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102 Centro de Estudos Rurais e Urbanos FRENTE PIONEIRA: CONTRIBUICAO PARA UMA CARACTERIZACKO SOCIOLOGICA José de Souza Martins Departamento de Ciéncias Sociais Faculdade de Filosofia, Letrase Ciencias Humanas - Universidade de Sao Paulo Comunicacg&g apresentada, sob o patrocinio da Fundacao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo, a XXIII Reuniao Anual da Sociedade Brasileira para o Progres- so da Ciéncia ~ (Curitiba-PR, 4-10 de julho de 1971). 1. Implicagdes do conceito de zona pioneira Como ponto de partida para desenvolver esta co municagdo, tomarei as palavras com que o gedgrafo Leo H.Waibel, delimitando 0 alcance do conceito, caracte- rizou a "zona prioneira": Mew 0 conceito de pioneiro, para mim, significa mais do que o conceito de ‘fron tiersman', isto é, do individuo que vive numa fronteira espacial. 0 pioneiro pro- cura nao sé expandir o povoamento espaci- almente, mas também intensificd-lo e criar novos e mais elevados padroes de vida. Sim, empregamos 0 conceito de pioneiris- mo, também para indicar a introdugao de melhoramentos no campo da técnica e mes- mo da vida espiritual! (...) Somente ele é capaz de transformar a mata virgem numa paisagem cultural e de alimentar um gran- de niimero de pessoas numa 4rea pequena.(...) CADERNOS N@ 5 - 1972 103 Entao, os precos das terras elevam-se ver tiginosamente, as matas sAéo derrubadas, casas e ruas sao construidas, povoados e cidades altam da terra quase da noite pa- ra o dia, e um espirito de arrojo e de o- timismo invade toda a populacao" (1). A utilizagdo do conceito pelo geégrafo a dimen sao urbana como constitutiva da paisagem (2), o_mer- cado como constitutivo da economia, a urbanizagao do comportamento e a implantagao da "mentalidade racio- nal", pressupondo, desse modo, a "zona pioneira" co- mo aquela em que se realiza um estilo singular de vi da, Tal estilo tenderia para a efetivagao da cultura propria da sociedade urbano-industrial, enquanto ti- po social. A caracterizagdo geografica da "zona pioneira” supde uma concepgdo dualista: zona pioneira/zona an— tiga. Esta iltima, entendida como 0 extremo oposto daquela, apresenta-se como tendo o terreno empobreci. do, transformado em pastagens e marcada, devido a emigragao para a zona pioneira, pela perda dos tipos humanos mais empreendedores (3). Essa concepgao dua- lista da realidade, quando simplesmente transposta para a sociologia, pode, sem duvida, encontrar apoio teérico na dicotomia moderno/tradicional. Mas, esses dois extremos da dualidade estao unidos, no plano do conhecimento, por um modelo evolucionista de inter (1) Leo H. Waibel, "As Zonas Pioneiras do Brasil", Revista Brasileira de Geografia, ano XVII, n° 4, ou- tubro-dezembro de 1955, pp. 391-392. (2) C£., também, Pierre Monbeig, Ensaios de Geogra- fia Humana Brasileira, Livraria Martins, Sao Paulo, 1940, pp. 42-50 e 59-60. (3) Pierre Monbeig, ob. cit,, pp. 53-55. Caracteriza cao do tipo humano, pelo geografo, na zona antiga: Pierre Monbeig, "Evolucao de géneros de vida rural tradicionais no sudoeste do Brasil", Novos Estudos de Geografia Humana Brasileira, Difusao Europeia do Livro, Sao Paulo, 1957, pp. 192-194. 104 Centro de Estudos Rurais e Urbanos pretacao da realidade social (4). Cabe, pois, inda- gar se sociologicamente & valido o pressuposto de que a zona pioneira @ adequadamente estudada quando en- tendida como resultado da evolugdo de um tipo a ou- tro. Ou, em outros termos, cabe perguntar se ha algu ma evolucao. Se, quanto.a geografia, o fato fundamental e significativo da zona pioneira é a cidade e a moder- nizagao que através dela se implanta, no que respei- ta a Sociologia esse nao é necessariamente o fenome- no mais importante. Sociologicamente, o que importa é descobrir quais sao aS relagoes sociais que tornam singular o sistema social na zona pioneira. Por outro lado, a centralizagao das reflexdes na ocupacao pioneira do terreno - pioneira