Parlamento *’. Na versio ,
origindria da Constituigao, para além da reserva de lei fiscal prevista no art. 70°,
5" artigo 27. n2 3, da CR 1911, ats citado, Segundo PEDRO SOARES MARTINEZ, 0 artigo 8,
16, da CR de 1933, teve por forte inspiradora o § 30, do ar.* 72.°, da Constituigso brasileira de 1891
Direito Fiscal, cit, 72 ed., p.91
"y. |, M.CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, p. 163. Em 1951, ARMINDO MONTEIRO aproveitou
para fazer o elogio da reserva de lei parlamentar, como a dinica admissivel em matéria de imposes,
Fovecondo argumentos de garantia dos contribuintes, os quais estariam consagrados no art 8° n° 16 da
Constituigto (Introducdo .. 1, cit, 1951, pp. 82-83).
5 Embora a revistio de 1971 tenha alterado a redacedo deste § 1 do art. 70.°, passando a referir-se 8 taxa
“ow aos seus limites” e as “isenges a que possa haver lugar”
* Todavia, j8 durante 0 Estado Novo, € embora a Constituigdo de 1933 nito fizesse referéncia a um
‘qualquer poder tributirio ou autonomia financeira dos municipios, © Codigo Administrativo enumeray®
{3 impostos que as Camaras Municipais podiam langar ¢ fixava os limites mximos das taxas desses
iimpostos, atrbuindo-lhes competéncia na determinagdo da taxa em concreto: V., por exemplo,
ALEXANDRE PINTO COELHO DO AMARAL, Direito Fiscal, Segundo as prelecgBes... it, 1957, pp.
33.04,
® Mencionando essa divida, ALBERTO XAVIER, Conceito ¢ natureza... cit. pp. 288-289; mas 0 autor
lembra que ao mesmo tempo, a reserva de lei formal consagrada pelo art. 70.” tinha wm aleance maior
anlerionmente 2 revisto, pois, antes desta, as taxas dos impostos e as isengGes tinham de ser fixadas por
Ici enquanto apés a revisho apenas os limites das primeiras e o quadro das segundas tinha de ser definido
por lei
Bnenhuma disposigao reservava expressamente tal matéria 4 Assembleia Nacional.
como notou Cardoso da Costa, a degradacao do significado do principio da legalidade
fiscal ocorreu especialmente a partir da revisdo constitucional de 1945, que equiparou
os poderes legislativos da Assembleia Nacional e do Governo **. A revisio de 1951, ao
delimitar as matérias da competéncia legislativa exclusiva do Parlamento, das quais nfo
constavam 0s impostos, tomava claro que 0 Governo podia também intervir “no
dominio circunserito pelo art.’ 70.° e seu § 1° ". Ainda segundo o autor, “[a]
‘competéncia para a criagiio de impostos e para a definigao dos seus elementos essenciais
passou, pois, a partir de entdo, a estar atribuida, em pé de igualdade, a Assembleia
Nacional € ao Governo como érgio colegial” **. E também os érgaos legislativos para o
ultramar podiam legislar em matéria de impostos, a0 abrigo do art.° 151° da
Constituigao ©,
_. Mas 0 entendimento da doutrina sobre este assunto nfo foi undnime, havendo
quem defendesse que a matéria fiscal continuava reservada a Assembleia Nacional.
Encontramos em Pessoa Jorge a sintese dos argumentos num e noutro sentido ”°.
Assim, a favor do entendimento de “lei” do art.° 70.° da CR de 1933, como significando
J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit. pp. 164-165. Na verdade, a revistio de 1945 veio prever a
ratificagao de decretos-leis publicados fora dos casos de autorizagio legislativa, a qual era concedida
lacitamente, se nio fosse requerida a submissdo desses decretas-leis a apreciagao da Assembleia, nas dez
primeiras sess6es posteriores & publicagio por pelo menos cinco deputados (art® 109. § 3).
"J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 164-165. Mas nem toda a doutrina dew essa
interpretagio ao art 70.°, § 1: V. a referéncia breve em PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal,
cit, 10. ed, p. 94. E 0 conjunto de argumentos apontados por FERNANDO PESSOA JORGE, todos
relacionados com a demonstragdo de que 0 ar.° 93.% ao enunciar as matérias sujeitas a reserva de
‘competéncia legislativa parlamentar, nfo continha uma enumeracao taxativa das mesmas. Assim, segundo
© autor, o art” 70, § 1, tinha autonomia perante o art.°93.°,¢ dele resultava directamente, a reserva de lei
parlamentar em matéria fiscal: Curso... cit, pp. 98 ess, V. desenvolvidamente, a nota adiante,
“1. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, p. 163.
