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A autonomização do sexo relativamente ao controlo hormonal é evidente nas
fêmeas humanas. É verdade que as mulheres se encontram sujeitas a um ciclo
fisiológico, mas este tem relativamente pouco impacto no comportamento sexual,
pelo menos se comparado com os efeitos profundos observados nos animais.
Embora a nossa espécie não seja, como outras, escrava das próprias hormonas, isto
não significa que os factores hormonais não tenham efeito. Injecções de
androgéneos em homens que tenham níveis hormonais excepcionalmente baixos
aumentam, em geral, a sua motivação sexual.
Outra demonstração dos efeitos das hormonas provém de estudos sobre o ciclo
menstrual. Apesar de as mulheres se encontrarem sexualmente receptivas durante
todo o ciclo, existem algumas variações dentro desse período. A apetência e a
actividade sexuais tendem a ser mais elevadas durante a fase média do ciclo,
quando ocorre a ovulação (Hamburg, Moos e Yalom, 1968; in Gleitman, 1993).
Um dos principais argumentos para o facto dos homens serem vistos tão
frequentemente como mais agressivos que as mulheres são as presumidas ligações
testosterona - agressão e androgénio-agressão. Assim, é também importante
reflectirmos sobre este mito, e pensarmos se ele é ou não verdade.
A ligação entre o nível de testosterona presente no soro sanguíneo humano ou na
saliva e a agressão não está estabelecida, e a ligação testosterona – agressão é
muito incerta, no que diz respeito ao homo sapiens (Björkqvist, 1994). É verdade
que em vertebrados não humanos os machos são, de uma forma geral (fisicamente)
mais agressivos que as fêmeas. Em alguns mamíferos, esta diferença na
combatividade é evidente mesmo nas brincadeiras infantis (in Gleitman, 1993). Isto
não é, contudo, verdade para todas as espécies, tal como Adams (1992; cit. in
Björkqvist, 1994) mostra.
Os resultados respeitantes aos humanos são inconsistentes: alguns autores
afirmam que pode ser estabelecida uma ligação (por ex., Donovan, 1985; ibid.);
níveis altos de testosterona no sangue dos machos estão relacionados com uma
maior agressividade, enquanto que níveis de testosterona inferiores correspondem
a uma menor agressividade. Esta generalização parece ser verdadeira não só para
mamíferos, tendo sido estudada sobretudo em ratos, macacos e machos da nossa
espécie (Davis, 1964; in Gleitman, 1993).
Pelo contrário, outros autores, tais como Benton (1983a, 1983b, 1992; cit. in
Björkqvist, 1994) são da opinião de que, com base nos dados existentes, não há
nenhum motivo para sugerir que a agressão humana esteja relacionada com o nível
de testosterona. Benton (ibid.) salienta que a defesa de uma relação entre
testosterona e agressão está baseada primariamente em dados animais. Nos
humanos, os mecanismos sociais e cognitivos desempenham um papel muito
superior ao dos factores fisiológicos. Quanto mais perto do homem está o animal,
menor a influência da testosterona na agressão. No homem, afirma Benton (1992;
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ibid.), o comportamento agressivo é um reflexo da história psicossocial e as
diferenças na agressividade pouco podem ser atribuídas ao nível de testosterona.
Björkqvist et al. (1993a; ibid.) salientam que os estudos que sugerem uma relação
entre testosterona e agressão podem ter a ver com a nossa cultura, onde se
partilha o já referido "mito" acerca da agressividade masculina e da mulher
submissa, estabelecendo-se relações de causalidade, uma vez que o homem
apresenta maior taxa de testosterona no soro sanguíneo.
Os investigadores tendem também a discordar da ligação androgénio - agressão:
enquanto alguns estudos encontraram uma relação entre o nível de androgénio e a
agressividade (por ex: Olweus et al., 1980; ibid.), outros não (por ex.: Lindman et
al., 1992; ibid.). Foram relatadas recentemente quatro experiências nas quais eram
induzidos androgéneos a sujeitos masculinos e o nível era medido com diferentes
instrumentos. Três destes estudos não detectaram um aumento na agressividade
como consequência da toma de androgénio (Björkqvist et al., 1993; ibid.), enquanto
que no outro estudo (Hannan et al., 1991; ibid.) foi detectado um aumento. Neste
sentido, uma vez que os resultados nulos são menos susceptíveis de serem
publicados é possível, e mesmo provável, que o número de estudos conduzidos com
um resultado negativo ultrapasse largamente aqueles com resultado positivo.