no senti- do indicado de "zona pioneira" e nao no de primeira ocupagao (5) - e no modelamento da paisagem, nao a- centuar devidamente que, independentemente do espaco geografico, as relagoes sociais e singulares que ar- ticulam a vida social na zona pioneira nao sao, por seu turno, "pioneiras". Em outros termos, as rela- goes sociais que definem a sociedade na zona pionei- ra nao constituem resultado do aparecimento da zona pioneira, mas sao as relagdes sociais necessdrias a sua implantagdo. & essa a dnica relagao possivel, no caso, entre o geografico e o Social, isto é, essas relacdes sociais tem como primeira caracteristica o fato de que articulam a vida social deslocando-se geo graficamente, mas preservando-se enquanto modalidade de relacionamento entre as pessoas. 0 "novo" que é uma das dimensdes do conceito de zona pioneira, é no vo apenas na ocupagao do espaco geografico e nao na estrutura social. Por essa razao, @ preferivel, na sociologia, utilizar o conceito de "frente pioneira", 4) Sobre o modelo evolucionista, cf. Alex Inkeles, © que é Sociologia? Livraria Pioneira Editora, Sao Paulo, 1967, pp. 55-61. (5) Leo H. Waibel, loc. cit., pp. 390-391. CADERNOS NQ S - 1972 igualmente utilizado pelos gedgrafos com a conotacao de mobilidade espacial (6). Tal conotagao é 0 ponto de partida para elaboracdo de uma nocag sociologica- mente operacional na descrigao dos fenomenos sociais préprios das zonas pioneiras. 2. Frente de expansao e frente pioneira A frente pioneira exprime um movimento social cujo resultado imediato @ a incorporagao de novas re gides pela economia de mercado. Ela se apresenta co- mo fronteira economica. Compreendé-la como tal, no entanto, implica em considerar que, no caso brasilei ro, a fronteira economica nao coincide, necessaria mente, com a fronteira demografica (via de regra a- quela esta aquem desta) (7). A faixa entre uma e ou- tra, embora sendo povoada (ainda que com baixos indi ces de densidade demografica), nao constitui uma fren te pioneira e nao constitui basicamente porque a sua vida econdmica nao esta estruturada primordialmente a partir de relagdes com o mercado. Por outro lado, a economia dessa faixa nao po- de ser classificada como economia natural, pois dela saem produtos que assumem a condigao de valor de tro. ca na economia de mercado. Trata-se de uma economia do_excedente, cujos participantes dedicam-se princi- palmente 4 propria subsisténcia e secundariamente a troca do produto que pode ser obtido com os fatores que excedem as suas necessidades. Foi esse tipo de economia que prevaleceu ou prevalece em regides: como (6) Cf. Pierre Monbeig, Pionniers et Planteurs de Sao Paulo, Librarie Armand Colin, Paris, 1952. (7) Arthur Hehl Neiva, "A imigracgao na politica bra- sileira de povoamento", Revista Brasileira de Muni- cipios, ano II, n° 6, abr 1949, p. 266, Rpud Leo H. Waibel, loc. cit., p. 391. LOG Centro de Estudos Rurais e Urbanos a do Contestado do Parana-Santa Catarina, a do Oeste de Sao Paulo, a do rio Tocantins, etc. (8). fi essa faixa, com suas peculiaridades economi, cas, Sociais e culturais, que se pode conceituar co- mo frente de expansao. E isso porque essa frente se constitui em decorrencia da instauracao de um "esta- do de insuficiéncia econdmica" que se realiza, na fronteira economica, "pelo incremento demografico, sem correspondente expansao dos meios de ganhar a vi, da" ou "pela retragao do nivel ou montante das "ade- quadas' oportunidades de ganhar a vida" (9). Assim sendo, a frente de expansao se integra na economia de mercado de dois modos: pela absorcgao do excedente demografico que nao pode ser contido dentro da fron- (8) Manuel Diegues Junior, Regides Culturais do Bra- sil, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais,Rio de Janeiro, 1960; Maria Isaura Pereira de Queiroz, La_"Guerre Sainte! au Brésil: Le Mouvement Messiani- que du "Contestado”, Faculdade de Filosofia,Ciencias e Letras da Universidade de Sao Paulo, 1957; Mauri- cio Vinhas de Queiroz, Messianismo e Conflito Social, Editora Civilizacao Brasileira S.A., Rio de Janeiro, 1966; Roberto Cardoso de Oliveira, 0 {ndio e o Mundo dos Brancos, Difusdo Européia do Livro, Sao Paulo, 1964; Roberto Cardoso de Oliveira, "Problemas e Hi- poteses Relativos a Friccao Interetnica: Sugestoes Para Uma Metodologia", Revista do Instituto de Cien- cias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, vol. IV (n9 1), jan.