Havia uma pipa no telhado. Amarela, enroscada a uma antena de TV. Imvel.

Eu a vi primeiramente pela sacada de minha casa, h alguns minutos atrs. A princpio, perguntei-me como ela pde parar l, daquela forma, como se estivesse ali por vontade prpria... Talvez para fugir de algo que a impedia de voar? Sentia-me um intil. Atribua sentimentos a um ser feito por cola, madeira e seda. Mas minhas indagaes impediram-me de concentrar nos meus afazeres, passei a sentir pena daquele objeto. E nos devaneios de meu pensamento me perdi, eu e minha pipa, ambos presos, impedidos de exercer nossas funes por to-somente objetos tecnolgicos. Que provavelmente no sejam to-somente assim. Aos poucos fui me acostumando com a presena daquele ser no telhado de casa, sujeito s mais imprevisveis foras da natureza. Como pude me tornar to frgido? Sabia que algo sofria em minha casa, mais precisamente sobre o telhado, mas nada fazia para ajud-lo. Havia obstculos para o meu auxlio. Chegar at a pipa, mesmo que seja uma distncia nfima, tinha seu preo. E no estava disposto a pagar mais algum preo. E passaram-se os minutos. Sol, chuva e vento feriram o papel em suas frgeis bordas de seda. Eu at jurava poder ouvir as suas lamrias nas lufadas de ar que perpassavam suas hastes. Mas no havia nada que eu pudesse fazer. A pipa estava submissa, irrecupervel, agarrada ao seu inexorvel destino. Sua tonalidade amarela desfalecia. Minha angstia revigorava. Sempre que abria as janelas da sacada, aquela pipa exaltava em mim o desespero diante de minha insignificncia, eu temia e adorava a idia da iminente destruio daquela pipa, que lastimava cada vez mais alto conforme os ventos do vero intensificavam-se. Muitas horas se passaram desde que eu vi pela primeira vez aquela pipa sobre o telhado. Por fim, at achei que aquela pipa possua algo de submisso em encontrar, na sua priso, a ltima esperana de sobrevivncia. E eu sabia que ela havia algo a me ensinar. Pois enquanto isso, da sala minha me gritava: - Essa maldita TV t dando esttica.