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Jurisprudéncia Critica VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO CUMPRIMENTO IMPERFEITO E GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO DA COISA VENDIDA; AMBITO DA EXCEPCAO DO CONTRATO NAO CUMPRIDO. (ACORDAO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 31 DE JANEIRO DE 1o80)* Acotdam, em conferéncia, no Supremo Tribunal de Justica: A autora, «Jo%o Félix da Silva Capucho, Lda.», com sede em Lis- boa, intentou pela 5. Vata Civel desta cidade, a presente acgio com ptocesso ordindrio contra a ré «Maximiano e Maximiano, Lda», com sede em Lameiras, Pero Pinheiro, comatca de Sintra, alegando, em resumo: A autora € uma empresa que se dedica ao comércio de méquinas, acessérios e materiais para multiplos fins. A 16, por sua vez, dedica-se A explorac&o industrial de mArmores e cantarias, Em 20 de Junho de 1973 a ré encomendou a autora 30 laminas de diamante, da marca Norton, com 32 dentes cada, destinadas ao seu engenho de serracio, a0 prego unititio de 5 8co$oo. Algum tempo depois de fornecidas estas laminas, a ré encomendou mais 20 laminas idénticas, as quais vieram a ser facturadas conjuntamente com as primeiras, totalizando o valor de ambos os fornecimentos a quantia de 290 ooo$oo, Por conta deste valor, a ré entregou 4 autora, por duas vezes, impor- tancias que somam o montante de 80 ooo$oo, estando portanto em débito 0 saldo de 210 coofoo. A 26 recusa 0 pagamento deste saldo sob o pretexto de que as laminas * BM.J., 293, 365. O sumdrio é do autor da anotagdo ¢ nao do Boletim. 124 A. MENEZES CORDEIRO vendidas no satisfizeram 0 perlodo normal de duragio, o que nfo é exacto. Concluindo pede que, na procedéncia da acco, a ré seja condenada a pagar-lhe a aludida quantia de 210 oo0$oo, com juros de mora & taxa legal a contas da citagao. A ré contestou, sustentando, em sintese: A té encomendou, na verdade, a autora, mas duma s6 vez, 50 lami- nas de serrar pedra. A autora deu A ré a garantia do poder de secragem das laminas para 400 metros quadrados de pedra, condico de compra das mesmas laminas. Tal garantia nfo foi respeitada pela autora, pois as laminas serraram, no méximo, apenas 150 metros quadrados de pedra. Esse facto € do conhecimento da autora ¢ até foi por ela confirmado, A autora, apesar de se haver comprometido a regularizar a sua falta a garantia dada, limitou-se a exigir da 1é 0 pagamento integral do valor das laminas pela emissio abusiva de letras a prazo de vista. A ré reagiu contra o abuso da autora, insistindo com esta na regulari- zagao do assunto pela remessa de novas laminas, A autora nfo cumpriu o contrato, faltando a garantia e 4 regulari- zagdo a que se comprometera e que a ré accitara. Deste modo, a acco improcede e, em consequéncia, a ré deve ser absolvida do pedido. Houve ainda réplica, em que a autora se limitou a confirmar o seu ponto de vista. Saneado e condensado o processo, efectuou-se 0 julgamento, com intervengio do Tribunal Colectivo, que respondeu, sem qualquer recla- magdo, 4 matéria de facto quesitada. A sentenga final julgou a acc&o procedente e, em consequéncia, con- denou a ré no pedido. Apelou a ré para a Relagdo, com inteiro éxito, pois este Tribunal, revogando a decis4o recorrida, absolveu a ré do pedido. Recorre agora a autora para este Supremo Tribunal e, pedindo revista, formula, em sfntese, as seguintes conclusdes: 1.8—A ré devia ter pago a autora o prego das so laminas vendidas contra a entrega da mercadoria e respectiva factura; 2.8 — Nao tendo efectuado tal pagamento, ndo cumpriu da sua parte a respectiva prestac4o e, assim, ndo pode invocar, como meio de defesa, a excepcio do incumprimento contratual da autora; 3.8— A mera anuéncia da autora a satisfagdo da garantia con- tratada nfo significa qualquer alteraco do contrato anterior, nem quanto a «mora debendi» em que a ré j& se encontrava e nunca deixou de estar; 4.°— A decisio recorrida violou os preceitos dos artigos 885.°, Ao 1, 428. © 921.9 do Cédigo Civil ¢, assim, deve ser revogada € confirmada a sentenga da primeira insténcia. VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 125 A t6, contra-alegando, apoia o julgado. Tudo visto, cumpre decidir. 1. A matéria de facto apurada configura-se deste modo: A autora dedica-se habitualmente, e com o fim de lucro, 4 venda de maquinas, materiais e acessérios para multiplos fins. A x6, por seu lado, dedica-se 4 exploracdo industrial de m4rmores € cantarias. A té em 20 de Junho de 1973, encomendou & autora 30 lminas de diamante, da marca Norton, destinadas a0 seu engenho de setracio, a0 preco unitirio de 5 800$00. Algum tempo depois, autora encomendou a ré mais 20 laminas iguais. As 50 laminas encomendadas foram entregues duma sé vez e factu- radas pelo preco total de 290 coo$oo. Por conta desse prego global a ré entregou A autora, por duas vezes, importancias que somam 80 o00$00. A autora deu A ré a garantia do poder de serragem das laminas pata 4oo metros quadrados de pedra, como condigéo de compra das mesmas laminas. As laminas setraram, no méximo, apenas 150 metros quadrados de pedra, de que a autora teve conhecimento em 28 de Janeiro de 1975. Com o fundamento de que as laminas no satisfizeram 0 perfodo normal de duragio, a r€ recusou 4 autora o pagamento do saldo de 210 co0$o0. A autora, em face do sucedido, ajustou entZo com a ré enviar-lhe novas laminas em substituigéo das aludidas 50 que dessem a diferenca de metragem de 150 metros quadrados para os 400 metros quadrados. A té, em 3 de Fevereiro de 1975, por carta, insistiu com a autora pelo envio dessas novas laminas ajustadas, remessa que a autora nunca fez. 2. Desctitos os factos apurados, facamos agora a sua anilise jutidica. O contrato de compra e venda é aquele pelo qual se transmite a proptiedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um prego —ar- tigo 874.0 do Cédigo Civil. No caso em aprego, a autora transmitiu a ré a propriedade de 50 lAmi- nas de diamante para setragao, da marca Norton, mediante o prego de 290 oco$oo, tendo a ré, por conta do prego ajustado, entregue a autora a quantia de 80 coofoo, Ora, atenta aquela nogdo ¢ os factos apurados, o negécio juridico efectuado pelas partes foi um verdadeiro contrato de compra e venda. Contudo, no caso em anilise, as partes nfo se limitaram a celebrar um simples contrato de compra e venda, com os efeitos normais: trans- missio da propriedade de coisa, a obrigacto de a entregar ¢ a obrigacdo de pagar o prego — artigo 879.° do Cédigo Civil. 126 A. MENEZES CORDEIRO Na verdade, como resulta dos factos provados, a autora deu 4 ré a garantia do poder de serragem das laminas em causa pata 4oo metros quadrados de pedra. Trata-se, pois, de uma garantia de bom funcionamento e de duragéo da coisa vendida — e essa garantia foi a razio de ser da compra, por parte da ré, das laminas. Todavia, as laminas em causa serraram, no m4ximo, apenas 150 metros quadrados. A hipétese sub-judice enquadra-se no disposto no artigo 921.9, n.