© Segundo os arts. 150.° € 151., introduzidos pela revisio constitucional de 1951, a competéncia
legislativa para o Ultramar pertencia no s6 a Assembleia Nacional e Governo, como também ao Ministro
do Ultramar, sob a forma de decreto, diploma legislativo ministerial ou portaria legislativa, € aos
Governadores e Conselhos Legislativos das provincias, revestindo neste caso a forma de diploma
legislativo (cf. arts. 150.° e 151.° da Constituigdo ¢ Bases X, XXIV, XXVI e XXXIII da Lei Orginica do
Ultramar Portugués), ¢ entendendo-se nao ser aplicdvel o art° 70, § 1 da Constituiglo; mas padendo a
Assembleia Nacional ¢ 0 Governo da metrépole legislar sobre matéria fiscal do ultramar - embora tal
‘pinigo nao fosse undnime ~ valia a preferéncia de lei: V., ainda antes da revistio constitucional de 1971,
JM. CARDOSO DA COSTA, Direito Fiscal, Licdes ao 3.° ano juridico de 1967-68, Coimbra, 1968, pp.
119-121
" PESSOA JORGE, “Poderdo os impostos ser criados por decreto-lei?", Separata da RFDUL, vol.
XXIL, Lisboa, 1968, Entendendo que a Constituigio de 1933 consagrava uma reserva de lei parlamentar
44lei da Assembleia Nacional e decreto-lei do Governo, foram aduzidos os seguintes
argumentos: a partir de 1945, 0 Governo passou a ter competéncia legislativa normal; a
criagdo de impostos nfo se achava compreendida na reserva de lei do art.” 93.° da
Constituigiio; apesar de os defensores da tese contraria afirmarem que 0 art 70.° da
Constituigao tinha como fungo histérica assegurar a “defesa dos cidadaos”, essa tese
nao seria valida, porque a Assembleia Nacional tinha de autorizar anualmente o
Governo a cobrar as receitas na geréncia
ediata (art? 91.° n.° 4); a palavra lei no
tinha necessariamente o sentido estrito de lei da Assembleia Nacional ”!,
Segundo Pessoa Jorge, esta argumentago suscitava diividas. O autor
considerava, por um lado, que o art.° 93,° era excepeional, “porque cont{inha] desvios
a0 principio da igualdade legislativa” do Govemo ¢ da Assembleia Nacional, mas além
disso, a enumeragio do art 93.° nao seria exaustiva: “a prépria Constituigééo abr[e]
mais excepcdes” de que eram exemplo ~ para além do art” 70.° § 1 - a criagao de leis
para o Ultramar (art.° 150.°n 1), ¢ a aprovagao de convengGes e tratados internacionais
(art? 91.°, n° 4)”, O argumento de que a protecgio dos cidadios se bastava com a
autorizagdo anual de cobranga de impostos também nio seria vilido, pois o art? 70.° § 2
86 exigia tal autorizagio, quando estes eram estabelecidos por tempo indeterminado, ou
por perfodo ‘certo “que
Htrapassasse uma geréncia® e pderiamos, pelo menos
teoricamente, ter impostos novos criados em cada geréncia ”. A revisio de 1945 nao
‘em matéria de impostos, mesmo antes da revisto de 1971: ARMINDO MONTEIRO, Introdugdo... 1 cit,
1951, pp. 82-83; PEDRO SOARES MARTINEZ, Curso de Direito Fiscal, ., cit, 1960, p. 94; Da
Personalidade tributdria, ct, p. 270; Em sentido contrario, por exemplo, J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, “Os
Pri =, cit, (1966), pp. 226-230. Este artigo resulta de uma conferéncia proferida
esse ano em Lisboa, no mbito da Associagdo Fiscal Intemacional, tendo 0 autor tecido, nas entrelinhas,
critcas a inexisténcia de uma reserva de lei parlamentar em matéria de impostos; ef. ainda, sem tomar
Posiedo, e referindo que entendimento dominante sobre o art. 70° § 1 considerava “em pé de
igualdade, a lei € 0 decreto-lei", Direito Fiscal, Apontamentos das ligies dadas pelo Excelentissimo
fenkor Professor Doutor Pedro Soares Martinez ao 3.* ano de 1968-69 e coligides pela Comissao
radagégica & folhas, Lisboa, 1969, p, 147; FERNANDO PESSOA JORGE, Curso... cit, pp. 98-105,
FEZAS VITAL, Direito Consttucional, Ligdes publicadas, com autorizagao, por Mauricio Canelas
Martinho Simdes, Lisboa, 1945-46, pp. 244-246; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito
dministrativo, 2. ed., Coimbra, 1947, p. 418; parecendo colocar em pé de igualdade a lei da Assembleia
Nacional ¢ 0 Decreto-lei do Governo, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrative, 5
ed., Coimbra, 1960, pp. 77-78
" F, PESSOA JORGE, “Poderto os impostos "cit, pp. 8-10
"'B. PESSOA JORGE,
"oderdo os impostos ..”, cit, p. 1
” F, PESSOA JORGE, “Poderdo os impostos.."
