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O espelho préprio dos travestis Damas de Paus. O jogo aberto dos travestis no espelho da mulher, OLIVEIRA, Neuza Maria de. Salvador: CEB/UFBA. 1994. Neuza Maria de Oliveira troz para a cena dos estudos de género no pais umaimportante contribuigdo com Dama de Paus. Enfocando especialmente os processos de transformacéo nocorpe enaalma “realizadosporhomens que se travestem”, mostra como eles progressiva- mente afastam-se da imagem masculina e as- sumem 0 fisico, a postura e o comportamento inspiradosna figura damulher. No entanto, um géneropeculiar, esse que ostravestisdoPelourinho, Salvador, Bahia, estilizam. A contribuigGo de Neuza é ainda mais relevante quando levanta © véu que encobre a figura do cliente, os seus desejos e a sua interagao com os travestis. A linha escolhida pela autora é ousada, pois pre- tende analisar a relagGo deste determinado universo com a sociedade envolvente e, nesse ANOS 97 4] 1? SEMESTRE 95 sentido, ao mesmo tempo que seduz o leitor com insights importantes também incorre em certas generalizagéesnem sempre pertinentes A autora apresenta trés categorias para darcontada metamortosehomem-mulher, que embora manipulem a imagem de mulher con- servamsutis diferengase se reconhecem como identidades distintas. As categorias sao: os fransformistas, que cultivam 0 encanto do dis- farce; de dia so homens e de noite mulheres. N&o recorrem 4 castragdo, ndo tomam horménios e néo usam silicone. Seriam homens que em determinados momentos representam mulheres. JG 0s travestis so aqueles que, dife- rentes dos transformistas, arnpliam oslimites da alteragdo corporal. Frequentemente recorrem aos horménics e ao silicone. Os seus corpos aproximam-se da forma anatémica do da mu- ther. Os transexuais se considerom “mulher na pele de homem”, e buscam intensamente a identidede absoluta com a mulher. A auto- mutilagdo de genitalia é um desejo recorrente, mas sobretudo 0 imaginario feminine que per- seguem é 0 da mulher pacata e submissa. Formam um continuo e se ciferenciam no sentido em quese ofastam dosatrisutos do sexo masculine e. conseatientemente, aproximam- se dofeminino. Um ¢homem de dia e mulherde noite, 0 seu corpo ¢ reversivel: 0 segundo nao pode maisser definido come homem pois o seu corpo contacom atriputosfemininos: eotercei- 0, Castrado, foge da ombiglidade e aproxi- ma-se definitivamente do género feminino. Es- t@o hierarquizados segundo a proximidade que conseguem estabelecer com o género femini- no. Mas, de outro prisma, impera também outra hierarquia que se opéia fortemente na ambi- Qiidade e na manuten¢do dos atrisutos valor- zados dos dois géneros. Segundo a escala de valores dos travestis, eles estao no topo, pois retnem atriutos femininos valorizados e res- guardam um atrisuto definidor da identidade masculina - 0 pénis. O livro se abre com uma instigante visao histérica da prostituigdo de travestis. Propde que incremento dacatividade observadonadécada de 806um fendmenoassociado amodaunissex, as drag-queens aperformances de personagens do rock and rolle do universo cinematogratico. Enquadra-se em um clima mais geral de androginizacdo da cultura ocidental. Desta maneira, contextualiza-se os travestis, inserindo- osnum campondonecessariamente marcado peloestigma,Omesmomovimentoderelativizagao esté presente na andlise da inversdo de género presente em diferentes épocas e culturas. O titulo do livro € um achado: Dama de Paus- uma figura do baralho que sinaliza para a ambigtidade do universo estudado. Porém, se a caracteristica mais morcante dos travestis é justarnente ter cara inspirada ne aparéncia de mulher e drgdio sexual de homem, ou seja, aparentar ser mulher em cima e homem em baixo, torna-se uma incongruéncia a composi- G0 da capa. Como