Anda di halaman 1dari 18
QMITO DO CONTEXTO 1hé muito de bom neste mundo. Pois existe muita boa vontade. E hd hoje milhdes de pessoas vivas que arriscariam de bom grado as ‘suas vidas se pensassem que com esse facto poderiam construir um mundo methor. Podemos fazer muito agora para aliviar 0 softimento e, mais importante, para aumentar a liberdade humana individual. Nao devemos esperar por nma deusa da histéria ou por uma deusa da revolugdo para introduzir melhores condig6es nos assuntos humanos. A historia, ¢ também uma tevolucio, pode com facilidade desapontar-nos. Desapontou a Escola de Francoforte e levou Adomo a0 desespero. Devemos produzir, e experimentar de modo critico, as nossas ideias quanto ao que podemos e devemos fazer agora —¢. fazé-lo agora. Em suma, com uma frase de Raymoad Aron, considero os | escritos da Escola de Francoforte “o pio dos intelectuais"’. | NOTAS | Max Horkheimer e Theodor W. Adomo, Dialectic of Enlightenment, Heder & Herder, Nova lorque, 1972. 2. Karl Mare, Capital, volume Tl, 1872, “Nachwor 3. Mox Horkheimer, Kritische Theorie, orgunizado por A. Schmidt, 8, Fischer, Francoforte, 1968, volume I, pp. 340¢ soguintes. 4 Houkheimer, Kritiscke Theorie, . 166 5 Raymond Aton, L'Opiwn des intellectuels, Calmann-Lévy, Peis, 1955 108 gi CIENCIA: PROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES (“*) I A histéria intelectnal do homem tem aspectos deprimentes, ‘mas também divertidos. Podemos, pois, consideré-la como a historia do preconceito ¢ do dogma, tenazmente mantidos, ¢ muitas vezes combinados com a intoleréncia e o fanatismo. Podemos até descrevé-la como uma historia de perfodos de frenesi religioso ou quase religioso, Neste contexto, deverfamos recordar que a maior parte das nossas grandes guerras de destrui¢ao foi de gueiras religiosas ou ideoldgicas — & excepeao notavel, porventura, das ‘guerras de Gengis Cao, que parece ter sido um modelo de tolerarrcia religiosa. Contudo, mesmo o quadro triste e deprimente das gueiras sas tem o seu lado mais positivo. Constitui um facto encorajador que intimeros homens, dos tempos antigos 105, modernos, tenham estado dispostos a viver ¢ a morrer pelas suas convicgées, por ideias — ideias que acreditavam serem verdadeiras. © homem, podemos afirmar, parece ser menos um animal racional do que uum animal ideolégico. (9 Versto revista de uma comunicagio & SessKo Plendcia da 47." Reunifo Anal da Federation of American Societies for Experimental Biology, Atlantic Cty,NJ, 17 de Abril de 1963, publicada pela primeira voz in Federation Proceedings, 22, 1963, pp. 961-72. 109 ‘OMITO DO CONTEXTO_ A hist6ria da cincia, mesmo a da ciéncia moderna desde 0 Renascimento, ¢ em particular desde Francis Bacon, pode considerar-se ilustrativa deste facto. © movimento iniciado por Bacon foi um movimento religioso ou semi-religioso, e Bacon foi © profeta da seligifo secularizada da ciéncia. Substituiu 0 termo “Deus” pelo substantivo “Natureza”, mas deixou quase tudo o resto namesma. A teologia, aciéncia de Deus, foi substituida pela cigncia da Natureza. As leis de Deus foram substitufdas pelas leis da ‘Natureza. O poder de Deus foi substitufdo pelas forcas da Natureza. E, posterionmente, os designios e os juizos de Deus foram substitufdos pela selecgao natural. O determinismo teolégico foi substituido pelo determinismo cientifico, e o livro do destino pela previsibilidade da Natureza. Em resumo, a omnipoténcia e omnisciéncia divinas foram substitufdas pela omnipoténcia da Natureza e pela ommnisciéncia virtual da ciéneia natural. Foi igualmente neste perfodo quea expresso deus sive natura = que se poderd traduzir por “Deus, ou 0 que & equivalente, a ‘Natureza” — foi quase casualmente utilizada pelo fisico ¢ filésofo Espinosa. Segundo Bacon, a Natureza, come Deus, encontrava-se presente em todas as coisas, da mais grandiosa A mais insignificante. E constitufa objectivo ou tarefa da nova ciéncia natural determinar ‘anatureza de todas as coisas ou, como as vezes ele dizia, a esséncia de todas as coisas. Tal era possfvel porque o Livro da Natureza era uum livro aberto, Tudo 0 que era necessério era aproximar-nos da deusa natureza com uma mente pura, livre de preconceitos, e ela prontamente nos entregaria os seus segredos. Déem-me alguns anos livres de outros deveres, exclamou Bacon descuidadamente num ‘momento de euforia, e completarei a tarefa ~ a tarefa de copiar fielmente todo o Livro da Natureza e de escrever a nova ciéneia. Infelizmente, Bacon nfo obteve a bolsa para pesquisa que pretendia. A grande Fundacdo ainda nao existiae, em resultado disso, € uiste diz#-to, a ciéncia da natnreza enconira-se ainda inacabada. (© optimismo ingénuo, de amador, de Bacon foi uma fonte de encorajamento e de inspitaydo parc os outius amadures cientificos que fundaram a Royal Society, tendo como modelo a instituigio central de pesquisa planeada por Bacon na sua Nova Atléntida, Bacon foi o profeta, o grande inspirador da nova religio da ciBncia, mas ndo ora cientista. Contudo, a inspiragao e a influéncia 10 CIENCIA: PROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES da sua nova teologia da natureza foram pelo menos tio grandes € duradouras como as do seu contempordneo Galileu, que pode ser descrito como 0 verdadeiro fundador da ciéneia moderna experimental. Mais especialmente, a opinido ingénua de Bacon a respeito da esséncia da ciéncia natural, ¢ a distingdo ou demarcagio gue tragou entre a nova ciéncia natural, por um lado, e a velba, teologiae filosofia, por outro, tomon-se o dogma principal da nova, religido da ciéncia. E um dogma ao qual tanto cientistas como filésofos se apegaram tenazmente até aos nossos dias. E apenas nos uiltimos anos alguns cientistas acederam ouvir aqueles que criticam este dogma. ; © dogma baconiano a que me refiro enuncia os mér os] | supremos da obscrvacao € 0 vicio da especulagao teorizante. Chamarei a este dogma, resumidamente, “observa 4 ‘Segundo Bacon, a natureza ou esséticia do método da nova ciéncia da natureza, o método que a distingue e demarca da velha teologia ¢ da filosofia metafisica, pode explicar-se do seguinte modo: O homem é impaciente. Gosta de resultados rdpidos. Porisso, tira conclusoes precipitadas, -Este é 0 método antigo, vicioso, 0 método especulativo. Bacon chamava-the “o método das antecipagées da mente”. E um falso método, pois conduz a preconceitos. (O termo “‘preconceito” foi. inyentado por Bacon.) ~ O novo método de Bacon, que recomenda como o verdadeiro ‘caminho para 0 conhecimento, e também como caminho para 0 poder, € 0 que se segue. Devemos purificar as nossas mentes de todos os preconceites, de todas as ideias pré-concebidas, de todas as teorias ~ de todas essas