal da Inglaterra, que é tida como a Grande
Loja Máe do Mundo. Constituem o que se chama «a Magonaria
irregular»,... irregular porque dissidente dos principios fun
damentáis que nortearam a Magonaria nascente em Londres no
sáculo XVIH. As Lojas fiéis a tais normas sao, por isto, cha
madas «regulares»; existan principalmente nos países nórdi
cos (Inglaterra, Alemanha, Escandinávia...), ao passo que a
Magonaria irregular se propagou pelos países latinos da Eu
ropa (Franga, Italia, península ibérica) e pela América La
tina. — Verdade é que hoje em dia as diversas «obediencias»
ou ramificagóes da Magonaria estáo muito entrelagadas, po-
dendo-se encontrar lado a lado Lojas regulares e irregulares ».

i"Dada a grande diversidade de ritos e obediencias, tal divisao por


zonas geográficas nao deve ser interpretada muito rigorosamente, .no sen
tido em que todos os macons de um determinado territorio sejam de urna
só ou de outra obediencia" (livro analisado, pág. 57, nota 31).

— 7 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1932

Como se compreende, a paulatina mudanza de orientagáo


da Magonaria Francesa e, finalmente, a profissáo de ateísmo
desta e de outras correntes magónicas justificaram, a novo
título, os pronunciamentos condenatorios dos Papas na segunda
metade do século XIX.

Aos 20/04/1884, o Papa Leáo XEI publicou a encíclica


Humanum genus, que, em sintese, assim se refere á Mago-
naria:
"Varios príncipes e chefes de governo estiveram multo de acordó
com os Papas, tendo o cuidado seja de denunciar a sociedade masónica
perante a Sé Apostólica, seja de condená-la eles mesmos, promulgando
lels de protecao, como a Holanda, a Austria, a Suíga, a Espanha, a Ba-
vlera, a Savoia e outras partes da Italia". Depots de enumerar as acusa-
cCes dos seus predecessores contra a Maconaria, o Papa acentúa que
"o último e principal dos seus intentos é o de destruir, desde os funda
mentos, toda a ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo,
protnovendo á sua maneira outra ordem, com fundamento e leis tiradas
das visceras mesmas do naturalismo". Agora consldere-se — prossegue
o Papa — a conduta da "seita masónica com relaca°o á religláo, espe
cialmente onde ela tem maior llberdade de acáo, e julgue-se se é ver-
dade ou nSo que todo o seu empenho consiste em por em ato a teoria
dos naturalistas. Desde muito tempo se trabalha tenazmente para aniquilar
na sociedade todo influxo do magisterio e da autoridade da Igreja".

Esta encíclica tornou-se causa de grande impacto, mesmo


no mundo maeónico, ocasionando numerosos comentarios num
e noutro campo.

Foi a Magonaria antieclesiástica ou irregular que susci-


tou no Brasil a chamada «Questáo Religiosa», da qual foram
vítimas dois bispos: D. Freí Vital María Gongalves de Oliveira
(1844-1878), de Olinda, e D. Antonio Macedo Costa, do Para.
Questóes semelhantes ocorreram em outros países da América
Latina no decurso do século passado. Tais conflitos contribui-
ram poderosamente para denegrir a figura da Maconaria em
geral aos olhos das autoridades eclesiásticas e dos fiéis ca
tólicos.

1.4. No século XX até 1974

Aos 27/05/1917 o Papa Bento XV promulgou o Código


de Direito Canónico hoje aínda vigente, que recolhe a legisla-
gáo anterior relativa as sociedades secretas em quatro cánones
principáis':

1A legislacáo da Igreja concemente á Maconaria está para ser refor


mada. Aqui referimos o conteúdo do livro em pauta, que ficará em vigor
até a promulgacáo do novo Código de Direito Canónico.

— 8 —
«MACONARIA E IGREJA CATÓLICA»

Cdnon 684: "Os fiáis fuglrSo das associacoes secretas, condena


das, sediciosas, suspeltas ou que procuram subtrair-se á legitima vigilancia
da Igreja".

O teor deste canon, aínda um tanto genérico, se torna mais


explícito e preciso na redacáo do canon 2.331:
"Os que dSo o seu nome á seita macdnlca ou a outras assoclacfies
do mesmo género que maqulnam contra a Igreja ou contra os legítimos
poderes clvis, incorrem Ipso fado na excomunhio simplesmente reser
vada á Sé Apostólica".

O canon 2.336 especifica as sancóes atribuidas aos clérigos


e Religiosos:

"Os clérigos que hajam cometido o delito de que tratam os cáno


nes 2.334 e 2.335, devem ser punidos nSo somente com as penas estabe-
lecidas nos cánones diados, mas também com a suspensao ou privacio
do mesmo beneficio, oficio, dignidade, pensSo ou encargo que possam
ter na Igreja; os Religiosos, com a privacio do oficio e da voz ativa e
passiva e com outras penas, de acordó com as suas Constituicdes. Os
clérigos e os Religiosos que dáo o nome á selta macónica ou a outras
associacóes semelhantes, devem, além disto, ser denunciados a S. Con-
gragacio do S. Oficio".

Aínda, segundo o canon 1.399, n? 8, sao proibidos

"... os livros que, tratando das seltas masónicas ou de outras


associacóes análogas, pretendem provar que, longe de serem perniciosas,
elas resultam úteis á Igreja e á sociedade civil"1.

Numa palavra: pode-se dizer que o Código de Direito Ca


nónico reproduz a condenacáo á Maconaria, baseando-se pre
cipuamente na índole subversiva atribuida á mesma. Foi esta
nota que preponderou na configuradlo da Maconaria desde
os documentos de Pió IX e Leáo XIII. A Maconaria ficou sendo
equiparada as sociedades que tramam contra a Igreja ou con
tra as autoridades legitimas.

Entrementes em todo o decorrer do século XX membros


da Igreja e da Maconaria procuraram aproximagáo e diálogo;
foi-se tornando claro que a Magonaria nao é um bloco mono
lítico, mas consta de mais de urna orientaeáo, compreendendo

iVerdade é que já nao existe índice de Livros Proibidos desde a


Notlflcacfio Post lltteras apostólicas de 14/06/1966. Cada fiel católico há
de avallar em consci&ncia se Ihe é necessário ou nao ler obras que se
oponham ás verdades ou aos principios da fé e da moral católicas.

— 9 —
!0 <?PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

a Maeonaria dita «regular» e a Magonaria «irregular» ; há,


sim, Lojas magónicas que conservam principios deístas ou
mesmo cristáos (caso os seus componentes sejam majoritaria-
mente cristáos), como há também Lojas que professam o
ateísmo. Essas conversacóes entre católicos e magons prepara-
ram o ambiente dentro do qual a S. Igreja voltou a se pronun
ciar sobre a Maeonaria eni 1974.

T.5. A Deelarajóo de 1974

O diálogo entre católicos e magons e as conclusóes dai


derivadas levaram varios bispos a perguntar á Santa Sé qual
a reta interpretagáo a dar ao canon 2.335, que proibe aos ca
tólicos, sob pena de excomunháo, inscrever-se na Magonaria.

A Santa Sé, para responder, houve por bem consultar di


versas Conferencias Episcopais a respeito da índole e das ati-
vidades da Magonaria nos respectivos países.

Ora os depoimentos assim obtidos foram táo diversifica


dos que a Santa Sé julgou nao poder alterar sua legislagáo a
respeito. Mas declarou que, sendo o canon 2.335 urna lei penal,
deve ele ser interpretado em sentido estrito; em conseqüéncia,
só incide em excomunháo o católico que se inscreva em Loja
magónica realmente antieclesiástica e atéia; quem pertenga a
Loja inocua ou neutra do ponto de vista religioso, estará isento
de excomunháo. O texto que apresenta estas determinagóes,
foi assinado pelo Cardeal Franjo Seper, Prefeito da S. Con-
gregagáo para a Doutrina da Fé e datado de 19/07/1974.
Ácha-se publicado á pág. 307 de PR 258/1981.

Era este o primeiro documento na historia em que a S.


Igreja admitia a possibilidade de existir algum tipo de Mago
naria nao antagónica aos principios cristáos. Tal posigáo re-
sultava de atenta pesquisa da realidade da Magonaria e cor
respondía, sem dúvida, á verdade dos fatos: a Magonaria nao
é um bloco monolítico.

A Declaragáo de 19/07/74 muito contribuiu para aliviar


a tensáo até entáo existente entre católicos e magons. Nao
deixou, porém, de suscitar mal-entendidos ou interpretagóes
exageradas, pois algumas Conferencias Episcopais, a quanto
parece, exprimiram julgamentos globais sobre o caráter anti-
-religioso ou nao da Maeonaria em seus respectivos países.

— 10 —
«MACONARIA E IGREJA CATÓLICA» 11

Diante destes fatos, a Nota de fevereiro de 1981, emitida pela


S. Congregagáo para a Doutrina da Fé, realgava que somente
á Santa Sé compete pronunciar-se sobre a Magonaria como tal:
cada bispo ou cada pastor de almas pronunciar-se-á táo so-
mente sobre casos isolados de fiéis pertencentes ou desejosos
de pertencer á Magonaria.

Após expor a evolugáo da historia das relacóes entre a


Igreja e a Magonaria os autores do livro em foco propóem a
sua conclusáo.

1.6. Conclusáo

Os autores realgam o fato que a Magonaria nao é um bloco


monolítico e, por conseguinte, nao pode ser julgada com urna
só sentenga por parte da Igreja Católica. Dever-se-á apagar,
da mente do público, a idéia de que a Magonaria se identifica
com a anti-religiáo e a anti-Igreja. A atitude da Magonaria
na Franga, na Italia, na Espanha e nos países latino-america
nos muito contribuiu para generalizar entre os católicos em
geral um juízo negativo sobre a Magonaria em geral. O üvro
em foco porém, observa que tal generalizagáo é inoportuna,
pois a Magonaria irregular ou antieclesiástica constituí miño
na frente as Lojas regulares; com efeito, existem «seis mi-
lhóes de magons a representar a obediencia inglesa ou orto
doxa ao passo que somente quarenta ou cinqüenta mil seguem
a posicáo latina e desviada dos Grandes Orientes infecciona
dos de ateísmo e anticlericalismo laicista» (pág. 60s).

"A maior parte das obras publicadas sobre a Maconaria num sen
tido polémico — e sao muitos milhares — tratam da Maconaria irregular,
em qualquer de suas versSes: francesa, Italiana, espanhola, belga, etc.
Os magons tém sido combatidos, precisamente pelo que a Maconana nao é,
ou mais exatamente pelo que n8o deveria ser e que se concretizou em
varios países ao eliminar-se a obrigacio da crenca em Deus como ati
tude espiritual fundamental de todo macom. Entfio se favoreceu mais um
statu quo de mal-entendidos, de incidentes, de lutas públicas, cujas res-
sonánclas Identificaram, na opiniao pública, a doutrina masónica com o
ateísmo atlvo, as Lojas com os adversarios militantes da religiao crista e
sobretudo da Igreja Católica.

E nao obstante, no mundo inteiro a auténtica Maconaria é exata-


tamente o oposto de urna tal atltude, já que ela admite, como membros,
somente postulantes que acreditam em Deus, dos quais exige fidelidade
aos compromissos com juramento sobre o Livro Sagrado de urna religiáo"
(livro analisado, p. 56s).

— 11 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

Em nota observam os autores:

"Nos pafses nos quais prospera a Maconaria regular, as relaces


com a autoridade civil s3o normáis, boas e leáis; na Dinamarca, na Sué-
cla e na Inglaterra o gráo-mestre costuma ser o ret mesmo ou qualquer
oulro membro da familia real; nos Estados Unidos nSo menos de treze
presidentes, até 1965, ocuparam o mesmo cargo. Tal atltude é obviamente
incompativel com as pretensas maqulnacdes contra os poderes legítimos
e seguranca do Estado" (ob. clt., pág. 57, nota 30).

Em consegüéncia, os autores preconizan! o diálogo, que


será apto a desfazer preconceitos equívocos. «Desejá-lo, ani-
má-Io, tentá-lo, conduzi-lo prudentemente no seu desenvolvi-
mento nao significa trair a fé católica, nem abrir as portas a
supostos inimigos, nem ceder em pontos irremmciáveis. Im
porta apenas paciente pesquisa dos pontos comuns de enten-
dimento, desejo de intercambio de bens reais possuidos por
cada um, esforoo perseverante para que a Verdade (sem adje
tivo possessivo algum) sempre venga em busca da uniáo para
o bem de todos» (ob. analisada, pág. 202).

Procuremos agora formular urna apreciado sobre o


livro em pauta.

2. Urna avaliagoo

Como dito, a obra de Benimeli, Caprile e Alberton é va


liosa na medida em que oferece ao público urna rara coletánea
de pronunciamentos da Igreja e da Maconaria, assim como de
fontes úteis para se estudar a historia da Magonaria e ponde
rar o seu conteúdo e significado hoje em dia. Merecem louvor
os autores que se dedicaram a táo minuciosa e paciente pes
quisa de textos e documentos históricos.

Os autores, por sua documentaeáo, evidenciam quáo acer


tada foi a atitude da Igreja assumida em 1974, no sentido de
reconhecer dois tipos de Magonaria: a que trama contra a
religiáo e a que nao trama. Na situacjio presente ou diante da
evidencia dos fatos apregoam o diálogo e a procura de mutua
compreensáo entre católicos e mac.ons — o que certamente é
válido, contanto que se evite qualquer tipo de relativismo ou
falso irenismo. O diálogo poderá contribuir para dissipar pre
conceitos onde existam.

Quer-nos, parecer, porém, que a questáo das relacóes entre


a Igreja e a Maconaria enfrenta outro problema em plano mais
profundo.

— 12 —
• «MACONARIA E IGREJA CATÓLICA» 13

Com efeito. Distínga-se entre Maconaria regular e Mago-


naria irregular.

A Magonaria irregular, anti-religiosa nao oferece condi-


góes para que a Igreja Católica a aprove; é a Maconaria irre
gular que se coloca contra a Igreja.

Quanto á Maconaria regular, ela professa, sem dúvida, a


existencia do Grande Arquiteto do Universo e respeita a reli
giáo. Por este lado parece convir com o que ensina o Catoli
cismo. Todavía, numa perspectiva, católica, deve-se-lhe obser
var que a proclamagáo da existencia do Grande Arquiteto do
Universo é algo de racional ou filosófico, deixando os seus
adeptos no plano da religiáo natural ou do chamado «deísmo».
Para o fiel católico, Deus é o Pai que se revela por Jesús
Cristo — Deus e homem; esta revelagáo dá origem a religiáo
sobrenatural ou ao teísmo. A rigor, o católico nao pode deixar
de invocar Deus como uno e trino, como Redentor e Santifi-
cador dos homens. Ora o fato de que a Magonaria fala de Deus,
mas silencia as grandes verdades reveladas (para assim poder
receber em seu gremio homens de diversas crengas religiosas)
sugere aos pensadores católicos certas restrigóes. Tal atitude
da Magonaria, se nao suscita o ateísmo e o materialismo, pode
suscitar o relativismo ou certo indiferentismo religioso ; foi
precisamente esta observacáo, associada a outras ponderagóes
congéneres, que inspirou aos bispos alemáes a conclusáo de
que nao é possível alguém ser católico e magóm ao mesmo
tempo. Cf. PR 254/1981, págs. 78-79.

Estas reflexóes dáo a ver quanto a Magonaria é complexa


e, por eonseguinte, como será difícil chegar a um relaciona-
mento unívoco da Igreja com a Magonaria como tal. Em vista
desta complexidade, parece que é e será sabio, para a Igreja,
assumir atitude diversificada diante da Magonaria: a Igreja
se absterá de pronunciamentos generalizados e monolíticos
sobre a mesma; o julgamento será pronunciado pelos pastores
de almas em vista de cada caso de fiel católico que deseje en
trar em determinada Loja ou faga parte desla ou daquela
Loja definida.

Para evidenciar mais ainda quáo delicado é o problema


das relagóes «Igreja e Magonaria», transcrevemos abaixo a
Nota da Grande Loja Nacional Francesa (Neuilly), que, em

— 13 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

oposicáo ao Grande Oriente de Franca, fez as seguintes de-


claracóes em 1961 ¡

"Para evitar qualquer equívoco, a Grande Loja Nacional Francesa


de Neullly, única Maconaria de Franca reconheclda por toda a Maconaria
universal regular, esclarece que nao pode haver maconaria 'regular' fora
dos seguintes principios Invarráveis:

— Crenca em Deus, Pessoa divina, Grande Arquiteto do Universo.

— Crenca em sua vontade revelada e expressa no Livro da Santa Lei.

— Crenca na imortalidade da alma.

Além'disso, em suas Lojas proibe-se toda discussáo ou polémica


de ordem social, política ou religiosa.

Os ritos que emprega, se referem, como os dos magons operativos,


ao simbolismo tradicional do oficio e da arte real. Unindo no tempo e
no espaco o Oriente e o Ocidente, elevam-se ás fontes escrlturfsticas ins
piradas do Antigo e do Novo Testamento.

Todas as obrigac.5es de seus membros e de sua hlerarquia sao


tomadas 'em presenta de Deus Todo-poderoso', sobre o Livro da Santa
Lei correspondente á sua crenca.

A Grande Loja Nacional Francesa (Neuilly) propóe-se trabalhar, se


gundo os antigos rituais da Ordem, para o aperfeigoamento moral e espi
ritual de seus membros e a prática de urna caridade fraterna ativa e vivi
ficante. Entende ficar completamente á margem das discussOes e lutas
que nao Ihe dizem respeito. Particularmente, proibe-se tudo o que poderia
ser considerado como maquinacáo contra a Igreja ou os legítimos pode
res civis.

A Grande Loja nfio pode deixar de alegrar-se ao ver nascer um


clima de melhor compreensüo entre os que, a todo momento, póem sua
única esperanca em Deus" (La Grande Loge Nationale Francalse et
1'jEgllse Catholique, págs. 11-13).

Tal declaracio da Grande Loja Nacional Francesa é assaz


expressiva. Infelizmente, porém, nao corresponde ao modo de
pensar de numerosas Lojas da própria Franca.

Em suma, o livro de Benimeli, Caprile e Alberton certa-


mente constituí um passo positivo para dirimir dúvidas e pos-
sibilitar o claro posicionamento dos católicos frente á Maco
naria,

A guisa de bibliografía, Indicamos as páginas 295-319 do livro em


pauta, onde se encontré rico e ampio catálogo de llvros, artigos e do
cumentos atinentes a Maconaria.

_ 14
Um livro provocador:

"igreja: carisma e poder'


1!

de Leonardo Boff

Em síntese: O presente artigo analisa a obra eclesiológica de Frei


Leonardo Boff, mostrando tratar-se de esludo tendencioso e ambiguo. A
partir do esquema, preconcebido, de que a cobica do poder inspirou o
comportamento dos pastores da Igreja através dos séculos, o autor propSe
urna Igreja "carismática", em que nao naja docentes e discentes, mas se
adotem os criterios de comportamento de urna democracia humana.