os travestis, a figura da capa deveria estar invertida. A complementagao do titulo *O jogo aberto dos travestis no espetho da mulher” traz em siuma tensdo que perpassa toda a andiise, mas talvezisto ocorra justamente por exprimir a ambigtiidade, atributo da propria categoria em anélise. Em diferentes momentos, o livro sugere que o "travesti ndo se traveste propria mente de mulher, nem pretende fazé-lo" (intro- dugéo de Cectiia Sardenberg, p. 14) ou é a personificagdo oniricada "mulher que néo exis- te” Oliveira p. 37). “Ele se espelha num estere- Stipo de mulher, numa fabricagae do feminino que s6 existe enquanto uma fabricagdo”. A identificagdo plena com amulher fica o cargo dos transexuais, que se submetem a castragao para se aproximar 6 méximo possivel da figura feminina. Ora, amulheridealizada pelos traves- tisno encontra respaldo em certa figura femi- nina, submissa e recatada, Qual é 0 espelno em jogo? Bem sei que a idéia de espelho traz.em si @ idéia de distorgdo, mas se for analisado 0 proceso de construgdo dos travestis ver-se-6, claramente, que ele se dé apenas entre traves- tis, que o modelo a ser seguido é um travesti jé feito. O resuttado final ndo sGo mulheres e sim homens com corpo, andar e postura de travesti e que apresentam érgGo sexual masculino. Como propée a autora, eles *querem ser mulheres com algo mais, com algo que falta és mulheres. Querem ser mulheres félicas” (p. 46). Creio que, para entender este universo, 6 pou- co esclarecedor se ater exclusivamente 4 dicotomia que se baseia na construgdo de género - homem/mulher. Quando se esta em duvida sobre o sexo de um travesti e ocomre a pergunia se é homem ou mulher, a resposta & Clara -nenhum dos dois, é um travesti. Na soci: edade brasileira, os travestis integram uma ter- ceira categoria e, por isso mesmo, eles espelham-se, miram-se neles mesmos. E verda- de que este debate sobre o necessario dualismo ou ndo das categorias de género 6 um tépico em aberto, A reflexdo, sobretudo a antropolégica, tem enfrentado esta questao: se as categorias do pensamento que se debru- cam sobre a difereniga anatémica dos sexos podem desigar-se oundo do constrangimento do dimorfismmo sexual da espécie humana’. Num plano de anélise, as reflexdes que se apdiam na dicotomia dos géneros é perti- nente, j& que sGo homens que alteram 0 corpo @ 0 comportamento, aproximande-se da mu- ther, Esta é uma classificagée primeira que encompassa todas as outras. Porém, num outro nivel, énecessério fugir desta dicotomia, pois os travestis, ao aproximarem-se da figura femini- na, criam uma terceira categoria, socialmente identificavel. Nesse sentido, aidéia de que eles realizam “um ritual de transformagdo no espe- tho feminino” (p. 76) obscurece em parte a complexidade da questao, Hé um espelho pré- prio dostravestis. Areferénciandosao asmulhe- f@8 € sim os préprios travestis. O aprendizado se dd entre eles, através dos conhecimentos exigi- dos para efetuagdo da transformagao, desde os detalhes como horménios e silicone & camuflagao do pénis. Aprépria maneira como se dé a “pratica prostilutiva’, na qual o travesti néo desempe- ' HEILBORN, Maria Luiza, Género e Hierarquia: a costela de Addo revisitada. Revista Estudos Femi- nistas v. 1 n° 1, CIEC/ECO/UFRI, p. 50-82, 1993. ESTUDOS FEMINISTAS 7.5 N. 1/98 nha necessariamente o papel de passivo, afas- ta-0 do género feminine. Assim, a recusa da emasculagdo e 0 préprio comportamento se- xual classificado como masculine na atividade de penetradores distanciam-nos do papel fe- minino. A castragGo que os transformaria em transexuals poderia aproximé-los ainda maisda figura mulher; contudo, eles mantém o pénis, gestando-se a figura ambigua, que é por sinte- seum travesti. Seo travesti oproxima-se, de fato, de alguma mulher, parece ser da