-dez. 1967, pp.41-92; Octavio Guilherme C.A. Velho, "Andlise Preliminar de Uma Fren te de Expansao da Sociedade Brasileira", ibidem, pp. 27-40; Julio Cezar Melatti, Indios e Criadores, Ins- tituto de Ciencias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1967; Nelson Werneck Sodré, Oeste - - Ensaio Sobre a Grande Propriedade Pastoril, Livra- ria José Olympio Editores, Rio de Janeiro, 1941; Ama dor Nogueira Cobra, Em Um Recanto do Sertao Paulist. Typ. Hennies Irmaos, Sao Paulo, 1923. (9) Luiz Pereira, Estudos Sobre o Brasil Contempora- neo, Livraria Pioneira Rditora, Sao Paulo, 1971,p.125 CADERNOS N@ 5 - 1972 107 teira economica e pela producao de excedentes que se realizam como mercadoria na economia de mercado. Des se modo, a frente de expansao esta integrada na for- macao capitalista. Todavia, as suas relacgées sociais fundamentais nao sao determinadas pela producdo de mercadorias, pois, a apropriagdo das condicoes de trabalho, isto é, da terra, nao se faz como empreendimento economi- co. A instauracaéo da propriedade privada da terra, no plano jurfdico, pela Lei de Terras de 1850, nao constituiu nem o principio dessa instituicao nem o fim da instituicao do uso privado das terras comuns ou da posse, por ocupacao, das terras devolutas. 0 que caracteriza a frente de expansao @ justamente es se uso privado das terras devolutas, em que estas nao assumem a equivaléncia de mercadoria. Por isso, a fi gura central da frente de expansao é@ a do ocupante ou posseiro. 0 carater de excedente do produto da frente de expansa4o se combina com essa forma peculiar de posse da terra em decorréncia da satelitizagao das rela- codes de troca, isto é, da presenga do colonialismo como elemento de estruturagao dessas relacoes. 0 ex~ cedente é, assim, o artigo que adquire valor de tro- ca porque ha condigées economicas para sua comercia- lizacao e nao porque tenha entrado nas relacgoes de troca como resultado da divisdéo do trabalho. Na fren te de expansao, as condicdes de vida sao reguladas pelo grau de fartura e nao pelo grau de ‘riqueza. 0 empreendimento capitalista se situa "fora" dos com- ponentes da estrutura social (10) da frente de expan sio e absorve a renda potencialmente gerada pela ter ra. Por isso mesmo, as tensoes que marcam a frente de expansao sao tensoes entre a sociedade capitalis- ta que se faz presente na fronteira econdmica ea so- ciedade tribal A qual se disputa, mediante o empenho dos que estao situados na frente de expansio, a ter- ra necessaria a preservacao dessa frente. 10) Florestan Fernandes, Sociedade de Classes e Sub desenvolvimento, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1968, passim 108 Centro de Estudos Rurais e Urbanos Essas referéncias sumarias sobre frente de ex pansao sao indispensdveis para se compreender o al- cance e os limites do conceito de frente pioneira. A caracteristica imediata desta iltima € a de que se instaura como empreendimento econdmico: empresas imo bilidrias, ferroviarias, comerciais, bancdrias, etc. loteiam terras, transportam mercadorias, compram e vendem, financiam a produgao e o comércio. Passa-se, assim, da produgdo do excedente para a produgao da mercadoria. A frente pioneira surge nao como conse- quéncia "rebarbativa" da sociedade capitalista, mas como resultado direto da necessidade de produgao desta. 