O estilo do autor é veemente, chegando á sátira; hipóteses sio pro


postas como teses (principalmente quando o autor recorre á exegese
bíblica protestante); falta por vezes ao autor a akríbla (senso de exatídao)
necessária a um estudo científico para matizar os respectivos dizeres,
dando a posicóes discutidas o atributo de discutidas. Tal akribía se ImpSe
de modo especial numa obra que nSo é destinada apenas a especialistas,
mas se volfa para o grande público, o qual multas vezes está desprepa
rado para discernir o certo do incerto e do errado.

Queremos crer que Freí Leonardo nio se quer afastar da doutrina


da reta fé; ele professa em seu livro que a Igreja é sacramentum, no qual,
além de elementos humanos, há também valores divinos; todavía tais
afirmacSes sao empalidecidas ou sufocadas pela veeméncia das acusa-
cees feitas á Santa Igreja. No decorrer da leitura do livro tem-se nao
raro a impressao de estar diante de urna obra inspirada por protestantismo
e marxismo.

Comentario: Foi publicado em julho 1981 um novo livro


de Frei Leonardo Boff O.F.M., que traz o titulo : «Igreja :
carisma e poder» (Ed. Vozes, Petrópolis 1981). Esta obra vem
suscitando hesitacóes e contradicóes...

É sempre desagradável dizer Nao a um irmáo, especial


mente guando se sabe que é pessoa bem intencionada. A cons-
ciéncia, porém, pode exigir que o fagamos no intuito de servir
á verdade, que é patrimonio comum de todos os homens.
— Neste artigo proporemos algumas consideragóes gerais so
bre o livro em foco ; depois passaremos á análise da tese cen
tral do livro; em apéndice será publicada urna recensáo do Pe.
Perego S.J. sobre outro livro eclesiológico de L. Boff.

— 15 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

1. Considerasoes gerois

Examinaremos quatro pontos sucessivos.

1.1. O estilo da obra

Quem lé a obra em pauta, observa de ¡mediato algumas


características significativas:

O autor aborda auestóes importantes de historia da Igreja


ou de doutrina de fé, fazendo afirmagóes generalizadas, sem
explicitar matizes. Propóe hipóteses como se fossem teses fir
mes e indiscutiveis — o que ilude o leitor despreparado. Alias,
é curioso que, desejando combater o autoritarismo, L. Boff
use de linguagem extremamente autoritaria, caricatural, sar-
cástica... Impugnando a procura de seguranga na doutrina e
na disciplina dentro da Igreja, o autor parece ter seguranca
absoluta daquilo que diz; quem nao concorda com ele, pode
ser tachado de «cínico» (pág. 64, n' 9), de «ignorante» (p. 65),
de «subserviente e inexpressivo» (p. 65), como pode ser es
carnecido com ironía (pág. 68, n» 14). Diante de varias pági
nas do livro (para nao dizer: diante do livro inteiro) o leitor
tem a impressáo de que está nao frente a um teólogo ou um
intelectual que estuda com objetividade e sem paixóes o seu
tema, mas, sim, diante de um escritor tendencioso e precon
cebido, como sao muitas vezes os adversarios da Igreja, que
afirmam sem conhecer bem (e sem querer conhecer bem) o
assunto, pois estáo interessados em denegrir e caricaturar pas-
sionalmente. Entende-se (embora nao se justifique) que um
nao especialista combativo proceda de tal maneira, mas nao
se compreende que um teólogo como Freí Leonardo o faga.
A propósito tenham-se em vista as páginas 96, 100, 140, 143,
144 e outras...

1.2. ünguagem ambigua

L. Boff usa vocabulario e linguagem que frecuentemente


tém o sabor da ambigüidade — o que nao se admite nem num
livro científico nem num livro de ampia divulgagáo. Assim

a) «Estamos no fim das reformas, urge re-criar (a


Igreja)» (pág. 101). Significa isto que vamos destruir todo o
passado e recomegar atualmente a historia da Igreja, como
o quis fazer Lutero no século XVI e como até hoje fazem os

— 16 —
«IGREJA: CARISMA E PODER» 17

discípulos de Lutero, criando centenas de denominacóes, das


quais as últimas já nao sao cristas ?

b) A pág. 126 lé-se: «No Novo Testamento constata-se


a irredutibilidade de varias posicñes teológicas; existem con-
tradicóes entre elas, assim entre S. Mateus e a epístola aos
Gálatas, a epístola aos Romanos e a epístola de Sao llago.
Mesmo dentro do oorpus paiuinum constatam-se contradieóes
entre Rm 7,12 e Gl 3,13, concernindo á valorizagáo da lei
judaica» (pág. 126). — Ora as palavras «contradigóes» e
«irredutibilidade» sao, no mínimo, ambivalentes ou impro
prias. O que há no Novo Testamento, sao enfoques diversos
ou a consideracáo de aspectos diferentes da mesma realidade
que é a Lei de Moisés e a justificacáo; esses aspectos, julgados
diversamente pelos Apostólos, se complementan! mutuamente
e nao sao irredutíveis uns aos outros. Com efeito; Sao Paulo
considera a entrada na graga ou na justiga (que se faz pela
fé sem as obras), ao passo que Sao Tiago e Sao Mateus con-
sideram a perseveranga na justiga (que nao ocorre sem obras);
Sao Paulo mesmo ora focaliza a Lei de Moisés enquanto é
santa e preceitua a santidade de vida (Rm), ora focaliza a
Lei enquanto foi ooasiáo a que Israel conhecesse a sua fra-
queza (Gl).

c) A p. 127, o autor fala da relatividade das fórmulas


de fé e da necessidade de criar novas expressoes da verdade
revelada... Seria bom matizar esta afirmagáo: Paulo VL na
sua encíclica «Mysterium fidei» em 1965, lembrou a necessi
dade de guardar, apesar de tudo, certos termos e fórmulas aos
quais se prende desde séculos a expressáo da mensagem reve
lada; algo de análogo se deu em 1972 por parte da S. Congre-
gaeáo para a Doutrina da Fé na sua Instrugáo «Mysterium
Filii Dei». O abandono de certas expressoes clássicas ocasio-
nou e pode ocasionar perigo para a própria mensagem.

d) A p. 119 algo de semelhante ocorre em relagáo as


páginas do Novo Testamento. Citando o autor protestante W.
Marxsen, Leonardo Boff fala da «maneira dogmática de se
ler os textos do Novo Testamento. Esta maneira dogmática
considera pura e simplesmente, sem dar-se conta das media-
góes históricas, que o Novo Testamento é sem mais Palavra
de Deus. Utiliza os textos dogmáticamente para justificar dou-
trinas, fundamentar inapelavelmente medidas disciplinares da
Igreja. Portante o catolicismo assume aqui novamente urna
conotagáo pejorativa, como urna forma patológica de se viver

— 17 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 26Q/1982

e sentir a mensagem crista». —Perguntamo-nos: que significa


isto? O Novo Testamento nao pode ser tomado como fonte
donde depreendamos as verdades da fé? Cremos que o autor
nao quer dizer isto, mas poderia ser interpretado como se o
quisesse dizer.

e)' Todo o cap. VII é uma exaltacjío do sincretismo! Sin


cretismo, no caso, quer dizer: capacidade de assimilar elemen
tos novos sem destruigáo do essencial (pág. 170). Curioso,
porém : o autor acha que «foi um erro histórico a exclusáo do
protestantismo» (pág. 141). Acha (?) que as mudangas na
Igreja podem ocorrer á semelhanea da conversáo do pao e do
vinho no corpo e sangue de Cristo na Missa; cf. pág. 109, n* 41
(citando uma poesía de Lothar Zenetti).

1.3. Influencia marxista

O leitor nao pode deixar de perceber certa influencia do


marxismo (ou de aspectos tendenciosos e discutíveis do mar
xismo) ñas expressóes e ñas categorías assumidas pelo autor.

Assim as págs. 91-93 L. Boff transcreve um texto atri


buido a um analista brasilciro, deixado no anonimato, sendo
apenas citada no roda-pé da pág. 93 a obra-fonte com título
francés :• «I/Église et la politíque au Brésil» (sem local e ano
de edigáo), «75-78». Esse trecho, assaz longo, compara a auto-
ridade na Igreja com a autoridade no Partido Comunista da
Uniáo Soviética antes da revolucáo chinesa ! Haveria entre
ambos um paralelismo de estruturas e de comportamentos
(pág. 93). Esta afirmagáo é, no mínimo, estranha e despropo
sitada. Á pág. 217 Emite Durkheim é associado as autoridades
doutrinárias que L. Boff tenciona seguir (o autqr se faz dis
cípulo de gente muito pouco crista). Se tais afirmagóes fossem
proferidas por um comunista, tendencioso e superficial, nao
causariam surpresa; mas, ditas por um teólogo, que nao pode
deixar de conhecer matizes e facetas da materia, torna-se algo
de incompreensível e estarrecedor. A mesma comparacáo entre
Igreja e marxismo reaparece a pág. 67.

Á pág. 94, n* 20, os Papas Leáo XIII e Pió XI sao tidos


como mais afins aos ideáis do fascismo do que aos do libera
lismo ou socialismo! A obsessáo por ver ideologías em tudo é
grande... — L. Boff cita Ch. Dawson, Religión and Modera
State, N. Y. 1936, 135-136 para se fundamentar no caso.

— 18 —
«IGREJA : CARISMA E PODER» 19

As págs. 184-187, a divisáo do trabalho na Igreja condi


ciona as classes na Igreja.

Á pág. 75 lé-se que na Igreja alguns detém os meios de


produgáo religiosa e, conseqüentemente, «detém o poder, críam
e controlam o discurso oficial». Seriam os membros da hierar-
quia. Os demais fiéis seriam os meros consumidores de tais
bens. L. Boff julga que os detentares dos meios de produgáo
«elaboram a sua correspondente teología, que vem justificar,
reforjar e socializar o seu poder, atribuindo origem divina á
forma histórica de seu exercício» (pág. 76) ! — Concepgóes
marxistas ai estáo subjacentes, desfigurando por completo a
imagem da vida e do magisterio da Igreja. Ademáis a afir-
magáo de L. Boff deveria ser comprovada, pois ela resulta de
um esquema concebido a priori e aplicado cegamente a Igreja.
Um teólogo nao ignora quanto é artificial ou falsa a tese de
L. Boff (ou do marxismo) quando aplicada á Igreja.

Ás págs. 176s, o autor enfatiza o principio de que «o eixo


organizador de urna sociedade reside no seu modo de produgáo
peculiar... Esta atividade é infra-estrutural e sobre ela se
constrói tudo o mais na sociedade... Tambérn a Igreja é con
dicionada, limitada e orientada pelo modo de producáo espe
cífico». Para ilustrar e corroborar tal assercáo, Boff cita a
pág. 177 A. Gramsci, um dos mentores do marxismo na Italia.
O autor, portante, recorre ás categorías de análise marxista
da sociedade, categorías que sao materialistas e atéias e, por
conseguinte, jamáis poderáo servir para construir urna autén
tica teología; de resto, o uso das mesmas foi explícitamente
condenado pelo S. Padre Joáo Paulo II em discurso proferido
aos Bispos do CELAM aos 2/07/80: «A libertagáo crista...
nao recorre... á praxis ou análise marxista, pelo perigo de
ideologizagáo a que se expóe a reflexáo teológica, quando se
realiza partindo de urna praxis que recorre á análise marxista.
Suas conseqüéncias sao a total politizagáo da existencia crista,
a dissolugáo da linguagem da fé na das ciencias sociais e o
esvaziamento da dimensáo transcendental da salvagáo crista».

O c. VIII (págs. 172-195) é também altamente significa


tivo, apresentando as características de urna Igreja articulada
com a classe hegemónica e as características de urna Igreja
articulada com as classes subalternas. Mais urna vez tem-se,
subjacente, o esquema marxista de classe opressora e classe
oprimida. O pobre seria sempre urna epifanía do Senhor ?
Todo pobre é sempre um espoliado ou um empobrecido ? Cf.

— 19 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

pág. 186. Será que a akribía (exatidáo) científica permite


afirmar isto sem mais ? Cf. PR 247/1980, p. 282-291 (que
significa pobre no Documento de Puebla ?).

1.4. O papel da exegese protestante liberal

O autor confía plenamente ñas sentenoas dos exegetas


protestantes mais liberáis, que tentam interpretar os Evange-
lhos e a figura de Cristo segundo referenciais racionalistas e
assaz duvidosos (porque subjetivos). Por isso L. Boff julga
que Jesús mesmo nao fundou a Igreja, mas que esta se deriva
da vontade dos apostólos inspirados pelo Espirito Santo (págs.
222s. 216). A bibliografía citada por Freí Leonardo é, em
grande parte, protestante liberal, ficando as clássicas obras da
teología católica relegadas para o plano do superado.

2. A Igreja no livro em foco

Frei Leonardo nao deixa de reconhecer que na Igreja há


elementos divinos e elementos humanos (pág. 221) e que a
Igreja é sacramento (pág. 130s)... Todavía tais afirmagóes
sao raras e pálidas no conjunto do livro, onde a Igreja é geral-
mente tratada como sociedade meramente humana, na qual
teriam prevalecido os abusos de homens gananciosos e prepo
tentes. De modo especial a secgáo das págs. 60-76 é caricatu
ral, com veste de aparato científico.

Tem-se a impressáo de que, segundo Boff, a Igreja autén


tica seria governada pelo povo de Deus, que deveria ter nos
bispos e no Papa os seus representantes, de tal modo que nao
se justificaría a distingáo entre Igreja discente e Igreja docente:

"A hierarquia se senté membro da Eoclesia discens e o leigo mem-


bro da Ecclesia docens. Cada qual é mestre e discípulo um do outro e
todos seguidores do Evangelho. Na coexistencia e simultaneldade das
duas funcóes, deve-se entender o apelo de Jesús para que ninguém se
deixe chamar de mestre, pai ou diretor espiritual, pois todos somos
irmáos (cf. Mt 23, 8-10)" (pág. 215).

Pergunta-se entáo : qual o criterio para discernir verdade


e erro se todos sao mestres e discípulos? Seria o Espirito Santo,
que falaria no íntimo dos fiéis? Tal criterio está sujeito a ser
manipulado pelo subjetivismo, como demonstra a historia do
Protestantismo, cujas últimas denominagóes nao reconhecem
mais a Divindade de Cristo (cf. Mórmons, Testemunhas de
Jeová, Estudiosos da Biblia...).
^__ «IGREJA: CARISMA E PODER» 21

Paulo Freiré é citado para provar que a distincáo entre


docente e discante é patológica e desumanizante. A Paulo
Freiré sao contrapostas as figuras dos Papas Gregorio XVI
(f 1846) e Pió X (í 1914); L. Boff cita frases destes Pontí
fices que evidentemente eram condicionadas pela necessidade
de rejeitar o liberalismo e o modernismo da respectiva época.
Cf. pág. 218.

Seria desejável a mengáo, muito mais importante, do


«carisma seguro da verdade», que o Concilio do Vaticano II
atribuí aos Bispos para guardarem e transmitirem autentica-
mente a mensagem da fé (cf. Constttuigao Dei Verbum n* 8).
Se alguém quer dizer que os carismáticos devem governar a
Igreja, nao esquega tal carisma peculiar dos Bispos. Diz explí
citamente o Concilio:

"O oficio de interpretar auténticamente a palavra de Deus esciita


ou transmitida foi confiado únicamente ao magisterio vivo da Igreja, cuja
autoridade se exerce em nome de Jesús Cristo. Tal magisterio evidente
mente n§o está ácima da Palavra de Deus, mas a seu sen/ico, nao ensi-
nando senSo o que foi transmitido...; com a assisténcia do Espirito
Santo, píamente ausculta aqueta Palavra, santamente a guarda e fiel
mente a expde" (Dei Verbum n<? 10).

Assim vemos que carisma e autoridade (= poder, na lin-


guagem do livro em foco) nao se opóem entre si. Deve haver
autoridade na Igreja (e isto, por instituicSo do próprio Cristo;
cf. Mt 16,16-19; Le 22, 31s;Jo 21,15-17...); todavía essa auto
ridade nao é comparável a que os domens detém e exercem
em sociedades meramente humanas, mas é autoridade caris-
mática, ou seja, apoiada por especial carisma (= dom) de
Deus para jamáis levar o povo de Deus a erros em materia
de fé e de moral, antes para fazé-lo reconhecer cada vez mais
as exigencias do Evangelho sempre que isto se torne neces-
sário. Mesmo os Papas de vida moral mais censurável, como
Alexandre VI (1492-1503), nunca emitiram um decreto que
contrariasse á fé e a moral da Igreja. Nuraa palavra, a autori
dade na Igreja é servigo (diakoiiía), e nao exercício de poder
arbitrario.

Se nao se admite esse carisma indefectível da verdade


(que está ácima da erudigáo dos teólogos, embora precise
desta), é natural que se caia no Protestantismo e, muito espe
cialmente, no Protestantismo congregacionalista (onde a con-
gregagáo dos fiéis se governa na mais auténtica forma demo
crática). — Na verdade, a autoridade na Igreja vem de Cristo,

— 21 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

que prolonga sua tríplice fungáo sacerdotal, profética e pas


toral nos ministros que Ele escolhe e ordena e que exercem
suas fungóes nao por delegagáo dos fiéis, mas por disposigáo
do próprio Cristo (cf. discurso de Joáo Paulo II aos ordenan
dos no Maracaná aos 2/07/80); mesmo que haja eleigáo de
Bispos, o eleito nao recebe do povo a sua autoridade, mas de
Cristo mediante os eleitores.

Compreende-se até certo ponto que deva haver autori


dade forte na Igreja, pois esta nao é obra humana. Se fosse
criagáo de homens, lógicamente poderia ser retocada e re-
-criada por homens; as suas decisóes seriam tomadas simples-
mente por maioria de votos; deveria prevalecer exclusivamente
o bom senso fundamentado sobre razóes filosóficas ou cientí
ficas. Acontece, porém, que a Igreja nao é sociedade mera
mente humana; é, sim, sacramentum, ou seja, realidade sen-
sível que assinala e transmite urna realidade divina, isto é, a
presenta e a graga de Cristo. Por isto os pastores da Igreja
tém o dever de preservar a mensagem da fé e as auténticas
expressdes desta nao segundo criterios puramente humanos,
mas segundo os criterios que a S. Escritura, colocada dentro
da Tradigáo viva da Igreja, aponta ao povo de Deus; para
realizar esta fungáo, o magisterio da Igreja goza de especial
assisténcia do Espirito (cf. Mt 16,16-19; Le 22,31s; Jo 21,15-17;
14,26); tal assisténcia nao depende da santidade ou das faltas
dos pastores da Igreja, mas se exerce sempre que a Igreja se
deva pronunciar oficialmente em materia de fé e de costumes.