As diferenças sexuais na agressão são mais susceptíveis de serem desenvolvidas
através de mecanismos de aprendizagem e não estarem ligadas directamente a
hormonas. Tal como foi salientado atrás, não existe nenhuma relação óbvia entre
hormonas e agressão nos humanos – talvez porque o desenvolvimento de funções
cerebrais superiores nos humanos tornou possíveis outros estilos de agressão além
dos físicos: métodos mais subtis mas, ainda assim, altamente eficazes, nos quais o
poder físico directo não é um pré-requisito (Björkqvist, 1994).
Assim, e uma vez que a sexualidade humana é muito mais flexível e menos
automática do que a dos animais, devemos tomar em consideração esta teoria
como um contributo para o presente trabalho, devidamente relativizada pela força
que os mecanismos de socialização têm.
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Estas observações assumem uma dimensão ainda maior dentro do tema deste
trabalho quando interpretamos a maior frequência de abuso masculino à luz de um
cruzamento entre esta hipótese e a socialização mais estrita e reduzida, e a menor
liberdade para se desviar do seu estereótipo que os homens parecem viver
(Harrison, 1978; Morin & Garfinkle, 1978; Hatfield, 1983; cit. in Semonsky e
Rosenfeld, 1994).
A Teoria do Estatuto Sexual e a “Cultura de Violação”
Segundo a literatura acerca do sexo e estatuto aplicados a estas situações, os
homens têm mais apoio que as mulheres para se afirmarem em situações sexuais:
é esperado que os homens iniciem as relações, desempenhem os avanços sexuais
(Blumstein & Schwartz, 1983; cit. in Semonsky e Rosenfeld, 1994); e estejam numa
posição de controlo, poder e dominância (Hendrick et al., 1985). Por outro lado,
existem dados que indicam que os homens estão mais limitados pela socialização
do papel sexual do que as mulheres (O’ Leary & Donoghue, 1978; cit. in Semonsky
e Rosenfeld, 1994).
A socialização dos agressores masculinos e as pacifistas femininas contribuem para
a "cultura de violação" que encoraja os comportamentos de abuso (Bart, 1979;
Wood, 1993; cit. in Semonsky e Rosenfeld, 1994). Também contribui para a "cultura
de violação" a tendência da sociedade para colocar a culpa nas vítimas em
oposição aos agressores (Burt, 1980; Calhoun et al., 1976; Giocopassi & Dull, 1986;
ibid.), fenómeno que também é conhecido pelo “não”9 que significa “sim”, o
denominado mito da violação que, segundo Scully & Morolla, (1984; ibid.), é usado
frequentemente por violadores para justificarem as suas acções.
Numa estrutura social onde é dado tradicionalmente o controlo aos homens, seria
lógico que estes tivessem mais apoio social na determinação do seu
comportamento sexual. Porque é suposto, na sociedade norte-americana, que
sejam os homens a iniciar os encontros sexuais, e porque as pessoas que iniciam
maior intimidade têm maior poder e controlo nas relações (Henley & Freeman,
1984; cit. in Semonsky e Rosenfeld, 1994), os homens deveriam ter mais apoio
social do que as mulheres para a sua auto-determinação sexual.
Surpreendentemente, o estudo de Margolin (1990; ibid.) acerca dos apoios sociais
disponíveis para a auto-determinação sexual em relação a violações sexuais
"menores" detectou o oposto. Neste sentido, Margolin (ibid.) afirma que “os homens
recebem menor apoio social para determinarem e afirmarem o seu comportamento
sexual do que as mulheres”, já que este autor observou um fornecimento de menor
apoio social aos homens do que às mulheres para afirmarem ou reivindicarem a sua
sexualidade (i.e. violar o consentimento e não dar consentimento relativamente a
um abuso “menor”, nomeadamente “dar um beijo”). Apesar de não pretenderem
estudar os apoios sociais disponíveis para a auto-determinação sexual, Semonsky e
Rosenfeld (1994) também observaram esta diferenciação do apoio social.
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Embora a sociedade coloque os homens na posição dominante, eles são
socializados de forma mais estrita e reduzida, e têm menos liberdade para se
desviar do seu estereótipo do que as mulheres (Harrison, 1978; Morin & Garfinkle,
1978; ibid.). Os papéis sexuais definem o homem como ansioso por sexo (Hatfield,
1983; ibid.), como dominante e em controlo (Maccoby & Jacklin, 1974; ibid.) e como
iniciadores sexuais (Axelrod, 1993; ibid.).
