In: “O som e o sentido: uma outra história da música” de José Miguel Wisnik.
Aluno: Johnny Professor: Alan Disciplina: Evolução da Música V
Florianópolis, 2 de Dezembro de 2004.
O capítulo em questão, retirado do livro “O som e o sentido” de José Miguel Wisnik, trata principalmente sobre o dodecafonismo – sistema de doze sons criado por Schoenberg em 1923. Sistema que rejeita o que é tonal, ignorando o movimento cadencial de tensão e repouso. No primeiro capítulo Wisnik já ressalta características – juntamente com os compositores em questão – importantes da música no início do século XX. Claude Debussy é citado juntamente com o estado de suspensão não resolutiva presente em sua música, Bartok pelo uso de modalismos encontrados também nas músicas populares, e Satie, Varése e Stravinski pela polirritmia, timbres que mais lembram ruídos e paródia de suas músicas. O autor lembra também do tupiniquim Villa-Lobos e do americano Charles Ives, compositores das Américas, entre outros. A diferença entre o dodecafonismo e o minimalismo também é comentada. Um trabalha a repetição exaustiva de melodias e pulsos passando por processos de fase e defasagem, o outro é o contrário, foge da repetição através de uma organização simultânea dos sons, ignorando a melodia, harmonia e rítmica. O motivo de uma série simultânea é não elevar nenhuma das notas – no caso a repetida antes da hora – a um caráter de tônica. Neste tipo de música a memória normalmente não é capaz de repetir o que ouviu. Mas para o autor, esse esforço em evitar a repetição sonora é utópico, pois a nossa percepção puxa para o uníssono, nas alturas, e para o pulso, na percepção rítmica. Quanto ao minimalismo, que surge nos Estados Unidos na década de 60, na sombra do serialismo, se caracteriza pela repetição. Arpejos articulados em tempos variados, são a característica de Philip Glass; melodias aparentemente simples, repedidas e gradualmente acrescidas de novos elementos são típicos de Steve Reich. Para o autor, as duas correntes estão falando da mesma coisa: da ruptura entre o tempo subjetivo e o tempo musical. Ele diz que a música atonal está ligada com um traço do tempo que foge à experiência: o “não-tempo inconsciente”, enquanto não-linear, não-ligado e não-casual. Já no minimalismo, a repetição retornando em ostinato “esvazia a música”, falando com as palavras de Wisnik. Para ele o dodecafonismo se relaciona com o lado urbano-indústrial da simultaneidade, fragmentação e montagem, enquanto que a música minimalista com o mundo pós-industrial informatizado, com sua repetição em larga escala, proliferando-se simulacros. Quanto a tonalidade, ela sempre foi a espinha dorsal da música ocidental, porque oferece ao ego um certo equilíbrio. Ela é capaz de exprimir direções além de criar problemas e depois resolvê-los, como um ioiô que sobe e desce. Na música atonal, não é possível retornar. Nas palavras de Anton Webern: “Era tão excitante voar em direção às mais longínquas regiões tonais, para depois retornar ao ninho aconchegante da tonalidade original! E, de repente, não se voltou mais – esses acordes astutos tornaram-se tão equívocos! Era muito agradável tudo isso, mas finalmente não se considerou imprescindível retornar à tônica”. O minimalismo mostra o “ioiô” da música tonal colocando em destaque a repetição, construindo e desconstruindo ambientes sonoros. Seria como a morte do sujeito, onde a impotência para agir leva à formação de um “eu mínimo”, que teria a camada protetora da repetição eterna.