Houve, sem dúvida, no passado da Igreja atitudes de


Papas e Bispos fortemente autoritarias, que nao correspondem
ao modo de pensar e agir nem dos eclesiásticos nem do mundo
de hoje. Observe-se, porém, que nao se pode julgar o passado
á luz das categorías de pensar e agir do presente. Os antigos
praticavam de boa fé o que nos pode parecer hoje inaceitável;
a geragáo que hoje acusa o passado, será um dia veemente-
mente acusada pelas futuras geragóes. Nao se pode esquecer,
por exemplo, que Sao Francisco de Assis, Santa Clara, S. Tomás
de Aquino, S. Alberto Magno, S. Boaventura e outros santos
e sabios viveram em pleno século XIII, que foi um século de
Inquisigáo, e nao deixaram urna palavra de protesto contra
esta. — Alias, sempre houve santos entre os Papas e pastores
da Igreja através dos seus vinte séculos; viveram o amor a
Deus e o servigo aos irmáos táo generosamente quanto lhes
sugeriam as circunstancias de sua época.

— 9f?. —
«IGREJA: CARISMA E PODER» 23

Todo fiel católico eleve reconhecer que entre os pastores


da Igreja de Cristo confiada a Pedro houve e há falhas inte-
lectuais e moráis. Mas isto nao o impede de afirmar que, atra-
vés das máos humanas dos clérigos (as vezes, manchadas e
poluidas), passou e passa incólume o ouro de Deus para todos
os fiéis.
Ainda poderíamos citar numerosas passagens do livro de
Freí L. Boff merecedoras de observagóes. O"" liyro está, de
ponta a ponta, inspirado pelos principios que assinalamos até
aqui. Tais principios e as aplicacóes que dos mesmos faz L.
Boff, se tomados a serio, levar-nos-iam a dizer que a eclesio-
logia de Boff é camufladamente protestante.
As consideracóes propostas neste artigo permanecem no
plano dos estudos, onde é lícito (e, ás vezes, necessário) dis
cordar; principalmente quando se trata das verdades da fé, o
dever de fidelidade aos auténticos mananciais (no caso, ao
Senhor Jesús) é duplamente imperioso. Cremos que as hipó-
teses e as afirmagóes de Frei Leonardo, entregues á ampia
divulgagáo num estilo «gostoso» de sátira e caricatura «cien
tífica», sao destinadas a destruir mais do que a construir, pois
o autor nao oferece ao leitor a ocasiáo de ver outros aspectos
da realidade ou outras teses e sentengas a respeito dos temas
que ele aborda; ele nao ajuda o leitor a criticar e a matizar
as posigóes assumidas no livro; ao contrario, o autor da obra
usa de estilo que parece dirimente... ou mesmo esmagador
de qualquer tese contraria (quando na verdade se trata de
um conjunto, em grande parte, subjetivo, oscilante e vulne-
rável). Cremos que Frei Leonardo, sincero como é, nao dei-
xará de refletir sobre estes tópicos.

APÉNDICE

A fim de evidenciar aos nossos leitores que as críticas ás


obras de Frei Leonardo Boff procedem também de outras fon-
tes, como sao os teólogos e recenseadores de livros europeus,
já em junho de 1980 publicamos nesta revista urna recensáo
do livro «Jesús Cristo Libertador» elaborada pelo Pe. Leroy
O. P. (cf. PR 246/1980, págs. 243-248). Neste fascículo publi
caremos urna recensáo da eclesiologia de Frei Leonardo Boff
tal como aparece em livro congénere ao que acabamos de ana-
lisar, ou seja, no volume UNA IGLESIA QUE NACE DEL
PUEBLO (Ediciones Sigúeme, Salamanca 1979, págs. 523).
Esta obra compreende duas partes. A primeira contém os
relatónos e as exposigóes proferidas no Encontró das Comuni-

— 23 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

dades Edesiais de Base ocorrido em Vitoria (Brasil) de 6 a 8


de Janeiro de 1975. A segunda parte apresenta os ecos do En
contró das mesmas realizado também em Vitoria (ES) de
29/07 a 1/08/1976; nessa secgáo da obra acham-se os estudos
de seis peritos, a saber: o sociólogo protestante Jether Pereira
Ramalho, o Pe. Eduardo Hoornaert, o sociólogo católico Pedro
Ribeiro de Oliveira, o Pe. Joáo Batista Libánio S.J., Frei
Carlos Mesters e Frei Leonardo Boff. A respeito do texto
deste último o Pe. A. Perego S.J. escreveu -urna apreciagáo na
revista Divus Thomas de Piacenza, 83.3, 1980, págs. 289-291,
que se segué em traducáo portuguesa :

«O sexto estudo, de Leonardo Boff, estende-se na descricao das


comunidades de base como redescoberta ou, melhor, como refunda-
cao da Igreja. O ensaio-rio de Boff contém muitas páginas válidas
e estimulantes; infelizmente, porém, apresenta muitas outras que
confundem as ¡délas e nao respeitam a doutrina da Igreja. Além
de descrever a Igreja latina pré-conciliar com traeos caricaturáis,
além de contrapor a Igreja-insütuicao e a Igreja carismática e além
de pretender gratuitamente que a comunidade tenha precedido,
no tempo, a organizacao (págs. 495s), o discurso do autor é con
taminado por escatologismo de baixo jaez. Afirma que Jesús viveu
sob o pesadelo da iminéncia escatológica do Reino e se enganou
redondamente a este propósito (pá,g. 475). Aceita de olhos fecha
dos a tese de Loisy segundo a qual 'Cristo pregou o Reino de
Deus e, no lugar deste, veio a Igreja' (págs. 477.479), como
também aceita a tese de Küng conforme a qual Cristo 'nao fundou
nenhuma Igreja', mas colocou apenas premis:as para que a Igreja
surgisse depois da sua morte (pág. 478). A Igreja dos gentíos
estova totalmente fora do horizonte de Jesús e os doze Apóstolas
nao podem ser chamados 'Igreja em miniatura' {pág. 480). Pedro,
fundamento da Igreja, como refere Mt 16,18, é apenas unía expli-
cagao etiológicq 1 (págs. 481-482). A faculdade de ligar e des-

i Explicacáo etiológica... Isto quer dizer que o episodio de Mt


16,16-18 tería sido forjado pelas comunidades cristas primitivas para
explicar a causa (ailia, em grego) do primado exercido pelos Bispos de
Roma, em virtude de iniciativa própria e nao por mandato de Jesús.
iA propósito pode-se observar que as frases de Jesús em Mt 16,16-19
só se podem entender se foram originariamente proferidas em aramaico
pelo próprio Jesús. Nenhuma comunidade crista de língua grega teria
"inventado" tal discurso de Jesús, pois a língua grega nSo usava as
expressóes que o texto de Mt 16,16-19 apresenta: Bar-jona, carne e san-
gue, Pai que está nos céus, portas do inferno, ligar-desligar, Kepha-kepha
(em grego dir-se-ia Petros, petra, e nao haveria trocadüho). Donde se
vé cue nao se pode negar a autenücidads da promessa de primado feita
a Pedro em Mt 16,16-19.

— 24 _
«IGREJA: CARISMA E PODER» 25

ligar é apenas de caráfer doutrinário, e Pedro tem funcao de repre


sentante mais do que de chefe da comunidade (pág. 482).

Jesús falhou no intuito de instaurar o Reino, mas nao deses-


perou; e Deus realizou a sua expectativa, concretizando o Reino na
pessoá de Jesús. A Igreja assim substituí, de certo modo, o Reino
nao realizado, na medida em que é comunidade que continua a
pregá-lo como se estivesse ¡á realizado em Jesús (págs. 484-485).

A última ceia, com a instituicao da Eucaristía e do sacerdocio


do Novo Testamento, nao é elemento constitutivo da Igreja, mas
urna simples antecipacao festiva do Reino que Jesús ¡ulgava pudesse
¡rromper de um momento para o outro no mundo (pág. 483). A
Igreja, essencialmente 'Igreja dos gentios1 (pág. 485), helenizável
e helenizada (pág. 486), nao nasceu em Pentecostés, mas depois:
os Apostólos nao suspeitaram nem mesmo que a Igreja tivesse nas-
ddo em Pentecostés; nesta ocasiáo eles aínda esperavam ver Jesús
aparecer sobre as nuvens (pág. 487).

Por isto a Igreja, nao instituida por Cristo, 'nasceu de urna


dedsáo dos Apostólos' e, se a Igreja 'nasceu de urna decisáo dos
Apostólos movidos pelo Espirito, entao é claro, concluí o autor, que
á Igreja toca essencialmente o poder de decisao comunitaria, dis
ciplinar e dogmática'; em conseqüéncia, a Igreja está ilimitada
mente aberta a toda adaptacao espacio-temporal sobre qualquer
ponto, mesmo no que diz. respeito á sagrada hierarquia (págs.
489-490); esquece o autor que esta é de iure divino.

'O episcopado, o presbiterado e as outros funcoes perduraráo'


(pág. 491), diz o autor; mas logo depois acrescenta que 'o impor
tante nao está neste ponto, mas no poder decisorio da Igreja1
(pág. 491). Em conseqüéncia, torna-se legítimo falar de "reinven-
cáo1 da Igreja (pág. 492); no caso particular da Eucaristía, se a
Igreja o quisesse, esta poderia ser validamente celebrada mesmo
por quem nao tivesse recebido o sacramento da Ordem. Seria até
conveniente que, na atual situocao de escassez de ministros ordena
dos, fossem delegados alguns leigos como ministros extraordinarios
paró celebrar a Eucaristía. A sua celebracao, porém, nao se deveria
chamar Missa, nem ser executada segundo o Ritual da Missa, mas
chamar-se-ia Ceia do Senhor e se desenrolaria segundo um proce-
dimento inventado pela criatividade popular (págs. 493-502).

Nao é necessário que nos detenhamos em mostrar a inconcilia-


bilidade destas opinióes do autor com a fé da Igreja. Acrescente-

— 25 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

mos apenas duas coisas. A primeiro é que, em todos estes pontos,


o autor, longe de ser original, segué acritícamente alguns autores
modernos ditos 'de aisla da onda', dos quais imita também a
pouco louvável astucia de rotular, como questoes disputadas, as
explanacdes ñas quais sao contrabandeadas doutrinas espurias. A
segunda é a imperdoável leviandade com que o autor liquida em
bloco toda a ■. éria « sólida teología pré-conciliar como se fosse
um acervo de 'teses dogmáticas de antemdo estipuladas' (pág. 491).

O livro se encerra sob o signo do entusiasmo e apresentando


conclusoes que nos parecem precisar de ser repensadas; tem, aos
montes, premissas inadmissíveis ou bastante discutíveis como sao
muitas das opinióes expressas pelos relatores».

A. PEREGO

Sem ulteriores comentarios...

(cantinuacSo da pág. 68)

os fiéis católicos a se situar diante das clássicas objecSes suscitadas


pelos nao católicos com referencia á reencarnado, ao purgatorio, aos
santos e ás imagens, á evocacSo dos morios... Apenas sugerimos que
em próxima edicáo o livro dé mais énfase aos sacramentos; embora es-
tejam fora do ámbito estrito do Credo, é por estes que as verdades da
fé se tornam vida para o cristao.
Parabéns ao autor! "Vivant sequentes!" Venham novos livros!

Castelo interior ou inoradas, por Santa Teresa de Ávila. Traducao das


Carmelitas Descalcas do Convento Santa Teresa do Rio de Janeiro, segundo
a edicáo crítica de Frei Silvério de Santa Teresa. — Ed. Paulinas e Car
melo de Cotia 1981, 128 x 200 rtim, 262 págs.
Eis urna obra-prima da literatura ascético-místíca do Cristianismo,
publicada em portugués por ocasífio do IV centenario da morte de Santa
Teresa de Ávila (1582). A autora descreve sete graus de oracSo, cada
vez mais íntimos e profundos como se fossem aposentos do castelo de
um Grande Reí. Cristo habita no mais íntimo da alma humana. "Nada
posso imaginar comparável á beleza de urna alma e á sua ¡mensa capa-
cidade... Se assim é — e nisso nao há dúvida — nao nos cansemos
tentando descrever a formosura deste castelo" (p. 19s). A leitura do
livro é relativamente fácil e grandemente instrutiva. Nao há quem nao
possa descobrir através das páginas de Santa Teresa um mundo desco-
nhecido, que é o da uniáo com Deus, descrita minuciosamente, na base
da experiencia de urna grande doutora da Igreja. Sao Joao da Cruz é,
para muitos discípulos, mais difícil do que Santa Teresa; daí a conve
niencia de se comecar por Santa Teresa a leitura das obras mestras da
espíritualídade crista moderna.
E.B.

— 26 —
Pergunta crucial:

a doenca tem sentido?

Em súrtese: A doenca tem, á primeira vista, o aspecto negativo de


diminuicáo da pessoa humana, pois reduz as posslbilidades de expansio
e comunica?áo da riqueza interior do paciente. O corpo é como a pala-
vra, que exprime o conceito; o conceito depende da sonoridade e da boa
forma da palavra para poder transmilir-se; assim a alma humana depende
do corpo para manifestar as suas virtualidades. A molestia aprésenla
outro aspecto negativo: na S. Escritura, ela está associada ao pecado dos
primeiros pais — o que é verdade. Isto nao quer dizer que toda doenca
seja castigo de pecados pessoais do enfermo, mas significa que de modo
geral os precursores da morte e a própria morte entraram no mundo por
efeito do pecado.

Eis, porém, que a doenca aceita em uniio com Cristo numa atitude
de entrega ao Pai tem valor redentor (em favor do sujeito) e corredentor
(em prol do próximo). A doenca pode favorecer a conversáo do paciente
a Deus, fazendo-o encontrar mais nítidamente o Bem absoluto, na medida
precisa em que os bens criados I he escapam. Assim configurado a Cristo
na cruz, o paciente "completa em sua carne o que falta á Paixáo de
Cristo em prol do corpo de Cristo, que é a Igreja" (Cl 1,24).

Comentario: O sacramento da Uncao dos Enfermos


supóe a doenga, para a qual é um canal de graga e santifica-
gáo provenientes da Cruz de Cristo. É por isto que só se pode
entender devidamente tal sacramento se se estuda o sentido
que a doenga, apesar de dolorosa, assume para o homem e,
especialmente, para o cristáo. As páginas subseqüentes se vol-
taráo, pois, para o misterio da doenga humana, em preparado
de urna apresentagáo do sacramento da Uncáo dos Enfermos.
Abordaremos os seguintes aspectos: 1) Doenga humana e
diminuigáo do paciente; 2) Doenga e pecado; 3) O valor
salvifico da molestia.

1. Doenga: aparente d¡m¡nui$cb do homem

O aspecto da molestia que, á primeira vista, mais se im-


póe ao homem, é o de urna desgraga ou também o de um obs
táculo, algo que diminuí o ser humano. Com efeito; embora a

— 27 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

doenga afete geralmente o corpo humano, nao pode deixar de


atingir o homem como um todo; este é essencialmente psicos-
somático.

As funcóes do corpo em relagáo á pessoa humana podem


ser ilustradas pelas da palavra em relagáo aos conceitos que
elas exprimeni. O conceito «se encarna» na palavra, mas. nao
se reduz a esta; a palavra, no caso, nao é mero rumor, mas
algo de significativo, portador de urna idéia que o transcende.
Assim a realidade do ser humano se exprime através do corpo,
mas nao se reduz a este, visto que o corpo nao é algo de
meramente orgánico, mas corpo humano, portador de um eu
original que o transcende (porque resulta da uniáo de alma
espiritual e corpo).

A riqueza interior da pessoa humana exprime-se visivel-


mente no corpo e, mediante o corpo, exprime-se no mundo.
Gracas á palavra, os conceitos se tornam presentes aos desti
natarios. Assim gragas ao corpo o homem entra mima rede
concreta de relagóes, comunicacóes e mutuo reconhecimento.
Mediante o corpo o homem exerce a sua operosidade que o
torna, de modo especial, presente aos demais homens.

Ora a doenga afeta o corpo e reduz, nao raro, a passivi-


dade a pessoa enferma. O doente é limitado pelos horizontes
da sua molestia: dependente das pessoas que o tratam, prisio-
neiro das quatro paredes de um quarto ou de urna enfermaría,
propenso a sentir-se inútil ou mesmo pesado para os outros...
As atividades, a produtividade, o sucesso e os aplausos, a es
tima e a admiragáo... tornam-se algo de pálido, distante e
insuficiente para satisfazer ao homem. O doente faz a expe
riencia concreta da precariedade das suas forcas, da relativi-
dade das suas capacidades, da fragilidade da sua existencia
terrestre... A molestia sacode certas formas de seguranca do
paciente, abala nao raro a sua escala de valores, os seus modos
de julgar e a sua mentalidade. Faz ressoar para ele a hora de
urna crise grave e cheia de incógnitas.

Como a palavra vem a ser a expressáo da idéia, o corpo


é a linguagem básica ou fundamental da personalidade. Todas
as formas de linguagem nao fazem senáo explicitar o funda
mento de qualquer comunicagáo que é o corpo. Ora, desde que
a plasticidade do corpo esteja prejudicada de algum modo, as
possibilidades de comunicagáo sao reduzidas e o enfermo se vé
obrigado a aceitar mais e mais o gelo da solidáo: passa a falar

— 2S —
DOENCA TEM SENTIDO? 29

com poucas pessoas, por pouco tempo, e, nao raro, sobre os


seus próprios males e as perspectivas de escapar destes. O olhar
se restringe, como que hipnotizado pela doenga; tende a con-
centrar-se sobre o eu; o diálogo corre o risco de apagar-se no
monólogo e no soliloquio.

Em sintese, a doenga vem a ser ameaga e atentado á ex-


pansáo vital do homem. Por isto a primeira atitude que os
homens e, especialmente, os cristáos assumem frente a moles
tia, é a de oposigáo e luta,J, como bem observa o Ritual da UE:
"Por dispos¡5áo da Divina Providencia, o homem deve lutar agente
mente contra toda doenga e procurar com empenho o tesouro da saúde,
para que possa desempenhar o seu papel na sociedade e na Igreja (n? 3).

Ñas páginas seguintes, será exposto o significado cristáo


da doenea.

2. Doensa e pecado

A S. Escritura ensina que entre pecado e doenga existe


urna relagáo; com efeito, o pecado dos primeiros país introdu-
ziu no mundo a morte e os precursores da morte (a doenga,
o sofrimento...); cf. Gn 2-3. Nesta perspectiva a doenca ma-
nifesta de maneira concreta e trágica a situagáo de queda e
desgraga induzida na historia nelo pecado.

Isto, porém, nao quer dizer que a doenga seja sempre


devida a pecados pessoais do paciente. Evite-sa entender toda
doenca como castigo de culpas do enfermo. É o que lembra o
Ritual da Ungáo dos Enfermos :

"A doenca, aínda que intimamente ligada á condieso do homem


pecador quase nunca poderá ser considerada como um castigo que Iha
seja infligido por seus próprios pecados (cf. Jo 9, 3). Nao so o proprio
Cristo que é sem pecado, cumprindo o que estava escrito no profeta
Isaías' suportou as chagas da sua Paixáo e particípou das dores de todos
os homens (cf Is 53, 4s) como continua ainda a padecer e sofrer em
seus membros, mais configurados a Ele quando atingidos pelas prova-
c6es" (n° 2).