superstic&es, ou “idolos”, que a religiao, 2 filosofia, a educagio ou a tradicdo possam ter-nos transmitido. Quando tivermos purificado as nossas mentes de preconceitos e impurezas, podemos aproximar-nos da Natureza, Ea Naturezaniio nos induziré em erro, Pois nao é ela que nos induz em erro, mas apenas os nossos préprios preconceitos, as impurezas das nossas prOprias mentes. Se as nossas mentes estiverem puras, seremos ‘capazes de ler o Livro da Natureza, sem o distorcer: apenas temos de abrir os olhos, de observar as coisas pacientemente e de anotar asnossas observagGes cuidadosamente, sem as detarpar ou disto-cer, e a natureza ou esséncia da coisa observada ser-nos-A revelada. m ©MITO DO CONTEXTO Fame LG y . CIENCIA: PROBLEMAS, OBTECTIVOS, RESPONSABILIDADES Este 60 método de Bacon de observacio e indugo. Em breves Palavras: a observagio pura, sem mécula, € boa, ¢ a observagio Puranéio pode errar; a especulagio eas teorias so més, e constimem a.causa de todo o erro. Mais especificamente, fazem-nos ler mal 0 Livro da Natureza — ou seja, interpretar mal as nossas observagées. O observacionismo de Bacon ¢ a sua hostilidade a todas as formas de pensamento.teérico foram revoluciondrios.e foram sentidos como tal, Tornaram:-se o grito de batalha da nova religio secularizada da ciénciae o seu dogma mais acarinhado, Este dogma exerceu uma influéncia quase inacreditdvel tanto na pratica como na teoria da ciéncia, influéncia essa ainda forte nos nossos dias, Para demonstrar que este dogma nio expressava a crenca gencralizada dos cientistas contempordneos de Bacon, compararei de novo, sumariamente, Bacon com Galileu. Bacon, 0 fil6sofo da cigncia, era, muito coerentemente, inimigo da hipotese de Copémico. Nao teorizem, disse ele, abram os vossos olhos e observem sem preconceito e nao poderdo duvidar que o Sol se move e a Terra esté parada, Galifeu, o grande cientista ¢ defensor do “Sistema do Mundo” copernicano, prestou homenagem a Atistarco e a Copérnico, precisamente por estes terem sido assaz. cusados para produzirem teorias especulativas que nao s6 ultrapassam, mas também contradizem tudo o que nés préprios julgamos conhecer a partir da observacaio. Posso citar uma passagem do Didlogo Sobre os Dois Grandes Sistemas do Mundo de Galileu' [Nunca seretcapaz deexpressar com veensénciasuficiente aminha ad- rmiragio pela grandeza de espttedeses homens que conesberam est hipé- tese[heliocétrica ealiemaram ser verdadcra, Em opasiglo Feroz & prova dos seu propos sentdos e por pura frga co itelect, preferiram 0 que Ines ditava a razdo 20 que a experiéncia dos sentdos simplesmente thes rmostrava..repito, no existem limites para omeu espanto, quando reficto s80 modo como Arstareo e Copémico foram eapazes de permitr que azo conguisiasse os entdos,e desatiando os senids fazer da razio a senhora ca suacrenga ‘Tal 60 testernunho de Galileu quanto a0 modo como as teorias cientificas ousadas ¢ puramente especulativas nos podem libertar 12 | dos nossos preconceitos. Bacon, pelo contrario, defendia queestas| novas teorias eram preconceitos especulativos, que o pensamento te6rico cria sempre preconceitos, que apenas o abandono deste nos Pode ajudar a tiberta-nos de preconceitos, © que 0 pensamiento nunca tal pode conseguir. Antes de criticar o dogma baconiano e de substituf-lo por uma opinizin muito diversa da cineia tanto experimental como tedrica, gostaria de acrescentar um comentétio final sobre Bacon. Bacon, sugiro, néio era um_cientista, mas um profeta. Era um profeta, no apenas no sentido de que propagou a ideia de uma ciéncia experimental, mas também no sentido de que previu, inspirou, a revolugao industrial. Teve a visio de uma nova era, de ‘uma era industrial que seria também aera da ciénciae da tecnologia. Ao referir-se A descoberta acidental da pélvora, e a da seda, falou da possibilidade de uma busca cientffica sistematica de outras ‘substéncias ¢ materiais titeis ¢ de uma nova sociedade na qual, gracas & ciéncia, os homens encontrariam a libertagio da miséria e da pobreza. Assim, a nova religitio da ciéncia continha uma promessa nova de céu na terra — de um mundo melhor que, com a ajuda do novo conhecimento, os homens criariam por si préprios. Conhecimento é poder, afirmou Bacon, eesta ideia, ideia perigosa, do dominio do homem sobre a Natureza — de homens semelhantes a deuses ~ foi uma das ideias mais influentes através das quais a teligido da ciéncia transformou o nosso mundo. n Criticarei agora, com toda a brevidade, o dogma antitesrico de Bacon ¢ a sua opinido sobre a ciéncia e, depois, fala opiniao sobre a ciéncia—e, em particular, da ciéneia experimental = que proponho colocar em seu lugar. 1) A ideia de que podemos expurgar A vontade as nossas mentes de preconceitos e ver-nos assim livres de todas as ideias ou teorias preconcebidas, preparatérias e anteriores & descoberta cientifica, € ingénua e errada, E sobretudo através da descoberta cientifica que aprendemos que algumas das nossas ideias ~ tais como a da Terra plana ou a do Sol que se move — sio preconceitos. Descobrimos 0 facto de que uma das crengas que tinhamos era um preconceito 56 13 OMITO DO CONTEXTO depois de 0 avango da ciéncia nos ter levado a descarté-ta, Pois nao existe qualquer critério pelo qual consigamos reconhecer os preconceitos anteriormente a este avango. 2) A tegra “Liberta-te do preconceito!” pode, pois, conduzir apenas ao resultado perigoso de, apés termos feito uma ou duas tentativas, conseguirmos pensar que tivemos éxito — daf resultando, claro, apegarmo-nos mais tenazmente aos nossos preconceites € dogmas, sobretudo aqueles de que nfio temos consciéncia. 3) Além disso, a regra de Bacon era “Purifica a tua mente de todas as teorias!” Mas uma mente assim purificada néo seria apenas ‘uma mente pura. Seria uma mente vazia. 4) Operamos sempre com teorias, mesmo que, na maior parte das vezes, delas nfo tenhamos consciéncia. A importancia deste facto nunca deve ser subestimada. Devemos tentar, em cada caso, formular explicitamente as teorias que defendemos. Pois tal facto possibilita-nos procurar teorias alternativas, e discriminar criticamente entre uma teoria ¢ outra, 5) Nao hé observagao “pura”, quer dizer, uma observagao sem uma componente teérica. Toda a observagao ~ ¢ em particular toda a observaciio experimental ~ é uma interpretago dos factos & luz de uma ou outra teoria. Esta titima anotagdo leva-me a um ponto crucial, 2 que me inclino a chamar “problema de Bacon”. E 0 que se segue. 