° 1, do Cédigo Civil, que dispée: «Se 0 vendedor estiver obrigado, por convengio das partes ou por forga dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe reparé-la, ou substituf-la quando a substituicdo for necess4- tia e a coisa tiver natureza fungivel, independenetemente de culpa sua ou de erro do compradom. Em face deste normativo, a garantia dada pela autora importava, pata ela, duas obrigagées, independente de culpa sua ou de erro do comprador: Reparar as laminas, se isso fosse posstvel; 2.9 — Substitui-las por outras que dessem o poder de serra- gem ajustado, A autora, conforme vem provado, optou pela obrigagdo indicada em segundo lugar: substituir as so laminas inicialmente entregues por outras que dessem a diferenga de metragem dos 150 metros quadrados para os 400 da garantia, Nao cumpriu, porém, essa obrigagio, nunca substituindo as lami- nas entregues de inicio por outras nas condiges ajustadas. Nao obstante essa sua falta, veio pedir a ré, nesta acg3o, 0 resto do prego das laminas entregues inicialmentc, mas que nfo cobriram a garantia dada. A ré, porém, recusa-se a tal pagamento, invocando a inexecugio do contrato por parte da autora, E com inteira razio. Como atrés se disse, a autora, ao vender 4 ré as 50 laminas de ser- tagio, assumiu, de modo vilido, uma obrigagio de garantia: a de essas laminas terem um poder de serragem de 400 metros quadrados de pedra, Essa obrigagao de garantia nfo se verificou no entanto — as laminas apenas sctratam, no maximo, 150 metros quadrados de pedra. Dado esse defeito das primeiras 50 laminas, a autora acordou com a ré em entregar-Ihe novas laminas que dessem a diferenca de serragem de 150 metros quadrados para 400. Trata-se de um aditamento a0 contrato inicial, inteiramente valido, que nele se integrow © 0 modificon substancialmente (Codigo Civil, artigos 219.°, 398.9 € 405.°). VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 127 Em face desse acordo complementar, a autora ficou obrigada a uma nova prestagdo pata com a ré: a de lhe enviar novas laminas que dessem a difetenga do poder de serragem, constante da garantia assumida. Nao cumpriu, porém, a obtigacdo clausulada no acordo comple- mentar, Em face disso, a ré recusa-se a efectuar a contraprestardo: 0 pagamento integral do prego. ‘A atitude da ré tem perfeito cabimento no artigo 428.° do Codigo Civil. Este normativo consagra a chamada exceptio non adimpleti contractus. Pressupée ela trés condigdes: 1.4 — Ser 0 contrato bilateral; 2.8 — Nao efectuar um contraente a sua prestacio; 3.°—Nao haver prazos diferentes para o cumprimento das Ptestagdes. A primeira e segunda condigées verificam-se sem a menor divida: © contrato efectuado entre as partes € bilateral e a autora no cumpriu a sua prestagio: a entrega das novas laminas. E a terceira também se observa. Na verdade, no acordo complementar nada foi estabelecido quanto & ocasiio em que a ré devia cumprir a sua obtigacio de pagamento. Sendo assim, o prego das laminas ainda por liquidar devia ser efectuado pela ré no acto da entrega das novas laminas — artigo 885.°, a0 1, do Cédigo Civil. Deste modo, nao havia prazos diferentes para o cumprimento de ambas as prestagdes. Mas, mesmo que os houvesse ¢ segundo a melhor doutrina: «A excep¢io pode ser oposta pelo contraente cuja prestagio deva ser feita depois da do outro, s6 nfo podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprix primeiro» (Prof. Vaz Serra, Revista de Legislagao ¢ de Jurisprudéncia, ano 108.9, apg. 155). Assiste, pois, 4 ré 0 direito de invocar, a seu favor, a excepgio de inexecugio por parte da autora —e, assim, recusat a sua prestagao enquanto a autora nio cumprir primeiramente aquela a que se obrigou, tanto mais que a recusa da ré nfo contraria o principio basico da boa fé ( artigo 762.°, n.9 2, do Cédigo Civil, Profs. Pites de Lima e Antunes Varela, Cédigo Civil Anotado, vol. I, p&g. 284, € Prof. Antunes Varela, Das Obrigagdes em Geral, vol. I, 2.8 edicdo, pig. 283). Improcedem, pois, as conclusées da alegacdo da recorrente, nfo se mostrando violados os preceitos legais nela indicados. 3+ Nega-se, por isso, a revista, com custas pela recorrente. Lisboa, 31 de Janeiro de 1980. Costa Soares (Relator) — Alberto Alves Pinto — Octavio Dias Gatcia. ANOTACAO Pelo Dt. Anténio Menezes Cordeiro 1. A mattria de facto; problemas que suscita. I. Debruga-se o presente aresto em matéria assente nas instancias e que é a seguinte: a autora explora a venda de mAquinas e materiais e a ré, m4rmores; a autora vende a ré um total de cinquenta laminas de diamante por 290 cco$oo, assumindo a garantia de as mesmas poderem serrar 400 metros quadrados de pedra; a ré, que pagata 80 ooo$oo, apura que as laminas compradas apenas puderam serrar 150 metros qua- drados de pedra, pelo que recusa 4 autora o pagamento dos 210 ooo$oo remanescentes; instada, a autora compromete-se a enviar mais laminas até ao necessdrio para atingir o trata- mento dos 400 metros quadrados de pedra mas nao cumpre; a autora vem, finalmente, exigir judicialmente 4 ré o paga- mento dos 210 ooo$oo; a ré recusa, alegando o niio cumpri- mento das obrigagdes assumidas pela autora. A autora ganha na 1. instincia, perde na Relagao e, como se viu, no Supremo. I. O litigio, para além de evidente relevancia pritica, tem um interesse muito especial para a Ciéncia do Direito. Efectivamente, estio-lhe subjacentes algumas das questées mais controversas e actuais do moderno Direito das Obri- gagdes. Sem pretensio de exaustividade, até porque, da causa, apenas conhecemos o texto do acérdio do Supremo Tribunal de Justica, relevamos: a complexidade do conteido VIOLACAO POSITIVA DO CONTRATO 129 das obrigacdes, nomeadamente reportada 4 compra e venda; a violagao positiva das obrigagdes e as suas consequéncias; 0 problema do concurso entre as normas de teoria getal das obrigagées, aplicéveis em caso da aludida violacio positiva e as normas especificamente dirigidas & compra e venda; a posiggo da excepgio do contrato nfo cumprido, face a esse concurso, Vamos petcorrer, com a necessdria concisio, 0 es- tado actual dessas questdes, em ordem a valorar a posigio da mais alta instancia judicial portuguesa. 2. Obrigagies simples e complexas; prestagbes secunddrias e deveres acessorios. I. A discussio em torno do conceito e estrutura da obrigagio tem vindo a perder em extensfio o que tem ganho em profundidade. Nao estfio j4 em causa questdes como a da_ natureza real do vinculo obrigacional ou teorias como a da Schuld und Hafiung(); contudo o alcance exacto da figura, nomeadamente no tocante as implicagdes que, pata os inter- venientes, a sua existéncia acarreta, est4 em plena discussio. Partindo do principio que uma coisa é a formulacio de um conceito € outra a explicitagio do seu conteddo(2), temos por exacta a definigio, que de obrigagio, dé o art. 397.° do Cédigo Civil. (1) Em geral vide Menezes Corveztro, Direito das Obrigagdes (1980), 1, pp. 181 € ss, (2) A diferenciagio € clara a nivel de direito subjectivo. Este deve ser definido finalisticamente (petmissio normativa de aproveitamento de um bem) e no descritivamente (p. ex. direito de usar, fruir, transformar, dispor, etc.). Nesta linha situamos, p. ex., distingdes como a de situagdes estdticas ou finais e situacdes dindmicas ou instrumentais (Marco Com- Port, Diritti reali in generale, (1980), pp. 45-46). Acrescente-se, apenas, que © simples enunciado do direito subjectivo nada avanga quanto a realidade que o mesmo garante; donde a correcta designacao de conceito juridico formal — por oposigio a conceito juridico de conteido— que por Bucuer lhe é atribuido, Vide Eucen Bucuer, Das subjecktive Recht als Normsetzungsbefugnis (1965), pp. 36 © ss. OA-81-9 130 A. MENEZES CORDETRO Tal simplicidade 6, contudo, impossfvel no tocante a0 con- tetdo do crédito, o qual no pode cingit-se a um direito do cre- dor a uma conduta do devedor. De facto o credor tem, pelo menos, seguramente, os poderes de interpelar, de recusar pres- tagdes inadequadas, de accionar, disso sendo caso, os meca- nismos da responsabilidade civil e da agressio patrimonial, de transmitir o seu direito, etc. Perante