Na verdade, o pecado dos primeiros país rompeu a har-


monia que existia entre o homem e Deus e dentro do próprio

»Isto nao quer dizer: revolta contra a vontade de Deus. O cristáo


luta contra a doenga para atender á vontade do próprio Criador, visto que
o suicidio, mesmo indireto, é contrario á Leí de Deus.
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

homem. A morte entáo entrou no mundo e, com ela, sobrevie-


ram os precursores da morte como a dor e a doenga; tais ele
mentos considerados em si sao naturais ao homem, mas nao
ocorreriam caso o homem se mantivesse fiel a Deus. Hoje o
homem sofre em tese porque perdeu os dois dons preterna-
tnrais, a ele outorgados no estado de justiga original, que sao
os dons de poder nao nuorrer e nao sofrer. Nao se deve, porém,
associar tal doenga a tal pecado, pois, na verdade, a molestia
pode ser permitida pela Providencia Divina também a título
de purificagáo ou acrisolamento da fé e das virtudes.

Até aqui expusemos a face negativa e odiosa da doenga.


É preciso, porém, por em relevo o que esta tem de positivo e
valioso para o ser humano.

3. O valor salvífico da molestia

Realgaremos dois aspectos positivos da doenga.

3.1. Descoberta de Deus

O primeiro aspecto positivo da molestia consiste em per


mitir que o paciente reescalone os seus valores e, conseqüen-
temente, descubra Deus (se nao O conhecia) ou atribua a Deus
o lugar primacial que Lhe compete e que ele nao Lhe conferia.
Com efeito; se a doenga pode levar á blasfemia, ela pode tam
bém induzir o paciente a tomar consciéncia de que todas as
criaturas sao exiguas demais para o homem, de tal modo que
a realidade do Bem Infinito ou Absoluto mais e mais se impóe
ao paciente; Ele deve existir, e é nele que o homem há de
encontrar a sua resposta.

Pode-se dizer que a doenga desempenha para o paciente


o papel que o exilio na Babilonia (587-538 a. C.) exerceu
para Israel: foi golpe duro e severo (Israel se viu humilhado e
despojado), mas ocasionou a reflexáo do povo sobre o seu re-
lacionamento com Deus; este relacionamento era, nao raro,
hipócrita, pois Israel imolava copiosas vítimas irracionais no
Templo com máos manchadas por homicidio, roubo e outros
males; acobertava seus crimes com a capa de piedade mera
mente ritual e legalista. O exilio tirou a Israel o Templo e o
culto, que se lhe haviam tornado ocasiáo de exercer hipocrisia;
obrigou o povo a repensar as suas atitudes diante de Deus.
Do exilio procederam os «pobres de Israel», ou o «resto de

— 30 —
DOENCA TEM SENTIDO ? 31

Israel», que cultivaram urna fé religiosa mais voltada para o


essencial e para a intimidade com Deus. Constituiu-se assim
urna nova fase da historia de Israel. — Ora o mesmo se pode
dizer no tocante ao homem que passa por urna enfermidade;
esta o pode libertar de ilusóes ou de «ídolos»; traz-lhe a oca-
siáo de reflexáo e amadurecimento interior e propicia-lhe um
retorno para Deus mair coerente e decidido; nao raro abre
assim urna nova época na existencia do paciente. Os valores
materiais aparecem a este relativizados e o Absoluto de Deus
lhe aflora com mais nitidez; era conseqüéncia, a vida do pa
ciente nao se disporá mais em torno de dinheiro, sucesso, ati-
vidades imediatístas, mas assumirá urna dimensáo de presenca
a Deus, adoragáo e contemplagáo, em conformidade com a
palavra de Sao Paulo: «Tudo pertence a vos:... o mundo, a
vida, a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso.
Mas vos sois de Cristo e Cristo é de Deus» (ICor 3,21s).

Examinando sua vida, o paciente comprova entáo a vera-


cidade do axioma grego: pathos mathos, isto é, sofrimento é
escola, aprendizagem.

3.2. A libertosa» em relajáo ao pecado

A descoberta ou a reafirmacáo mais consciente de Deus


por parle de um enfermo implica naturalmente um Nao mais
enérgico ao pecado, especialmente aos pecados pessoais do
paciente. Na verdade, o pecado consiste em atribuir á criatura
um valor que só a Deus compete.

O paciente que una a sua dor á de Cristo na cruz e con


ceba amor ao Pai, purifica-se do egoísmo e dos resquicios do
pecado; participa da expiacáo de Cristo Redentor. Desta ma-
neira é útil a si mesmo, porque o amor generoso suscitado pela
doenga apaga os restos do pecado; é útil outrossim ao próximo
porque «urna alma que se eleva, eleva o mundo inteiro» ou
porque enriquece a comunháo dos santos com a sua partici-
pagáo nos méritos de Cristo; realiza o que Sao Paulo dizia:
«Completo em minha carne o que falta á paixáo de Cristo
em prol do seu corpo, que é a Igreja» (Cl 1, 29). Diz outrossim
o Ritual da Ungáo dos Enfermos :

"Por dlsposicáo da Divina Providencia o homem deve lutar arden-


temente contra toda doenga e procurar com empenho o tesouro da saúde,
para que possa desempenhar o seu papel na sociedade e na Igreja, con
tanto que esteja sempre preparado para completar o que falta aos sofri-

— 31 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS;» 260/1982

mantos do Cristo pela salvacSo do mundo, esperando a llbertagao da


criatura na gloria dos filhos de Deus" (cf. Cl 1, 24; Rm 8, 18-21).

"£ lambém papel dos enfermos na Igreja, pelo seu testemunho, nfio
só levar os outros homens a nfio esquecerem as realidades essenciais e
mals altas, como mostrar que a nossa vida mortal deve ser redimida pela
misterio da morte e ressurreic.8o de Cristo" (rr? 3).

Fique bem claro que a doenca e o sofrimento como tais


ou em si nao tém valor; por isto estaráo abolidos na vida defi
nitiva. É importante que se diga isto para afastar da mensa-
gem crista toda atitude masoquista. Faz-se mister, porém, re-
conhecer que, assumida como expressáo de amor a Deus e
repudio ao egoísmo e ao pecado, a doenca se torna salutar (pre
cisamente em virtude do amor que ela aviva e intensifica).

O doente que, com amor e entrega, viva a sua doenca,


testemunha, aos olhos do mundo, que a realizacáo humana
essencial nao depende da posse da saúde ou dos bens mate-
riais, mas depende, antes do mais, de sincero amor a Deus e
ao próximo. Tal enfermo ilustra, de maneira muito significa
tiva, a bem-aventuranga dos pobres. Por isto o doente pode
tornar-se profeta para os homens sadios; com efeito, se os
enfermos devem aos sadios a possibilidade de sobreviver e
lutar, os sadios eneontram nos docntes heroicos um estímulo
poderoso para continuar a lutar. Sob tal aspecto, o enfermo
se assemelha ao «mártir» (testemunha até a morte). — O se-
gredo da fortaleza do enfermo estará sempre na sua atitude
de oracáo e de oferta ñas máos de Deus; é na .uniáo com Cristo
e com o Pai que o doente se encoraja todos os dias ou a todos
os momentos, seguindo assim a exortacáo de Sao Tiago:
«Sofre alguém dentre vos um contratempo? Recorra á oracáo»
(Tg 5,13).

Em conclusáo, verifica-se que, embora a doenca seja con


traria á natureza e aos anseios do ser humano, ela pode ser
transformada em valor, desde que acolhida em uniáo com
Cristo; perde o seu sinal negativo ou de destruigáo para rece-
ber a marca luminosa da transcendencia e da salvacáo. Como
se compreende, tal transfiguracáo da molestia dependerá da
atitude de fé e de amor do paciente sustentado pela graga de
Cristo.

Passemos agora ao estudo do sacramento da Uncáo dos


Enfermos.

— 32 —
Que sentido tem

a uncao dos enfermos ?

Em síntese: O sacramento da Ungáo dos Enfermos nao é reser


vado aos casos de morte, mas aos de doenca grave. Deve-se procurar
fazer que o doenle, devidamejite preparado, o receba com a consciéncia
lúcida, acompanhando o rito, e cercado de familiares e amigos, represen
tantes da comunidade eclesial. Os efeitos do sacramento sSo tanto de
ordem espiritual como de ordem corporal, pois beneficiam o homem lodo.
é para desejar que, sendo possível, o sacramento seja administrado
durante a celebracáo eucarística em ambiente pascal de confíanca e es
peranza.

Os fundamentos bíblicos do sacramento da Uncáo dos Enfermos sao


os textos de Me 6,7.12s (insinuacáo do sacramento) e Tg 5,14s (pro-
mulgacSo do mesmo). Na historia do sacramento notam-se diversos enfo
ques sobre a Uncao dos Enfermos: a principio, enfatizavam os cristios a
cura ou o alivio do corpo; a partir do século IX, para evitar qualquer
perigo de supersticáo curandeira, acentuou-se mais o efeito de perdoar
os pecados e preparar o enfermo para o transe final (daf o nome de
Extrema UncSo, que prevaleceu a partir do século XII). Finalmente o
Concilio do Vaticano II afirmou o caráler salvifico do sacramento em
relacáo ao homem tomado como um todo composto de corpo e alma.

Comentario: O sacramento da Ungáo dos Enfermos


(UE), outrora dito Extrema Ungab, suscita alguns problemas
ao estudioso. Nem sempre é bem compreendido, pois acontece
seja reservado para os derradeiros momentos dos enfermos,
quando estes, já inconscientes, nao podem acompanhar o rito
sacramental. Dai a importancia de se exporem claramente
1) as bases bíblicas do sacramento da UE, 2) algo da res
pectiva historia e, por fim, 3) a doutrina hoje proposta pela
Igreja.

1. As bases bíblicas

Percorrendo os escritos do Novo Tstamento, o Concilio


de Trento declarou que o sacramento da UE é insinuado em
Me 6,13 e promulgado em Tg l,14s (cf. Denzinger-Schónmet-
zer, Enquirídio 1695. 1716) '. Examinemos, pois, os textos
citados.

1 Doravante, apenas DS.

— 33 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

1.1. Me 6,13

Jesús se mostrou sempre muito solícito para com os en


fermos, intervindo mesmo milagrosamente em seu favor. Ele
confiou tal solicitude aos seus discípulos, de tal modo que S.
Marcos pode escrever:

"Jesús chamou os doze, comecou a enviá-los dois a dols e deu-lhes


poder sobre os espiritas impuros... Eles parüram e pregaran) a peniten
cia, expulsaran! numerosos demonios, ungiram com óleo mullos doentes
e ós curaram" (Me 6, 7.12s).

O texto vem a ser especialmente significativo, porque,


entre os paralelos existentes no Novo Testamento, é o único
que menciona a ungáo com óleo 1 feita sobre os enfermos. Cf.
Mt 10, 1.8; Le 9, ls.6.

A solicitude pelos doentes nao seria apanagio apenas de


Jesús e de seus ¡mediatos discípulos, mas o Senhor a quis con
fiar igualmente á Igreja através dos séculos, como se lé no
final de Sao Marcos :

"Jesús disse aos Apostólos: 'Ide por todo o mundo, proclama) o


Evangelho a toda criatura... Estes sao os sinais que acompanharáo os
que liverem acreditado: imporSo as máos sobre os enfermos, e estes
f¡carao curados'" (Me 16, 15.17s).

É de notar, porém, que Jesús nao veio instituir urna so-


ciedade de medicina religiosa. As curas de enfermos que Ele
realizou e que seus discípulos podem realizar, sao, antes do
mais, sinais da salvagáo messiánica trazida por Cristo; Bao
um reconforto físico, que é penhor da plena restauracáo do ser
humano a ser obtida na consumagáo da historia.

1.2. Tg 5, 14s

Os reformadores protestantes (século XVI) e os moder


nistas (século XX) quiseram negar o sacramento da UE, ale
gando falta de base bíblica para o mesmo. Eis por que o Con
cilio de Trento (e, por ele, a S. Igreja) houve por bem formu
lar a interpretagáo oficial do texto de Tg 5,14s. A doutrina

' O uso do óleo no Antigo Testamento tinha múltiplo significado:


entre outros, registra-se o de cura e purificacáo: cf. Lv 14,10-32. Nos
escritos rabínicos aparece como remedio contra feridas, erupcoes da pele,
dores de cabeca... Em Le 10, 34 o bom samaritano aplica vloho e óleo
ás chagas do seu próximo caído na estrada.

— 34 —
A UNCAO DOS ENFERMOS 35

oficial assim proposta se deriva nao sonriente do texto bíblico


considerado em si, mas também da tradicáo apostólica que por
via oral e pela vivencia da Igreja se foi difundindo através dos
séculos. Cf. DS 1695.

Eis o texto de Sao Tiago :

'Wlguém dentre vos está doenle? Mande chamar os presbíteros da


Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor.
A oracio da fé salvará o doente e o Senhor o pora de pé; e, se tiver
cometido pecados, estes Ihe serio perdoados" (Tg 5,14s).

A estes dizeres do Apostólo podem-se fazer as seguintes


observagóes :

1) Sao Tiago representa a corrente tradicional do judeo-


-cristianismo. Foi bispo de Jerusalém e guardou, quanto pos-
sível, os costumes da piedade judaica. Por conseguinte, nao
pode ser tido como ¡novador. O que ele refere a respeito do
tratamento religioso dos enfermos, nao pode ser considerado
como produto da sua iniciativa própria, mas, sim, como cos-
tume já corihecido e posto em prática na sua época.

2) S. Tiago fala de doentes que nao podem procurar os


presbíteros da Igreja, mas chamam a estes — o que supóe
doenga seria.

3) A fungáo dos presbíteros é a de ungir com óleo e


orar em nome do Senhor. O texto grego, traduzido por orem
sobre ele, insinúa imposicáo das máos.

4) A ungáo é praticada em nome do Senhor juntamente


com a oracáo. Isto significa que nao tem em si eficacia pró
pria, mas a recebe de Cristo. Nada de mágico, portante, ocorre
no rito.

5) A ungáo assim prescrita é original se comparada com


as demais formas de ungáo praticadas no Antigo Testamento e
no judaismo. Com efeito; ela pode contribuir nao só para o
alivio do paciente, mas também para a remissáo dos pecados.

6) Em síntese, os efeitos do rito assim delineado sao tres:

há, antes do mais, um efeito de salvaba» global. A ora-


gáo realizada com fé salvará o enfermo, diz Sao Tiago. O verbo

— 35 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

grego sozein correspondente significa salvacáo do homem in-


teiro, nao raro com tónica nos aspectos religiosos e escatoló-
gicos da salvacáo ;

— reerguimcnto... O verbo grego egcirein, traduzido por


«aliviará», em muitos casos significa «levantar, reerguer, co- ■
municar forga de novo, acordar...» Este efeito é também glo
bal (presente e futuro) ;

— o perdao dos pecados, quando neccssário.

7) O texto de Sao Tiago nao faz promessa de curas mi


lagrosas. Em conseqüéncia, dir-se-á que nao tem em vista o
carisma das curas prodigiosas. A acáo dos presbíteros, deri
vada da fé, terá sempre efeitos salutares, ao passo que os
carismáticos realizam intervengóes ocasionáis, cujo efeito é
sempre e exclusivamente condicionado pela soberana graca do
Espirito Santo.

8) O v. 16 acrescenta : «Confessai, pois, uns aos outros


os vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais cura
dos». A partícula pois póe em conexáo o versículo 16 com os
anteriores. O doente é convidado a confessar os próprios pe
cados na medida em que se oponham ao bom entendimento na
comunidade; e a comunidade é chamada a sentir-se solidaria
com o estado de saúde ou de doenga dos seus membros. Tem-
-se assim urna referencia á dimensáo comunitaria da assis-
téncia aos enfermos.

O texto de Sao Tiago assim considerado nao basta por si


para garantir ao leitor que o rito outrora praticado sobre os
doentes era auténtico sacramento. Todavía tal texto lido no
contexto da historia da Igreja ou lido dentro da Igreja e da
sua Tradigño vem a ser realmente o fundamento bíblico do
sacramento. Com efeito; através dos sáculos subseqüentes os
documentos da historia atestam a Uncáo dos Enfermos prati-
cada com as características de um rito sacramental, ou seja,
de um rito que significa e comunica a salvacáo de Cristo.

— 36 —
A UNCAO DOS ENFERMOS 37

2. Os «fados da Tracfisao

Na Tradigáo crista, distinguem-se tres fases importantes.

2.1. Alé a época carolíngia (séc. IX)


A Ungáo era aplicada aos doentes de todos os tipos, desde
os casos de simples indisposigáo até os de molestia propria-
mente dita, incluidos os males crónicos como a surdez, a ce-
gueira, a paralisia... Em suma, nao era restrita as doengas
graves; acontecía mesmo que, quando o doente se achava pró
ximo á morte, se lhe dava apenas o viático (Eucaristía). A
ungáo era feita sobre qualquer parte do corpo, especialmente
sobre a que estivesse sofredora. Podiam também os cristáos
beber o óleo sagrado, em vez de espargi-Io sobre o corpo. Na
Gália, acrescentava-se ao rito a imposigáo das máos.
2.2. Alé o Concilio do Vaticano II (1962-65)

Os efeitos da ungáo mais colimados era o revigoiamento


físico e a cura corporal, encontrando-se também em alguns
textos mengáo da remissáo dos pecados. A énfase atribuida aos
beneficios corporais do sacramento podia levar a mal-entendi
dos, ou seja, á identificagáo do mesmo com as práticas da
magia paga. Este perigo foi oportunamente percebido pelos
doutores da Igreja, que, em conseqüéncia, passaram a realgar
os efeitos espirituais da ungáo. A partir do século IX, a ungáo
se concentrou sobre os órgáos dos cinco sentidos nao por se
presumir estarem doentes, mas porque eram tidos como veí-
culos do pecado.

Em conseqüéncia da nova énfase atribuida -á remissáo dos


pecados, o sacramento foi associado ao perigo de morte ou
aos casos de doenga grave; daí a designagáo de extrema, ungáo
ou unfSoí dos moribundos, que se tornou habitual no século XII.

