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Crónica

Seres decentes
mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a.
Quando cumpria o seu segundo
Mas pedi-la, não. Nunca!»
Fe r n a n d o
mandato, Ramalho Eanes viu ser- O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deve-
Dacosta lhe apresentada pelo Governo uma ria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e
lei especialmente congeminada primeiras páginas de periódicos) explica-se pela
nossa recalcada má consciência que não suporta,
contra si.
de tão hipócrita, o espelho de semelhantes com-
portamentos.

O
texto impedia que o vencimento do “A política tem de ser feita respeitando uma
Chefe do Estado fosse «acumulado moral, a moral da responsabilidade e, se possível,
com quaisquer pensões de reforma a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensá-
ou de sobrevivência» públicas que vel “preservar alguns dos valores de outrora, das
viesse a receber. utopias de outrora”.
Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedin- Quem o conhece não se surpreende com a sua
do-se de auferir a aposentação de militar para a decisão, pois as questões da honra, da integrida-
qual descontara durante toda a carreira. de, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, soli-
O desconforto de tamanha injustiça levou-o, tário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta
mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há - acrescentando os outros.
pouco, se pronunciaram a seu favor. “Senti a marginalização e tentei viver”, con-
Como consequência, foram-lhe disponibiliza- fidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, lide-
das as importâncias não pagas durante catorze rando”.
anos, com retroactivos, num total de um milhão O acto do antigo Presidente («cujo carácter e
e trezentos mil euros. probidade sobrelevam a calamidade moral que
Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, por aí se tornou comum», como escreveu numa
porém, prescindir do benefício, que o não era das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos)
pois tratava-se do cumprimento de direitos esca- ganha repercussões salvíficas da nossa corrompi-
moteados - e não aceitou o dinheiro. da, pervertida ética.
Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o
corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, bastão de Marechal) preservou um nível de di-
Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma gnidade decisivo para continuarmos a respeitar-
esplendorosa bofetada de luva branca no videi- -nos, a acreditar-nos - condição imprescindível
rismo, no arranjismo que o imergem, nos imer- ao futuro dos que persistem em ser decentes. I
gem por todos os lados.
As pessoas de bem logo o olharam empolga-
das: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de
ânimo em altura de extrema pungência cívica, de
dolorosíssimo abandono social.
Antes dele só Natália Correia havia tido com-
portamento afim, quando se negou a subscrever
um pedido de pensão por mérito intelectual que
a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de
Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situ-
ação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não,
não peço. Se o Estado português entender que a

82 TempoLivre | OUT 2008

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