6) Bacon estava ciente da tendéncia geral para interpretar os factos observados & luz de teorias e tinha uma consciéncia extrema dos perigos reais desta tend&ncia. Verificou que, se interprotarmos os factos observados a luz de teorias preconcebidas ou “preconceitos”, estamos sujeitos a confirmar e a fortalecer esses preconceitos através das nossas observagées, sejam quais forem os factos reais. Assim, os preconceitos no nos deixam aprender com a experiéncia: formam uma barreira intransponfvel ao avango da ciéncia por meio da observagio e da experiencia. Este ponto € tio importante que deve ser ilustrado com alguns exemplos. na CIENCIA: PROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES © que Bacon tinha em mente era algo deste género. Pensemos num homem com determinado credo religioso ~ digames, as heresias zoroastriana ou maniquefsta, que véer 0 nosso mundo ‘como uma arena de conflito entre um poder bom e um poder mau. Entio todas as suas observagées confirmardo apenas a sua crenga. Por outras palavras, nunca seré capaz de a corrigir através da experiéncia, ou de aprender pela experiéncia | Existe um moderno paralelo secular para este exemplo | {teol6gico. Tomemos um homem que acredita ta teoria de que toda | ‘a histGria € uma hist6ria de Tuta de classes, e que a hist6ria moderna | € a historia da luta entre os proletérios virtuosos e os capitalistas | vis. Se tiver esta crenga, entGo, seja o que for que observe ou experimente e seja 0 que for que 0s jomais noticiem ou deixem de | | noticiar, seré por cle interpretado de acordo com a sua erenca, € | tenderd portanto a reforgé-la. ' L Ov tomemos um terceiro exemplo. Os psicanalistas tendem a~ falar daquilo a que chamam as suas “observagdes clinicas” ¢ do facto de estas observacies, invariavelmente, apoiarem a tzoria psicanalttica. Estas observacdes clinicas so, contudo, sempre interpretadas: so interpretadas de acordo com uma teoria psicanalitica estabelecida. Isto levanta a seguinte questo: seré Tegitimo afirmar que as observacGes apoiam a teoria? Ou noutra formulagao: poderemos conceber algum comportamento humano que nao consigamos interpretar em termos psicanaliticos? Caso a Fesposta a esta pergunta seja “niio", podemos entio dizer, antes de qualquer observacio, que toda a observacdio concebfvel serd passfvel de interpretagdo a luz da teoria psicanalitica e que, por isso, parecera confirmé-la. Mas, se pudermos afirmar isto previamente a qualquer observagio, entio este tipo de confirmaciio ndo se pode dese-ever como genuinamente empftico ou observacional. Foi esta, creio, a dificuldade sentida por Bacon. A tinica fuga posstvel que conseguiu imaginar foi a proposta irrealizavel de expurgar as nossas mentes de todas as teorias e aderir a uma observagio “pura”. m1 Posto isto, deixarei agora as opinides de Bacon para vos dar a minha propria opinido sobre este assunto, Proporei, em primeiro lugar, uma solugao simples para o problema de Bacon. us _ falhas. Assim, uma teoria em que sabemos antecipadamente nio/ OMITO DO CONTEXTO A minha solugao compreende dois passos. Primeiro, todos os ! cientistas que pretendem ver as suas teorias apoiadas pela! experiéncia ou observagdo devem estar dispostos a fazer a si proprios a seguinie pergunta: serei capaz de descrever quaisquer resultados Possiveis da observaeo ou experiéneia que, se forem alcangados, zefutem a minha teoria? Se tal no acontecer, entiio.a minha teoria nio 6, decerto, uma_ ‘eoria empirica. Pois, se todas a8 observagoes concebiveis conéordam com a minha teoria, entfo no posso afirmar que uma ‘observactio em particular apoia empiricamente a minha teoria On, resumindo, s6 se conseguir dizer de que modo a minha ‘eoria poderd ser refutada, ou falsificada, posso afirmar que a minha teoria tem as caracteristicas de uma teoria empirica. A este critério de demarcacdo entre teorias empiricas € no cempiricas chamei também critério de falsificabilidade ou critério de refatabilidade. Nao implica que as teorias irrefutaveis sejam falsas, Nem implica que ndo tenham significado. Mas implica que, ‘enguanto nao formos capazes de descrever como seria a possivel refutagdo de uma determinada teoria, poderemos considerd-la como esiranha 20 campo da ciéncia empirica Ocritério de refutabilidade ou falsificabilidade pode também ‘chamar-se critério de testabilidade. Pois testar uma teoria, tal como tester uma pega de maquinaria, significa tentar encontrar-Ihe, poder haver falhas ou motivos de refutagio néo € passfvel de ser| testada. Deve ficar bem claro que, na histériada ciéncia, ha iniimeros exemplos de teorias que, num determinado estédio do desenvolvimento da cigncia, nfo eram passfveis de ser testadas, ‘mas que se tomaram tais num estadio posterior. Umexemplo bio € a teoria atGmica. Um exemplo dentro da fisica moderna que ‘mereceria uma discussao pormenorizada € a teoria do neutrino, Quando esta teoria foi, pela primeira vez, proposta por Pauli iio era obviamente passivel de ser testada, Afirmou-se até, em certa altura, que o neutrino € tao definido que a teoria nao pode ser testada. Cerca de trinta anos mais tarde, a teoria foi ndo s6 considerada passfvel de ser testada, mas também passo4 no teste com distincao. {Isto deveria constituir um aviso para os que tém tendéncia a afirmar que as teorias nao testdveis néo tém significado (opiniao que, com | 16 cabNcH *ROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES frequéncia, mas erroneamente me foi atribuida) ou que nao, Pessuem| “significado cognitivo”. ‘© mesmo se aplica ao critério do carécter empfrico de uma teoria. Nao resolve por completo o problema de Bacon. Mas permite-nos rejeitar muitas das pretens6es injustificveis a0 apoio ‘observacional, que tanto preocupava Bacon. © critério da refutabilidade, ou falsificabilidade, ou testabilidade, € apenas o primeiro passo na solugao do problema de ‘Bacon, Como vimos, este passo consiste em perguntar a um cientista que afirma set a sua teoria apoiada pela experiéncia ou pela observagao: “E a sua teoria refutével? E que experiéncia ou observacio aceitaria como refutacio?” Se as respostas a estas perguntas forem satisfat6rias, entio, ¢ apenas entio, podetinos prosseguir para o segundo passo na nossa solugo do problema de Bacon. Consiste no seguinte. ‘As observagies ou as experiéncias podem aceitar-se como apoiando uma teoria (ou uma hip6tese ou uma asseredo cientifica) 86 se estas observaces ou experiéncias forem testes rigorosos & teoria — ou, por outras palavras, apenas se resultarem de tentativas sérias de refutar a teoria e, sobretudo, de descobrir falhas onde possamos esperar encontré-las 4 luz do nosso conhecimento, ineluindo o nosso conhecimento de teorias concorrentes. Creio que isto, em principio, resolve o problema de Bacon. _ [___Asolugao consiste no seguinte. A concordancia entre teoria © 1 | observacao nfo deve ter valor a nio ser que a teoria seja passivel | \ de ser testada, e s6 se se chegar & concordancia em virtud: de | tentativas sérias de a testar. Mas testar uma teoria significa tentar descobrir os seus pontos fracos. Significa tentar refuti-la. Euma | teoria 86 € passivel de ser testada se for (em principio) refutdvel. | Vv ‘Vejamos alguns exemplos. A psicanilise tornar-se-ia refutivel 86 se negasse que algumas formas possfveis ou concebfveis do comportamento humano ocorrem de facto, ‘A teoria da gravidade de Newton é altamente passtvel de ser testada, por exemplo, pois asua teoria das perturbagdes prevé certos desvios das érbitas planetérias de Kepler e esta previsio pode ser refutada. A teoria da gravidade de Binstein € altamente passivel de a7 OMITO DO CONTEXTO ser testada, pois prevé determinados desvios das 6rbitas planetdrias de Newion ¢ esta previsdo pode ser refutada, Prevé também a ceurvatura dos raios de luze 0 atraso de rel6gios atmicos em campos gravitacionais fortes, e de novo estas previsGes podem ser refutadas. Existe uma dificuldade no darwinismo. Embora olamarquismo pareca ser nio s6 refutdvel, mas de facto refutado (porque as adaplagdes adquiridas que Lamarek encarara no aparentam ser hereditétias), est longe de ser claro o que devemos considerar uma refutagdo possivel da teoria da seleccdo natural. Se, mais propriamente, aceitarmos esta definigao estatistica de aptidao que define a aptidao pela sobreviveneia real, ento a teoria da sobrevivéncia dos mais aptos toma-se tautol6gica e irrefutavel. Creio ter sido este 0 grande feito de Darwin. Demonstrou que ‘que parecia set uma adaptagao intencional se podia explicar por uum mecanismo ~ como, por exemplo, 0 mecanismo da seleccio natural. Foi um feito excepcional. Mas, ap6s a demonstragao de queé possivel um mecanismo deste tipo, deveriamos tentar construir mecanismos altemnativos e, em seguida, descobrir experiéncias ceruciais para escolher entre eles, em vez de protegermos a ideia de que 0 mecanismo darwiniano é 0 tinico posstvel. Ou tomemos como exemplo uma teoria mais intimamente relacionada com o trabalho experimental: a teoria da transmisso singptica. A teoria quimica da transmnissao (como a teoria eléctrica concorrente) passou um teste muito dificil, quando se aplicou artificialmente acetileolina & regio de contacto da fibra muscular. O facto de esta ter desencadeado o impulso como uma descarga nervosa pode ser invocado em defesa da teoria quimica’. Pode resumir.se a opinio aqui apresentada, ao afirmar que a fungao decisiva da observacao ¢ da experiéncia em ciéncia é a critica. A observacdo e a experiéncia nada podem estabelecer de modo conclusivo, pois existe sempre a ossibilidade de um erro sistemiético através da interpretagdo errada sistemética de um ou outro facto, Mas a observacio e a experiéacia desempenham, sem dGvida, um papel importante na discussio critica das teorias cienitficas. Essencialmente, ajudam-nos a eliminar as teorias mais fracas. Prestam assim 0 seu apoio, embora apenas no presente, & tcoria sobrevivente — ou seja, & teoria que foi rigorosamente testada mas nfo refutada, us CIENCIA: PROBLEMAS, OBIECTIVOS, RESPONSABILIDADES v ‘A moderna visio da ciéncia ~ a concepgdo de que as teorias cientificas so essencialmente hipotéticas ou conjecturais ¢ a de que nunca podemos ter a certeza de que até mesmo a mais bem fundamentada teoria nfo possa ser derrubada e substituida por uma aproximagio melhor 6, erie, o resultado da revolugio einsteiniana. Pois nunca existiu teoria com maior éxito, ou mais bem testada, do que a teoria da gravidade de Newton. Foi bem sucedida na cexplicacio tanto da mecdnica terrestre como da celeste. O grande fisico e matematico Henri Poincaré acreditava ndo s6 na sua veracidade— esta, é claro, era a crenga de todos ~ mas também que era verdadeira por definicao, e que portanto permaneceria a base immutvel da fisica até ao fim da busca da verdade pelo homem. E Poincaré acreditava nisto, nfo obstante o facto de ele préprioter na realidade antecipado— ou de ter estado muito proximo de antecipar —a teoria especial da relatividade de Einstein, Menciono isto para ~" ilustrar a enorme autoridade da teoria de Newton, . Ora, a questio de saber se a teoria da gravidade de Bins ou nao um aperfeigoamento da de Newton, como pensa a maioria_ | dos fisicos, pode deixar-se em aberto, Mas o simples facto de existir ‘agora uma (coria altemnativa que explicava tudo o que Newtcn niio podia explicar e, além disso, muito mais coisas, e que passou pelo ‘menos um dos testes cruciais que a teoria de Newton no conseguity passar, destruiu 0 lugar tinico que a teoria de Newton ocupzva no seu campo. Ela foi assim reduzida ao estatuto de uma conjectura excelente e com éxito, uma hipétese em concorréncia com cutras, cuja aceitabilidade era uma questo em aberto. A teoria de Eiastein destruiu, pois, a autoridade da de Newton, ¢ com ela algo de importancia ainda maior — 0 autoritarismo na ciéncia, ae ‘Os que entre v6s so meus contempordneos poderdo estar recordacdlos dos dias em que a religifo secular da ciéncia reclamava aautoridade total. Considerava-se que as hipSteses desempenkavam tum papel na ciéncia, mas esse papel era heurfstico e transit6rio: acreditava-se que a propria ciéncia era um corpo de conhecimento. | Nao consistia em hipSteses, mas em teorias provadas ~ torias | provadas como a de Newton. 4 ‘Neste contexto, é interessante Max Planck narrar que, quando 9 OMITO DO CONTEKTO era um jovem ambicioso, um fisico famoso tentou desencorajé-lo| deestudarfisica, advertindo-o de que a fisica estava prestes aatingir a sua perfei¢ao final e que, neste campo, jé nfo havia grandes descoberias a fazer. Este periodo de cigncia autoritéria passou, suponho, para sempre, devido & revolugio einsteiniana?, E interessante a este respeito noiar que o proprio Einstein nfo defendia que a sua teoria eral estivesse ceria ~ embora acreditasse que era uma melhor aproximagio da verdade do que a de Newton, e que outra aproximacio ainda melhor e, claro, também a teoria correcta (se alguma ver for descoberta) teriam, por sua vez, de conter a relatividade geral como aproximagao, Por outras palavras, desde 0 inicio que Einstein foi claro quanto 20 carfcter essencialmente | conjectural das suas teorias. ‘Como antes afirmei, fazia parte da religido da ciéncia, antes de Einstein, reivindicar a autoridade da ciéncie. Havia, como se sabe, alguns «hereges», nomeadamente o grande filésofo american “Charles S, Peirce, o qual, antes de Einstein, declarou que a ciéncia partilhava a falibilidade com todos os empreendimentos humanos. ‘Contudo, o falibilismo de Peirce tornou-se influente sobremdo apés. a revolugio einsteiniana. vi Mencionei estes factos histéricos