2.3. Após o Vaticano II


Estas concepgóes ficaram em voga até o Concilio do Va
ticano II. Este houve por bem rever a Liturgia dos sacramen
tos. Em conseqüéncia, o novo Ritual apresenta o sacramento
com o nome de Ungalo dos Enfermos em vez de Extrema Uncáo;
é destinado «aos fiéis cujo estado de saúde se acha seriamente
comprometido por doenga ou por velhice» (n* 8); por conse-
guinte, nao supóe necessariamente grave perigo de morte. O
novo Ritual prevé mesmo que o destinatario possa ir á igreja
receber o sacramento e tenha condigóes de compreender, res
ponder e participar. A Ungáo, de preferencia, seja adminis-

— 37 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

trada durante a celebrado da S. Eucaristía. Quanto aos efei-


tos, assinala-se a graca do Espirito, que reergue o enfermo na
sua situacáo de crise atendendo tanto as necessidades corpo-
rais como as espirituais do paciente:

"Este sacramento confere ao enfermo a graca do Espirito Santo,


que contribuí para o bem do homem todo, reanimado pefa confianca em
Deus e fortalecido contra as tantanes do maligno e as aflicoes da morte,
de modo que possa nSo sonriente suportar, mas combater o mal, e con
seguir, se for conveniente á sua salvacSo espiritual, a própria cura. Este
sacramento proporciona também, em caso de necessidade, o perdáo dos
pecados e a consumacao da penitencia crista" (Ritual da Uncáo dos
Enfermos, n? 6).

Por conseguinte, a Uncáo nao visa diretamente á remis-


sáo dos pecados (que é efeito específico do sacramento da Pe
nitencia), nem tem em mira diretamente a agonia e a morte,
mas, sim, o estado de detenga em que se encontré o cristáo.

Vejamos, pois, as conclusóes que em nossos dias se podem


depreender dos documentos da Igreja no tocante á adminis-
tracáo da Ungáo dos Enfermos.

3. Un;ao dos Enfermos : linhas dbufrinárias *

Destacaremos cinco linhas principáis:

3.1. UE: sacramento dos enfermos e nao dos moribundos

O Concilio do Vaticano II levou a repensar a historia do


sacramento da UE: esta outrora era administrada aos enfer
mos em geral; depois foi reservada aos moribundos apenas...
Hoje, procurando a justa síntese, notam os teólogos que o
sacramento compete nao propriamente aos que estejam por
terminar a vida, mas aqueles que sofrem de doenga grave ou
se véem seriamente ameagados pela velhice.

Diz o novo Ritual da UE:

"Esta sagrada Ungáo deve ser conferida com todo empenho e cuidado
aos fiéis que adoecem gravemente por enfermidade ou velhice" (rfi 8).

i Na elaboracáo dos dizeres subseqüenles, valemo-nos amplamente


da obra de Calisto Vendrame: A uncao dos enfermos. Ed. Paulinas 1974.

— 38 —
A UNCÁO DOS ENFERMOS J?

A gravidade da doenga será julgada segundo criterios de


prudencia e probabilidade:

"Para avaliar a gravidade da doenca, basta que se tenha da mesma


um julzo prudente ou provável, consultando-se o médico, se for o caso,
para remover, com sua opiniao, qualquer dúvida" (n? 8).

O mesmo Ritual considera péssimo o costume de protelar


o sacramento:

"Na catequese comum ou familiar os fiéis sejam instruidos a pedirem


eles próprios a Uncáo, de modo que possam, sendo-lhes dada sem
demora e em tempo oportuno, recebé-la com toda fé e devogao, sem
descambar no péssimo costume de protelar o sacramento" (n? 13).

É importante ainda notar que «a sagrada Ungáo pode ser


dada aos doentes privados dos sentidos ou do uso da razáo,
desde que se possa crer que provavelmente a pediriam se esti-
vessem em pleno gozo das suas facilidades» (n* 14). Contudo
o sacerdote chamado para assistir ao enfermo que já tenha
falecido, reze a Deus por ele, a fim de que o absolva de seus
pecados e o receba misericordiosamente em seu Reino; nao
lhe administre, porém, a sagrada Uncáo. Se houver dúvidas
quanto á morte, visto que existem diversos graus de coma e,
além do mais, é legítimo distinguir entre morte aparente, morte
clínica e morte real", o sacerdote poderá administrar a Ungáo
sob condigáo («se estás vivo...»).

3.2. Sacramento de salvajao total

A Ungáo dos Enfermos proporciona alivio e soerguimento


ao paciente tanto no plano físico como no espiritual. As partes
do corpo ungidas sao a fronte, que lembra o cerebro e o pen-
samento, e as máos, que sao os instrumentos da agáo; desta
forma o homem é atingido na totalidade do seu ser, que
pensa e age.

i Morte aparente nao é morte, mas estado de coma, que pode ceder
a recuperacio do paciente. .
Morte clínica é a que o médico atesta após haver averiguado devi-
damente os síntomas de cessacao da vida da pessoa, podendo haver em
alguns casos reativacSo do paciente.
Morle real é o estado de total cessacao da vida, após o qual nao
há recuperacao do paciente. Entre a morte clínica e a morte real pode-se
admitir um lapso de algumas horas (menos horas se o paciente estava
gravemente enfermo, mais horas se foi colhido por um desastre no pleno
exerclcio da sua vitalidade).

— 39 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 260/1982

Quem só esperasse o perdáo dos pecados deveria ser enca-


minhado ao sacramento da reconciliagáo e quem só buscasse
um remedio para a saúde corporal, deveria ser orientado para
o médico. Alias, a Ungáo dos Enfermos deve ser recebida após
o sacramento da Penitencia e o da Eucaristía sempre que o
paciente tenha condigóes de se confessar. A UE nao supre
a Penitencia sacramental, quando esta seja possível, mas
supóe-na.

3.3. Sacramento da fé

Os sacramentos da Igreja sao sacramentos da fé, isto é,


supóem fé, sem a qual eles nao tém propósito. É, pois, neces-
sário que, ao instruir os fiéis a respeito da UE, os sacerdotes
e catequistas acentuem que se trata de um encontró do homem
de fé com Deus em Cristo, encontró que exige da parte do
enfermo urna atitude pessoal, consciente e livre. Por isto o
novo Ritual observa:
"A Sagrada Un$áo pode ser dada aos doentes privados dos sentidos
ou do uso da razio desde que se possa crer que provavelmente a pedi-
riam, se eslivessem em pleno gozo das suas facilidades" (rr? 14).

Donde se vé que nao se devem ungir, sem mais, os enfer


mos inconscientes como se o sacramento tivesse atuagáo má
gica ou produzisse os seus efeitos independentemente das dis-
posigóes do destinatario. Dado que urna pessoa gravemente
enferma tenha levado vida avessa a Deus, sem mostrar inte-
resse pelos valores da fé, nao parece oportuno administrar-lhe
o sacramento a menos que tal pessoa o pega ou dé algum sinal
(ainda que vago) de querer aproximar-se de Deus.

Se nao puder administrar a UE por falta do requisito da


fé, o sacerdote recomendará a Deus o paciente mediante ora-
góes 'á sua cabeceira com a parücipagáo (se posssível) dos cir
cunstantes ; explicará a estes o porqué de sua atitude caute
losa, a fim de evitar escándalo, enfatizando que os ritos sagra
dos supóem fé explícita ou, ao menos, implícita e indireta-
mente manifestada.

3.4. Sacramento da comurádade crista

Comenta o Pe. Calisto Vendrame :

"Como conseqüéncia de idéias erróneas sobre a natureza e a fina-


lidade da UE, a administracáo deste sacramento era reduzida a um rito
de caráter privado... Nos hospitais, nao é raro receber, da parte de

— 40 —
A UNCAO DOS ENFERMOS 41

familiares pouco familiarizados com os sacramentos, conviles a este dis-


farce: 'Dé um jeitinho para que ele nao perceba, padre. Ele podena
espantar-se e nao aceitar porque ele nunca foi fanático'" (A unySo dos
enfermos, p. 42).

O novo Ritual da UE enfatiza a participagáo da comui-


dade na administragáo do sacramento; ao menos parentes e
amigos sejam chamados a tomar parte na celebragáo :
"O enfermo que nao esteja de cama poderá receber o sacramento
na igreja ou em outro lugar conveniente, onde haja para ele urna cadeira
adequada e possam reunir-se ao menos parentes e amigos que tomem
parte na celebracáo" (n? 66).

Prevé-se mesmo a administragáo do sacramento durante


a celebragáo da Eucaristía :
"Quando o estado do enfermo o permitir, e sobretudo se val rece
ber a sagrada Comunháo, a Uncáo poderá ser conferida na Missa, tanto
na igreja como, com permissáo do Ordinario, em casa do doente ou no
hospital, em lugar adequado" (n? 80).

Admite-se mesmo que a UE seja administrada em gran


des concentracóes de fiéis tais como peregrinacóes e Congres-
sos de algumá diocese, cidade, paróquia... O bispo local ou
seu delegado presidirá eventualmente á celebragáo, cercado de
sacerdotes especialmente dsignados para tanto (cf. n» 83s).
Assim toda a comunidade próxima ao enfermo testemunhará
a sua solidariedade e o seu amor cristáo ao irmáo padecente.

3.5. Sacramento da' esperanza

O costume de adiar a UE para os últimos instantes da


vida acabou cercando este sacramento de um ambiente fúne
bre, que por vezes se assemelha a cerimónia de velorio. Vem
a ser o último adeus, com a presenga obrigatória do ministro
do culto, que é deixado a sos com o agonizante a fim de o
preparar para a grande viagem, enquanto, fora do quarto,
aguarda o grupinho de familiares acabrunhados e de olhos
vermelhos.

Ora os fiéis católicos háo de se convencer de que a UE é


o sacramento da salvagáo e, por isto, é motivo de esperance
apta a dissipar abatimento e desespero. O novo Ritual men
ciona o ambiente de celebragáo do sacramento nos seguintes
termos :

"Tenha-se o cuidado de favorecer a plena participacáo dos assis-


tentes prevendo sobretudo cánticos oportunos, que favorecam a uniao
dos fiéis, animem a oracáo comum e manilestem a alegría pascal que
deve ressoar nesse rito" (n? 85').

— 41 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

Como se vé, o texto preconiza «alegría pascal», ou seja,


aquela alegría que jorra da consdéncia de que, para o cristáo,
a morte nao é morte, mas é passagem para a ressurreicáo e
a plenitude da vida.
Imp6e-se ainda a abordagem de importante tópico.

4. Ressurreisao : quando ?

Ha quem procure esclarecer os familiares de um defunto


dizendo-lhe que a ressurreigáo se dá logo após a morte. Con-
seqüentemente a Missa de corpo presente e a de sétimo ou
trigésimo dia é dita «Missa da Ressurreicáo».

A propósito convém observar:

A S. Escritura dá a entender que a ressurreicáo dos mor-


tos ocorrerá no fim dos tempos, quando Cristo vier a julgar
todos os homens:
"Como todos morrem em Adáo, assim em Cristo todos ressuscitaráo.
Cada qual, porém, na sua ordem: primeiro Crislo, que é a primicia;
depois, á sua vinda, os que pertencem a Cristo" (1Cor 15, 22s).
"Quanto a nos, a nossa cidadania encontra-se nos céus, donde
aguardamos o Salvador, o Senhor Jesús Cristo. Ele entáo transformará o
nosso corpo mfserável, tornando-o sepielhante ao seu corpo glorioso, em
virtude daquele poder com que pode sujeitar ao seu dominio todas as
coisas" (Fl 3,20s).

Esta concepcáo levou os teólogos a afirmar que, por oca-


siáo da morte da pessoa, a alma se separa do corpo; este se
deteriora na térra e a alma colhe os frutos do que tenha se-
meado durante a vida terrestre: a perfeita uniáo com Deus
(o céu, precedido eventualmente pelo purgatorio) ou o defini
tivo afastamento de Deus (o inferno). No fim dos tempos,
Deus reunirá á materia a alma que tiver subsistido sem corpo,
de modo que se reconstituirá o composto humano ; dar-se-á
assim a ressurreicáo.

Esta doutrina tem suscitado objecóes da parte de auto


res dos últimos decenios. Alegam que a tese de «corpo e alma»
(alma separável do corpo) tem sabor dualista, platónico, o
que nao condiz com a antropología bíblica; esta seria monolí
tica, nao conhecendo separacáo de alma e corpo. Em conse-
qüéncia, ensinam que o homem morre todo e, para que nao
naja um hiato na existencia da pessoa, Deus ressuscita ime-
diatamente o falecido; no fim dos tempos, haverá a eonsu-
macáo deste fato, quando toda a natureza participar dos be
neficios da redengáo trazida por Cristo (cf. Rm 8, 20-22).

— 42 —
A UNCAO DOS ENFERMOS 43

Ora tal tese carece de fundamento tanto na S. Escritura


como na Tradieáo. Nao se pode dizer que a Biblia professe
determinado tipo de antropología: assim como há traeos de
antropología semítica nos livros mais antigos, também há tra
gos de antropología grega nos escritos mais recentes da Biblia
(cf. Sb 2-5). Por conseguinte, nao tem valor o recurso á «an
tropología bíblica semita». Na verdade, o que leva muitos au
tores contemporáneos a adotar a nova concepeáo escatológica,
é a alegacáo de que a tose de «alma separável do corpo» é
de índole dualista ou platónica: ora o Cristianismo nao aceita
o dualismo; por consseguinte, dever-se-á adotar o monismo ou
a tese da náo-distinclo real de corpo e alma...

A propósito observamos que entre dualismo e monismo


há meio-termo: a dualidade. Dualismo significaría oposigáo ou
antagonismo entre corpo e alma, ao passo que dualidade im
plica real distingáo de dois termos que nao se repelem, mas,
ao contrario, se complementan! mutuamente. Pois bem; corpo
e alma, segundo a clássica doutrina crista (que nao há razáo
para desdizer), constituem urna dualidade, isto é, dois elemen
tos complementares distintos um do outro, mas feitos para se
unir harmoniosamente. Donde se vé que nao há por que rejei-
tar a distincáo real entre corpo e alma como se implicasse dua
lismo platónico ou maniqueu.

Ademáis é preciso evitar mal-entendidos a respeito da ex-


pressáo «vida eterna». Esta significa, a rigor, vida sem comeco
e sem fim ou posse simultánea de toda a existencia do pujeito.
Ora só Deus é eterno. O ser humano, após a vida temporal,
nao se torna eterno; a sua existencia nao é avaliada pelos cri
terios da eternidade, porque a alma tem comeco, mas nao terá
fim. A existencia do ser humano, após esta vida temporal, é
aferida pelos criterios do evo, que se define claramente atra-
vés do seguinte quadro :

Tempo: implica existencia que tem comeco e fim ;


mutabilidade no ser,
mutabilidade no agir.

Evo: existencia que tem comeco, mas nao tem fim;


imutabilidade no ser,
mutabilidade no agir.

Eternidade: existencia sem comeco e sem fim ;


imutabilidade no ser,
imutabilidade no agir.

— 43 —
44 ' «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

O evo é, pois, a existencia de quem nao muda em seu ser,


isto é, nao conhece corrupgáo de sua natureza ou nao conhece
morte, mas muda em seu agir, pois nao esgota as suas virtua
lidades em um só ato (exerce atos sucessivos que constituem
a trama do seu agir).

A eternidade nao conhece mutabilidade alguma, pois Deus


nao evolui e exerce toda a sua atividade num só ato (que é
perfeito ou cabal).

O tempo implica mutabilidade no ser e no agir, pois tudo


o que é temporal comega e acaba.

Na base de tais observacóes, verifica-se que é erróneo


dizer que a alma humana, deixando este mundo, entra no re-
gime da eternidade e, por isto, nao tem mais que esperar o
juízo final e a ressurreicáo dos corpos. Nao; a alma humana,
mesmo separada do corpo após a morte, conhece a sucessáo...
ou exerce o seu agir de maneira sucessiva (ato após ato).

Sao estas reflexóes que levam a rejeitar a tese da ressur


reicáo do homem logo após a morte e a ambigua expressáo
«Missa da Ressurreicáo».

Em sintese: o valor da UE, pouco e mal conhecida em


nossos dias, deve ser restaurado na consciéncia dos fiéis cató
licos. Tenha este sacramento entrada na espiritualidade dos
nossos enfermos, de modo a ser o que realmente deve ser:
alivio da alma e do corpo, e nao a triste despedida de quem
está prestes a deixar este mundo. É para desejar que se difunda
no povo de Deus urna consciéncia pascal, ou seja, confiante e
otimista, do que sao a doenga, o sofrimento e a morte (= pas-
sagem para a plenitude da vida). Na proporcáo em que essa
consciéncia for tomando vulto, os cristáos seráo ainda mais
cristáos, pois mais estruturados pelo misterio da Páscoa.

Bibliografía:
ALBERTON, M., Un sacremertt pour les malades dans le contexte
actuel de la santé. Ed. Centurión, Paris 1978.
CNBB, Sofrer em Cristo Jesús. Espirilualidade do enfermo. Estudos
da CNBB rr? 26. Ed. Paulinas, Sao Paulo 1981.
GOZZELINO, G., L'unzlone degli infermi. Ed. Marietti, Torino 1976.
MASIP. V., A encruzilhada do doente. Ed. Loyola, Sao Paulo 1980.
ORTEMANN, C, A forja dos que sofreír». Ed. Paulinas, S. Paulo 1978.
REVISTA DE CATEQUESE, Ano 2, tfi 7, julho-setembro 1979: Uncáo
dos Enfermos, Sacramento da Esperanca Crista.
VENDRAME, C, A Uncáo dos Enfermos. Ed. Paulinas, S. Paulo 1974.
VIDA PASTORAL, n? 97, ano XXII, margo-abril 1981.

— 44 —
O Sínodo Mundial dos Bispos falou sobre

a familia hoje

E/n síntese: O presente artigo apresenta proposic6es aprovadas


pelo Sínodo Mundial dos Bispos em outubro 1980 e levadas ao Santo
Padre Jo§o Paulo II como subsidios para a elaboraglo de uma ExortacSo
Apostólica sobre a Familia no mundo de hoje, á semelhanca da Exorta-
cáo sobre "Catequese hoje". Tais proposicdes reafirmam grandes ver
dades da fé e da moral católicas referentes ao amor, ao casamento sacra
mental uno e indissolúvel, á preparacáo para o matrimonio e ás relacOes
pré-matrimoniais, á educacao dos filhos, á espiritualidade da familia...
Ao mesmo lempo, o texto em pauta leva em conta as diflceis situacóes
em que se acha a familia contemporánea e propfie o estudo de medidas
pastorais aptas a apoiar os fiéis católicos e os lares cristáos na procura
de (idelidade ás leis de Deus sancionadas pela Igreja.

Comentario : De 26/09 a 25/10/1980 reuniu-se em Roma


mais um Sinodo de Bispos, ou seja, de 206 Bispos, represen
tantes do episcopado do mundo inteiro. O tema de estudos de
tal encontró tinha por título «As tarefas da familia crista no
mundo de hoje». Ao terminar suas sessoes, os padres sinodais
entregaram ao S. Padre Joáo Paulo II um conjunto de qua-
renta e tres proposigóes, a fim de que, «no momento que jul-
gar oportuno, aprésente á Igreja universal um documento so
bre as tarefas da familia crista, como já fizera pela Exortaeáo
Apostólica Catoches! Tradendae após o Sínodo de 1977» (pro-
posicáo 1).
Visto que tais proposicóes contém respostas precisas para
a problemática da familia levantada em nossos dias por Bispos
provenientes de todas as partes do mundo, julgamos oportuno
divulgar o texto das principáis proposicóes de tal catálogo,
acrescentando-lhe alguns comentarios, na expectativa de nova
Exortacáo Apostólica emanada diretamente da pena do S.
Padre, desta vez sobre a Familia.