pel4teria dado um novo sentido ao conceito de “lei”, e no caso do art.” 70.°, tal sentido
novo ndo era possivel *’. E finalmente, segundo o § tnico do art.° 181.° da Constituigao,
os decretos regulamentares poderiam excepcionalmente revogar determinadas leis ou
decretos-leis, mas ja nao, por exemplo, as matérias do § 1 do art.° 70.° ¢ do art.° 93.9 °°,
Com a revisto de 1971, numa interpretagio isolada do art.° 93.°, a competéncia
Iegislativa em matéria de impostos estava exclusivamente reservada & Assembleia (art.°
932, al. h)), quanto aos elementos do art.® 70.° § 1 (na redacgfio que Ihe foi dada em
1971, 0 art 70.° § 1 estabelecia que em matéria de impostos, a lei deveria determinar “a
incidéncia, a taxa ou os seus limites, as isengGes a possa haver Iugar, as reclamagdes
0 recursos admitidos em favor do contribuinte”).
Mas do § 1.° do artigo 93.° decorria a possibilidade de o Governo legislar sobre a
por autorizagao parlamentar ou em caso de urgéncia e necessidade piblica,
ficanda. nesses casos o decreto-lei sujeit
o a ratificagio da Assembleia, sob pena de
caducidade do mesmo °?. Embora as autorizagdes legislativas nao pudessem ser
utilizadas mais do que uma vez, nao era
qualquer referéneia ao contetido das
mesmas, 0 que permitia que a Assembleia Nacional concedesse ao Goveno
autorizagdes legislativas em branco, e Ihe delegasse uma competéncia global sobre a
matéria das autorizagdes °*, ao que acrescia o facto de a Constitui
fo ndo prever a
fiscalizagdo organica da constitucionalidade ”. Nao se pode assim falar de uma
° F, PESSOA JORGE, “Poderio 0s impostos..", cit, pp. 15-16.
°F PESSOA JORGE, “Poderio 0s impostos ..", cit, p. 16.
°F. PESSOA JORGE, “Poderdo os impostos..., cit, pp. 17-18. Todavia, em sentido contrério, anos
antes, © mesmo PESSOA JORGE, Curso... cit, 1963, pp. 70 € ss.: a palavra lei do art.” 70.° da
Constituigéo designaria tanto a lei da Assembleia Nacional como o decreto-lei do Governo, desde 1945. E
(0 autor admite aqui os regulamentos, porque a Constituigo s6 reservaria a lei os principios gerais em
matéria de impostos (pp. 72-73).
°7y., assim, ALBERTO XAVIER, Manual... cit., p. 113; J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit,
pp. 168 ess.