unicamente porque desejo sublinhar que a mudanga da teoria autoritéria do conhecimento cicntifico para uma teoria anti-autoritéria ecxftica & bastante recente. Isto explica também porque é que a opinifio de que o método da cigncia é essencialmente 0 método da discussao critica, e do exame critico de conjecturas e hipéteses concorrentes, ainda é considerado por muitos como inapropriado para as ciéncias experimentais e porque € que tantos ainda pensam que o estatuto daquilo que se bbascia em trabalho laboratorial cnidadoso é mais do que meramente hipotético, Para combatereste ponto de vista, poderei escolher um exemplo da quimica. Se tivessem perguntado a um quimico experimental, antes da descoberta da 4gua pesada, que ramo da quimica era mais, seguro ~ que tinha menos probabilidades de ser destronado ou cottigido por novas descobertas revolucionérias ~ ele teria quase 120 CIENCIA: PROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES de certeza mencionado a quimica da agua. Com efeito, a dgua era utilizada na definigao de uma das unidades fundamentais da fisica, © grama, fazendo parte do sistema centimetro-grama-segundo. E 0 hidrogénio e 0 oxigénio eram utilizados como base te6ricae prética na determinacdo de todos os pesos atémicos. Tudo isto foi intoiramente perturbado pela descoberta inesperada da gua pesada, com a qual podemos aprender a ligio dde que nunca saberemos que parte da ciéncia serd revista a segui ‘Ou tomemos um exemplo ainda mais recente da fisica: ocolapso dda paridade. Eis um daqueles casos em que, ap6s 0 acontecimento, se verificou que tinha havido muitas observagdes ~ fotografias de rastos de particulas ~ nas quais se poderia ter lido o resultado; mas tais observagdes haviam sido ignoradas ou mal interpretadas. O ‘mesmo acontecera antes da descoberta do positrao e, mais cedo ainda, do neutrdo. Muito tempo antes da descoberta dos raios X, acontecera a0 proprio William Crookes, 0 inventor do tubo de Crookes, que subsequentemente ajudou & descoberta dos raios X. vi Poderei agora, talvez, resumir a primeira parte da minha ppalestra, reafirmando todas as coisas controversas que tenho vindo a afirmar em vérias teses; tentarei set 0 mais provocatorio que me for possivel. 1. Todo 0 conhecimento cientifico ¢ hipotético e conjectural. 2. aumento do conhecimento, ¢ do conhecimento cientifico em particular, consiste em aprendermos com os nossos eros. 3. O que se pode designar por método da ciéncta consists na aprendizagem sistemética através dos nossos etros: primeiro, correndo tiscos, ousando cometer erros ~ ou seja, propondo novas teorias com ousadia; em segundo Iugar, examinando sistematicamente os erros que cometemos ~ ou seja, pela discussio e exame criticos das nossas teorias. 4, Entre os argumentos mais importantes utilizados nesta discusso critica encontram-se argumentos provenientes de testes experimentai 5. As experiéncias so constantemente guiadas pela teoria, por palpites te6ricos de que o experimentador nfo se encontra,com 121 OMITO DOCONTEXTO. frequéncia, consciente, por hipSteses respeitantes a possfveis Fontes de erros experimentais ¢ por esperangas ou conjecturas sobre 0 que seré uma experiéncia proveitosa, (Por palpites ‘edricos refiro-me a suposigdes de que experigncias de um certo tipo serdo teoricamente proveitosas,) 6. © que se denomina objectividade cientifica consiste tio somente na abordagem critica: no facto de que, se formas parciais a favor da nossa teoria preferida, alguns dos nossos amigos e colegas (ou, na falta deles, alguns trabalhadores da préxima geragdo) estario desejasos de criticar o nosso trabalho =u seja, de refular as nossas teorias preferitlas, caso consigam. 7. Este facto deveria encorajar-nos a ‘entar refutar as nossas proprias teorias—quer dizer, pode impor-nos alguma disciplina, 8, _Apesarde tudo, seria um erro pensar cue 0s cientistas séo mais “objectivos” do que as outras pessoas. No é a objectividade ‘ou 0 desprendimento do cientista individual, mas da propria, ciéncia (0 que se pode chamar “a cooperagiio amigavel-hostil dos ciemtistas” ~ ou seja, a sua disponibilidade para a eritica _mitua) que constitui a objectividade. 9. "Existe, inclusive, uma espécie de justificagéo metodolégica | para os cientistas individuais serem dogmiticos ¢ parciais. | Como o método da cigncia é 0 da discussio critica, é da maior | importancia que as teorias criticadas sejam tenazmente defendidas. Pois s6 assim podemos apreender o seu poder real. E 36 se a critica encontrar resistencia poderemos apreender, ‘um argumento critico na sua plenitude. 10. © papel fundamental desempenhado na ciéncia pelas teorias, hhip6teses ou conjecturas torna importante a distingio entre teorias passiveis de serem testadas (ou falsificdveis) e nizo _iestiveis (ou nao falsificdveis). - 11.) Apenas uma teoria que declare ou subentenda que determinados acontecimentos concebiveis nao iro, de facto, ter lugar é uma ~* tworia passivel de ser testada. O teste consiste justamente em tentar provocar, por todos os meios a0 nosso alcance, os acontecimentos que a teoria afirma nio poderem ocorrer. 12, Assim, pode dizer-se que até umateoia passvel de ser testa | impede a ocorréncia de certos acontecimentos. Uma teoria fala | da realidade empitica s6 na medida em que lhe impée limites. | 13. “Todas as teorias testaveis se podem formular sob a seguinte 12 5 CIENCIA: PROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES. forma: “tale tal nao pode acontecer”. Por exemplo, a segunda Tei da termodindmica pode formular-se dizendo que uma miéquina de movimento perpétuo do segundo tipo nao pode existir. 14,| Nenhuma teoria nos pode dizer algo sobre o mundo empirico a nilo set que, em principio, seja capaz de entrar em choque |com o mundo cmpirico. E isto significa procisamente que tem Ide ser refutével. 15. A testabilidade tem diferentes graus: uma teoria que afirma ‘ais coisas, correndo assim maiores riscos, 6 mais passfvel de ser testada do que uma teoria que afirme muito pot 16. Do mesmo todo, podemos graduar os testes como mais ou ‘menos rigorosos. Os testes qualitativos, por exemplo, séo no getal menos rigorosos do que os testes quantitativos. E testes de previsdes quantitativas mais precisas S40 mais rigorosos do que os testes de previstes menos precisas. 