isso, adivinha-se a com- plexidade da posigio do devedor, aliés nem sempre simétrica perante a do credor. Acresce que os diversos factores acima exemplificados —e muitos outros que, em concreto, € pos- sivel descobrir— nfo surgem, em simultaneo, no espago juridico; podem, até, nunca surgir. Dai que a obrigacio surja como realidade essencialmente dinamica e mutavel, suscepti- vel de aptesentar, a0 longo do tempo, um contetdo diver- sificado (3). Aparecem assim, epitetos tais como os de «pro- cesso», «plano», «estruturay e «organismo»(4) que, quando reportados ao contetido —e nfo ao conceito! — de obriga- gdo nos patecem correctos. Il. A complexidade de contetdo das obrigagées nao pre- judica a unidade do vinculo, centrado no objectivo de con- ferir ao credor a vantagem que o crédito delimita. Um tnico vinculo obrigacional, comodamente definido pelos sujeitos e pela especificidade da conduta devida ¢ uma obrigacio simples. Pode contudo suceder que, mercé de vicissitude ocotrida a nivel de fontes —normalmente contratos, mas com possibilidade de intervengio de qualquer outro facto constitutivo de obrigagées — surjam varios vinculos obriga- cionais interligados numa unidade funcional: a obrigagio é complexa. A distingio é melindrosa uma vez que toda a obri- gasio tem um conteido complexo. Contudo e visto que a nivel da vida a obrigagio simples ¢ uma, nfo se podem, a esta, retirar elementos que, isolados, constituam obrigagées. Q) Esser/Scumrpr, ScbuldrechtS, A. T., (1976), § 3, TI. (4) Esser/Scuampr, ob. loc. cit.; Lanenz, Schuldrecht\2, A. T. (1979), § 2, V- VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 131 P. ex., o poder de interpelar, a ser desinserido da obrigacio, nao seria, ele préprio, um vinculo crediticio. Pelo contrdrio, na obrigagio complexa € possivel retirar realidades que, nou- tras citcunstancias, consistiriam em verdadeiras obrigagdes (simples) completas. P. ex., contraida uma obrigagio complexa de entrega e transporte é possivel, em construgao, retirar dela seja a obrigacio de entrega, seja a de transporte. Na obri- gagio complexa, a unificagio dé-se em torno do escopo fundamental prosseguido pelo conjunto. Deste, destaca-se o elemento que mais directamente o prossegue: € a prestagio principal. A outra (ou outras) que funcionalmente a serve é a prestagao secundaria. No exemplo do texto, a obrigagio com- plexa de entrega e transporte compreende a prestagdo prin- cipal —a entrega— e a prestagio secundaria —o trans- porte (5). Ill. Da prestagio secundéria h4 que distinguir o dever acessério. Numa obrigacio distinguem-se, dada a sua com- plexidade de contetido, varios elementos. Destes, isolam-se, pela sua especificidade estrutural, quantos redundem em deveres de conduta, a cargo do devedor. A ideia dos deve- tes acessérios foi desenvolvido pelos tedricos alemaes que primeiro transformaram o conceito de boa fé, de conceito psicoldgico, em verdadeira realidade juridica e logo ético- -normativa(6). Existem varias formas de abordar esta reali- dade. Com simplicidade, podemos dizer que, dada a neces- sidade juridica de actuar as obrigagdes de boa fé — art. 762.°, n.° 2, do Cédigo Civil — o vinculo obrigacional nao se esgota na execugao pura da prestagao: antes impendem sobre o deve- dor toda uma série de deveres acessdrios destinados a pro- porcionar ao credor o bem que o direito lhe confere (7). (5) Cf. Menezes Cornero, Direito das Obrigagies, cit. I, p. 304-305. (6) P. ex, Konrap Scunemer, Trew smd Glauben im Rechte der Schuldverbalinisse des Bargerlichen Gesetzbuches (1902) § 31, maxime, p. 198. (7) Sraupmicer/Waser, Trex snd Glanben (§ 242 BGB)!1 (1961), A. 771 (p. 306); SosrcEt/Srmpert/KNopr, BGB — Schaldrecht\0 (1967), 132 A. MENEZES CORDEIRO Existe, na doutrina que desta matéria se tem ocupado, um problema terminolégico que sé pode ser superado atra- vés da introdugao de novas distingdes (8). Efectivamente, os deveres acessérios podem ser gené- ticos ou especificos, consoante respeitem a toda e qualquer obrigagio ou, apenas, a um determinado tipo (9). Por outro lado, eles podem, ainda, derivar da lei — mormente da cléu- sula geral — ou ter sido especialmente pactuados pelas partes. Temos, entio, deveres acessérios legais e convencionados (1°), Em qualquer caso, repare-se que eles nunca se confundem com prestagdes secundatias, préprias das obrigagdes com- plexas. IV. Ponto de interesse peculiar ¢, naturalmente, a deter- minagio dos deveres acessérios genéricos legais, a que, normalmente, chamamos apenas deveres acessérios. A dou- § 242, 100 (I, p. 41); Pauanpr/Hemarcus BGB39 (1980), § 242, 4 (P. 200); jd também PLancx’s Kommentar zum BGBS, Il, t (1914) p. 43. (8) Temos aceitado a designacao «dever acessérion, utilizada por Awrones VaRELA — Direito das Obrigaydes? (1980) p. 107 — pata traduzir os Nebenpflichten, expresso preferida por Essen/Scusmpr ob. cit, § 4 IL G, 1, p. 40). Esta parece ter as preferéncias da doutrina germAnica (p. ex. Sraupmcer/Weser, ob. cit, A 771; SozRGEL/SmsERT/KNopP, ob. cit., § 242, 101; PaLanp1/Hemrrcus, ob. e loc, cit., este embora teferindo também «direitos acessérios — para citar apenas comentaristas). (9) Resolvemos, assim, o problema da distingZo entre os «deveres de Prestagdo» € os «outros deveres de comportamento» Cf. LARENz, Scbul- drecbt\! ALT. p. 9 © Sebuldrecht12 A.T. p. 10. (10) A esta ultima categoria chama Larenz os «deveres de pres- tagdes acessdrios» (Nebenleistungspflichten) — ob. e loc. cit. E aqui reside a controvérsia: para evitar a confusio entre Nebenpflichten e Nebenleistungs- Dflichten, Lanxnz critica a tetminologia de Esser ¢ chama aos primeiros weitere Verbaltenspflichten. A distingao entre Nebenpflichten ¢ Nebenleistungs- bflichten parece-nos, contudo, assente por prismas diversos; p. ex., Worrcanc Tarte, Leistungsstiramg und Scbute pflichiverletzung, JZ, 1967, 650; Cernisttan von Bar, Nachwirkende Vertragspflichten, AcP 179 (1979), 464; Markus NevEnscHWANDER, Die Schlechterfillung? (1972) pp. 5-6. Podem ver-se outras designagdes em Ruporr Mannarr, Uber die Ent- stebung der Fordersg (1973), p. 25. VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 133 trina chama a atengio para a impossibilidade da sua enumera- G4o exaustiva (11); nfo obstante foram atingidos progressos sensiveis, nesse dominio, cabendo referir os trabalhos de SraupinceR/Weeer (12), SoprcgL/Stepert/KNorp (13) ¢ Pa- LANDT/HErnrIcus (14), O seu regime levanta delicados problemas a Ciéncia do Diteito que aliés esto por abordar entre nds. Alguns dos tragos mais interessantes nomeadamente no tocante aos deve- tes de Proteccao, serio, porventura, os seguintes: —podem preceder o apatecimento da obrigagio pro- priamente dita; — podem subsistir ainda que a obrigagio no surja ou seja nula; podem subsistir & extingao da obrigagio propriamente dita. No primeiro caso temos a culpa in contrahendo (18) cujos (11) P. ex. NevenscHwANpER. ob. cit. p. 7. (12) Ob. cit, A. 775. (13) Ob. cit, § 242, 103 ss. (14) Ob. cit, § 242, 4 B ae. A enumeracio de SozrcEL/SmBERT/ [Knopp jé foi revelada entre nés, por Mora Puvro — Direito das Obri- gaptes (1973), pp. 61-74. Vamos, por isso sumariar apenas a de Srau- DINGER/WEBER, retomada de perto por PaLaNpr/Hemricus; temos assim seis grupos: 1) Deveres de cuidado em sentido estrito (de guarda, de depésito ¢ de conservagio); 2) Deveres de protecgio em sentido estrito; 3) Deveres de informacio; 4) Deveres de esclarecimento (de exibiglo, de comunicacio, de explicagio); 5) Deveres de cola- boragio; 6) Deveres de assisténcia. Tudo isto é, depois, longamente desenvolvido. (15) Na sequéncia dos trabalhos de ErcHuzr e BALLERSTEDT, a culpa in contrabendo foi definida como a violagio de uma telagio de confianga, estabelecida entre as partes (p. ex. Kurt BAuuerstepr, Zwr Haftung fir culpa in contrabendo, AcP 151, 501 88.3 THmexz, ob. e loc. cit.). Daf detivaria um dever de protecg&o, que pode ser encontrado na cha- mada violagio positiva do contrato, no contrato com efeito de pro- teceio a favor de terceiro ¢ na responsabilidade do produtor. Além do trabalho de Canarts, abaixo referido, termos, por ultimo, FRANZISKA- -Sorem Evans-von Krnex, Nichterfillungsregeln auch bei weiteren Verbal- tens-oder Sorgfaltspflichtverlatzungen?, AcP 179 (1979) 85 € 68. 