I. O TEXTO SINODAL

FÉ E SACRAMENTO

Proposigao 12

«1. O sacramento do matrimonio, como os oufros sacramen


tos, nao somente supóe a fé, mas também a alimenta; fortalece e
exprime-a (cf. SacrosaneJusn Concilium 59). Por isto é necessário

— 45 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

examinar de que maneira é exigida, para a validade deste sacra


mento, a fé dos nubentes como expressdo da Alianca e atualizacao
consciente e pessoal da vocacao batismal.

2. é claro que a fé nao existe se ela é formalmente re-


jeitada.

Mas o próprio pedido de casamento é sinal suficiente da fé,


se ele se apoia em motivos realmente religiosos. Todavía, como a
celebracao do sacramento é, em alguns lugares, considerada como
convencáo social antes que como acontecimento religioso, parece
que se tornam necessários, da parte dos futuros esposos, sinais mais
significativos de fé pes:oal.

3. Sejam avallados o grau de maturidade de fé e a cons-


ciéncia que tém os futuros esposos de fazer o que faz a lgre¡a. Esta
inrencáo, exigida para a validade do sacramento, nao parece existir
onde nao hoja ao menos a ¡ntencao mínima de crer também com
a Igreja, com a sua fé batismal. Evitem-se neste particular tanto o
rigorismo como o laxismo; em toda a medida do possívef, se¡a forta
lecida a fé titubeante. Sejam aseguradas urna catequese dinámica
e urna preparacáo adequada ao casamento, com a colaboracáo da
comunidade, em vista da progressiva maturacao da fé nos futuros
esposos e da frutuosa recepcao do sacramento.

4. Examine-se mais seriamente se a afirmacao segundo a


qual um casamento válido entre fiéis balizados é sempre um sacra
mento, se aplica também aqueles que perderam a fé. A seguir, de-
duzam-se as conseqüéncias jurídicas e pastorais. Mais : é preciso
procurar saber quais sao os criterios pastorais que permitem discernir
a fé existente nos futuros esposos; procure-se também saber em
que medida, na ¡ntencao de fazer o que faz a Igreja, deve haver,
em grau mais ou menos elevado, urna ¡ntencao mínima de crer
também com a Igreja.

5. Sejam reafirmadas as conseqüéncias de unidade e indisso-


lubilidade peculiares ao matrimonio natural, isto é, ao matrimonio
dos que nao sao balizados. A nova legislacáo canónica leve em
conta o que está contido nesta proposicao (12a.) com respeito á
necessidade da fé.

— 46 —
FAMILIA HOJE 47

INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO E DIVORCIO

Proposifóo 13

1. O Sínodo reafirma a doutrina da indissolubilidade do ma


trimonio ratum et consummatum l entre dois cristáos. Aqueles que
¡ulgarr. difícil assumir hoie em dia compromissos definitivos, o Sínodo
recordó a Boa-Nova referente á fidelidade do amor que encontró
no Cristo Jesús a sua forca e o seu fundamento (cf. Fl 1,6; 2Cor 1,8).

2. A indissolubilidade do matrimonio tem suas raizes e seo


apoio na doacao pessoal e total dos cónjuges, que é o fruto, o
sinal e a exigencia do irreversível amor de Deus ao seu povo e da
fidelidade de Cristo á lgre¡a. Com efeito, o dom sacramental é, ao
mesmo tempo, urna vocacao e um preceito .que se dirigem ó liber-
dade responsável dos esposos, a fim de que fiquem sempre fiéis
um ao outro segundo a palavra: «Nao separe o homem o qve
Deus uniu» (Mt 19,6).

3. O Cristo, que restaurou o plano original de Deus Criador


inscrito no coracño do homem e da mulher, ajuda a fraqueza humana
dos esposos mediante a graca sacramental, a fim de que triunfem
da dureza de coracáo e oferecam aos homens o tesfemunho de
amor indissolúvel.

4. £ preciso louvar os mui numerosos esposos que, embora


postos diante de grandes dificuldades, dao testemunho, em sua
própria vida, da indíssolubilidade do casamento, é preciso enfatizar
também o valor do testemunho daqueles que, animados pela fé e
a esperance cristas, embora tenham sido abandonados por seu
cónjuge, nao tentaram contrair novo matrimonio. Uns e outros sao
testemunhas auténticas da fidelidade de que o mundo de hoje pre
cisa, e devem ser ajudados pelos pastores e os fiéis da lgre¡a.

5. Por motivo da dignidade intrínseca do casamento e no


momento em que mais e mais aumenta o número de lares destruidos
e de declaracóes de nulidade, é urgente insistir na instrucao e na
formacáo adequadas dos futuros esposos, de modo que possam
reconhecer a indissolubilidade da oníáo sacramental e contrair casa
mento com a maturidade necessária. Solicita-se instantemente ás
Conferencias Episcopais, introduzam modalidades de preparacao ao

'Contraído e consumado (carnaimente).

— 47 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

casamento que permitan) aos futuros esposos tomar mais profunda


consciéncia da importancia da sua decisao e aos pastores porsibili-
tem estar seguros das adequadas disposicoes dos futuros esposos.

Proposigáo 14

1. Se bem que a lgre¡a tenha sido fundada .para levar todos


os homens e, em prímeiro lugar, os fiéis balizados pelo caminho da
salvacáo, Ela nao pode abandonar aqueles que, embora unidos pelo
vínculo do matrimonio sacramental, contrairam novas nupcias (divor
ciados). Esforcar-se-á ¡ncessantemente por proporcionar a estes os
meios de salvacáo que estao á sua disposicao. Saibam, porém, os
pastores que estao obrigados, por amor á verdade, a distinguir as
situacoes. Com efeito, há urna diferenca entre aqueles que se esfor-
caram realmente por salvar o seu primeiro casamento e foram aban
donados de maneira totalmente injusta, e aqueles que, por falta
grave, violaram um casamento canónicamente válido. Enfim há
aqueles que contrairam segundas nupcias por causa da educacao
dos filhos «, por vezes, estelo, em consciéncia, subjetivamente segu
ros de que o seu primeiro casamento, irremediavelmente destruido,
nunca foi válido.

2. O Sínodo exorta os pastores e a comunidade inteira dos


fiéis a ajudar esses divorciados com solicitude
caridosa, a finí de
que nao se considerem separados da Igreja. Com efeito; visto que
sao balizados, podem e devem participar da vida da Igreja. Escurem
a Palavra de Deus, freqüentem o sacrificio da Misso, perseveren!
na oracao, participem das obras de carídade e de justica na sua
comunidade, eduquen! os filhos na fé crista; cultivem sentimentos
íntimos e praliquem obras de penitencia, a fim de que merecam um
dia a graca de Deus. Que a Igreja reze por eles e alimente os seus
espíritos; mostre-se mae misericordiosa e assim os sustente na espe-
ranca e na fé.

3. Todavía o Sínodo confirma a orática da Igreja, fundada


sobre a Sagrada Escritura, de nao admitir á Comunhao Eucarí.tica
os divorciados que se ten ha m irregularmente casado de novo. Nao
podem ser admitidos á Comunhao Eucaristica porque o seu estado
e a sua condicao de vida contradizem objetivamente á indissclubi-
lidade da alianca de amor trovada entre Cristo e a Igreja, signi
ficada e realizada pela Eucaristía. Alcm disto, aponfo-se para lanío
urna razao pastoral particular, pois os fiéis seriam induzidos a erro
e lancados em confusao a propósito da doulrina da Igreja concer-
nente á indissolubilidade do matrimonio.

_ 48 —
FAMILIA HOJE 49

4. A reconciliacóo sacramental no sacramento da Penitencia


que desse acesso á partiápacao no sacramento da Eucaristía, só
Ihes poderá ser concedida se, arrependidos de ter violado o sinal
da alianca e da fidelidade a Cristo, se abrírem de coracao sincero
a unía forma de vida que nao contradiga á indissolubilidade do
sacramento do matrimonio.

5. Procedendo assim, a Igreja esforca-se por proclamar vide-


lidade a Cristo e comportar-se maternalmente em relacao a seus
filhos, principalmente aqueles que foram abandonados sem culpa
da sua parte pelo consorte legítimo. Ao mesmo tempo a Igreja eré
com firme esperanca que seus filhos que íe afastaram do preceito
do Senhor podem obter de Deus a graca da conversño e da sal
va cao, se perseveraren! na oracao, na penitencia e na caridade.

ó. O Sínodo, na sua solicitude pastoral para com esses fiéis,


deseja que os estudiosos se entreguem a nova e mais profunda pes
quisa a respeito, levando em conta outrossim a prática das i.grejas
do Oriente, de modo a melhor por em «videncia a misericordia pas
toral.

OS CASAMENTOS MISTOS

Proposi;ao 19

1. S¡tua(áo

Em virtude do caráter sacramental do matrimonio e a fim de


favorecer a unidade conjugal, a Igreja rempre se empenhou para
que no casamento as duas partes fossem católicas. Todavía, visto
que em quase toda parte os católicos vívem geralmente em meio
a outros cristaos e a nao cristáos, nao é de estranhar que os matri
monios mistos nao somente ocorram no mundo inteiro, mas tam-
bém em muitas regioes se multipliquem segundo proporcóes cres-
centes.

Há dois tipos de casamento* mistos: os que sao contraídos


entre um cónjuge católico e um cristáo nao católico, e os que sao
contraídos com um cónjuge nao balizado.

Dificuldades particulares podem verificar-se no tocante á pró-


prla celebrando do casamento, á religiao dos filhos e á fé da parte
católica.

— 49 —
50 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

2. Revistió da legislacáo

Visto que as condicoes sao diferentes ñas diversas partes do


mundo, parece útil rever a legislacao referente aos matrimonios
mistos; atribu¡r-se-5o as Conferencias Episcopais poderes mais ampios
para fixar normas relativas a este tipo de casamento, fícando,
porém, firme a obrigacao, do cónjuge católico, de providenciar,
segundo as próprias foreas, ao Batismo e á educacao católica da
prole. Normas particulares poderáo ser promulgadas, da parte das
Conferencias Episcopais, qvando, em certas circunstancias, a fé da
parte católica se encontré em perigo. As Conferencias Episcopais
nao de mo:trar-se solicitas por proteger a fé do cónjuge católico
e por favorecer o Batismo e a educacao católica dos filhos.

3. Tutela da liberdade religiosa

Os pastores que preparam os futuros esposos para um matri


monio misto, estáo obrigados a aplicar todos os esforcos razoáveis
para que no futuro um ou oulro dos cónjuges nao exerca indevida
violencia sobre as conviccóes religiosas do consorte, ou exigindo
indevidamente a conversao deste ou pondo obstáculos á livre prá-
tica da religiáo.

4. Testemunho de vida.

É de máxima importancia que o consorte católico tenha urna


fé adulta e se torne assim credenciada testemunha da fé. Antes do
maís, deve dar tal testemunho no ámbito da familia, mediante a
qualidade do seu amor para com o consorte e a prole.

Neste setor, a parte católica terá necessidade da ojuda da


comunidade (cf. Evangelii Nuntiandi 71).

5. Aspecto ecuménico

O matrimonio misto, no qual um e outro dos cónjuges crisraos


vivem plenamente as sua; conviccóes religiosas, pode assumir um
cunho ecuménico. E oportuno promover urna boa colaboracáo entre
o ministro católico e o ministro nao católico desde a preparacao
da celebracáo do casamento.

— 50 —
FAMILIA HOJE 51

AS TAREFAS DA FAMÍLIA

TRANSMISSÁO E PROTECÁO DA VIDA HUMANA

Proposí^ao 21

O amor conjugal sendo urna participacao no misterio mesmo


da vida e do amor de Deus, á Igreja incumbe o missao particular
de proteger a dignidade do casamento e a transmissao da vida
humana, criada á imagem « semelhanca de Deus. Foi assim que o
Concilio do Vaticano II, assim como a encíclica Humanae Vitae, trans-
mitiram á nossa época urna mensagem profética afirmando clara
mente a doutrina da Igreja, sempre aniega e sempre nova, referente
ao matrimonio e á transmissao da vida humana. Este Sagrado Sí
nodo, em uniao de fé com o sucessor de Pedro, sustenta firmemente
o que foi proposto no Concilio do Vaticano II (Const. Gaudium et
Spes 50) e, mais tarde, na encíclica Humanae Vitae; em particular,
reafirma o ensinamento de que o amor conjugal ha de ser plena
mente humano, total, exclusivo e aberto a urna nova vida {cf. Huma
nae Vitae 11; cf. 9 e 12).

Proposito 22

O crescente dominio do homem sobre a natureza mediante a


técnica nao somente suscitou a esperanza de criar urna humanidade
nova e melhor, mas tem despertado outrossim um senKmento de
angustia sempre mais profunda em relacño ao futuro. Muitos per-
guntam a si memos se a vida é um bem e se nao seria melhor nao
ter nascido. Por conseguinte, indagam se é lícito chamar á vida
outros seres que correráo o risco de ser condenados a viver num
mundo cruel, cujas catástrofes nao podemos prever. Outros ¡ulgam
serem eles mesmos os destinatarios pratícamente únicos dos bene
ficios da técnica, com exclusao dos outros homens, aos quais expor
ta m copiosamente meios anticoncepcionais. A razao derradeira deste
modo de ver é a ausencia de Deus entre os homens, de um Deus
cujo amor é mais forte do que todos os possíveis terrores do mundo.
Assim surgiu urna mentalidade antinatalista {Antilife menfality),
subyacente <a muitas questóes de ho¡e. Os estudos demográficos dos
ecologistas e dos futurólogos, impregnados de exagero, ao acen
tuaren! o perigo do aumento da populacao para a qualidade de
vida, constituem também urna especie de terrorismo. Mas a Igreja

— 51 —
52 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2G0/1982

eré que a vida, mesmo débil e sofredora, é dom do Deus de bon-


dade. Contra o pessimismo e o egoísmo que acabrunham o mundo,
a Igreja se ergue em favor da vida. Em toda vida humana ela vé
o esplendor desse Sím e desse Amém que é o Cristo. Ao nao que
invade o mundo, ela opóe um sim (cf. 2Cor 1,19); e assim Ela
defende o homem e o mundo contra tudo o ,que fere a vida.

Com clareza e firmeza a Igreja proclama mais urna vez a sua


vontade de promover a vida humana por todos os meíos e de a
defender contra os perigos — trala-se da contracepcao, da esteri-
lizacáo,, do aborto, da eutanasia — que ferem a própria vida,
qualquer que seja o seu estágio ou condicao.

E por isto que háo de ser reprovadas como grave ofensa á


dignidade humana e á ¡usrica todas as atividades de algum Go-
verno ou de outra auforidade pública que tendam a limitar de
algum modo a liberdade dos cónjuges na determinacáo do número
de seus filhos. Por isto há de ser peremptoriamente condenada e
rejeitada toda pressao exercida pelas autoridades em favor da
esterilizacáo, da contracepcao ou do aborto. Da mesma forma, ñas
rclacoes internacionais é de todo condenável e injusto subordinar a
concessao de auxilio económico para o desenvolvimento a um pro
grama de contracepcao, esterilizacáo ou aborto.

Proposigao 23

O Sínodo está outrossim consciente dos numerosos e complexos


problemas com os quais se defrontam hoje os esposos em varios
países. Também nao ignora o problema demográfico da nossa
época. A consciéncia de tais problemas acarreto nova confirmacáo
áa importancia da auténtica doutrina da l.greja proposta pelo Con
cilio do Vaticano II e pela encíclica Humarme Vitae. Precisamente a
fim de que essa doutrina seja mais compreendida, se torne mais
eficaz e mais ampia mente aceita, este Sínodo lembra as palavras
do Papa Paulo VI, ao dizer que a sua encíclica 'ilumina um capí
tulo fundamental da vida pessoal, conjugal, familiar e social do ser
humano, mas que ela nao aborda de maneira completa tudo o que
diz respeito ao homem no tocante ao casamento, a familia e á
honestidade dos costumes. E este um campo ¡menso ao qval o ma
gisterio da Igreja pode e talvez deva voltar-se para propor mais
plena, orgánica e sintética explanacao1 (alocucao da 31/07/1968).

O Sínodo, portanto, convida os teólogos a unir seus esforcos


ao do magisterio hierárquico para que sejam mais claramente postos

— 52 —
FAMÍLIA HOJE 53

etn relevo os fundamentos bíblicos e as razóes personalistas da


doutrina da Igreja. Em vista disto, empenhar-se-ao para que, numa
exposicáo 'orgánica e sintética', a doutrina da Igreja referente a
este capítulo fundamental se torne realmente acessível a todos os
homens de boa vontade, seja compreendida de maneira sempre
mais profunda e assim o mandamento de Deus se cumpra sempre
mais plenamente para a salvacao do homem « o louvor do Criador.

Proposicáo 24

O Sínodo dos Bispos nao desconhece a situacao muito difícil e


realmente angustiante de tantos esposos cristáos que, apesar da
sua sincera vontade de observar as normas éticas ensinadas pela
Igreja, nao conseguem obedecer as mesmas por causa da sua fra-
queza e de dificuldades objetivas.

Na pastoral conjugal, os sacerdotes terao ante os olhos a


leí da .gradualidade. A sua pedagogia concreta deve estar em coe-
rincia com a doutrina da Igreja e jamáis há de se afastar desta.
Tal pedagogia terá por objetivo, antes do mais, levar os esposos a
reconhecer claramente a doutrina da encíclica Humanae Vifae como
normativa para o exercício da sua próprta sexualidade e a criar as
condicóes necessárias a observancia de tal norma.

A mesilla pedagogia conjugará a perseverando e a paciencia,


a coragem e a humildade assim como inteira confianza na miseri
cordia divina, pois, 'se o nosso coracáo nos acusa, Deus é maior do
que o nosso coracáo' (Uo 3,20). Por isto em tais circunstancias
nao deve haver nem temor nem angustia, mas um amor que afugenta
o temor.

Tal pedagogia abrange a vida conjugal por inteiro. O dever


de transmitir a vida inseré-se numa vísao global da vida matrimo
nial, familiar e social, e até numa visao global de toda a vida
crista, que nao pode chegar á ressurreicao sem a cruz. Em tal
contexto compreende-se que o sacrificio nao possa ser afastado da
vida familiar e — mais aínda — que deva ser aceito do fundo do
coracáo para que assim o amor famliar se torne mais profundo. A
continencia, que há de ser considerada como urna atitude positiva
da virtude da castidade no quadro da sexualidade, convém, segundo
o caso, tanto aos cónjuges quanto as pessoas .que nao estao liga
das pelo casamento. Assim o mutuo dom dos esposos torna-se sem
pre mais humano e mais auténtico; tornam-se realmente 'urna só

— 53 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

carne'. Esse caminhar comum exige reflexao, informacao e prepara-


cSo apropríadas dos sacerdotes, dos Religiosos e dos leigos com
prometidos na pastoral familiar; antes do mais, dever-se-á levar em
conta a necessidade de urna pedagogía que possa acompanhar os
esposos na sua trajetória humana e espiritual. Este caminhar inclui
a consciéncia do pecado, o desejo de observar a lei (que nao
é um mero ideal para tempos vindouros) e o ministerio da recon-
ciliacáo.