O autor também cita Wagner como a principal influência da música atonal
de Schoenberg, aparecendo inicialmente no último movimento do Segundo quarteto para cordas op.10, pelo enfraquecimento dos elos tonais pela modulação contínua (influência de Wagner). O atonalismo é a quebra do sistema, mas para Wisnik pode-se ouvir na obra de Schoenberg traços e fragmentos perdidos do romantismo de Brahms, contendo o caos do discurso tonal que o sustenta. Para Schoenberg, o atonalismo não foi feito para produzir obras longas, devido a falta de articulações de discurso. Depois de um retiro de 10 anos, em virtude da 1ª grande Guerra - vale lembrar que durante este tempo Schoenberg não concluiu nenhuma obra – ele dá por fundado o dodecafonismo, um sistema de composição baseado na montagem de séries de doze sons, organizando assim a bagunça que era então a música atonal. O dodecafonismo também recusa a escala diatônica, usando em seu lugar a escala cromática, que é um campo sonoro sem centro, sem notas que se destacam, sem que um som preceda outro. Além disso na construção da série de notas devesse evitar os intervalos estruturais da tonalidade, como por exemplo oitavas, terças e quintas, ao contrário disso devesse tender para o uso de sétimas maiores, segundas menores, nonas e ao trítono, pois são intervalos mais atritantes do sistema tonal, deixando então a série o mais longe possível da tonalidade. Outro ponto importante do texto é quando ele fala dos espelhos que são formados pela repetição de mesmos intervalos, só que inversamente. Esses espelhos abrem um campo de variações ao tratamento polifônico, dificilmente aparecendo como tema melódico, tendendo mais para uma melodia de timbres (como na obra de Webern). Com Webern, a dodecafonia ganha um alto grau de concentração e uma economia isenta de traços do romantismo. Ele pratica um serialismo denso em sua sonoridade e ao mesmo tempo rarefeito. O som é pontuado de alturas timbrísticas espaçadas e recheadas de silêncios. Em algumas obras pré- dodecafonicas, Webern anuncia a futura música eletrônica, devido à ruptura de qualquer alinhamento melódico e pelo intervalo dos timbres. Webern inspirou Boulez e Stockhausen a praticarem um serialismo generalizado, não só nas alturas, mas de timbres, intensidades, durações e modos de ataque. O compositor radicaliza o princípio do espelho, como visto em Concerto para nove instrumentos Op.24, onde ele transpõe uma série de três notas usando uma figura inicial, seu retrógrado, a inversão e o retrógrado da inversão. O som de Webern parece localizar-se mais no espaço que no tempo, mesmo suas defasagens parecem corresponder mais a uma topografia que uma rítmica. Para Wisnik, o dodecafonismo não tem como realizar desenvolvimento. Schoenberg tenta faze-lo, concebendo o campo descentrado da série como um lugar para o estabelecimento de novas relações progressivas. O movimento das notas não tem profundidade e a direção não importa (como peixes nadando em uma água rasa). Mas em Webern, esta falta de desenvolvimento se cristaliza em formas rarefeitas, condensadas e simétricas, que se não tem para onde evoluir, apontam pra si mesmas e para o vazio que as cerca. Por isso Webern é único, distinto de schoenberg, sua fonte e do serialismo que se baseia nele. Wisnik inicia a quarta parte do capítulo citando que é possível a polifonia medieval e renascentista se relacionar com o dodecafonismo, pois ambas são contrapontísticas, uma em direção à tonalidade outra divergindo dela. Outra coisa importante a se registrar é o papel do trítono na música dodecafônica. É um intervalo radicalmente simétrico e instável, divide a oitava na metade e é igual à sua própria inversão. As suas duas notas se estranham sem que uma prevaleça sobre a outra. A perfeição sem centro, Deus e o diabo, toda essa mítica está latente no trítono e no dodecafonismo. Para Adorno, o projeto da arte moderna é visto como contraditório, progressivo e regressivo, o contraponto entre Schoenberg e Stravinski, mas Adorno sempre defendeu que os dois compositores tinham muito mais em comum do que o pensamento acima sugere. Então o princípio de ambivalência, presente em Adorno e Thomas Mann, em que a arte recusa a sociedade capitalista existente, mas ao mesmo não pode deixar de imitá-la. É sobre ambivalência também que Adorno escreve sobre Schoenberg na Filosofia da nova música. Schoenberg é um artista dialético, que assume o estado atual da linguagem levando em consideração todas as contradições. O compositor austríaco leva às últimas conseqüências à própria história da música alemã, negando a tonalidade, e buscando a deriva a melhor tradição beethoveniana e brahmsiana. A melhor forma de corresponder à tradição tonal alemã é através de uma música atonal, tendo a dissonância como algo mais racional que a consonância, pois mostra articuladamente a heterogeneidade dos sons, desta forma à consonância seria uma espécie de “falsa consciência” num sentido marxista. Porém para Adorno, o mérito de Schoenberg não é ter criado o dodecafonismo, mas “compor apesar dele”, como cita Wisnik. Ele compõe, não para afirmar a fórmula, mas sim para exercer uma espontaneidade através dela e contra ela. Ao contrário do que Adorno pensa sobre Stravinski