134 A. MENEZES CORDEIRO devetes nio mudariam com o surgir do contrato (16); no se- gundo caso, a subsisténcia de uma relacio de protecgio (ou de confianga) (17); no terceiro, responsabilidade pdés-contratual ou culpa post pactum finitum (18), Todas estas nogdes estio, neste momento, em plena reformulagao na doutrina, nfo sendo este o local oportuno para explanar os seus vectores evolutivos, Pareceu-nos contudo util dar conta da problemitica aliciante que levantam. (16) Uxercu Mitier, Die Haftung des Stellvertreters bei culpa in con- trahendo und positiver Forderungsverletzung, NJW, 1969, 2174. (17) Waxrer Gernarnr, Der Haftungsmasstab im gesetzlichen Schutz- verbaltnis (positive Vertragsverletzang , culpa in contrabendo), JuS, 1970, 598 ¢ Die Haftungsfreizeichnung innerhalb des gesetzlichen Schutzverhalinisses, JZ, 1970, 535. Segundo Craus-Winneum Cananis, Anspritche wegen «positiver Ver- sragsverletzungy und «Schutzwirkinng fir Dritter bei nichtigen Vertragen, JZ, 1965, 476, os deveres de proteccao teriam trés particularidades essenciais: poderiam existir independentemente de haver deveres de prestar, teriam © seu fundamento juridico nfo na vontade das partes mas na relagio de confianga ¢ nao seriam afectados pelas vicissitudes do contrato, incluindo a nulidade, (18) Causada por um puro fenédmeno de simetrismo jutidico a c.p.p.f., também dita responsabilidade pés-contratual ou, mais perfeita- mente, a doutrina da pés-eficicia das obrigagdes reine j4 mais de uma dezena de teses na Alemanha (Cf. Sraupincer/Weser cit, A 953 ss., pp. 396 ss.) tendo especial relevancia no Direito do ‘Trabalho (p. ex. Joser KAurrer, Die Vor-und Nachwirkungen des Arbeitverbalinisses, Duren, 1959, Pp. 31 € 88. € 37 ¢ 85.) Alicergada na confianga estabelecida entre as partes, cla permitiria, depois da extingio de um contrato, recorrer aos esquemas da responsabilidade contratual e nfo meramente aos da delitual (Cf. Kani-Wityeim Caristensen, Verschulden nach Vertragsende ! (Culpa post contractum finitum) Kiel (s.d.), p. 95). Uma andlise atenta das hipéteses em que a jurisprudéncia tem recorrido 4 figura e a ponde- ragio dos estudos que Ihe tém sido dedicados revela, a0 que pensamos, a existéncia de varias figuras unificadas sob essa designacio. Por ultimo, temos Hans-Woireanc Srrirz, Uber sog. «Nachwirkungenn des Schuld- verbaltnisses und den Haftungsmasstab bei ‘Sebilepflichtoerstssen, in Festschrift fit Friedrich Wilhelm Bosch (1976), pp. 999 88. € von Ba, Nachwirkende Vertragspflichten cit, que alids, discorda da sua existéncia em sentido prd- prio (maxime p. 474). VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 135 3. O problema na compra e venda. I. Do contrato de compra e venda emergem, no Direito portugués trés efeitos primordiais — art. 879.°: 0 efeito trans- lativo do direito, a obrigagio de entrega da coisa e a obri- gagao de pagamento do prego (19). Nao oferece dificuldade a qualificag3o deste contrato como bivinculante, sinalagmitico € oneroso (2°): do contrato derivam obrigagées para ambas as partes, como contrapartida umas das outtas e ambas supor- tando esforgo econdémico. O contrato de compra e venda compreende varias moda- lidades tipificadas na lei e um numero indefinido na disponi- bilidade das partes. A distingio mais importante cinde a com- pra e venda de coisa —i. ¢, do direito de propriedade sobre a coisa — da compra e venda de direito (21). Teremos, natu- talmente, em vista, a primeira modalidade. II. As obrigagdes de entrega da coisa vendida, a cargo do vendedor e de pagamento do prego, a cargo do com- ptador, sio obrigagdes simples. Mas sendo obrigagées, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessérios de diver- sos tipos, nos termos acima explicitados. Para além dos deveres acessdrios gerais, ha que considetar, também, os especificos (19) © contrato de compra ¢ venda é real quoad offectum, quando estejam em causa, natutalmente, direitos reais. No Direito Alemfo, é meramente obrigacional pelo que dele emerge a importante obrigagio do vendedor de transferir, para o comprador, a coisa (§ 433 BGB), o que se consegue através da tradigio ou do registo, consoante a natureza mével ou imédvel da coisa transaccionada, (20) ‘Tentémos fixar estas nogées na iiltima versio do nosso Direito das Obrigagées cit. Recordamos que uma coisa é saber se ambas ou apenas uma das partes estdo adstritas ao cumprimento (os chamados contratos «bilaterais» e «unilaterais») e outra saber se existe correspecti- vidade, genética ou funcional, entre as prestagdes. Um exemplo: a pro- messa «unilateral» do art. 411.0 € monovinculante porque s6 uma parte esté adstrita; é sinalagmética porque a ser cumprida, surgem duas pres- tagGes correspectivas que integram o definitivo. (21) Vide Lanmz, Scbuldrecbt) BLT. § 39, 1. 136 A. MENEZES CORDEIRO deste tipo contratual os quais ou detivam de lei expressa ou tesultam da confluéncia da cléusula geral da boa fé com © tipo contratual em causa. Com base em Sozrcet/Batierstepr (22) podemos apon- tar os seguintes: Deveres do vendedor: 1, Legais: uma série em que avultam os atinentes 4 res- ponsabilidade por vicio da coisa; 2. Cléusulas usuais no comércio: como os referentes a embalagens e transportes; 3. Derivados da cléusula geral: a) Deveres de infor- magao e instrugio; b) Deveres de consetvagio e protecgio; ¢) Deveres de colaboragio e obtengio; gd) Deveres de omissio. 4. Deveres pés-eficazes (24), Deveres do comprador : 1. Legais: varias, em que avultam as despesas do con- trato e acessérias; 2. Clausulas usuais no comércio: como os referentes a ven- das fob. 3. Vinenlagées relativas a precos, vendas e exclusivos. Encontramos, como possiveis, outras sistematizagdes (25). Ill. Dos diversos deveres acessérios legais espectficos que acompanham as obrigagdes emergentes da compra e venda, cabe examinar em especial os atinentes a eventual vicio da coisa. Quando se venda coisa genética, deve entender-se, pelas tegras gerais, que deve ser prestada coisa de qualidade média. Pode acontecer que a coisa nfo tenha essa qualidade ou que, (23) BGB— Scbuldrecht10 (1967), § 433, 66-74 (pp. 575-577). (24) Nachwirkungen: uma vez violados, dariam lugar 4 chamada responsabilidade pés-contratual. Vide supra nota (18), (25) Puancr’s Kommentar4, Ul, 2 (1928), § 433, 6 (pp. 651 © s8.); WoLFcane FIKentscHer, Scbaldrecht6 (1976), § 66, V, 2 ¢ 3 (pp. 356 € ss.); Larenz, Schuldrechtl! B.T. cit, § 40 e § 42; Pauanpr/Purzo, BGB39 (1980) § 433 (Pp. 431-433). VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 137 de qualquer forma, nao possa satisfazer o fim a que se destina ou n&o cortesponda ao assegurado pelo vendedor. O regime € espectifico. A partida, terlamos uma de duas situagdes: —ou houve dolo do vendedor, ¢ seguit-se-ia a anula- bilidade do contrato — art. 254.9, n.