E necessário estarem todos conscientes de que no ato conjugal


as vontades de duas pessoas estáo implicadas e cada qual se deve
adaptar ao comportamento e as opinioes da outra — o que muitas
vezes exige paciencia, compreensao e tempo.

Observando esta lei da gradualidade, nem o sacerdote nem os


esposos admitirao urna falsa dicotomía entre a doutrína e a prática
pastoral, roas procurarao atingir a plenitude de urna fé adulta, com
a mesma paciencia de que o Senhor deu pravas a nosso respeito.

Faz-se misler cuidar cíosamente de que os sacerdotes tenham


unidade de ¡ulgamento a fim de nao criar para os fiéis crises de
consciéncia.

Proposicao 25

£ necessário efetuar urna pesquisa mais aprofundada, ampia


divul.gacao de informacóes e esforco mais decidido de educacao
— acessível principalmente aos pobres — a fim de difundir mais
largamente os métodos naturais, científicamente bem estudados, de
regulacáo da natalidade, que sejam conformes tanto á dignidade
humana como á doutrina da Igreja. Trata-se, com efeito, de autén
tica educacao que considera a pessoa humana com todas as suas
exigencias.

O ENCARGO DA EDUCACAO

Propos¡$ao 26

1. A tarefa educadora da familia tem suas raízes na vocacño


primordial dos cónjuges a participar da obra da criacao. Esta tarefa,
por efeito do sacramento do matrimonio, tona-se também partici-

54
FAMILIA HOJE 55

pacóo da obra redentora de Cristo. £ por Uto que urna familia de


pessoas balizadas, sendo como que urna igrefa doméstica convo
cada pela Palavra de Deus, pela fé e pelo sacramento do Batismo,
vem a ser, de certo modo, também máe « mestra.

2. A tarefa de educar é essencial, originaria e prioritaria;


decorre do fato de que o termo da procríacao é urna pessoa, a
qual só está gerada para urna vida plena quando educada conve
nientemente.

3. A responsabilidade da educacao diz respeito, em primeiro


lugar, aos genitores e constituí o primeiro dever do seu ministerio
conjugal, dever que é intransferivel e inalienável. Todavía todos os
membros da familia, em funcao da sua idade e dos seus dons, sao
corresponsáveis dessa tarefa.

Visto que a escola, os meios de comunicacáo social e o quadro


de vida colaboram para a formacáo dos filhos, os genitores hao
de recorrer, na medida do possivel, a tais elementos; procurarao
observar a influencia dos mesmos sobre os filhos, acompanhar a
estes com solicitude e amor para integrá-los progressivamente no
mundo (cf. Instrucao Pastoral Communlo et Pragressio 64-70).

4. Os genitores educam seus filhos :

1) pelo seu testemunho de vida ;

2) pelo clima de sobriedade e responsabilidade, de ¡ustica


e de amor, de paz e de oracao que possam criar no lar ¡

3) pelo ensinamento da fé crista simples, adaptado, opor


tuno e progressivo, desde os primeiros anos;

4) mediante um diálogo íntimo com os filhos, em clima de


respeito, confianca e amor, no qual tanto os genitores quanfo os
filhos escutam e aprendem, s«m que seja prejudicada a autoridade
dos pais ;

5) mediante a insercao dos filhos, a parficipacao e o cum-


primento -fiel e lentamente progressivo das tarefas dos filhos na
comunidade eclesial e na comunidade civil;

— 55 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

61 mediante um diálogo, dieio de confianza, com os filhos


sobre o misterio da vida (educacáo da consciéncia) ;

7) oferecendo prudente ajuda aos filhos na escolha da sua


vocacáo (cf. Apostolicom Actuositalem 11).

Proposigao 27

1. A missao educadora da familia, grabas ao sacramento do


matrimonio, é elevada ao nivel de auténtico ministerio pelo qual o
Evangelho é transmitido e resplandece, a tal ponto que a vida
familiar se torna um itinerario de fé e urna especie de iniciacSo
crista. Muito mais: a familia deve tornar-se a escola na qual se
aprende a seguir o Senhor. Numa familia consciente deste dom,
todos os membros evangelizan) e, ao mesmo lempo, sao evangeli
zados (Evangelü Nuntiandi 71).

2. Em virtude da sua funcao educadora, que decorre do ato


de gerar e do sacramento, os genitores sao, antes do nvais, pelo
testemunho de sua vida, os primeiros mensageiros do Evangelho
para os seus filhos desde a infancia. Muito mais: rezando com
eles, entregando-se á leitura da Palavra de Deus, levando os filhos,
através dos graus da iniciacdo crista, para o interior do corpo de
Cristo — a saber, corpo eucarístico e corpo eclesial —, tornam-se
genitores em sentido pleno, ... genitores nao somente da vida
carnal, mas também da vida suscitada pela renovacao do Espirito
Santo e fundamentada sobre a cruz e a ressurreicáo de Cristo.

3. Para atingir esses objetivos, é útil que os genitores dis-


ponham do texto de um catecismo confeccionado para as familias,
texto que seja claro, breve e fácil de se decorar.

Proposigáo 28
j
! 1. A educacáo para a fé engloba educacáo para o verdadeiro
i amor. A familia, como comunidade de amor e de vida, é o ambiente
| principal da educacáo para o amor; a realidade cotidiana da fa-
| mília pode, na verdade, cer considerada como urna pedagogía para
[ a doacao (se¡a educacáo para o amor que gera a vida, seja edu-
| cacao para a amizade, para a mutua benevolencia entre ¡ovens e
adultos, em virtude da qual estes abrem os nimos uns aos outros,
compartilham as suas razoes de viver, seja também educacáo a
servico dos outros).

— 56 —
FAMÍLIA HOJE 57

2. A fim de que esta educacao seja auténtica e realmente


humana, é preciso levar em conta a unidade de corpo e alma, uni-
dade na qual a sexualidade humana mostra o seu sentido mais
profundo: o de ser orientada para o dom de si mesma, segundo o
designio de Deus Criador assumido pelo Redentor. É nesfe sentido
que deve ocorrer a educacao da sexualidade e da afetívidade, ñas
ccndicóes de tranqüilidade e de paz próprias da familia. É por
isto que a Igreja se opóe firmemente a certa educacao ■ sexual que,
militas vezes, é apenas urna introducao a métodos para adquirir o
prazer e obté-lo sem perigo. Na medida em que a escola colabora
paro a educacao sexual, deve observar estritamente a lei de subsi-
diariedade e cooperacao com os genitores segundo as mesmas
diretrizes.

3. Todas estas verdades podem ser ensinadas na familia a


partir da infancia, antes pelo testemunho de vida do que por pala-
vras; sao progressivamente compreendidas e levadas á maturidade
pela experiencia e pelo diálogo de cada dia, de modo a favorecer
a capacidade de autodominio e de autodoacáo que é sempre vivida
na castidade, seja no dom de si para testemunhar o Reino na vir-
gindade, seja no matrimonio vivido no Senhor.

Proposito 29

1. ... O direíto, dos país, de escolher urna educacao de


acordó com a sua fé religiosa deve ser totalmente salvaguardado.
O Estado e a Igreja estao obrígados a oferecer as familias todos
os subsidios possíveis para que possam exercer as suas tarefas de
modo condigno. Eis por que tanto a Igreja quanto o Estado hao de
criar e sustentar as ¡nstifuicoes e as atividades de .que necessitam as
familias. Esse auxilio há de ser tanto mais vultoso quanto menos
auto-suficiente é a familia...

2. Nos países em que ideologias opostas á fé crista sao ensi


nadas ñas escolas, a familia, unida a outras familias e, se possivel,
a assodacdes de familias, deve lutar com todas as suas foreas e
com inteligencia para ajudar os jovens a nao se afastarem da fé.
Em tal caso, a familia precisa da a¡uda especial dos pastores, que
se recordarao de que os genitores tém o direito inviolável de
confiar seus filhos á comunidade eclesial.

— 57 —
58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

A PREPARADO PARA O CASAMENTO

Proposisóo 35

O matrimonio cristáo constituí a relacao humana mais profunda


e complexa, da qual dependen) o bem-estar e a santidade de grande
número de homens e de mulheres. Por isto á Igreja toca o dever
de elaborar urna pastoral pré-matrimonial precisa, de modo a evitar,
em toda a medida do possível, as situacóes irregulares ñas quais
se encontram tantos casáis. Isto implica que se exijam a fé e urna
maturidade humana capaezs de assumir as responsabilidades fami
liares e sociais. Tal preparacáo há de ser considerada como um
processo continuo e progressivo.

A preparacáo remota comeca no seio da familia; da parte da


Igreja, ha¡a a solidtude pastoral da iniciacáo crista.

Na preparacáo próxima, sejam transmitidos o reconhecimento


e a interiorizacao do misterio de Cristo e da Igreja, assim como o
conhecimento das exigencias reais e das responsabilidades do sa
cramento. Podem considerar-se como objetivos desta preparacáo os
seguintes: os futuros esposos considerem e vivam o seu amor como
urna parlicipacao no amor de Deus manifestado no amor de Cristo
á Igreja; tornem mais profunda a sua fé como vocacao á santi
dade e ao dom de si; considerem o matrimonio como sacramento
da presenca de Cristo na sua vida cotidiana; enfim, vejam ñas suas
relaces sexuais um aspecto importante da sua unido sacramental.

A preparacáo próxima torna-se cada vez mais difundida e


tem dado bons frutos. É um servico que se presta a todos os futu
ros esposos, mas particularmente aqueles que sao carentes seja de
doutrina, seja de prática de fé. Ela se realiza proficuamente com o
auxilio de leigos dedicados, de todo o coracao, á vida e á dou
trina; alias, é no seio da familia e da própria com un ida de que ela
dá os melhores resultados. Tal preparacáo deve ser como urna
¡ntroducao á fé, á semelhanca de um catecumenato.

As Conferencias Episcopais e as dioceses editem, em Diretórios


de Pastoral Familiar, normas referentes ao conteúdo mínimo, á
duracao e aos métodos a aplicar nos cursos de preparacáo ao
casamento. Ai seráo considerados os aspectos doutrinários, pedagó
gicos, jurídicos e medicináis do sacramento. A preparacáo dos
futuros esposos nao há de ser apenas intelectual, mas será fambém

— 58 —
FAMILIA HOJE 59

urna experiencia vital, de modo que os futuros esposos sejam inse


ridos, mediante unía especie de catecumenato, na comunidade ecle-
sial viva, por exemplo ñas paróquias.

Todavia os programas de tal preparando hao de ser concebi


dos de tal modo .que nao con:tituam novo obstáculo para os futuros
esposos.

AS RELAGÓES FORA DO CASAMENTO

Propasado 40

O fenómeno que consiste em contrair urna uniao dita 'casamento


de experiencia' propaga-se rempre mais e alguns chegam a roco-
nhecer certo valor a tal uniao.

Á luz mesma da razao humana, qualquer tipo de experiencia


feita sobre pessoa há de ser rejeitado, ou melhor nem deve ser
concebido. Com efeito, as coisas é que podem ser objeto de expe
riencia, ao passo que as pessoas vém a ser o termo de um ato de
amor ou do urna pessoa a outra, sem limite de tempo.

A luz da fé, o dom do, corpo é símbolo real e táo profundo


da pessoa inteira que nao pode ser praticado sem o auxilio do
amor de Cristo recebído mediante o sacramento do matrimonio
(cf. Proposicoes 8-11). Em caso contrario, este dom está continua
mente sujeito ao perigo da presuncao e da mentira.

O Sínodo recordó, pois, que esta tentacao (das relacoes extra-


-con jugáis) via de regra só pode ser superada se, desde a infan
cia, a pessoa humana foi educada, mediante a grasa de Cristo e
sem angstia, para vencer a concupiscencia nascente e estabelecer
relacoes de auténtico amor com outras pessoas. Tudo isto só poderá
ser adquirido se houver auténtica educacao para a castidade, de
maneira que a pessoa humana, na sua totalídade e, por conse-
guinte, também em seu corpo, seja plenamente introduzída no mis
terio de Cristo.

Faz-se mister procurar as causas do fenómeno das relacoes ex-


Ira-conjugais, inclusive sob os aspectos psicológicos e sociológicos,
a fim de se encontrar urna terapia adequada.
60 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

Proposito 41

Um fenómeno que nao pode deíxar de chamar a atencao dos


pastores, é o nmero crescente de unióes ditas livres. As sítuacoes,
porém, sao bastante diversificadas: alguns, apesar do seu senso
conjugal, renunciam ao casamento socialmente ratificado para evitar
algum daño. Outros repudiam o casamento, mesmo civil, por des-
prezo da sociedade ou a fim de protestar contra a ordem sócío-
-política. Outros enfim só procuram uniáo destinada a satisfazer
ao seu apetite sexual ou assegurar-lhes o bem-esatr material. A
gravidade da situacao torna-se ainda mais evidente em conse-
qüéncia da tendencia de equiparar tais unioes livres com o próprio
casamento.

As conseqüéncias moráis e sociais de tal prática sao desastro


sas; inflige-se um golpe irreparável ao senso de fidelidade, do qual
é preciso dar testemunho também no plano social; destrói-se assim
a célula me:ma da sociedade. Muitas vezes a situacao dos filhos
se torna deplorável e, como mostram os psicólogos, sofrem de
traumas, por todo o resto da vida. Enquanto a familia é o foco do
senso de humanitarismo, tais unioes se tornam um foco de egoísmo.
Assim também se perde o senso religioso, que há de ser cultivado
á luz da alianza de Deus com o seu povo; os que procedem de tal
maneira, privam-se da graca sacramental e, mais, causam grave
escándalo.

O zelo pastoral deve nao só procurar com grande solicitude


as pessoas que vivem em tais circunstancias, mas deve também
cultivar com maior coeréncia o senso de fidelidade em toda a edu
ca cao moral e religiosa, instruindo as pessoas também a respeito
da; condicoes e das estruturas que p rom ove m o espirito de fideli
dade, sem o qual nao pode existir auténtica liberdade.

É preciso instantemente pedir as autoridades políticas que


resistam eficazmente a tais tendencias nao só em vi*ta da estabili-
dade da própria sociedade, mas também por causa da dignidade,
da seguranca e da saúde dos cidadáos.

Todavía é diferente a situacao de rapazes e mocas que, ho¡e,


em numerosas regióes, por causa da pobreza provocada pelas
atuais estruturas económicas, estao praticamente na impossibilidade
de contrair matrimonio decente. Eises jovens háo de ser anudados
para que a pobreza nao constitua obstáculo ao seu casamento.

— 60 —
FAMILIA HOJE 61

CARTA DOS DIREITOS DA FAMÍLIA

(ELEMENTOS)

Proposigáo 42

O Sínodo formula votos no sentido de que i Santa Sé pro


mulgue urna Carta dos direitos da familia e a proponha as Nacoes
Unidas (ONU).

FUNDAMENTO

1. A familia é a célula básica da sociedade, sujeito de di


reitos e deveres, anterior ao Estado e a qualquer outra comunidade.

2. O Estado, por suas leis e instituicóes, deve reconhecer a


familia e protegé-la respeitando a sua liberdade e oferecer-lhe o
seu apoio sem se substituir a própria familia.

CONTEÚDO

O direíto :

1. de existir e de se expandir como familia, isto é, o direito,


de todo homem e, em particular, dos pobres, de fundar urna fami
lia e de manté-la mediante recursos apropriados ;

2. de exercer a sua missao de transmitir a vida a partir do


momento da conceicao e de educar os filhos;

3. a intimidado da vida tanto conjugal como familiar ¡

4. á estabilidade do liame e da instituicáo conjugal;

5. de crer e de professar a sua própria fé e de difundi-la ;

ó. de educar os filhos em conformidade com as suas tradi-


cóes e os seus valores culturáis e religiosos, gracas aos instrumen
tos, aos meios e as ¡nstituicóes necessárias para tanto ;

7. de gozar de seguranza física, social, política e económica,


principalmente em favor dos seus membros pobres e doentes ;

8. o direito á habitefeáo adequada a urna vida familiar


decente ;

— 61 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

9. de expressño e de representacao diante das autoridades


públicas, sociais e culturáis e de seus organismos dependentes, seja
pesoalmente, se¡a mediante assodacóes ;

10. de criar associacoes com outras familias ou ¡nstituic.6es


no intuito de cumprir a sua missáo como convém e com compe
tencia ;

11. de proteger os menores, mediante inslituicoes e leis


apropriadas, contra as drogas, a pornografía, o alcoolismo, etc.

12. direito a lazeres honestos que favorecam ao mesmo tempo


os valores da familia ;

13. o direito das pessoas idosas a urna vida e a urna morte


dignas;

14. o direito de emigrar como familia, a fim de procurar


melhores condicdes de vida».

II. COMENTARIOS

Abordaremos cinco aspectos da familia contidos ñas pro


positóos atrás transcritas.

II. 1. Fé e Sacramento

(Proposí?ao 12)

O sacramento do matrimonio supóe a fé nos nubentes que


o contraem; na verdade, os cónjuges sao, um para o outro,
ministros da graga sacramental. Todavía em nossos dias ocorre
que nao poucos jovens pecam o casamento religioso, movidos
pela rotina e a convengáo sociais mais do que por fé religiosa.
O fato leva os pastores da Igreja a hesitar sobre a oportuni-
dade de se celebrar tal casamento.

Como se compreende, nao se pode formular urna resposta


válida para todos os casos. É certo que o desejo de se casarem
na Igreja pode indicar certo grau de fé da parte dos nubentes.
Mas será preciso que os ministros da Igreja ajudem tal fé a
crescer e a manifestar-se mais explicitamente, dedicando-se
assiduamente á preparagáo de tais cristáos para a celebragáo

— 62 —
FAMILIA HOJE 63

consciente do sacramento. Os nubentes que, ao ministraren!


um para o outro o sacramento do matirmónio, devem ter a
intengáo de fazer o que faz a Igreja, também háo de professar
a intencáo de crer ñas verdades que a Igreja professa.

O Sínodo recorda aínda que o matrimonio validamente


contraído por duas pessoas nao batizadas, com base na lei na
tural, é dotado das notas de unidade (monogamia) e indisso-
lubilidade do contrato matrimonial natural.

II. 2. IndissolubiHdade e divorcio

(Proposígoes 13 e 14)

A indissolubilidade matrimonial, que tem suas raizes na


própria lei natural, é corroborada pela elevagáo do contrato
natural á dignidade de sacramento.