% Como ja escreveu JM. SERVULO CORREIA, Legalidade ¢ autonomia contratual nos contratos
administatives, Coimbra, 1987, pp. 186-187. E no mesmo sentido, J. M. CARDOSO DA COSTA,
Curso... Cit, p. 169, nota 1
Desde que os diplomas fossem promulgadas pelo Presidente da Repiblica, como resulta do art 123°,
§ 2°, na versio de 1971; € pot todos, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 180-185. E certo
‘que PESSOA JORGE, por exemplo, defendeu que do art.° 8.° n° 16 decorria uma garantia individual,
dando aos tribunais © poder de nao aplicarem normas de tributagao feridas de inconstitucionalidade
formal ou orginica, mesmo que elas constassem de diplomas promulgados pelo PR (“Podertio os
impostos.., cit, p. 21), mas esta interpretago nunca vingou,
46scompeténeia excepcional do Governo” em matéria fiscal, como pretendia Alberto
100
Xavier
Como escteveu Alexandre do Amaral, a propésito do prineipio da legalidade
fiscal na Constituigdo de 1933, “[s}e a matéria que tem de obrigatdriamente ser objecto
de disciplina da lei ordindria & apenas aquela que apontamos acima [a enumerada no
art. 702, § 1], logo se vé que uma parte bastante extensa da regulamentagao da relagio
juridica fiscal pode ser realizada através de regulamentos ... Deve notar-se além disso,
que, quando estes regulamentos revestem a forma de decretos regulamentares, que so
promulgados pelo Chef de Estado ..., poucas garantias existem de que eles nao
invadam a matéria reservada a lei formal, pois nos termos do § tnico do art. 123.° do
texto constitucional, é vedado aos tribunais apreciarem a inconstitucionalidade organica
‘ou formal dos diplomas promulgados pelo Chefe de Estado” '""
Decorria ainda do art? 702, § 1.°, que a conereta taxa de imposto bem como as
isengdes (entendidas como sinénimo de beneficios fiscais) podiam ser definidas por
regulamento '
Na vigéncia da Constituigao de 1933, a semelhanga aliés do que aconteceu no
mbito de vigéneia das Constituiges monirquicas e liberal, foi o Governo quem
exerceu as competéiicias legislativas tributarias '°. A Cénstituigdo esérita é a realidade™”
constitucional conjugaram-se de tal modo que (também) em matéria de impostos nao se
pode falar de um Estado de Direito no ambito da Constituigao de 1933 '*.
Assim, apesar das similitudes da disciplina da legalidade fiscal nas constituigdes
escritas de 1976 ¢ de 1933 — nomeadamente, tendo em conta a versio inicial desta e a
versio de 1971 -, 0 significado actual da reserva relativa de competéncias legislativas
deve distinguir-se da figura vigente durante a Constituigo de 1933, que repudiou a
separagdo de poderes do liberalismo, e em que a Assembleia Nacional nio s6 nfo tinha
ALBERTO XAVIER, Manual... cit, pp. 113-114,
"" ALEXANDRE PINTO COELHO DO AMARAL, Direito Fiscal, cit, 1957, p. 31. A situagao
‘manteve-se mesmo apos 1971
V., por exemple, ALBERTO XAVIER, Conceito... eit, pp. 287 € ss.; J. M. CARDOSO DA COSTA,
Curso... cit., pp. 175-176. Este autor admitia mesmo a possibilidade de as isengdes e a taxa serem
cconcretizadas por “simples acto administrative individual” (Idem, p. 176).
"® V. por tados, PEDRO SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, cit, 102 ed. pp. 94-95 (89 ess.)
"Assim, ¢ em geral, JORGE MIRANDA, “A Competéncia legisativa..., it, pp. 9 es.supremacia legislativa, como a produgdo normativa desta
auténtica vontade popular” |.
correspondia a “mais
E certo que, no quadro da revi
0 de 1971, alguma doutrina se esforgou por
interpretar o principio constitucional da legalidade fiscal, segundo os parametros de um
Estado de Direito, em que a ideia de auto-tributagdo teria sido novamente consagrada,
“regressando & tradigio e ao figurino da generalidade dos sistemas constitucionais
estrangeiros”, numa Idgica nao apenas garantista, mas democratica, propria dos Estados
is de Direito '"*.
oe Secedo II
Delimitacao de competéncias (ou vertente competencial da legalidade), objecto
alcance da reserva de lei
1. Delimitagéo de competéncias em matéria de criagdo de impostos e sistema fiscal:
linhas gerais
Quer se salientem as semelhangas ou as diferengas do principio da legalidade
fiscal, nas constituiges de 1933 e de 1976, ndo hi davida que nesta tiltima, ele se
enquadra na tradi¢do do liberalismo, numa légica de Estado social de Direito, com as
viriudes e as manifestages de crise que encontramos nos _ordenamentos
™ Como faz notar JM. SERVULO CORREIA, Legalidade... cit, p. 186. E esta diferenciagao € tanto
‘mais necessétia, quanto, como esereve PAULO OTERO, “{clomparando 0 tempo de vigéncia dos
diferentes momentos constitucionais analisados, a histéria constitucional portuguesa revela, em primeiro
Jugar, um claro predominio das experiéncias poiticas que envolvem uma supremacia do drgdo executivo
sobre 0 6rgao parlamentar”: Legalidade e administragdo publica, O Sentido da vinculagiio
administrativa @ juridicidade, Coimbra, 2003, p.113, verificando-se ou 0 “apagamento ou mesmo a
supressio do érgio parlamentar, assumindo a lei a natureza de uma fonte (directa ow indirectamente) de
autovinculagdo normativa do executivo” (Idem. p. 111): pp. 110-116.