0 ponto-chave da implantacao da frente pionei ra é a propriedade privada da terra. Na frente pio- neira a terra nao é ocupada, é comprada. Desse modo, a renda da terra se impoe como mediacio entre 0 ho-~ mem e a Sociedade. A terra passa a ser equivalente de capital e @ através da mercadoria que 0 sujeito trava as suas relagdes sociais. Essas relagdes nao se esgotam mais no Ambito do contato pessoal. 0 fun cionamento do mercado é que passa a ser o regulador da riqueza e da pobreza. A alienagdo do produto do trabalho no mercado faz com que as expectativas re- guladoras do relacionamento sejam constriidas de con formidade com as objetivagdes da sociedade capita - lista. 3. As tensdes constitutivas da frente pioneira Nesse ponto situa-se um dos focos das tensdes que tornam o sistema social da frente pioneira "pe- culiar". A implantacao e sustentacao institucional da frente se faz pela mediacao das objetivagoes da sociedade moderna, cujo principal componente, no ca so, @ 0 Direito. A frente pioneira formula o seu an tagonismo com a frente de expansao em torno de um valor: a propriedade privada da terra, isto é, a renda capitalizada. Esse antagonismo se apresenta no CADERNOS N@ 5 - 1972 109 Ambito das relagdes sociais pela descontinuidade de significagoes em torno do fator terra, sobretudo no que respeita ao modo de obter a propriedade (compra/ ocupacao). Em tres das cinco frentes pioneiras do Bra sil arroladas por Waibel ocorrerem movimentos messia nicos no momento da instauracao da frente pioneira (além de um movimento nao-messianico de posseiros nu ma quarta frente, em Porecatu, PR): Contestado Para- na-Santa Catarina ("monge" Joao Maria), Oeste de Sao Paulo ("Frei" Damiao) e Norte do Rio Doce - Vale do Mucuri-MG (adventistas do Catulé) (11). Constituem "os efeitos destrutivos do choque de duas ordens eco nomico-sociais diversamente estruturadas" (12). 0 mes sianismo negador da situacdo encontra-se ai como meio de expressao de esquemas de pensamento elaborados na Sociedade e na cultura da frente de expansdo. A nega ¢ao ocorre, portanto, num nivel "exterior" a socieda de moderna (13). Mas, a renda capitalizada gera, também, um fo- co direto de tensdes na frente pioneira: tensdes de classe, Sendo a terra equivalente de capital, o seu uso @ articulado em fungado da rentabilidade, o que por sua vez depende dos precos agricolas. Na fase em que a frente pioneira era constituida pelas grandes fazendas de café, esses precos dependiam de mecanis- mos de mercado Situados no exterior e manipulados con forme as necessidades de reproducao do capital nos (il) Maria Isaura Pereira de Queiroz, ob.cit.; Mauri cio Vinhas de Queiroz, ob. cit.; Amador Nogueira Co- bra, ob. cit.; Carlo Castaldi, Bunice T. Ribeiro e Carolina Martuscelli, "A Aparicdo do Deménio no Catu 1é", in Maria Isaura Pereira de Queiroz et al.,Estu- dos de Sociologia e Histéria, Editora Anhambi Ltda Sao Paulo, 1957. (12) Octavio Ianni, Industrializacdo e Desenvolvimen to Social no Brasil, Civilizacao Brasileira, Rio, 1963, pp. 138-139. (13) Eric J. Hobsbawn, Rebeldes Primitivos,Ediciones Ariel, Barcelona, 1968. Lo Centro de Estudos Rurais e Urbanos centros metropolitanos. Aproximadamente a partir da Primeira Guerra a frente pioneira passou a caracteri zar-se pela pequena propriedade policultora voltada para o mercado interno e, parcialmente, para o merca do externo (como no Oeste de Sao Paulo e no Norte do Parana). "Assim se esclarece a localizagao das zonas pioneiras no sudeste do pais: elas se dispoem segun- do um semicirculo de 500 até 1.000 quilometros de raio em torno destas duas cidades" - Sao Paulo e Rio de Janeiro (14), Ora, essa tem sido justamente a fa- se de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, basi camente caracterizado pela interiorizagdo das fun- cées metropolitanas (15), isto é, pelo colonialismo interno. Desse modo, 0 prego dos produtos agricolas continuou sendo fixado em funcdo da rentabilidade do capital dos empreendimentos urbanos e nao em funcao dos custos da produgao. A partir desse quadro pode- -se entender que o colonialismo interno opera pela fixacdo de pregos de cima para baixo, assegurando a