° 1 — com o regi- me de indemnizacio especifico do art. 908.9; —ou houve erro do comprador sobre as qualidades da coisa e, novamente, o regime seria o da anulabilidade —art. 251.°— mas desta feita com o regime menos gtavoso do art. g09.°; caso nao tenha havido culpa do vendedor, nao tem lugar esta ultima indemniza- Gao — art. 915.° Este regime, aplicavel por forga do art. 913.°, n° 1, é, porém, duplamente alternativo: —a anulagio nao tem lugar sempre que se mostre que, com conhecimento do defeito, o comprador teria igual- mente comprado os bens; ocotte, porém, entio, uma re- dugio do prego (art. 911.°); —em qualquer caso, e desde que o vendedor nao des- conhega sem culpa o vicio ou a falta da qualidade da coisa, pode o devedor exigir antes a reparagio da coisa ou a sua substituigéo (art. 914.°); essa obriga- gao funciona, também, independentemente de culpa do vendedor ou de erro do comprador se, por con- vengio ou pelos usos, o vendedor esté adstrito a garantir o bom funcionamento do objecto (art. 921.°, n° 1). Repare-se que, aparentemente, no dispositivo transcrito, esto apenas em causa sang6es. Mas delas facil é inferir quais os deveres acessérios existentes face ao vendedor, para nao incorrer nas aludidas sangées. 138 A. MENEZES CORDEIRO 4. AAs regras de cumprimento face & matéria do acérdao. I. No caso do acérdao, € evidente a existéncia de uma compra e venda de coisas méveis, sendo a obrigagio gené- tica, Pelos principios gerais e apesar da omissio da lei por- tuguesa, deveria ser prestada coisa de qualidade média (25). Resultou, no entanto, do contrato, a qualidade da coisa transaccionada: foram vendidas 50 laminas capazes de tra- tar 400 metros quadrados de mérmore, contra o prego global de 280 cco$oo, embora calculado por unidade. Nao se tendo estabelecido 0 momento do cumprimento, hA que aplicar as tegras gerais; ¢ sio elas: no tocante 4 en- trega da coisa, ela pode ser a todo o tempo oferecida pelo vendedor ou, também a todo o tempo, exigida pelo compra- dor — artigo 777.°, n.° 1; uma vez feita a enttega, 0 prego deve ser pago nesse mesmo momento — artigo 885.°, n.° 1. Quanto ao lugar do cumprimento: a coisa deve ser entregue no local em que se encontrava — artigo 773.°, n.0 1 —e 0 prego pago no mesmo local —artigo 885.9, n.° 1. Todas estas regras sio puramente supletivas, podendo pois ser alteradas por convengio; acresce que, no tocante ao Prego, a lei faz ainda cedéncia em relagio aos prdprios usos —artigo 885.9, n° 2. Il. E certo, pelo texto do acérdio, que a Ré nao pagou © prego no momento da entrega. Nao sabemos, porém, se, para tal, tinha a cobertura de convengao ou dos usos. Caso a resposta fosse negativa, haveria j4 mora do devedor (com- prador), por forga do art. 805.9, n.° 2, alinea a). No tocante as qualidades da coisa, houve, na matéria do acérdio, uma evolucio. Inicialmente, a vendedora assegu- tara 4 compradora determinada qualidade das coisas — o tra- (26) No BGB, a solugao resulta expressamente do § 243. No nosso Direito, propomos solugio idéatica, filiando-a no principio da boa fé (Menezzs Corpztro, ob. cit., I, p. 345). No caso da compra e venda, tal safda esté clatamente implicita no art. 913.°, 0.9 2. VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 139 tar 400 metros quadrados — qualidade essa que, veio-se a verificar, a coisa nao tinha. Daf que: — ou se provava culpa do vendedor, e este teria de subs- tituir ou reparar a coisa, se o comprador o exigisse — art. 914.9; — ou tal nfo se demonstrava ¢ quedava, ao comprador, a anulagio do contrato por erro —art. go9.°— mas sem a indemnizagao ai referida — art. 915.° ou, entio, a redugio do prego — art. 911.9, ex vi 913.9, no 1. Posteriormente, a vendedora reconhece 0 vicio da coisa € compromete-se a remedi4-lo. Parece, ent&o, haver a assun- cio da garantia do bom funcionamento da coisa, caindo-se ma previsio e regime do art. 921.°, acima exposto. Ill. O cerne da questéo é, porém, outro: em que me- dida séo compativeis as regras especificas da violagio de con- tratos de compra e venda com as regtas gerais do incumpri- mento das obrigacées? 5. A violagao positiva do contrato, I. O devedor adstrito 4 efectivagio de uma prestagio pode violat o seu dever por uma de duas formas: —ou pelo puro e simples incumprimento; — ou impossibilitando a prestagio. No caso portugués dispdem, respectivamente, os arti- gos 798.° e 801.9, n.° 1, do Cédigo Civil. Existe, no entanto, uma terceita possibilidade que a lei civil nao refere expressamente (27). A de ter havido um (27) Vem refetida pelo art. 799.°, 0.9 r, mas apenas para regular o nus da prova, que incumbe ao devedor. Reconhece expressamente a lacuna Pxssoa Jone, Direito das Obrigagées (1967), p. 479. Este autor Ppropée a integracio com base nas regras da empreitada (art. 1 218.° € ss.) que considera como o aflorar de principios gerais. AnruNES VARELA 140 A. MENEZES CORDEIRO cumprimento defeituoso (28). O Cédigo Civil prevé hipdteses especificas de cumprimento defeituoso nos contratos de com- pta e venda (905.° e ss. € 913.9 € ss.), doagio (957.°), locagio (1 032.° e ss.) e empreitada (1 218.° e ss.). Algumas dessas regras sio manifestamente especiais ou, até, excep- cionais. Outras sio porventura susceptiveis de traduzir o afloramento de principios gerais. H4, pois, que indagar se existem, ou no, regras gerais para o cumprimento defei- tuoso do contrato e se tais regras se aplicam cumulativamente nos casos especificamente objecto de previsio legal (2°). Il. Pouco depois da entrada em vigor do BGB, o pro- blema da nfo referéncia, no seu texto, 4 hipétese de cum- primento defeituoso, foi tratado, por Straus, como lacuna (3°). Pata a sua integragio propos Sraus a doutrina da violagio positiva do contrato: a violagao da obrigacio poderia advir nao sé de omissdes mas também de actuagées positivas. —Das Obrigagdes em Geral3 (x981), Il, pp. 120 € 88. nfo o diz tio claramente, mas reconhece-o, dada a integracio que realiza. (28) O problema vinha considerado por MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigagies3 (1965) pp. 326-327, alids sob o titulo de viola- do contratual positiva; o Cédigo de Seabra no Ihe dava, também, cobertura expressa. No 4mbito da prepatacio do actual Cédigo Civil, Vaz Serra dedicou & matéria o seu estudo Impossibilidade superveniente @ cumprimento imperfeito imputdveis ao devedor, BMJ, 47 (1955) pp. 65 © 8s. Este autor proporia o tratamento expresso do problema no Cédigo Civil (ob. cit., pp. 95-96); a sua proposta nio vingaria. (29) Outra hipétese nao referida na lei setia a quebra de contrato (Vertragsbruch); CE. FrxentscHer, ob. cit., § 42, 1, 2, 4) (p. 185). A quebra de contrato diria sempre respeito 4 violagio da prestacio principal ¢ nfo de deveres acessérios; pressuporia um contrato vilido; seria uma violagéo praticada por uma parte e ndo por terceiro; teria ainda de set conduzida por parte obrigada; nfo haveria quebra se surgisse uma justificago para o facto —p. ex., declarago de greve. Vide Kraus Frrepaicn, Der Vertragsbruch, AcP 178 (1978), 477, 478 € 479. A hipdtese esta por investigar, 4 face do nosso Direito. (30) CE, Frerz Wasrietie, Nichterfallung und positive Vertragsver- cent, (1978) p. 9. A actual doutrina alema continua apegada 4 ideia de que hé lacuna; assim WOLFGANG THIELE, Leistungstérung und Schutz pficbiverlescan, JZ, VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 141 O problema da violacio positiva do contrato ou, se se qui- ser, mais latamente, da violagéo positiva do crédito, levanta hoje ainda uma polémica crescente, que podemos centrar em trés pontos fundamentais: —o seu Ambito; —o seu fundamento e o seu regime; —as suas relagGes com as previsdes especificas de cum- primento defeituoso. III. No tocante ao 4mbito da figura, fazem ENNecceRus/ /LeHMaNN notar que nio constam do BGB violagées ati- nentes (31): 1—Aos deveres acessérios resultantes do § 242; 2—Ao mau cumprimento em sentido estrito (p. ex., ptestagio de animal doente que contagia os restan- tes do credor); 3 —A falta de uma prestagio singular numa obrigagio periddica, que implica, também, violagio do con- junto; 4— Mediante procedimento ofensivo de uma parte con- tra a outra, num contrato duradouro que exija cola- boragio e confianga miutua; 5 —A declatacio do devedor de no ir cumprir a pres- tagio devida. 