prostituta, justamente por que esta, diferente das outras mulheres, controla a sua prépria sexualidade e, portanto, em certo sentido, aproximam-se do comportamento sexual masculino’. Como ainterpolagao entre os dois planos de anélise ndo foi tratada exaustivamente, o texto apresenta-se ambiguo, pois a cada mo- mento um deles prevalece. Ora os travestis se inspiram na figure feminina, ora ndo 0 fazem Mas Neuza de Oliveira, ao mesmo tempo que permite certa confusdo entre estes dois pianos, apresenta toda a complexidade do tema. Se- gundo a prépria autora, “os travestis, com sua fantasia rebelde, subvertem uma ordem cultu- ralmente inspirada na diferenga anatémica entre os dois sexos que aprisionam ossujeitosem dois grandes reinos - 0 masculine e 0 feminino” (P. 38). “Muitos travestis, longe de desejar se transformar definitivamente em uma mulher, desejam antes de tudo conservar sua ambigui- dade, ouseja, permanecernamargem’ (p.71). © outro eixo fundamental da interpreta- G60 de Damas de Paus é a abordagem da Prostituigdo como *negécio do sexo". A autora ‘opta pelo éngulo do mercado e do trabalho pare afastar-se "da construgaeideolégica que concebe (a prostitui¢do) apenas sob 0 ponto de vista do corpo que se vende” (p. 20), Nesse sentido, a idéia é interessante pois pressupde a Nog de troca, que envolve todos os parcei- ros, Porém, este aspecto ndo é exclusivo da atividade prostituinte. O casamento, com o respectivo dote, como bem ressalta a autora (P. 82), pode ser visto sob o mesmo prisma, A prostituigao pode ser entendida como relagao especial de troca que envolve bens com valo- fe simb6licos distintos, Troca-se 0 corpo, algo considerado pessoal, intimo, Unico, por dinhei- fo, bem impessoal por exceléncia. Nessalinna de raciocinio considera a prostituigo como uma troca mercantile o travesti como forca de ?GASPAR, Maria Dulce. Garotas de Programa, Pros- tituigao em Copacabana e identidade social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. ANO3 976 1°SEMESIRE 95 trabalho social, aderindo & linha contemporé- neadereivindicagéo dacategoriacomotrabalha- doresdo sexo. Essa op¢Go, seradicalizada, aca- bapordeslocar dimensées desta atividade que no se esgotam na esfera do trabatho ou do mer- ado, mas felzmente esta linha de pensamento NnGo pepassatodoo rabatho de Neuzade Oliveira, Considera, desta forma, 0 corpo do tra- vesti como a “ferramenta do negécio do amor’(p. 90) € propée que ele exerce a sua atividade com a mesma competéncia que qualquer outro trabalho (p. 85). Os travestis nao parecem ter diividas de que sua atividade éum trabalho e em seus depoimentos deixam transparecer que eles ndo esto negociando ‘amore sim sexo; a figura da troca amorosa nao fazparte do negécio"(p. 121). Esta éticaleva a Perceber o programa como um acordo previa- mente estabelecido, no qualndo existea desor- dem onitica, das fantasias devassas: ele esté submetido & mesma ordem que o trabalho no proceso proditive legitimo, obedece dsmesmas pancadas de repeti¢do e monotonia (p. 121). Cabe perguntar se estes acordos envolvem os diferentes tipos de violéncia que geralmente sdo praticadas contra ostravestis. ia maisalém; © sexo ndo & um dominio que traz em si a possibi- lidede, mesmo que remota, da desordem? Uma nota estranha no livro é a auséncia de qualquer refiexdo sobre as informagées ob- tidas a partir de entrevista. Refiro-me especial- mente & veracidade de algumas informagées sobre varios aspectos da atividade prostituinte. Embora possa considerar que mentirndo é um atributo exclusivo dos atores socicis que se de- dicam 4 prostiluigo (como as garotas de pro- grama, que anaiisei), suspeito que umasérie de contradigSes presentes na einografia repou- sem neste hdbito. Primeiro, apesar de vérias referéncias fornecidas pelos entrevistados