Merecem todo elogio os cónjuges que lutam para se man-


ter fiéis á indissolubilidade do seu casamento. Quanto aqueles
que, por algum motivo, tenham pedido divorcio e contraído
nova uniáo (nao sacramental), a Igreja nao os abandona, em-
bora proclame a ilegitimidade da sua nova uniáo e nao Ihes
possa ministrar os sacramentos da Penitencia e da Eucaristía
enquanto vivam conjugalmente. Como quer que seja, os pas
tores de almas estimulem tais católicos a rezar, a freqüentar
a S. Missa (aínda que nao comunguem), a participar das
obras de caridade e justica'da sua paróquia, a educar os filhos
na fé católica e a fazer penitencia. É de crer que Deus, em sua
misericordia infinita, tenha recursos para fazer que tais cató
licos recuperem a grasa perdida e terminem seus dias na paz
do Senhor.

Tais irmíios poderáo ser admitidos aos sacramentos,


caso renunciem a viver conjugalmente, aínda que permane-
gam sob o mesmo teto (o que é muito difícil enquanto nao
atingem a velhice).

II. 3. Matrimonios, mistos

(Proposito 19)

Os matrimonios mistos, isto é, de parte católica com parte


nao católica, nao sao desejáveis, pois fácilmente propiciam um
clima de relativismo ou indiferentismo religioso ; os filhos,
vendo que cada qual dos genitores segué urna confissáo de fé

— 63 —
64 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

diferente, carecem do testemunho de coeréncia religiosa dos


próprios país e nao se sentem motivados a abragar um Credo
definido. Como quer que seja, a multiplicagáo dos matrimo
nios mistos é fato evidente, que a Igreja nao pode deixar de
considerar de frente.

Para poder consentir no casamento misto de algum de


seus filhos, a Igreja "pede: a) haja fidelidade as normas ca
nónicas referentes ao modo de celebrar a cerimónia religiosa;
b) haja empenho em favor da preservacáo da fé do cónjuge
católico; c) comprometa-se a parte católica a providenciar,
segundo as suas possibilidades, o Batismo e a instrucáo reli
giosa católica dos filhos. — Os itens b e c sao extremamente
delicados. O Sínodo faz votos para que nao haja entre os cón-
juges proselitismo, ou seja, tentativas desrespeitosas e deso-
nestas, por parte de um dos consortes, de converter o outro a
sua própria fé. Quanto á prole, é necessário que o cónjuge
católico se esforcé sinceramente, diante de Deus, para que
nao caia no indiferentismo religioso, mas receba o Batismo e
a instrucáo na fé católica.

Sob certos aspectos, os matrimonios mistos sao contrarios


á causa do ecumenismo, que é a re-uniáo de todos os cristáos
num só rebanho sob um só pastor visível. Sim ; as unióes
mistas tendem a relativizar a fé no lar, diluindo o testemunho
de fé dos pais perante os filhos. Por outro lado, porém, regís-
tram os Padres sinodais, os casamentos mistos podem favo
recer o diálogo interconfessional, dando ocasiáo a que cola-
borem entre si o ministro católico e o nao católico na mutua
aproximagáo das suas comunidades.

II. 4. As tarefas da familia

(Proposicoes 21-29)

O texto sinodal lembra e reafirma os seguintes pontos :

1) É válida a doutrina da encíclica Iluinanae Vitae, que


rejeitou os métodos anticoncepcionais de limitacáo da prole e
incutiu a observancia dos ciclos naturais do organismo. A esta
exigencia satisfaz, entre outros, o método Billings, que vem
sendo aperfeicoado e divulgado entre nos; possibilita definir
com precisáo os dias em que o organismo feminino é fecundo
e, portanto, deve evitar relagóes conjugáis (se nao quer ter
prole).

— 64 —
FAMILIA HOJE 65

Os Bispos sinodais reconhecem as dificuldades que a mui-


tos casáis tem causado a encíclica Humana» Vitae: as normas
contidas nesta parecem exigentes demais ou mesmo imprati-
cáveis. Frente ao problema o Sínodo recomenda urna pedago
gía gradativa mediante a qual o ser humano se vai dirigindo
a metas cada vez mais elevadas. A consciéncia dos cónjuges,
auxiliada por sacerdotes devidamente preparados, há de com-
preender que a lei nao é mero ideal para mr futuro remoto
ou incerto, mas apresenta um objetivo que com a graga de
Deus, esforzó paciente e compreensao mutua há de ser atin
gido. Aos pastores de almas toca importante funcáo de orien-
tacáo e apoio aos casáis católicos; para desempenhá-la, pro-
curaráo tornar-se auténticos porta-vozes da doutrina da Igreja
e evitar divergencias entre si, que causariam crises de cons-
cicncia entre os fiéis.

A Igreja deseja ainda que se promova ampia divulgagáo


do que sejam os meios naturais de limitagáo da prole de modo
que todas as carnadas sociais tenham exato conhecimento de
tais recursos.

2) Haja recusa de qualquer forma de violencia contra a


vida humana, seja mediante o aborto, seja mediante a este-
rilizacáo ou a eutanasia. — O aborto, em hipótese alguma, é
legitimo, pois sempre redunda num homicidio; quaisquer que
sejam as circunstancias da sua conceicáo, a crianga é táo au
téntico ser humano como o -sao os seus genitores, como o sao
os maiorais da sociedade, como o sao os anciáos, os doentes
crónicos, os paralíticos, etc. — No tocante á eutanasia, sabe-se
que a Igreja a rejeita quando se trata de eutanasia direta
(ocisáo voluntaria de um enfermo). Todavía a Igreja pro
clama que nao há obriga?áo moral de conservar a vida humana
á custa de recursos altamente vultosos, raros e dispendiosos
se tal sacrificio nao tem serias probabilidades de éxito, ou seja,
se o fim que se pode esperar obter desta forma nao é propor
cional aos meios aparatosos assim mobilizados (tais foram os
casos, por exemplo, do Goneralíssimo Franco e do Presidente
Tito).

3) A preparagáo para o casamento tem suas raizes no


próprio tipo de educagáo que a pessoa recebe. Se esta enca-
minha o educando para a vida comunitaria, para o dom de si,
o servigo e a benevolencia.... nao há dúvida de que o prepara
para a vida conjugal, que nao é senao a vivencia mais estrita
possível de tais valores tanto da parte do homem como da

— 65 —
66 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 260/1982

parte da mulher. A educagáo sexual integra a preparado para


o casamento, nao, porém, como mera instrugáo de anatomia
e fisiología, mas como escola de disciplina e procura do Bem
Infinito.

4) Á familia toca o direito de educar seus filhos segundo


sua livre opgáo e, em especial, segundo a fé religiosa que ela
professa. No exercicio desta sua missáo, possa a familia con
tar com os subsidios do Estado e da Igreja!

II. 5. Relajees extra-conjugais

(Propos¡c.oes 40 e 41)

Aos olhos da fé, a doagáo do corpo humano que ocorre


no relacionamento sexual, é algo de táo profundo que nao se
pode efetuar sem o auxilio do amor de Cristo pela receppáo
ao sacramento do matrimonio. Dai a rejeigáo, por parte da
Igreja, dos «casamentos de experiencia» e das relagóes pré-
-matrimoniais. Para que os jovens possam evitar os desman
dos pré-conjugais, requer-se recebam a adequada educagáo
para a castidade (que seja também iormagáo para o reto uso
da sexualidade) no ssio da própria familia.

Sao de lamentar cutrossim as chamadas «unióes livres»,


que a opiniáo pública por vezes tende a equiparar ao próprio
casamento legítimo. Os filhos sao as grandes vítimas de tais
desordens cometidas pelos adultos, podendo vir a sofrer de
traumatismos psicológicos durante toda a sua vida. Faz-se,
pois, mister que a solicitude dos pastores se volte para tal
fenómeno, dedicando especial atengáo á formagáo dos jovens
e ao fortalecimento de saos principios éticos entre os adultos.

Como se vé, o texto do Sínodo dos Bispos de 1980 é rea


lista e preciso, de modo a projetar a luz do pensamento cristáo
sobre a situagáo da familia nos dias atuais. Mesmo antes da
publicagáo do documento final por parte do S. Padre Joáo
Paulo II, merecem plena atengáo as observagóes e adverten
cias dos Bispos Sinodais sobre o matrimonio, o lar, a educagáo
dos filhos,. o papel da Igreja e do Estado frente á familia nos
dias atuais.

Estcvao Bettencourt O.S.B.

— 66 —
livros em estante
A Fé da Igreja, por Mlchael Schmaus. Vol. 6: Justifteacao do indi
viduo e Escatologia. TraducSo de Frei Alvaro Machado da Silva. — Ed.
Vozes, Petrópolis 1981, 160 x 230 tnm, 242 págs.
Chega ao fim a publicacáo do compendio de Teología Sistemática
do autor alemao Michael Schmaus. A obra é de grande porte, dlstlnguln-
do-se pela profundldade e a seguranca de suas explanares teológicas.
Schmaus propde o tratado da grasa de modo a incluir, como último
capitulo a Mariologia. O autor discute o lugar adequado desta no con-
lunto deis temas teológicos; a Mariologia deveria ser cristotlplca (dlreta-
mente relacionada com a figura de Cristo) ou ecleslotlplca (relacionada,
antes com a doutrlna da Igreja)? Sem desdizer á opefio feila pelo Con
cillo do Vaticano II na Constituicao Lumen Genttum, cap. VIII, Schmaus
prop6e María como aquele membro da Igreja que fol redimido e justificado
de manelra suprema e excelente. Daí a Mariologia ser o fecho do tra
tado da graca, conforme Schmaus.
Multo valiosas sao as ponderacóes do teólogo alemSo sobre a res-
surreicSo dos corpos e a imortalldade da alma; nao aceita a tese da
ressurrelcao logo após a morte: "A doutrina da imortalldade da alma nSo
fol tomada do pensamento grego como um corpo estranho e incorporada
Ilegítimamente ao pensamento crlstao. Mas a filosofía platónica fol utilizada
como um meló para explicar o que na Escritura estava sem esclareci-
mento. Chegou-se ao resultado de que o homem sobrevive á morte pelo
tato de que, embora se dlssolva o estrato corporal, nlo obstante, existe
outro estrato, que se conserva. E este segundo recebeu o nome de espirito
ou alma" (p. 210).
A bibliografía teológica do Brasil está enriquecida pelos seis volu-
mes de "A Fé da Igreja" de Schmaus, que podem ser recomendados a
quantos desejem conhecer melhor a sua fó, aprofundando e saboreando
devldamente os aspectos da mesma.
Ensato de Ética Sexual, por Jaime Snoek. Ed. Paulinas, SSo Paulo
1981, 126 x 200 mm, 298 págs.
O título "Ensalo..." bem exprime a intencao, do autor, de nao diri
mir ouestaes disputadas de Ética Sexual. A Padre Jaime Snoek é professor
de Ética Sexual na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG); publica
neste livro os resultados adquiridos através de seus estudos e aulas aten-
dendo á "expectativa de renovacSo profunda que todo mundo desejava"
(p 9). Sem dúvlda, o Pe. Snoek traz ampia bagagem de lelturas e aborda
de maneira exaustiva o assunto. Todavía em certos pontos como mastur-
bacSo reiacSes sexuais entre noivos, Imaginacñes eróticas, (in)fidelidade
conjugal, mostra-se propenso a legitimar atitudes Mvres. Os criterios ado
tados pelo autor sfio freqüentemente os da psicología; desejar-se-la maior
valorizacño da ascese e da disciplina de vida, absolutamente necessárias
para que se forme urna personalldade harmoniosa e Integrada. Sem
renuncia e ascese, o ser humano perde a capacidade de autodominio e
vé-se freqüentemente traído por si mesmo, conforme apalavra do Apos
tólo- "NSo compreendo o que faco, pols nSo fago aquilo que quero, mas,
slm.'aquilo que aborreco" (Rm 7.15). A natureza humana real ou histórica
nfio é a que Jean-Jacques Rousseau Imaginou, mas, slm, aquela que Sao
Paulo descreve em mals de urna passagem de suas cartas: "Os desejos
da carne sao opostos aos do espirito, e estes aos da carne, pols sSo con
trarios uns aos outros. É por isto que nao fazeis o que quererleis... Os
que sSo de Cristo cruciflcaram a carne com as suas paixdes e apetites"
(Gl 5, 17.24). Estas palavras do Apostólo nSo nao de ser entendidas em
sentido maniqueu, mas, sim, como convite á ascese entendida como fator
que liberta o homem da escravldfio das paixóes. Serla oportuno que o

— 67 —
gg UVROS EM ESTANTE

llvro em pauta se referisse mais vezes a esta visño paulina do ser humano.
Como quer que seja, devem-se reconhecer a sinceridade de Intencdes e
a erudlcSo do Pe. Snoek, que, segundo o Sr. Arcebispo D. Juvenal Rorlz,
quls, antes do mais, escrever um lívro "para ser contestado, criticado,
para asslm ajudar a descobrir novas pistas" (p. 7).
Historia dialética do Crlsifanispio. Vol. I: Dialética da Unhrersalfdade
e Dlaléltca da Unldade, por Dadeus G rings. Colec&o "Pensamento" — 7.
Escola Superior de Teología SSo Lourenco de Brindes, Porto Alegre
1981, 154 x 221 mm, 247 págs.
O Pe. D. Grings é conhecldo por seus estudos filosóficos e teoló
gicos escritos antes que, em 1981, fosse chamado do Seminario de Vla-
máo (RS) para ocupar Importantes funcdes na Secretaria de Estado do
Vaticano.
O autor aprésenla o primeiro volume de urna Historia Dialética da
Igreja. O titulo é justificado logo ñas primeiras páginas do livro: segundo
Hegel, a historia procede dialeticamente, isto é, por tese, antítese e síntese;
toda proposicSo encontra a sua réplica, que se funde com a proposlcáo
Inicial na slntese; esta, por sua vez, se torna urna tese, que é contradl-
tada e provoca nova sfntese. Ora também a historia da Igreja, segundo o
Pe. Grings, pode ser considerada dentro desta perspectiva. O autor pro
cura, portanto, mostrar como assim procedeu a evolucüo do Cristianismo
no tocante á sua expansáo territorial (unlversalidade) bem como no
concernente ao desenvolvlmento doutrinário (unidade). Deve abordar em
volumes subseqQentes a dialética da organizacio da Igreja, a do heroísmo,
a da Liturgia, a da cultura, a da política, a da arte...
Julgamos o trabalho do Pe. Grings assaz original; o autor executa a
sua tarefa com perspicacia histórica e bons criterios de julgamento.
Cremos, porém, que este método novo nSo substituí a narracSo sucessiva
dos acnteciments da historia da Igreja, século por século; este método
clássico tem a vantagem de mostrar panorámicamente a realidade da
Igreja no seu desabróchamelo paulatino; Ji5o excluí a filosofía ou a
teologia da historia da Igreja, pois através desta se manifesta a multiforme
sabedorla de Deus, conforme Sio Paulo (Ef 3,10). Procurar enquadrar a
historia dentro de algum esquema pré-definido pode vir a ser tarefa
artificial, pois na verdade a vida dos homens, por mais sujeita a leis psi
cológicas que esteja, tem sempre um qué de liberdade e imprevisibilidade.
Saudamos o novo livro do Pe. Grings com a alegría e a gratldüo
do estudioso que deseja descobrir sempre novos aspectos da verdade.

A auem Iremos, Senhor? ExplicacSo do Credo para adultos, pelo Pe.


Lulz Cechlnato. — Ed. Vozes, Petrópolis 1981, 135 x 210 mm, 230 págs.
É grande a necessldade de sólidos manuais de enslno religioso
católico fiéis á próprla mensagem da fé e ás dlretrizes do magisterio da
Igreja. Ora o livro do Pe. Cechinato corresponde, sem dúvlda, aos an-
seios de termos um bom compendio da mensagem católica escrito em
linguagem simples e clara: em 35 Ucees de 5/7 páginas aprésenla cada
tema do Credo e assuntos conexos, propondo no fim de cada capitulo um
breve questlonário que ajuda o mestre e o discípulo a recapitular a ma
teria. Os pontos mais discutidos da doutrlna católica sao expostos com
firmeza fidedigna, como se pode depreender dos capítulos sobre o pecado
original (cf. págs. 72-77), sobre a ressurreicSo dos morios (cf. págs.
163-168), sobre a confissao sacramental (cf. págs. 157-162). O livro con-
tém outrosslm alguns capítulos de fndole apologética destinados a ajudar
(continua na pág. 261

— 68 —
EDIQOES LUMEN CHRISTI
Rúa DTom Gerardo, 40 - 5o. andar - sala 501
Caíxa Postal 2666 - Tel.: (021) 291-7122
20001 Rio de Janeiro RJ

Em preparacáo:

SALTERIO (formato 21x14), contendo os 150 salmos, 53 Cánticos do Antigo


Testamento e 22 do Novo Testamento.
Edicao bilingüe (Latim-Portugués) e só em portugués, para uso nos mosteiros
beneditinos. O texto latino é da novíssima vulgata (25.04.1979) aprovada por
Joao Paulo II . Os 150 salmos em traducao oficial da CNBB, aprovada pela Co-
missao Episcopal de Exame e Aprovacao dos Textos Litúrgicos (CEEATL) Os
75 Cánticos bíblicos sao traduzidos por Dom Marcos Barbosa. Para uso coral ou
individual, tipos bem legfveis, incluidos (em itálico) os versículos e salmos imDre-
catórios).

A PALAVRA DO PAPA: coletánea de algumas homilias, discursos e alocucoes do


Santo Padre pronunciadas por ocasiáo de suas viagens apostólicas, bem como de Do
cumentos da Santa Sé:

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Vol. 2—0 Corpo Humano e a Vida.(Eutanasia, Escatologia) Cr$ 100,00
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Vol. 4- Joao Paulo II aosJovens (Alocucoes em 10 países) -A SAIR.
Vol. 5 - Liturgia das Horas (Instrucao Geral sobre a Liturgia das Horas, da Sagr.
Congr. para o Culto Divino, Paulo VI, 1971), Nova impressáo a'sair.

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1829. O II Livro (1688-1793) no prelo. O I Livro foi destruido pelos invasores
franceses em 1711.

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et Théologiques 59,1975, p. 465).
"Estamos longe, em toda a obra de teorías que se apresentassem como
certezas mas que nao fossem mais que frágeis hipóteses (I. B. Gillon,
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Trindade imánente, sendo examinados numerosos autores católicos e protestan
tes. Na 2? parte instituí um exame da doutrina em sua fonte bíblica, na docu-
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discute a conveniencia do uso, hoje em dia, da expressao "tres Pessoas". Ampia
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Cr$ 630,00
408p.

A REGRA DE SAO BENTO - Nova edipao comemorativa dos 1.500 anos


de nascimento do Patriarca Sao Bento, em latim-portugués. Traducío e
notas explicativas por D. Joao Evangelista Enout, contendo um valioso
índice temático. Impressas em tipos variados todas as passagens da Regula
Magistri que serviram a Sao Bento no século VI. Formato 19.5x13,5. -
210págs., Edica-obilingüe 600,00
Edipao só em portugués, sem anotacoes, 86p duu,uu

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