1967, 653; Drerer Meprcus, Bargerliches Recht? (1975) n.° 247 (p. 109); FIKENTSCHER, ob. cit., § 47, I, 1; Panojorts At. PAPANIKOLAOU, Schlecht- erfillung beim Vertrag xugunsten Dritter (1977), § 3 (p. 20); LARENZ Scbuldrech#\2A.T. cit., § 24, 1. (31) Recht der Schuldverbalinisse\5 (1958) § 55, 1 (pp. 234 € 88.)5 Prmurp Heck, Grandriss des Schuldrechts (1929), teimpressio (1958) refere a violagio de prestagio de non facere e o mau cumprimento (§ 40, I, p. 118); Hans Brox, Allgemeines Schuldrecht6 (1977) refere, como hipé- teses de p.V.V. (0. 294-297, pp. 159-160): a violagdo de deveres acess6rios, 0 mau cumprimento de prestago principal, a violagio sin- gular em obrigagdo sucessiva e a declaragio de nao querer cumprir. Referimos, em geral, ainda SraupINGER/WzuER, ob. cit., B 421 € 8s., Sozrcet/Scumipr, ob. cit., § 275, 32 € 88.; PALANDT/Hemricus, § 276, 7. 142 A. MENEZES CORDEIRO IV. O fundamento e o regime desta figura sao objecto de complexo debate, de que podemos, apenas, dar breve nota. Apresentemos algumas teorias. Segundo uma orientagio, no haveria, aqui, qualquer lacuna: a chamada violagio positiva do contrato poderia, ainda, ser reconduzida 4 impossibilidade (32), Uma outra, classica, insere este problema na violacgio da boa fé (33). A tepetigio de julgados e a convicgao de obrigatoriedade da figura, hoje pacifica, levam autores a defender a existéncia, aqui, de direito consuetudindtio (34). A inexisténcia de normas a aplicar leva outros autores, a defender o recurso 4 analogia pata colmatar a lacuna (35). O sector mais avangado propugna a existéncia de um dever de protecgao, de base legal (36). Fica por resolver a questo do concurso com previsdes especificas de cumprimento defeituoso (37). Pela importancia deste ponto para o mérito da causa, vamos dedicar-Ihe uma tubrica prdpria. (32) Jory Himerscumm, Zar Frage der Haftung far feblerbafte Leistung AcP 158 (1959-60), maxime p. 288. Remarp WicHER, Zur Frage der Haftung far feblerbafte Leistung, idem AcP 158, pp. 297 € $8.5 maxime p. 301 faz notar que no fundo tudo depende do prdéprio conceito de prestagao. (33) A boa f€ acaba aliés, por ser sempre apontada, quando se busca apoio juridico-positivo. P. ex. CANAris ob. cit., 477-479 ¢ 482. Franz Wmacker, Zur Rechtstheoretischen Prixisierung des § 242 BGB (1956), p. 24, integra o dever se proteccdo na fungio de officium indicis do § 242. (34) Larunz, Schuldrecht12 cit., § 24, I (p. 301); SozncEL/Scumipr, ob. cit., § 275, 37 (p. 264). (35) Enneccerus/LEaMann, Recht der Schuldverbaltnisse\5 cit. § 55, IL (p. 237). (36) Sirvam as obras de CaNAnis, THtELe, Miter, GERHARDT ¢ EvANS-vON Kraex citadas supra notas (15), (16) € (17). (37) Considerando como tais, no caso vertente, as constantes dos artigos 913.° e seguintes do Cédigo Civil, para a compra e venda. VIOLAGAO POSITIVA DO CONTRATO 143 6. Consequéncias da violagdo positiva do contrato; concurso com o regime especifico da compra e venda. I. Interessa agora tomar posigao quanto as consequén- cias da violagao positiva do contrato. Para o efeito —e como aliés se infere do enunciado do 4mbito da figura— h4 que reconhecer reunir essa expresso realidades heterogéneas (38). Com base no 4mbito que nos advém dos autores alemies, podemos distinguir: —o mau cumprimento da prestagio principal; —o nao cumprimento de deveres acessérios; —o nao cumprimento de prestagdes secundérias. Outras figuras, como a declaracio do devedor de nio cumprir e a violagio de prestagio singular em obrigagio suces- siva levantam, em nosso parecer, problemas diferentes. A pri- meita, a ser séria, provoca a antecipagio do prazo do ven- cimento — vencimento imediato (39) — seguindo-se as situa- gées do no cumprimento ou da impossibilidade imputavel ao devedor, consoante os casos. A segunda, redunda num comum incumprimento, havendo, depois, apenas, debate quanto ao montante da indemnizagio. Uma terceira hipdtese a afastar — alias muito referida na doutrina— é a de, através de um cumprimento defeituoso se causatem, ao credor, danos que transcendem o Ambito do contrato. O exemplo mais citado é 0 de o vendedor de gado transmitir um animal doente, que vai contagiar a manada (38) Esser/Scumipr, ob. cit., § 29, II (I, p. 104). Ou, por outro prisma, uma sintese de conhecimentos histéricos (MULLER, ob. cit., 2175). (39) Pelo seguinte: quando o devedor, com seriedade, declare nao it cumprir, das duas uma: ou se trata de obrigaclo «sem prazo» ¢ entZo o vencimento opera pelo art. 777.°, n.° 1 (s6 que com incum- primento simultineo) ou a obrigac#o tem prazo ¢ entiio, sendo o prazo estabelecido a favor do devedor, h4 rentncia ao beneficio do prazo, seguindo-se o regime acima referido, As mesmas regras tém aplicacio fo caso de prazo a favor do credor ou de ambos sendo porém, nessa altura necessiria a interpelacio do credor (exigibilidade fraca). 144 A. MENEZES CORDEIRO do comprador. Aqui ha —no que ultrapasse o mau cumpri- mento da prestagio principal— uma comum responsabili- dade delitual. I. O mau cumprimento da prestacio principal permite, em nossa opiniio, ao credor, recusar o cumprimento: traduz © mau cumprimento da propria obrigagao. Isso por aplicacio analégica do att. 763.9, n.° 1, do Cédigo Civil: se o credor pode recusar a prestagdo quantitativamente insuficiente, tam- bém o pode fazer em relago 4 qualitativamente deficitaria (49). Posto o que se seguem as regras do incumprimento ou da im- possibilidade, conforme os casos. E se a aceitar? Al, das duas uma: —ou o credor aceita o cumprimento com desconheci- mento do vicio e entio pode fazer anulé-lo por erro, seguindo-se, novamente, as regras da impossibilidade ou do incumprimento; — ou hé esse conhecimento e entao cabe averiguar, perante © caso concreto, se houve dacio em cumprimento, novagio, remissio ou outra figura, seguindo-se o re- gime cortespondente. O nfo cumprimento de dever acessério deve, ao que pensamos, ser equiparado, para todos os efeitos, ao mau cum- ptimento da prépria obrigacio, uma vez que, como foi visto, © dever acessério se inscreve no contetido desta. Surge contudo o problema: o dever acessério pode sur- gir como dever pés-eficaz, uma vez que, por vezes, ele nao pre- cede ou acompanha o cumprimento da obtigacao propriamente, antes sendo posterior. A questao é delicada e carece de um es- tudo, entre nés. Apenas indicaremos a nossa solugao, a justi- ficar desenvolvidamente noutro local: —quando o dever pés-eficaz seja um efectivo dever acessétio, h4 que ponderar, face ao interesse do cre- (40) MENEzes Corpetno, Direito das Obrigagies, Tl, (1980), p. 441. VIOLAGAO POSITIVA ‘DO CONTRATO 145 dor, se o seu desrespeito inutilizou ou no o cum- primento j4 realizado; no primeiro caso segue-se o regime do incumprimento ou da impossibilidade; no segundo, ha que ressarcir os danos; — quando o dever pés-eficaz seja uma obtigagio gerada por cumprimento