rentabilidade das empresas nessa ordem: atacadista, transportador, intermediario. Com o remanescente é preciso remunerar a ren- da capitalizada (a terra), 0 capital (se houver) e 0 trabalho. Dado que a frente pioneira se constitui co mo empreendimento capitalista (nao s6 dos "planejado res" da frente, ‘mas também de pequenos comerciantes e capitalistas do interior que investem na terra) tam bém uma parte dos proprietdrios, em geral absentefs- ta, procura assegurar a rentabilidade do dinheiro patado na terra. Com isso transfere os rendimentos m gativos do empreendimento aos que nela trabalham. Se jam eles colonos (norte do Parana), arrendatarios (oeste de Sio Paulo, quase toda a margem esquerda do rio Parana e parte da margem esquerda do rio Grande) (14) Leo H. Waibel, loc. cit., p. 404. (15) Paul Singer, Desenvolvimento Econdmico e Evolu- cdo Urbana, Companhia Editora Nacional, Editora da Universidade de Sdo Paulo, Sado Paulo, 1968. CADERNOS N@ 5 - 1972 ill ou assalariados (Vale do Rio Doce) (16). Quando isso nao ocorre, o pequeno proprietdrio absorve, em geral, diretamente esses rendimentos negativos numa autoex- propriacdo, Por isso, as relagdes sociais na frente pioneira ndo sdo apenas tensas, mas tém mesmo se ma- nifestado de forma conflituosa. Embora as relacées de produgdo indicadas, co- mo as de colonato e de arrendamento em espécie nao se configurem como tipicamente capitalistas, é preci so nao cometer o engano de atribuir as tensoes da frente pioneira a essa atipicidade e, portanto, a um antagonismo de outra espécie: capitalismo/pré-capita lismo. Essas relagdes sao, na verdade, as possiveis e necessarias a acumulagdo e reproducao do capital. Dai que a frente pioneira tenha sempre se apresenta- do como expressdo limite do capitalismo no campo e, ao mesmo tempo, tenha se apoiado em relacoes sociais fundamentais nao-tipicamente capitalistas: escravatu ra, colonato, arrendamento em espécie. Na verdade, 0 que caracteriza a penetracdo do capitalismo no campo nao é a instauragdo de relagées sociais de produgao tipicas formuladas em termos de compra e venda de forcga-de-trabalho por dinheiro, 0 que a caracteriza (16) Duglas Teixeira Monteiro, "Ustrutura Social e Vida Econémica em uma Area de Pequena Propriedade e Monocultura", Revista Brasileira de Estudos Politi - cos, n2@ 12, Belo Horizonte, 1961; Duglas Teixeire Mon teiro, WNecwanidader Educacionais de Areas em Expan- sao Demografica da Sociedade Brasileira: 0 Norte do Parana", Estudos e Documentos, vol. 6, Centro Regio- nal de Pesquisas Educacionais "Prof. Queiroz Filho", Sio Paulo, 1968; José de Souza Martins, "Moderniza - cao e Problema Agrario no Estado de Sao Paulo", Re- vista do Instituto de Estudos Brasileiros, Universi- dade de Sao Paulo, 1969; Camara dos Deputados,Proje- to de Resolugdo n@ 103, de 1965 (Da Comissao Parla- mentar de Inquérito destinada a verificar, "in loco” as origens, natureza e profundidade da agitagao rei- nante nos meios rurais de Governador Valadares, em Minas Gerais, e em qualquer outro ponto do territo- rio nacional), p. 22: Centro de Estudos Rurais e Urbanos é a instauragdo da propriedade privada da terra, is- to é, a mediacgao da renda capitalizada entre o produ tor e a sociedade (17). © colonialismo, que era o estruturador das re lacgoes de troca entre a frente de expansao e a econo mia de mercado, se insinua diretamente na frente pio neira estruturando as relacgées sociais, definindo tensdes e antagonismos de classe. A frente pioneira reinstaura, continuamente, as condicées para apareci mento do estado de insuficiéncia economica. Desse mo do, a significagao sociolégica do conceito de frente pioneira ndo se propoe corretamente enquanto polo privilegiado da dicotomia tradicional/moderno. Sumario A nocdo de "zona pioneira" é marcada pelo seu fundamento geografico, o que a torna instrumento ina dequado a uma utilizagdo sociolégica. As outras duas nogées & que sAo sociologicamente significativas. No entanto, cada