17. Oautoritarismo na ciéncia estava ligado a ideia de estabelecer, isto 6, de provar ou verificar, as suas teorias. A abordagem critica esté ligada & ideia de testar, quer dizer, tentar refutar, as suas conjecturas. val Iniciarei agora a segunda parte desta palestra, dedicada aos roblemas e ao seu papel na cifncia. “A ciéncia comega com a observaciio, afirma Bacon — e esta afirmagdo é parte integrante da religiéo baconiana. Ainda é Iargamente aceite e repetida ad nauseam nas introdugbes até dos melhores livros, nas dreas das ciéncias da fisica e da biologia, Proponho-me substituir esta f6rmula baconiana por ouira Acciéncia, podemos dizer tentativamente, comega por teorias, por preconceitos, supersticGes e mitos. Ou melhor, comega quando ‘um mito é posto em causa e derrubado — ou seja, quando algamas das nossas expectativas se nio verificam. Mas isto significa que a iéncia comega por problemas, problemas préticos ou problemas, i ~“Amtes de continuar a desenvolver a minha tese de um modo ‘mais aprofundado, poderei porventura dizer algumas palavras sobre o termo “expectativa”, que acabo de utilizar. 123 ae OQ MITO DO CONTEXTO. Ao descermos degraus, acontece por vezes que, de repente, descobrimos que esperdvamos outro degrau (inexistente) ou, pelo contratio, esperdvamos que no houvesse outro degrau (quando, narealidade, lé estava), A descoberta desagradavel de que estavamos errados faz-nos compreender que tinhamos determinadas ‘expectativas inconscientes. E mostra-nos que ha milhares destas expectativas inconscientes. Um exemplo semethante é 0 seguinte: ‘se nos sentarmos a trabalhar numa sala em que se ouve o tiquetaque de um rel6gio, podemos ouvir que o relégio, de repente, parou. Tal toma-nos conscientes do facto de que esperdvamos que ele continuasse a fazer tiquetaque — embora possamos nao ter estado conscientes de que 0 ouviamos. __Um estudo sobre 0 comportamento animal diz-nos que os animais ajustam de modo semelhante 0 seu comportamento a acontecimentos iminentes, e que ficam perturbados se os acontecimentos esperados niio se derem. ___Podemos afirmar que uma expectativa, consciente ou inconsciente, corresponde, a nivel pré-cientifico, iquilo que, a nfvel cicntifico, chamamos “uma conjectura” (sobre um acontecimento ‘iminente) ou “uma teoria”. As minhas opinides sobre os métodos da cigncia e, sobretudo, sobre 0 papel da observacio“ sao de discordancia com quase toda agente, Aexcepgio de Charles Darwin e Albert Einstein. Este tltimo, propésito, explicou concisamente as suas opinides sobre estes assuntos na sua Palestta Herbert Spencer, feita em Oxford em 1933, intitulada Sobre os Métodos da Fisica Tedrica*. Disse entéo 20 publico que ndo acreditasse nos cientistas que consideravam _indutivos os sens métodos. Visto que, como afirmei, discordo de quase todos no tocante a estes assuntos, nfo posso esperar convencer-vos e nfo tentarei faze lo. Tudo o que tentarei fazer ser chamar a vossa atengéo para o facto de haver algumas pessoas com opiniées sobre estes assuntos ‘que diferem bastante das usuais, encontrando-se entre elas homens como Darwin e Einstein. A tninha tese, como ja indiquei, € que nunca comegamos por observacdes, mas sempre por problemas: por problemas praticos | ou por uma teoria que deparou com dificuldades ~ quer dizer, uma | teoria que criou, ¢ frustrou, certas expeciativas. } ‘Uma vez perante um problema, prosseguimos com dois tipos ~ 124 | nee, CIBNCIA: PROBLEMAS, OBIECTIVOS, RESPONSABILIDADES de tentativa, Tentamos adivinhar, ou conjecturar, uma solug%o para © problema. E tentamos criticar as nossas solugSes, normalmente ‘um pouco frégeis. Por vezes, um palpite ou conjectura pode aguentar a nossa critica e testes experimentais por um tempo considersivel Mas, em regra, descobrimos que as nossas conjecturas podem ser refutadas, ou que nao resolvem o nosso problema, ou que apenas 0 resolvem em parte. E descobrimos que até as melhores solugSes - as que so capazes de resistir 2s criticas mais severas dos espftitos mais brilhantes e engenhosos — em breve dio azo a novas, dificuldades, a novos problemas. Podemos assim afirmar que 0 nosso conhecimento aumenta & medida que prosseguimos de velhos. problemas para novos problemas, através de conjecturas erefulagées ~ através da refutagdo das nossas teorias ou, de modo mais geral, das nossas expectativas. Alguns de vés, suponho, concordardo que normalmente comegamos por problemas. Mas talvez ainda pensem que 0s nossos problemas so o resultado da observagio e da experiéncia, pois, antes de recebermos impressdes através dos sentidos, a nossa mente uma tébua rasa, um quadro negro vazio, um espago em branco ~ isto 6, nada pode haver no nosso intelecto que nele nao tenha entrado pelos sentidos. 4 Mas € precisamente esta ideia venerdvel que combato, Afitmo que todos os animais nascem com ingimeras, normalmente inconscientes, expectativas ~ por outras palavras, com algo que corresponde muito de perto a hipstesesee, portanto, ao conhecimento ~» hipotético. E afirmo que possuimos sempre, neste sentido,] ~ conhecimento inato & partida, mesmo que este nfo seja digno de! confianga, O conhecimento inato, estas expectativas inatas, criardo, caso sejam frustradas, os nossos primeiros problemas. O consequente aumento do conhecimento pote, pois, descrever-se como consistindo em correcgdes modificagdes do conhecimento anterior ~ de expectativas e hipsteses prévias. Viro assim o feitigo contra 0 feiticeito aos que créem que a observagiio deve preceder as expectativas ¢ 0s problemas. E efirmo até que a observagdo nfo pode, por razdes I6gicas, ser prévia a todos os problemas, embora, naturalmente, seja por vezes anterior a alguns problemas — por exemplo, Aqueles que decorrem de uma observagaio que frustrou algumas das nossas expectativas cu que refuton algumas das nossas teorias. 1s ‘QMITO DO CONTEXTO ‘Ora tal facto — que a observagao nao pode preceder todos os problemas ~ pode ser ilustrado por uma experiéncia simples que desejo levar a cabo, com a vossa permissio, utilizando-vos como sujeitos experimentais. A minha experiéncia consiste em pedir-vos que observe, aqui e agora. Espero que estejam todos a cooperar e a observar! Receio, contudo, que alguns de vés, em vez de estarem a observar, sintam uma enorme vontade de perguntar: “O que quer que cu observe?” Se foi esta a vossa reacedo, entdo a minha experiéncia foi bem sucedida, Pois o que estou a tentar ilustrar é que, para observarmos, devernos ter uma questo concreta em mente, susceptivel de ser resolvida através da observa¢do. Charles Darwin sabia-o, quando “Como € estranho que alguém ndo veja que toda a. deve ser a favor ou contra uma opiniéo qualquer...”