LIES DO PRIMEIRO DRUMMOND

Por Silvio R. Santos

Leitor de Drummond, aps percorrida quase toda a poesia do ilustre mineiro, a ateno se volta muita vez para seu primeiro livro Alguma Poesia, de 1930. Esse retorno se d porque nessa primeira obra, sem temor, se pode afirmar que j esto presentes todos elementos e a qualidade que fariam seu justo prestgio no longo decorrer da vida. Entretanto, por significncia pessoal, o exemplo que ocorre, dos 49 poemas l constantes, o que segue: SENTIMENTAL

Ponho-me a escrever teu nome com letras de macarro. No prato, a sopa esfria, cheia de escamas e debruados na mesa, todos contemplam esse romntico trabalho. Desgraadamente falta uma letra, uma letra somente para acabar teu nome! - Est sonhando? Olhe que a sopa esfria! Eu estava sonhando... E h em todas as conscincias um cartaz amarelo: "Neste pas proibido sonhar".

Um dos cavalos de batalha do Modernismo foi o combate ao beletrismo piegas, literatura sorriso da sociedade, de lbuns de senhoras. Isto dito, porque se considera que Drummond foi capaz de realizar as pretenses e promessas desse movimento artstico que procurou superar a poesia parnasiana, principalmente, em s se tratando de literatura, j que artes como pintura e msica tambm constaram do programa que teve como marco inicial a conhecida Semana de Arte Moderna de 22. Pois bem, o poema citado parece comear

estranhamente convencional. Um momento romntico, em que provavelmente um apaixonado, reunido com a famlia na hora do jantar, pe-se a divagar sobre a amada com certeza distante e passa a formar seu nome na sopa de letrinhas. A carga lrica concentra-se somente nas duas primeiras estrofes, em versos livres e brancos (sem metro e sem rima). Esse momento interrompido por algum mesa, dissipando nvoa da divagao. Por fim diz o poeta: "Neste pas proibido sonhar". Nesse recorte, h verdadeiramente a definio de uma poca, "do tempo presente", "dos homens presentes", dizeres drummondianos futuros. Entre outras, uma caracterstica marcante a introduo do humor. O sentimento amoroso j no mais trgico, mas falho, portanto, mais digno, menos ingnuo, mais humano. Assim se estabeleceria o ponto de ciso entre a poesia que se pretendia superar, a dita (pelos modernistas) beletrista parnasiana, e a que magistralmente passou a ser feita, pelos menos por Carlos Drummond de Andrade.