anterior, segue-se o regime do incum- primento da obrigagio auténoma, cuja natuteza, nessa altura, ele reveste. III. O nao cumprimento de prestagio secund4ria nio ptejudica o cumprimento da prestacio principal, uma vez que ela € estranha ao contetdo desta. Ha, assim, que desar- ticular a obtigacdo complexa, considerando cumprida a pres- tagao que o foi — e logo extinta— e nao cumprida a restante. Quando a desarticulagao nfo seja possivel, por prejudicar o interesse do credor, importa requalificar a figura: nao se trata de prestagio secund4ria mas sim de dever acessério! E nessa altura, aplique-se 4 ocorréncia o regime correspondente. IV. Quando o cumprimento defeituoso tespeite a con- trato de compra e venda — dotado, como vimos, de regime especial — h4 concurso. Nao vemos como ultrapass4-lo senio através das regras que informam as relacées lei geral/lei espe- cial: no 4mbito desta, nfo tem cabimento a aplicagio da pri- meira. A matéria carece, porém, de andlise mais cuidada. Face & violagio positiva do contrato de compra e venda, Propugnava a doutrina tradicional, encabecada por Larenz(4!) que, havendo vicio da coisa, se deveria distinguir: —o dano do vicio em si; — 0 dano subsequente ao vicio. No primeiro caso, haveria que aplicar as regras espe cificas da compra e venda—no caso portugués, art. 913.0 (41) Schuldrecht!! BLT. cit. § 41, I (p. 54, maxime). Também FIKENTSCHER, ob. cit., §§ 47, III e 70, IX (p. 236-237 € 397, maxime), embora com terminologia diferente; ENNECCERUS/LEHMANN, ob. cit., Guz, 3 (P. 453); Paanpr/Purzo, ob. cit., nota prévia ao § 459, 2 b (p. 446). OA-81-10 M6 A. MENEZES CORDEIRO e ss.(42); no segundo, seguir-se-iam as regras proprias da comum violagio positiva do contrato (43). A esta bipartigéo vem Huser contrapor uma tripartigao (44): —a responsabilidade do vendedor pelos gastos realiza- dos pelo comprador, na ideia de que a coisa nao tinha vicio e que, face ao vicio, se tornaram inuteis ou danosos (45); —a responsabilidade por danos derivados do vicio da coisa sobre pessoas e bens (46); —a responsabilidade pelos danos do nao cumprimento em sentido estrito, i, directamente derivados do vicio e correspondente a este; aqui poderiam, even- tualmente surgir as regras especificas (47). No primeiro caso, a jurisprudéncia alema admitiria a res- ponsabilidade do vendedor por negligéncia; no segundo, seria delitual; no terceiro, contratual. Esta evolugao recente confirma o nosso primeiro diagnés- tico: a aplicag’o das regras gerais da violagio positiva do contrato funciona apenas nas 4reas em que o legislador civil (42) No Direito alemfo, os §§ 459 8. BGB afastam as regras da violag&o positiva do contrato, como pretende Kiaus MULLER, Zur Haftung des Warenberstellers gegeniber dem Endverbraucber, AcP 165 (1965) 312-313. Porém em THtELe (Leistungsstirung und Schutz pflichtverlefzung cit., maxime 657) Ie-se que as sangdes pela violagdo do dever de protecgio coexistem com as especificas dos mesmos §§ 459 ss. BGB. Pode ver-se outra colo- cacto do problema em EpERHaRp Scuwark, Kaufvertragliche Mangel- haftung und deliktsrecbtliche Anspriche, AcP 179 (1979), 57 88. SCHWARK contrapSe pretensdes derivadas do vicio, de delito ¢ da violagio positiva do contrato. A existéncia de prazos prescricionais diferentes para as ptetensdes respectivas daria, 4 figura, um interesse particular. (43) Vide, também, Uwe Drepericusen, Schadensersatz wegen Nicht- erfullung snd Ersatz, von Mangelfolgeschaden, AcP 165 (1965) 153 88. € 157. (44) Unaicu Huser, Haftung des Verkaufers wegen positiver Vertrags- verletzung, AcP 177 (1977), 286-287. (45) Ob. cit., 288 € ss. (48) Ob. cit., 315 € ss. (47) Ob. cit., 331 © 88, VIOLAGAO FPOSITIVA DO CONTRATO 147 no tenha intervindo, especialmente, para a compra e venda. Mas fora isso elas sio compativeis (48). 7. Segue; o problema face & excepeao do contrato nao cumprido. I. Ha agora que determinar se a exceptio de non adimpleti contractus se situa numa 4tea afectada por regulamentacio especifica, . A exceptio deve a sua origem casuistica & bona fides: entendeu-se, no antigo Direito Romano que nio era bonae Jidei exigir, em contratos com obrigacées correspectivas, uma Prestagao 4 outra parte, quando se nao cumprisse a sua prd- pria prestacio (49). A figura seria posteriormente generali- zada, até revestir a forma do nosso artigo 428.9, semelhante, ali4s, a outtos Cédigos. O funcionamento da exceptio requer: — que o contrato seja bivinculante ¢ sinalagmitico; — que ambas as prestagdes devam ser efectuadas simulta- neamente; — que uma delas nao o seja. Para além de corresponder a uma concretizagio do prin- cipio da boa fé e de garantir, em geral, o direito 4 prestagio (48) Alias existe uma tendéncia para considerar em globo — rea- listicamente — as violagdes de que o comprador pode ser vitima, Assim, a Convengio da Haia para a Unificagio do Direito da Compra e Venda de Méveis (DIP) —cf. Larenz, Schuldrecht\1, B.T., § 45a —nfio distingue especificamente violagées. Cf. Ennst Von CAEMMERER, Probleme des Haager einbeitlichen Kaufrechts, AcP 178 (1978) 128-129 © 138. Chamamos ainda a ateng%o para o facto de as tegras especificas aplicéveis por vicio da coisa vendida nfo serem pés-eficazes: elas corres- pondem a sangdes aplicdveis pela violagio dos deveres contratuais. Pés-contratuais poderiam, quanto muito ser os deveres de informagio, a cargo do vendedor, que permitiriam o aputamento de vicios’ eventuais: J& Hermann Excer, Nachwirkungen nach Ende des Rechtsverbilinisses im BGB (1936), p. 12. (49) Pessoa JorcE, Direito das Obrigagtes, cit., 648-649. 148 . A. MENEZES CORDEIRO das partes, a exceptio garante, sobretudo, que prestagio ¢ contraprestagio tenham lugar em simultaneo (5°). Il. Pode a exceptio ser oposta a uma prestagao viciada? A resposta é tradicionalmente positiva: tratar-se-ia da exceptio de non rite adimpleti contractus ou da Einrede des nicht gehorig erfiillten Vertrages (51). Face a uma prestagio viciada ou incom- pleta, a contraparte pode recusar a sua prestagio até que o mal seja temediado, O Codigo Alemio (§ 320, II) acrescenta que tal (s6) nio pode suceder quando a falta seja tao pequena que © negar, por isso, uma prestago inteira, seja contratio A boa fé. Nao passou, pata versio final do nosso Cédigo, expres- samente, essa referéncia, mas ela pode considerat-se implici- tamente feita (art. 334.°, 762.°, 2) (52). O que € natural: se o credor pode recusar uma prestagio parcial ou viciada pode, por maioria de razfio, nfo oferecer a sua, opondo a exceptio. (59) Essen/Scrmepr, ob. cit., § 16, IM (1, p. 169). O principio da excepgio do contrato nfo cumprido, pelo que encetra de justiga ¢ equidade € t4o importante que nao admite convengéo em contririo. (Corresponde a0 principio injuntivo da boa £é, de acordo com as tegras que propomos para distinguir as normas injuntivas das supletivas — MENEZES CORDEIRO, ob. cit., 1, p. 71 88.). De tal forma que a lei alema que regula as condi- des gerais dos contratos — o Allgemeinen Geschaftsbedingungengesetzt— veda, pela ineficécia, qualquer condigio geral que afaste ou restrinja a possibilidade de mover a exceptio (§ 11, 2a); cf. Unwer/BRANDNER/ /Hensen, AGB-Gesetz3, (1978), pp. 282 ss.; Scxnosser/CozsTER-W ALT- Jen/GRABA, Kommentar zum Gesetz ur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschaftsbedingungen (1977), PP. 384 88.3 Kocu/StUsmnc, Allgemeine Ge- sebaftsbedingungen (1977)) PP 252 85. Em qualquer caso, para o Dircito portugués, o art. 428.9, 0.0 r do Céd. Civil poderia consistir base legal bastante para confirmar a injunti- vidade da