*, ‘Nao posso, como antes disse, esperar convencer-vos da verdade da minha tese de que a observacdo vem cepois da expectativa ou da hipétese. Mas espero ter sido capaz de vos demonstrar a possibilidade de uma altemativa 4 venerivel doutrina que afirma que 0 comhecimento ~ 0 conhecimento cientifico em particular — tem infcio na observagao. (A doutrina ainda mais veneravel - também por mim rejeitada - que afirma que todo o conhecimento tem inicio na percepgao ou na sensagio ou nos dados dos sentidos, encontra-se na base do facto de ainda se considerar que 05 “problemas de percepgiio” constituem uma parte respeitével da | filosofia ou, mais precisamente, da epistemologia.) ' x ‘Olhemos agora, um pouco mais de perto, para © modo como ‘nos farniliarizamos com os problemas. Comecamos, afirmo, com um problema —uma dificuldade. Serd talvez um problema prético ou um problema tecrico. De qualquer modo, quando deparamos com ele pela primeira vez, nfio podemos saber muito a seu respeito. Na methor das hip6teses, temnos apenas uma vaga ideia sobre aquilo em que corsiste realmente 0 nosso problema, Como podemos entfio encontrar uma solugio adequada? Decerto no podemos. Devemos, primeito, familiarizar-nos mais | conto problema. Mas como? ‘A minha resposta 6 muito simples: criando uma soluc&o muito 126 CIENCIA: PROBLEMAS, OBJECTIVOS, RESPONSABILIDADES inadequada ¢ criticando tal soluglo. $6 deste modo chegareros compreender o problema. Pois compreender um problema significa ‘compreender porque & que ele no tem uma solugao facil — por que azo as solugGes mais dbvias nao resultam, Logo, temos de produzir estas solugdes dbvias ¢ tentar descobrir por que raziio nfo server. Assitn nos familiarizamos como problema. E deste modo podemos partir de solugSes més para solugdes ligeiramente melhores —sempre desde que tenhamos a capacidade de de novo alvitrar. Um exemplo muito trivial do método de tentar resolver um problema por tentativa e eliminagdo do erro € a tarefa de divi ‘um ntimero grande ~ digamos 22376 — por outro — digamos 2784. © nosso método comum é adivinhar 0 primeiro algarismo do cociente — podemos achar que é 7 —e tentar verificar se a nossa suposicao era correcta, Se achavamos que era 7, facilmente descobrimos que estavamos errados e que temos de substituir 7 por 8. Hi muitos problemas mateméticos menos triviais, para os quais (© método de resolugéo normal é comecar com um palpite ¢, subsequentemente, corrigir 0 erro cometido”, Estes exemplos deveriam tomar claro que o método de tentativa ¢ eliminagao do erro € inteiramente diferente do chamado (mas, em minha opiniao, inexistente) “método de indug&o por repetizao”. Todavia, os dois foram com frequéncia confundidos. Em problemas mateméticos simples, € sempre possfvel encontrar a solugao apés um pequeno nimero de tentativas € erros, ou mesmo apenas um. Mas tal ndo se verifica em geral com todos os problemas matemiéticos (alguns dos quais so insoliveis). E, por certo, no é verdade em relagéo aos problemas nas ciéncias empiticas. Contudo, € geralmente verdade que o método methor, se no o nico, de aprender alguma coisa sobie. um_problema & resolvé-lo, primeito, ‘Bor palpites e, depois, tentar determinar os erros cometidos!, Beste, creio, o significad “trabalhar num problema”. E se tivermos trabalhado num problema o tempo suficiente e de modo assaz_ intenso, comegamos a conhecé-lo, a compreencé-lo, no sentido de que sabemos que espécie de soluedo nfo serve (porque simplesmente no vai ao encontro do verdadeiro problema) ¢ que tipo de requisitos tém de ser preenchidos por uma tentativa séria d solugdo. Por outras palavras, comegamos a ver as ramificacdes do| problema, os seus subproblemas e a sua relagdo com outros roblemas, 7 OMITO DO CONTEXTO Neste estidio, as nossas solugdes experimentais podem ser submetidas i critica de outrem — isto é, & discussio critica~e talvez até ser publicadas, ‘Ou se forem experimentalistas, podem agora proceder & testagem da vossa solugao, Caso se trate da solugiio de um problema prético de experimentacdo, realizardo vérias experiéncias para o testar, Caso se trate de uma conjectura, uma hipotese. testi-la-io corn 0 auxflio de experiéncias. Estes testes experimentais fazem, dacerto, também parte do processo de “trabalhar num problema” criticamente: de conhece- -lo, de nos aproximarmos e familiarizarmos verdadeiramente com cle, © assim talvez de aumentar as nossas probabilidades de encontrar, um dia, uma solugio satisfat6ria e ilustrada, Seja como for, o ponto verdadeiramente importante que desejo realgar é o que se segue. A pergunta “Que € compreender um probiema?” a minha resposta é que existe apenas um modo de aprendermos a compreender um verdadeiro problema ~ seja ele puramente tedrico ou um problema pratico de experimentagao. E tentar resolvé-lo ¢ falhar. S6 comegamos a compreender 0 nosso problema se verificarmos que uma solugio simples e Sbvia nao 0 resolve. Porque um problema é uma dificuldade. Compreendé-lo significa experimentar essa dificuldade. E tal apenas se pode fazer descobrindo que nao existe uma soluao fécil e Sbvia para ele. Assim, apenas nos familiarizamos com um problema, aps iniimeras tentativas goradas para o resolver. Eapés uma longa série de fracassos ~ de tentativas que nos oferecem solucSes que se sevelai inaceitéveis — podemos até tomnar-nos especialistas neste problema particular. Tet-nos-emos tomado peritos no sentido de ue sempre que alguém propde uma solu;o nova ~ por exemplo, uma teoria nova — esta sera ou uma das solugdes que em vo cexperimentémos (podendo assim explicar porque ndo serve) ou uma soluedo nova. Neste wiltimo caso, seremos capazes de descobrir rapidamente se ultrapassa ou nfo, pelo menos, as dificuldades cormuns que tio bem conhecemos através dos nossos esforgos mal sucedidos. © ponto que quero afirmar que, embora continuemos a fracassar na solugo do nosso problema, teremos aprendido muito ‘na nossa hata com ele. Quanto mais tentamos, tanto mais aprendemos aa seu respeito — mesmo que falhernos sempre. E claro que, tendo- 128 CIENCIA: PROBLEMA: )BIECTIVOS, RESPONSABILIDADES -nos deste modo familiarizado com o problema — ou seja, com as ‘suas dificuldades — temos uma melhor hipétese de o resolver do que alguém que nem sequer compreende as dificuldades. Mas & tudo uma questdio de sorte: para resolver um problema di‘icil, _Brecisamos no 86 de compreenisao, mas tanibém dé s 7 ‘Deste modo, como a prépria ciéncia, que comeca e termina por problemas ¢ progride através da uta com cles, o cientista individual deveria também comecar e tetminar pelo seu problema e lutar com ele. Além disso, durante a luta, ndo aprender apenas a nucleares, algumas porventara reduziveis a outras, outras nfo, Ba << descoberta destes novos mundos, destas possibilidades nuncaantes “~ sonhadas, que tanto intensifica o poder libertador da ciéncia. Os 7 coeficientes de correlacio ndo sao interessantes, se apenas| relacionarem as nossas observagdes. S6 so interessantes, se nos) S ajudarem a aprender mais acerca desses mundos. XIV Concluirei esta parte da minha palestra com uma proposta pratica. Existe uma