so- bre os elevados ganhos obtidos com a prostitui- ¢G0, 0 seu cotidiano é marcado pela falta de dinheiro. Situagao que fica evidente quando Neuza de Oliveira descreve os condicdes de moradia dostravestis do Pelourinho. Talvezeste- ja operando af uma hipervalorizagéo dos gan- hos obtidos na prostituigao para justificar a en- trada e permanéncia nesta afividade. Os su- postos “pagamentos elevados” langam uma sombra em aspectosnegativos da prostituigdo. © segundo elemento que pode incorrer em manipulagdo da verdade reside no fato de 08 travestis frequentemente mencionarem ser um desejo recorrente dos clientes serem pene- trados (p. 18). No quer dizer que tal desenlace do programa ndo ocorra, mas muito provavel- mente ele & muito menos freqiiente do que os travestis pretendem que se acredite. Muito embora este seja um programa que resuite em uma dasmaioresremuneragées, percebe-se que a eregdo no deve ser reguiamente conseguida devido ao proceso de feminilizagGo apoiado Na ingestdo de horménios. Neuza de Oliveira 6 textual: a conseqtiéncia mais drastica dessa prética é a redugdo da capacidade de ere- gG0 em decoréncia da desordenagao do metabolismo orgénico (p. 73). Narealidade, no encontro entre travestie cliente embaralham-se os signos de masculine ¢ feminino. Apesar de ser 0 travesti que modela (© seu corpo e 0 seu comportamento segundo padrdesfemininoséo cliente que, com aparén- cia masculina, solicita a penetragao, colocan- do-se assim numa posi¢do feminina, conside- rando-se 0 modo como se articula a cultura sexual brasileira’, No terreno do ambiguo, os inversées se sucedem: 0 estigma, ainda que tempordrio, recai sobre o cliente: ¢ o travesti que ao modelar o seu corpo desenfatiza sua vilidade, 6 chamado a afirmé-la, porque & exatamente o que o cliente parece procurar. © mundo dos travestis methorse revelanum episédio. O aprego pela ambiglidade e pela inversdo fica evidente na histéria do casamen- to de umamutherhomossexual com um travesti @ de cuja unido nasce um filho (p. 76). Estamos ‘aquino dominio domito. Menos que apergunta sobre a veracidade da verséo, o que cabe ® PARKER, Richard. Corpos, Prazeres e Paixées. Cul- fura sexual no Brasil contemporéneo. Rio de Janei- 0: Best Seller, 1997 assinalaré a estruturanarativaquepotencializa a ambigtiidade e 0 sentido de margens que caracterizam omundo dostravestis, Cesar Paiva, um amigo antropdiego j4 falecide hé muito tempo, denominou-a de “inverso do reverso” Neuza escolhe a visibilidade de Roberta Close, famoso transexual, nocenérionacional,para ensciarumainterpretagdomaisgeneralzante, Pro- pe que 0 sucesso de Close pode ser conside- rade como um indicador de que a sociedade brasileira teria optado pelo falso (travestis, pro- dutos eletrénicos da Coréia, Taiwan e Hong Kong (p. 51), Dionte desta generalizagao um pouce apressada, cabe assinalar que falso & ambiguo néo sdo sinénimos. E que certamente hd muito a se investigar sobre aquilo que cons- titui a cultura sexual € erética brasileira, que invade dominios aparentemente distantes de duas fronteiras iniciais’ Para coneluir, considero que a questéo que, no momento, mais se destaca em qual- quer reflexGo sobre sexualidade é o papel das doengassexualmente transmissiveisna constru- G0 das fantasias ¢ no exercicio do prazer. muito problemdtico que um trabalho sobre pros- tituigo homossexual ndo faga uma tnica refe- réncia 6 Aids. Quase no final do livro (p. 126) 0 Ieitor descobre que 0 trabalho de campo foi feito (provavelmente) em 1983, porém nenhu- ma palavra Ihe foi dirigida avisando-o que 0 contexto 6 pré-Aids. Seria desejdvel que aapre- sentagdo de Damas de Paustrouxesse alguma referéncia 4 sexualidade na era do virus HIV. 4 Ibidem, MARIA DULCE GASPAR Et

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