excepto. (51) Exngccerus/Lenmann, ob. cit., § 33, I (p. 141); SOERGEL/ [Scuuapr, ob. cit, § 320, 7 (p. 377); LARENZ, Scbuldrecht!2 A.T., § 15, I (p. 171); Heck, ob. cit, § 42, 10 (p. 129). (52) Mgngzes Cornero, ob. cit., II, p. 460. Cf. Vaz Senna, Excep- ¢do do contrato nao cumprido (1957), pp. 30 € ss. por um prisma de Direito a constituir. VIOLAGAO POSTITVA DO CONTRATO 149 III. Pode entio o comprador Opor a exceptio ao vende- dor, alegando vicio da coisa transaccionada, como parece admi- tir o acérdio do Supremo? Uma primeira ronda pela doutrina mais profunda revela uma resposta maioritatiamente negativa: a exceptio nio seria possivel nessas condigées (53). A matéria é, nfo obstante, duvidosa (54), havendo posigdes divergen- tes (55), Simplificando as razdes aduzidas ao debate, podemos distinguir duas ordens de argumentos que militam a favor da posigio da maioria: — as normas prdprias da situagio criada com venda de coisa viciada, sendo especiais, implicam o afastamento das normas gerais do Direito das Obrigagées; — verificada a situagio da entrega da coisa viciada, nio se realizariam os pressupostos da exceptio. O primeiro argumento, nio obstante ser utilizado por autores como Enneccerus/LEHMANN € Esser/Scumipt, é fraco. Efectivamente, a norma especial afastaria a geral na medida em que a aplicagio de ambas nio seja possivel. No caso vertente, nao ha incompatibilidade Iégica: 6 compradot pode- tia usar da exceptio e das faculdades conferidas pelo artigo 913.9 e ss. do Cédigo Civil. Mais interessante €, por isso, o se- gundo, como nfo deixa de considerar LARENZ. O segundo tedunda, essencialmente, no seguinte: as normas especificas dos artigos 913.0 € ss. dependem, por natureza, da entrega da coisa, i.€, do cumprimento, Realizado este, como mover a exreptio?($6) Além de que, constatado o (53) Enneccerus/LenMAnn, ob. cit., § 112, I (p. 452); Sozrcer/ /BALLERSTEDT, ob. cit., prénotacto ao § 459, 31 (p. 632); FIKENTSCHER, $7 TL, 4 (p. 388); Essen/Scummpr, § 16, Il, 2.1 (I, p. 170); Larenz, Schuldrecht\) cit, B.T., § 41, I (p. 61); Patanpt/HEINRICcHs, § 320, 2, ¢), bb) (p. 346); Patanpr/Purzo, prénotagdo § 459, 2 (p. 446). (54) Meprcus, § 15, 2, 5) (p. 149); WESTHELLE, p. 96 ss. (55) Bo caso manifesto de Sorncet/Scaumr, § 320, 7 (p. 377). CE. Enicu Mourror, SchuldrecbtS B.T. (1961) § 3, V. 7 (p. 25): (54) Pelo que a doutrina maioritéria acima citada accita a exceptio desde que movida antes da entrega. 150 ‘A. MENEZES CORDEIRO vicio, © comprador teria pretensdes de diminuigio do prego, de correcgio do vicio, etc., todas com prazos especificos, que nao ‘contemporizam com as tegtas do § 320—0 nosso artigo 428.° IV. Ponderemos o assunto. O argumento tedrico de que as normas especiais dos artigos 913.° € ss. afastam as regras getais do Direito das Obrigagées é puramente dogmaticista. Devemos antes petguntar se face & teleologia das normas res- pectivas h4 exclusdes. Nao ha. A excepgio do contrato nao cumprido visa satisfazer a justiga comutativa, impedindo que alguém seja obrigado a prestar sem ter recebido a contrapres- taco. J4 vimos que a mesma ideia funciona quando se tenha recebido apenas uma prestagio incompleta ou inadequada(57), apenas com 0 limite, induzido da boa fé, de que no se pode pretender opor a exceptio face a uma falta pouco significativa. Tudo isto funciona, no campo dos principios, perante as regras especificas do vicio da coisa vendida: afinal, a pessoa que recebe uma coisa viciada, fica numa situagao valorativa- mente similar A de quem nada recebe ou 4 de quem recebe apenas parte (58). V. Na pratica, porém, pode haver problemas. Efectiva- mente, com a enttega da coisa deve ser pago o prego (art. 885.°, n° 1), Isto quer dizer que, sendo o vicio detectado, como é normal, posteriormente, j4 nio se pode utilizar a exceptio. E se o vicio for conhecido antes da entrega — ¢ logo antes do pagamento — pode o comprador recusar a coisa: com isso faz, em simultineo, uso da exceptio mas j4 nao pode usar das pretenses que lhe adviriam dos artigos 913.° ¢ ss. Tem, apenas, pretensdes de cumprimento. (57) Supra n° 7, TL. . .(58) Contra, um tanto incidentalmente, temos TxmLo Rama, Ein- fabrung in das Privatrecht2 (1974?) § 31, I, 3 4) (IL, p. 415) para quem ‘© ‘sinalagma 6 diz respeito A prestagio principal ¢ nfo aos deveres acessérios. VIOLACAO POSITIVA DO CONTRATO 1St Fica-nos, assim, para margem de coexisténcia do dis- positivo dos artigos 913.9 € ss. com as normas da excep¢io do contrato nfo cumprido, apenas a situagao em que a entrega da coisa tenha, licitamente, precedido o pagamento do prego. Havendo vicio da coisa, o comprador uniria as pretensdes dos artigos 913.9 e ss. a exceptio. Mas aqui h4 que voltar aos principios gerais. A exceptio €concedida como instrumento destinado a manter um sinalagma funcional até ao momento do cumprimento. Que tal sinalagma existe no bindémio prego-entrega da coisa é indubitavel. Mas existira no duo prego-pretensdes derivadas do vicio da coisa? Formalmente nao: a coisa foi entregue e com isso desfez-se 0 sinalagma. Axiologicamente sim: o sinalagma no esté nas formas coisa-prego mas sim nos contetdos valor da coisa-valor do dinheiro. Se o valor da coisa € diminuido ou suprimido, a relagio comutativa mantém-se em relagio as pretensdes desti- nadas a remediar o mal. 8. Concluséo. I. No caso do acérdio, a A. fornecera uma coisa que softia de vicio impeditivo do fim a que se destinava, nao tendo as qualidades asseguradas pelo vendedor. Dai deriva- tiam, para o comprador, pretensdes de reparacdo ou substi- tuigio da coisa — art. 914.0— de anulagio do contrato, com indemnizagio — att. 909.°, ex vi art. 913.°, n.° 1 ou, ainda, de redugio do prego — art. 911.9, ex vi 913.9, n.9 1. A opgio pelas pretenses do art. 914.° est na disponibilidade do com- ptador; quando nfo opte, funcionam em alternativa as pte- tensdes da anulagio ou da redugio do prego, consoante as circunstancias referidas no princfpio do art. 911.9, n.° 1. Mas isto ficaria dependente da existéncia de culpa do vendedor — 914.9, 2.9 parte. Na auséncia desta, apenas caberia a anulacio, sem indemnizagdo — 915.°—ou a redugio do prego — 911.0 — também sem indemnizagao — 915.9 a fortiori. No primeiro caso, nao tendo sido, como nio foi, prestado o Prego, poderia ser oposto a exceptio enquanto nio fossem satis- 152 A. MENEZES CORDEIRO feitas as aludidas pretenses: elas traduzem o nao cumpri- mento da prestagio principal, precisamente porque os deve- tes acessérios (legais especificos) destinados a evitar o vicio da coisa, e que incumbem ao devedor — ao vendedor — nao foram acatados. No segundo caso — auséncia de culpa — a exceptio seria impossfvel: nfo haveria qualquer nao cumprimento mas tio 86 etro do comprador, indutor de anulabilidade — que sé produz efeitos por decisio judicial. Il. Mas, supervenientemente, o vendedor altera o con- trato — pressupde-se que com acordo do comprador — assu- mindo a garantia do bom funcionamento da coisa e com- prometendo-se, até, a fazer fornecimentos suplementares. Trata-se de um dever acessério convencionado, que se inscreve, igualmente, no conteido da obtigagao: o seu inaca- tamento traduz o incumprimento desta, na forma de violagio positiva do contrato. A pretensio daqui derivada dispensa culpa do vendedor ou erro do comprador — art. 921.9, n.° 1. O prego nao fora pago; a obrigagao do vendedor nio fora cumprida. Exigindo este, como autor, 0 pagamento do preco, pode aquele, como téu, excepcionar o contrato nfo cumprido. O Supremo decidiu bem.

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