tradigfio ainda viva na maneira de escrever comunicacées cientificas que alcunhei de ‘o estilo indutivo”. Estou certo de que todos 0 conheceis e alguns de vés talvez, ainda o utilize, Uma forma muito conhecida é escrever uma comunicagao 135 OMITO DO CONTEXTO, comecando por descrever os preparativos experimentais, depois, as observagGes, possivelmente uma curva que possa ligé-los e, talvez, como conelusao (em letras de corpo pequeno) uma hipétese. Este estilo indativo ou baconiano tem uma histéria longa. gloriosa: comunicagdes importantes ¢ que abalaram o mundo usaram-no — por exemplo, a comunicagio de Sir Alexandre Fleming, que relatava as suas primeiras observagdes da penicilina ‘Mas todos sabemos que Fleming nao se limitou a observar efeitos: sabia de antemo imimeras coisas. Conhecia as esperangas de Ehrlich e a possibilidade de substincias antibisticas tinha vindo a ser discutida hé anos pelos cientistas. B Lady Fleming diz-nos, num escrito, que creio ainda ndo ter sido publicado, quao profundamente seu defunto marido se interessava por estas uestdes e pelas possibilidades médicas destas substincias, Assim, Fleming ndo foi o observador passivo de um acidente. Até certo ponto, foi um acidente, mas que aconteceu a uma mente muito bem preparada ~ uma mente ciente da possivel importancia e desiderabilidade dos “acidentes” deste tipo, Mas um simples leitor dacomunicacao de Fleming dificitmente de tal suspeitaria, Devemos dar a mais ampla liberdade aos cientistas para escrever como acharem mais adequado, ¢ considerar isto natural. Mas podemos encorajar um estilo novo, um estilo completamente diferente do {radicional, Uma comunicacio esctita deste modo poderia ter a seguinte forma: comecar por uma exposicao breve, mas clara, do estado em que a sittiagio problemética se encontrava antes do inicio da pesquisa e com uma breve perspectiva do ponto até ao momento alcangado na discussdo. Prosseguir entiio com o relato sucinto de aigum palpite ou conjectura relativa ao problema que possa ter motivaco a pesquisa e dizer que hipsteses 2 pesquisa esperava testar. A seguir delinear os preparativos experimertais, acrescentando, se possfvel, as razSes para a sua escolha ¢ os resultados obtidos. E concluir com um resumo, que indicasse se alguns dos testes haviam sido bem sucedidos, se a sittago problemitica havia mudado na opinido do autor ©, em caso afirmativo, de que modo. Esta parte conteria igualmente novas hipsteses, caso as houvesse, ¢ talvez. ‘umn comentario sobre 0 modo como se poderiam testa. Jd se esereveram comunicagdes desta maneira, algumas por sugestio minha, Nem todas foram bem recebidas pelos editores. 136 CIBNCIA: PROBLEMAS, OBIECTIVOS, RESPONSABILIDADES Mas creio que, na presente situago da ciéncia, em que uma grande especializagao se encontra prestes a criar uma nova Torre de Babel, a substituigdo do estilo indutivo por algo de parecido com este novo estilo critico € uma das poucas maneiras de preservar, ou melhor, recriar, 0s interesses e os contactos mituos entre os vérios campos de pesquisa. E espero que deste modo o interesse do leigo inteligente também possa ser de novo despertado. Tudo isto, & evidente, ndo passa de uma proposta aberta & discussio. Mas estes assuntos deveriam ser discutidos. Aparentemente, nao tem havido muita discusséo sobre questbes como esta, desde hd muito — talvez desde Bacon, ha quase 400 anos. xv Chego agora a conclusao da minha palestra, abordando 0 tema das “Responsabilidades”. Quem quer que hoje diga algo sobre as responsabilidades ‘umanas ou sociais dos cientistas é de esperar, receio bem, que refira alguma coisa acerca da bomba, Por isso, deixem-me, primero, afastar a bomba do caminho, pois o que pretendo debater nada tem aver com ela. Longe de mim minimizar os perigos da guerra nuclear. O perigo éterrivel, como todos sabemos, eas perspectivas de evitar este tipo de guerra nfo so as que desejarfamos. Assim sendo, deverfamos tirar 0 methor partido de uma situagao desagradavel. Parece muito provével que tenhamos de viver durante muito tempo & sombra da bomba, ea tinica coisa que a maioria de nés pode fazer, tanto quanto me € dado ver, € aceitar a situagao. ‘Uma das coisas que, tanto quanto possfvel, deverfamos evitar € entrar em histeria e proclamar em voz alta que este perigo 6 responsabilidade de todos nés. Existe uma excelente razfo para afirmar que os acidentes rodovisrios s20 responsabilidad de todos nés, pois todos utilizarios avstradae (ouos estamos sujeitos a cometer, por vezes, erro como condutores ou pedes. Mas, coma posstvel excepgao de urn niimero diminuto de dirigentes politicos ou militares, no podemos fazer nada razoavel quanto ao perigo da guerra nuclear. ‘Ao afirmar isto, estou a defender uma posigdo que é 137 ©MITO DO CONTEXTO diametralmente oposta & defendida por muitas pessoas de valor e bem informadas. Surgiu, por exemplo, muito recentemente um artigo de fundo no The Bulletin of The Atomic Scientists, periédico de mmito interesse, que comegou por desenvolver um argumento contra o fatalismo ¢ prosseguiu concluindo que todos somos Tesponsdveis pelo que vai acontecer— que situagao é extremamente urgente € desesperada e que todos deverfamos, o mais breve possivel, fazer algo a seu respeito. O autor nao disse o que deverfamos fazer. Suponho que pensou que todos deveriamos fazer 0 nosso melhor, de acordo com a nossa situagio especifica Penso que este autor estava errado. Nao vejo utilidade em que milhbes de cidaddos comecem a semtir que devem fazer qualquer ‘coisa quanto & bomba, € que serZo irresponsaveis, nfo cumprindo © seu dever de cidadéos, se nao fizerem algo para evitar a guerra nuclear. Inclusive, parece-me possfvel que um surto deste tipo de sentimento (que pessoalmente me sentiria inclinado a descrever ‘come histérico) venha a aumentar o perigo de um ataque nuclear, E bom que encaremos este facto da vida: por vezes, encontramo-nos envolvidos em situagGes em relagdo as quais deverfamos estar preparados para fazer 0 que for possivel, mas sobre _ as quais nada podlemos fazer. ‘Nilo pretendo ser dogmético, e todas as sugest6es ou propostas raticas se devem discutir com 0 maior cuidado. Isto aplica-se, & evidente, & proposta denominada “desermamento unilateral”. Contudo, apesar de sempre ter sido grande admirador de Bertrand Russell, enquanto filésofo, penso que propostas como 0 desarmamento unilateral nada tém a seu favor. Parece-me estranho gue 0s que propagandeiam o desarmamento unilateral nunca considerem a possibilidade de que, se a sua propaganda tivesse muito éxito em enfraquecer a nossa determinagao A resisténcia, poderiam facilmente desencadear um ataque nuclear. Afinal de

Anda mungkin juga menyukai