© Assim, por exemplo, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso... cit, pp. 166 e ss. nota 1, pp. 166-167,
48contemporaneos que nos sio proximos '"”. O facto, por exemplo, de a competéncia
ativa em matéria de criagdio de impostos e sistema fiscal estar reservada ao
le
Parlamento e de este poder delegd-la ao Governo, nos termos do art.? 165.°, n° 1,
ie
ne 2 da CRP, ja ndo deve ser interpretado como uma auséncia de legalidade
democritica. Pelo contrario, ela insere-se na lgica do Estado social de Direito,
vos.
transmitindo uma “ideia de partilha diacrénica do poder? "> no ambito de um
“policentrismo institucional” '”, e traduzindo uma (quase) “homogeneizagio politica da
Assembleia da Repiiblica e do Governo”, em que ambos séio democraticamente
legitimados '".
Na verdade, no contexto do Estado de Direito do pés segunda guerra, a reserva
a legislativa esté associada & afirmagio corrente de que os
relativa de competér
govemos dispdem de legitimago democritica por emanarem das maiorias
parlamentares, e de que a actual divisdo de poderes ocorre entre a maioria (de que fazem
parte o Governo ¢ 0 Parlamento) e a minoria que se constitui em oposigiio !!”
Neste contexto, as autorizagies legislativas ao Governo em matéria fiscal,
previstas no n.° 2 do art. 165.° da CRP, tém como objectivo contrabalangar 0 poder
legislativo parlamentar com um poder legislative governamental mais especializado ¢
nte das imperfeigdes da lei na sua aplicagao efettiva, pela sua proximidade’ da
administragao fiscal e de organizagdes internacionais como a OCDE ¢ a Comunidade
Europeia — Casalta Nabais refere-se a este propésito ao “contrabalangar do. poder
legislative pelo poder fictico e técni
0 da administragio”, a “uma certa
"" Procurando, pelo contririo, salientar as semelhangas entre as duas constituigbes, quanto ao “estatuto
funcional do Governo”, considerando que “merece especial atengio ... a excepcional concentragio de
competéncia normativa no Governo ~ em especial a amplitude da sua competéncia legislativa prevista
‘a Constituigdo de 1976 e directamente “herdada” do texto constitucional anterior", e de tendéncias
‘antiliberais": PAULO OTERO, Legalidade e administragao piiblica,.. cit, pp. 125, 129 (125-130). CE.
do autor, O Poder de substituigdo em direito Administrative ~ enquadramento dogmatico-constitucional,
11, Lisboa, 1995, pp. 626 e ss.. Justamente para se evitarem este tipo de leituras - que, é certo, néo tém em
Conta que nos Estados de Dircito do pés segunda guerra, os governos tém uma legitimagio demoeritica
Préxima da dos parlamentos -, deve exigir-se, no caso da legalidade fiscal, e como referimos adiante, que
5 autorizagoes legislativas contenham verdadeiras orientagdes politicas,
"JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 332.
J.M, SERVULO CORREIA, Legaidade... cit, p. 214 (toda esta ieia esti presente desde ap 188)
'” JORGE REIS NOVAIS, As Restrigdes aos direitos fundamentais..., cit., p. 829.
"" Por exemplo, por todos, JORGE REIS NOVAIS, As Resirigdes aos direitos fundamentals... ct, pp.