Margolin (1990; ibid.) considera a possibilidade deste menor apoio social para a
acção em abusos sexuais “menores” ter a ver com os seus papéis dominantes
masculinos, os quais são reforçados socialmente, o que faz com que sejam
percebidos como ameaçadores. Também, se os homens estão mais limitados pela
socialização do papel sexual do que as mulheres (O´ Leary & Donoghue, 1978;
ibid.), então um desvio das normas sociais (i.e., não dando consentimento para um
beijo) poderá relacionar-se com uma correspondente perda de confiança para os
homens, mas não para as mulheres.
No seguimento dos trabalhos de Margolin, Semonsky e Rosenfeld (1994)
observaram que, na sociedade americana, por um lado se verificava intolerância
relativamente aos comportamentos de abuso e violação, (independentemente do
sexo do violador), enquanto que por outro, e apesar disto, existiam fortes diferenças
sexuais nas percepções das violações e abusos sexuais e duplos critérios no apoio
social para determinar o comportamento sexual.
Em primeiro lugar, as avaliações dependiam da severidade percebida das situações
e do tipo de comportamento do abusador. De facto, observou-se que quando uma
situação de potencial abuso sexual se caracterizava por “dar um beijo” (situação
sem consentimento explícito mas de severidade ligeira), os sujeitos não viam esse
comportamento como se tratando de uma verdadeira situação de abuso (Margolin,
1990; cit. in Semonsky e Rosenfeld, 1994).
Outra conclusão importante do estudo de Semonsky e Rosenfeld (1994) é a
diferenciação de percepções dos comportamentos abusivos quando estes são
efectuados por indivíduos do sexo masculino ou do sexo feminino. Quando as
situações de abuso são promovidas por uma mulher estas são vistas como menos
previsíveis, mais elogiosas do abusado, menos ameaçadoras e menos agressivas do
que quando é um homem a ter este comportamento. Inclusive, esta diferenciação
em função do género do abusador poderá fazer a diferença entre considerar-se a
presença ou a ausência de uma situação de “abuso”. Esta realidade é, ainda,
apoiada pelas diferenças de sexo observadas por Björkqvist (1994) na maior
utilização de estratégias agressivas directas (físicas, verbais) nos homens, e
indirectas (verbais, manipulação social) nas mulheres, sendo as primeiras aquelas
socialmente associadas ao abuso.
A explicação base para esta diferenciação de cenários é o desvio dos papéis
sexuais. Os papéis sexuais criam um modo normativo para interacção e fornecem
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uma base de identidade para a acção em situações de dating (Wood, 1993; ibid.).
Desviando-se dos guiões sociais para uma interacção determinada socialmente, os
interactores desenvolvem dúvida quanto à sua identidade social, uma identidade
que é vital para a existência da confiança (Goffman, 1959; ibid.).
Outro motivo poderá ser o facto das mulheres e homens serem percebidos de forma
diferente quando iniciam o toque. Quando as mulheres iniciam o toque são vistas
como aumentando a intimidade, enquanto que os homens são vistos como
exercendo poder e controlo (Hall, 1984; ibid.).
Uma terceira explicação é, como Margolin (1990; ibid.) refere, os homens
geralmente serem vistos como mais ameaçadores do que as mulheres, em virtude
de, principalmente, terem mais força física. Assim, o cenário Mulher Agressora não
contém o mote da ameaça presente no cenário Homem Agressor, o qual está mais
perto do paradigma da violação comum (Semonsky e Rosenfeld, 1994).
Também ao nível do género dos indivíduos que emitem uma percepção da provável
situação de abuso se verificam diferenças: Os homens, mais do que as mulheres,
consideraram o desvio da mulher relativamente à socialização do seu papel sexual
como menos ameaçador, menos agressivo, mais elogioso do abusado, e mais
aceitável do que o desvio de um homem das suas expectativas do papel sexual
(Semonsky e Rosenfeld, 1994).