com sua música regressiva, não suportaria as contradições históricas inscritas na forma, e busca um caráter obrigatório, de algo que se diz “pronto”, mesmo sendo feito de “empréstimos”. Mas o dodecafonismo se desenvolve cheio de uma convicção otimista acerca do progresso que ele mesmo representa. Schoenberg disse uma vez à um aluno que, “o sistema de doze sons deverá garantir a supremacia da música alemã para no mínimo os próximos cem anos”. Esta frase, além de cheia de um sentimento nacionalista, que já gerou tolas guerras entre outras coisas mais louváveis, também acredita em um poder ilimitado para a nova música. E isso prossegue nos serialistas da década de 50, Stockhausen, Luigi Nono e mais em Boulez. Esses compositores praticaram um serialismo integral, extensão do sistema criado por Schoenberg, apesar de uma vez Boulez ter dito: “Schoenberg está morto”, contrapondo as impurezas românticas dele à concentração de Webern, que disse: “A composição com doze sons atingiu em coerência um grau de perfeição jamais verificado anteriormente”, e: “estamos diante de uma apropriação cada vez mais completa do que é dado pela natureza! A série dos harmônicos é praticamente infinita...” Boulez e Stockhausen não seguiram Webern em toda a extensão que previam talvez porque a capacidade de produzir diferenciação das alturas tenha atingido um limite. Boulez, por exemplo, passa pelo silenciamento, pela atividade de regência e pela dedicação à pesquisa tecnológica. Outros silenciam ou voltam ao tonal. A razão moderna não sabe o que fazer quanto a isso. Alguns viram o fim do percurso harmônico como um paralelo entre o fim dos tempos. Em música, isso levou a um deslocamento de parâmetros: um sintoma é a passagem da organização das alturas para o uso da ruidagem eletrônica. Outro seria a retomada do pulso como em Stravinski e depois no minimalismo. Schoenberg, Webern e Berg não estavam concebendo a música do futuro, mas promovendo a transição do som contemporâneo das alturas ao ruído e aos timbres. Stockhausen uniu interesse serial a uma relação espaço-tempo na estrutura sonora, em sua obra eletrônica. No final, o resultado da obra de Stockhausen é o de texturas marcadas pela descontinuidade 9fracionamento do tempo musical numa seqüência de presentes sucessivos de duração variável. Em contrapartida, a sua música é movida por um desejo de unidade e da totalidade. Em Boulez, o ritmo de aceleração dos pressupostos da música dodecafônica pode ser ouvido nas formas velozes e hiperpovoadas do seu serialismo. Ao contrário de Stockhausen seu pensamento é analítico-dedutivo, separador, classificatório, e toma o serialismo como ortodoxia avançada. A música de vanguarda da metade do século é marcada por ruídos: ultracromatismo, microtons, glissandi, clusters, nebulosas de feixes probalísticos (o que é isso?), músicas aleatórias e indeterminadas. A exploração timbrística vai em direção à redundância entrópica, contém um efeito de reverberação que faz com que tudo pareça ser citação ou pastiche de outra coisa. Stockhausen é o compositor que melhor tem atravessado as mudanças sofridas na década de 70. Ele é o “elo perdido entre a ‘grande música’ e uma outra música que poderá surgir”. É ai que surge o minimalismo americano. A música ‘repetitiva’. Tem que ser ouvida abdicando-se da construção melódico-harmônica para focalizar o pulso. De caráter quase excêntrico, impressiona à primeira escuta. Para Wisnik ela foi colocada em cena justamente por Stravinski, claro que não num estilo repetitivo. Stravinski também pode ser responsável – para o autor do texto aqui analisado – pela estética do rock e do pastiche. Mas Stravinski acabou por compor em técnica dodecafônica, tomando seu contrário metafísico Schoenberg, e depois Webern “como seu avatar final”. As primeiras manifestações minimalistas surgiram na década de 60 e derivam de um clima “pop art”. Mais remotamente elas apontam para Satie, que na peça Vexations realizou uma espécie de esfriamento de jogos cadenciais e de repetições incessantes (840 ao total). O minimalismo se desenvolveu através de músicas onde pequenos motivos melódicos são repetidos de modo a se alterarem gradualmente. Isso se dá através da insistência do tempo – ao contrário de Webern, os compositores minimalistas usam o tempo como recurso. Suas peças chegam a durar mais de meia hora e conter menos notas do que o serialista utilizava em meio compasso. A técnica da repetição é usada de forma diferente pelos compositores do minimalismo: La Monte Young se baseia na sustentação de um som contínuo realçado por alterações em torno dele. Terry Riley usa o príncipio variando de acordo com a inspiração do improvisador. Philip Glass apresenta soluções mais interessantes, trabalhando com sons de origem tonal superpostos e combinados em movimentos contrários e paralelos que subdividem-se em recortes rítmicos e produzem texturas estáticas, em vez de progredirem cadencialmente. Steve Reich desenvolve processos graduais em que elementos em uníssono rítmico vão se afastando ou defasando até se encontrarem novamente. A música contemporânea, seja por qualquer linha descrita até agora vai descobrindo novas situações na relação entre tom e pulso. Isto é ao mesmo tempo novo e antigo.