829 es,governamentalizago dos impostos traduzida na iniciativa legislativa governamental
na delegagéio legislativa” '"?, que designa também de “governamentalizagao fiscal
material” "3, 'Exemplo deste fendmeno sao as autorizagées legislativas orgamentais, que
centre nés sfio dadas anualmente ao Goveno a pedido deste, para, através de decreto-tei,
modificar a redacgdio de preceitos dos eédigos de imposto que levantaram duvidas de
interpretagdo aos servigos, ou que, segundo informagdes desses servigos, ou por
Ievantamento cruzado inter-estadual e recomendagio dos grupos de trabalho da OCDE,
demonstraram nao cobrir um conjunto de actos ou negécios juridicos que deveriam
estar previstos na lei ¢ que sio utilizados no planeamento fiscal ou para elidir a lei
fiscal.
Também manifestagdio da governamentalizacZo fiscal nos Estados europeus do
final do século XX e principio do século XXI, € a transferéncia do poder fis
il (no
sentido de eompeténcias para criar impostos e alterar os seus elementos essenciais) para
os governos no quadro da harmonizagao fiscal comunitéria, isto é, para o Conselho da
CE, e que Casalta Nabais designa de “governamentalizagao fiscal formal” '"*
Refira-se ainda, como um trago do Estado social de Direito no principio da
legalidade, a distribuigao ve
1 do poder tributério, ¢ esta sim constitui uma novidade
da Constituigdo de 1976 em relagio as anteriores constituigdes portuguesas: 0 legislador
constituinte portugués compreendeu que 0 principio democritico, que constitui um dos
fandamentos da reserva de lei, ja nfio € cabalmente assegurado pelo Parlamento
nacional, ¢ atribuiu aos Parlamentos regionais, ¢ as autarquias locais, poder tributério ~
12 JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... cit, p. 332. Sendo certo que, como reverso da
imedalha, a lei formal deixa de exprimir a razio ¢ a justiga para passar a ser produto de interesses
Frutculeres organizados: assim também JOSE CASALTA NABAIS, dem: “O Prinepio da lgslidade
Fecal e os actuais desafios..", cit, pp. 23-25. E V. ainda no mesmo sentido, aduzindo varios argumentos
para ilustar que as competéncis parlamentares em maria financera e que o principio da legalidade
Fecal denota uma =progressiva perda de significado juridico e politico,” ANTONIO LOBO XAVIER, 0
Greamento como le, Contribute para a compreensao de algumas especificidades do Direito orcamental
‘portugués, Coimbra, 1990, pp. 20 € ss. €34.€,
'D JOSE CASALTA NABAIS, “O Principio da legalidade fiscal e os actuais desafios..", cit, p.23,
1M José CASALTA NABAIS, “O Principio da legalidade fiscal eos actuais desafios da tributagao”, cit,
.23 (ef pp, 2824 e37 ess) ANTONIO LOBO XAVIER, O Orcamento como le... cit pp. 26:28;
FT JORO MIRANDA, O Papel da Assembla da Repiblica na construeao europeia, Coimbra, 2000,
to td ess. Defendendo a pouca influéncia da CE na governamentalizarao pola e legislativa, antes de
Pr jaticht, MARCELO REBELO DE SOUSA, “A Integraglo europeia pos-Manstricht € o sistema de
wevemo dos Estados-meoros", Andlise Social, 1992, ns. 118-119, p. 795. Sobre as competéncias do
Beyelho, FAUSTO DE QUADROS, Direito da Unido Europeia, Coimbra, 2004, pp. 257-258 ¢ ss.
50i.e, legislative ou regulamentar — nos termos previstos na Constituigao e ma lei. Nas
patavras de Casalta Nabais, a “clissica divisio horizontal de poderes provou ser pouco
cficaz, é democraticamente insuficiente e jé no é um obsticulo eficaz & absolutizacio
do poder” ',
ne 13/98,
de 24 de Fevereiro, veio abrandar a discusstio doutrinaria ¢ jurisprudencial sobre o
No que diz respeito as regides auténomas, a lei das finangas regionai
significado ¢ alcance do “poder tributirio proprio [de que dispdem as regides
auténomas}, nos termos da lei”. Recorde-se que esta discussio foi desencadeada com a
revisio constitucional de 1982 '"%, que introduziu tal poder no art.° 229.°, al. 1, da CRP,
¢ que nfo foi eliminada com a revisio de’ 1989, apesar de esta ter desdobrado as
competéncias legislativas regionais em matéria fiscal, num “poder tributério proprio”
num “poder de adaptago” do sistema fiscal nacional as especificidades regionais.