Um motivo possível para os homens avaliarem as mulheres de forma mais positiva
como agressores poderá ser, tal como Margolin (1990) defende, a existência de
uma fantasia de violação masculina. Outra explicação poderá passar pelo facto do
sexo ser central para o auto-conceito masculino (O´ Neil, 1981; cit. in Semonsky e
Rosenfeld, 1994): os homens são socializados para serem sexualmente activos e
sempre ansiosos por relações sexuais (Gagnon & Simon, 1973; ibid.), enquanto que
as mulheres são limitadoras da actividade sexual (Hatfield, 1983; ibid.). Aliás, esta
explicação é reforçada não só por os homens mostrarem maior apoio do que as
mulheres para as acções que conduzem à actividade sexual, mas também pelo
facto dos homens fornecerem menos apoio do que as mulheres para os
comportamentos sexuais limitativos (recusa explícita) (Semonsky e Rosenfeld,
1994).
Por sua vez, no estudo de Katz et al. (1996) as mulheres pareceram ser menos
tolerantes às situações de abuso ou “assédio” sexual do que os homens,
apresentando-se mais susceptíveis de interpretar interacções hipotéticas como
“assédio sexual”, sendo as avaliações dessas perseguições superiores quando o
abusador era um homem. Surpreendentemente, isto mostrou-se verdade também
quando o abusador e observador eram mulheres. A divergência de percepções
segundo a variável “interacção abusador-vítima” sugere que os homens aplicam
uma medida diferente para definir o “assédio”, dependendo de ser o homem a
importunar a mulher, ou a mulher a importunar o homem, mesmo embora o
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comportamento em questão seja o mesmo. Em contraste, as mulheres parecem ser
mais consistentes e equilibradas nas suas interpretações, independentemente do
sexo do abusador (Katz et al., 1996).
O facto de homens e mulheres não diferirem nas suas percepções quando se
tratava de uma situação hipotética de abuso masculino é uma descoberta
potencialmente importante porque contradiz os postulados de outros investigadores
que vão no sentido de que as mulheres são menos tolerantes do que os homens
acerca da perseguição sexual por homens (Charney e Russell, 1994; Jones e
Remland, 1992; cit. in Katz et al., 1996).
Em contraste, nas situações onde a mulher é a abusadora e o homem a vítima, os
sujeitos masculinos e femininos do estudo diferiram nas suas percepções.
Independentemente da situação os homens avaliaram a perseguição pelas
mulheres de forma menos negativa que as mulheres. Este dado sugere que os
homens poderão estar mais inclinados para interpretar a perseguição por mulheres
como lisonja ou sedução (Shea, 1993; ibid.). Muitos homens poderão também não
acreditar que um homem possa ser perseguido por uma mulher, ou, poderão
considerar de forma menos séria esse comportamento porque as mulheres são
normalmente consideradas como fisicamente menos poderosas. Ainda, por
oposição à publicidade que é frequentemente dada aos abusos masculinos, tem
sido feita uma menor divulgação pública dos abusadores femininos, com particular
relevo para a excepção que o livro de Michael Crichton (1992; ibid.) constituiu, e o
qual acabou por originar o filme “Disclosure” (com Michael Douglas e Demi
Moore).
Por sua vez, existem várias interpretações possíveis para as mulheres responderem
de forma semelhante em ambas as situações de perseguição masculina e feminina:
uma é a de que as mulheres poderão estar mais sensíveis aos comportamentos de
"abuso sexual" porque, historicamente, a perseguição sexual tem sido uma ofensa
cometida por homens contra mulheres (MSPB, 1988; ibid.). Neste sentido, elas
poderão ter tido um acesso mais frequente a informação sobre este tipo de abuso
sexual (ou mesmo tê-lo experienciado), ou serem capazes de se identificarem com
as potenciais vítimas independentemente do género da vítima (Charney e Russell,
1994; ibid.).
A teoria da atribuição (Kelly e Michela, 1984; ibid.) é utilizada frequentemente para
explicar estes dados. Segundo Pryor (1985; ibid.), por exemplo, ver-se (ou não)
determinado comportamento como “assédio sexual” depende da informação
contextual, das expectativas do observador e, em particular, do quanto o
comportamento é visto como excessivo para o abusador. Por exemplo, em situações
heterosociais, os homens são, mais que as mulheres, socializados para iniciar a
actividade sexual (Crooks e Baur, 1993; ibid.). São frequentemente encorajados
para serem sexualmente agressivos, para serem dominantes e fortes fisicamente.
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Como resultado, as diferenças perceptivas entre homens e mulheres poderão
reflectir um processo de atribuição causal que os homens aplicam selectivamente
aos outros homens mas não necessariamente a outras mulheres na mesma
situação.
F I M – THE END
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