Recorde-se ainda que o significado de “poder tributério proprio” dividiu as
opiniges dos mais regionalistas ~ que admitiram um verdadeiro poder de criar impostos
regionais, sempre que houvesse interesse especifico, ¢ nos termos da lei geral da
Reptblica '"7 - e dos mais centralistas ~ que admitiam, no méximo, um poder de
1 JOSE CASALTA NABAIS, O Dever fundamental... ct, pp. 278-29. V. também JOAO BAPTISTA
MACHADO, Participapio e descentraitacio, democratizacdo ¢ newtralidade na consttuigdo de 76,
Coimbra, 1982, que caracteriza a “perfeitaimplementagio da democracia no quadro estadua.. (Como
onduzindo) 8 limitasfo [do} poder poltico da maioria. {em que o} Estado modemo .. aparece como
tina eapdcie de worgunizagloy de segundo grau, ot insttuigdo-cipula..” (pp. 78-79); 0 autor distingue
fm pp. anteriores, a deseenttalizagio imperfeta ou impropria ("descentralizayio_ meramente
partspatva”) da descentralizago plena "com adjudicaga de aribuigdes prépras e exclusivas”(p. 57).
TM. SERVULO CORREIA, Nogdes de Direito Administrative 1, Lisboa, 1982, pp. 125-127. E PAULO
OTERO, Legalidade ¢ adninistragdo pilica... cit, pp. 147-152. Quer a CR de 1911 (art? 66., 6.9,
quer a de 1933 (art? 120°, da versio origindria), previam a autonomia financeira dos corpes
‘Niministrativos lois, “na forma que a lei determina?”
Ne Sobre o aleance da autonomia legislativa regional antes da revisiio constitucional de 1982, V. por
todos, JORGE MIRANDA, “A Autonomia legislativa regional e o interesse especifico das regides
auténomas”, Estudos sobre a constituiedo, vol. 1, Lisboa, 1977, pp. 307 e ss.. Sobre a discussfo antes €
apis a Lei n® 13/98, V., por todos, EDUARDO PAZ FERREIRA, “O Poder tributério das Resides
‘auténomas: desenvolvimentos recentes”, BCE, vol. XLV-A, 2002, pp. 286 e ss.
"7 EDUARDO PAZ FERREIRA, 4s Finangas Regionais, Lisboa, 1985, pp. 103 € ss “O
Redimensionamento dos poderes econémicos € financeiros das regiGes auténomas pela jurisprudéncia
constitucional", Estudos de Direito Financeiro Regional, Ponta Delgada, 1995, 153-155; republicado em
Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997, v. pp. 582-583; em 1983, A. L. SOUSA FRANCO (“Sobre a
constituiga0 financeira de 1976-1982, Estudos, CEF, Comemoragio do XX aniversirio, I, Lisboa, 1983,
Pp. 117 ess.) entendia que 0 “poder tributarig proprio 56 podlia) ser o poder de criar impostos, com todas
as consequéncias ¢ contetido do art? 106.°, desde que fossem respeitadas as restrigies estabelecidas
pelos estatutos regionais, pela lei geral e pela tei definidora da forma e contetido desse poder tributario
proprio (p. 118). Admitindo, na linha do TC, apenas o poder de eriar impostas novos para a regio, mas
sladaptagio dos impostos nacionais ''*, O Tribunal Constitucional entendia que do
cardcter unitdrio do Estado portugués € do entao art.° 115.° n.° 3 da CRP (na versio de
1982, e correspondendo grosso modo ao actual art.’ 112°, n° 4), segundo o qual os
decretos-legislativos regionais no podiam dispor contra as leis gerais da Republica,
decorria uma proibigao de adaptagdo, por decreto-legislativo regional, das leis fiscais
parecendo nfo admitir 0 poder de adaptagio, em 1985, e jé admitindo este poder em 1993: J.1. GOMES
CANOTILHOIVITAL MOREIRA, Constituigdo da Reptiblica Portuguesa Anotada, vol. 2, 2 ed.
Coimbra, 1985, pp. 362-362; IDEM, 3" ed. (1993), pp. 858-859. Admitindo quer a criago quer a
adaptagio, diz-nos J.J. TELXEIRA RIBEIRO: “..o que se pretende saber se, depois de a Constituigdo ter
concedido poder tributério proprio as Regides AutOnomas, a alinea i) do artigo 168.° ainda deve ser
interpretada como tendo reservado a Assembleia da Republica a criago de todos e quaisquer impostos,
‘ou se ja deve sé-lo no sentido de pertencer as Regides Auténomas a eventual criagao de alguns”. A esta
{questi responde o autor afirmativamente, desde que estejam preenchidos os seguintes requisites: “o
artigo 229° da Constituigdo exige, no seu corpo, que o poder tributério das Regides Auténomas seja
definido nos respectivos estatutos, cuja aprovago cabe & Assembleia da Repiiblica; exige, depois, na sua
alinea a), que ele se conforme com a Constituigao © as Leis Gerais da Repiiblica que sto leis da
Assembleia ou decretos-leis do Governo sob autorizagao; ¢ exige, finalmente, que ele seja exercido nos
termos da lei, Que também é lei dimanada da Assemblela da Repablica” (“Criagao de impostos pelas
regites auténomas”, Estudos de Direito Regional, cit, pp. 456-457). O autor equipara ainda, e bem, a
‘eriaglo de impostes & alterago dos seus elementos essenciais, para efeitos de reserva de lei ¢
competéncias tributiias das regides (Idem, p. 457): 0 autor mantém a posigo expressa em 1986, pois
este artigo ja tinha sido publicado na RLJ, 1986, n° 3743, pp. 33-36. Também MARIA LUISA DUARTE
se refere a um “poder de auto-limitaglo” da AR, através da aprovarao da lei da qual depende o exercicio
do poder tributrio pelas regides auténomas: “com a aprovagdo da referia lei, verifica-se uma deslocagio
dde uma matéria originariamente da competéncia reservada para uma competéncia partthada com as
regiGes auténomas, embora sujeita a limites fundamentais”, ie., interesse especifico, limite territorial,
inderrogabilidade das leis gerais da Republica, enquadramento legal e principios constitucionais (“As
receitas tributarias das regiées autonomas”, Estudos de Direito Regional, cit. pp. 502-503); CARDOSO
DA COSTA, na declaragdo de voto no acdrdao do TC n.* 267/87, repensando a doutrina do acérdao n.*
191/84, que tinha subscrito, admite agora expressamente o poder de adaptagao do sistema fiscal nacional as
especificidades da regio;
A. L. SOUSA FRANCO, “A Autonomia tributéria das regides”, Estudos de Direito Regional, Lisboa,
1997, pp. 467-468 (Comunicagio a VIII Semana de Estudos dos Agores realizada em Angra do Herofsmo
‘em Junho de 1987, incluida no volume A Autonomia Como Fenémeno Cultural e Politico editado pelo
Instituto Agoriano de Cultura). Para SOUSA FRANCO, decorria do art.” 106.%, n° 2, que a eriagio de
mpostos estava reservada A lei da Assembleia da Repiblica, mas “nada obstaria @ que a Assembleia da
Repiblica, através duma lei-quadro, fixasse principios gerais sobre a adaptagao do sistema fiscal regional
€ cometesse 0 seu desenvolvimento aos érgios legislativos regionais, em primeira linha, porque se trata
de matéria que € do seu interesse especifico” (IDEM, p. 468). E mesmo depois da revisSo constitucional
de 1989, em que 0 “poder tributério proprio” e o “poder de adaptagtio do sistema fiscal nacional as
‘especificidades das regides” s80 autonomizados, SOUSA FRANCO, interpretando da mesma forma 0
significado de “poder de adaptagio” (Finangas do sector piblico, introduedo aos subsectores
instiucionais, Lisboa, 1991, pp. 693-694) defende que o poder méximo das regides auténomas em
mmatéria tributiria & 0 poder de adaptagao, considerando que © poder tributério préprio € um poder que se
situa entre aquele © o poder administrativo: Jdem, pp. 695-696. Todavia, lembre-se que o Tribunal
Constitucional, antes da revisto de 1989, embora também tenha feito uma interpretagdo restrtiva de
“poder tributério proprio”, f@-la no sentido de considerar que este apenas podia consistir na possibilidade
de criagdo “ex novo” de impostos regionais: acorddos n° 91/84, de 29.8; 348/86, de 11.12; 267/87, de
31.8. V. ainda J.L. SALDANHA SANCHES, anotagio ao acérdio n° 91/84, CTF, ns. 310/312, pp. 408-
409. O Professor entendia que nos Estados unitérios como o portugués, o poder tributério se encontrava
‘concentrado num