uma delas descreve uma situacdo especi fica. A de "frente de expansdo" corresponde ao pro- cesso histérico mais geral em que, pelo contato in- terétnico, a sociedade nacional se expande, enquanto formagao capitalista, incorporando d4reas sob dominio de sociedades tribais. Por outro lado, a "frente pio neira" @ mdvel, Caracteriza-se pelo fato de que nela o capitalismo perde seu carater "exterior" e passa a permear as relacdes sociais e a cultura. Ou seja, na "frente pioneira" o capitalismo exprime-se como 0 ar ticulador interno da sociedade. (17) Rosa Luxemburg, A Acumulagao do Capital, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1970; Carlos Marx, Forma~ ciones Economicas Pre-capitalistas, Prologo de Juan Carlos Rey Martinez, Introduccion de E.H. Hobsbawn, Editorial Ciencia Nueva, Madrid, s/d. CADERNOS NO 5 - 1972 113 A_PRESENCA DO JAPONBS NA ZONA BRAGANTINA - PARA * Orlando Sampaio Silva ** 1. Introdugao A imigragao de japoneses para a Zona Braganti na pode ser visualizada através de dois perfodos no tempo: um que teve seu inicio em 1928 e que vai até a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial e o ou tro que comeca com o término dessa guerra e vem ate os dias que correm. 0 primeiro perfodo tem cardter de pioneirismo e @ inexpressivo, quer do aspecto quan titativo, quer quanto a possiveis influencias que a- quelas raras fam{lias japonesas, que para 1a se des- locaram, pudessem ter exercido sobre a economia e a sociedade locais. & possivel, porém, que aquelas fa- milias tenham influenciado positivamente 0 processo imigratorio, que se desencadearia na segunda fase. Esta, a segunda fase, parece-nos significativamente expressiva, de vez que as marcas da presenca dos imi grantes japoneses localizados, durante seu transcor- rer, nessa zona ecolégica do Estado do Para, prova- velmente, far-se-ao sentir através de mudangas econd micas, culturais e até genéticas. A Zona Bragantina é uma zona fisiografica que compreende os seguintes municipios: Belem, Ananindeua, Benevides, Santa Isabel do Para, Castanhal, Inhanga- pi, Anhanga, Igarape-Acu, Nova Timboteua, Capanema e Braganga. & uma zona que se situa no nordeste do Es- () Dados constantes deste trabalho foram utiliza - dos, juntamente com outras fontes subsididrias, em duas comunicagges apresentadas pelo autor, uma no Sim posio-0 Japoneés em Sao Paulo e no Brasil, realizado em Sao Paulo, capital, de 18 a 22 de junho de 1968, e a outra na XXIII Reuniao Anual da Sociedade Brasi- leira para o Progresso da Ciencia, que se realizou em Curitiba, Parana, de 4 a 10 de julho de 1971. (**) Pesquisador do CEBRAP -Centro Brasileiro da Ana lise e Planejamento, Sao Paulo. 114 Centro de Estudos Rurais e Urbanos tado do Para. Ela, de conformidade com dados do IBGE, tem uma area de 11.951 Km2, ou seja, 0,96% do Estado. Sua populacdo, em 1960, era de 616.562 habitantes ou seja, 40% da populagao do Estado do Parad. A densi dade demografica nessa zona é de 51,5 habitantes por Km2. 0 Estado do Para, para efeito de comparagao, pos suia, em 1960, uma populagao de 1,550,935 habitantes, com uma densidade demografica de 1,2 habitantes por Km2. A Zona Bragantina surgiu em torno da hoje extin ta Estrada de Ferro de Braganga, que foi construida para ligar Belém, capital do Estado, a Braganga, uma cidade que foi fundada ainda no século XVII. A estra da de ferro teve sua construcao iniciada na segunda metade do século XIX, vindo a ser concluida em 1908, no Governo Augusto Montenegro, apds 25 anos de obras para sua instalagdo. Planejada para servir a uma area préxima a Belém, possivel de ser atingida por terra a partir da capital do Estado, sem grandes obstacu- los naturais a transpor ~ o que nao seria possivel em relagdo a outras dreas paraenses -, além de ligar,em seus extremos, duas importantes cidades, a estrada de ferro serviria a programas de colonizagio e ao transporte e comunicagao em uma zona em que a concen tragdo populacional ja comecara a efetivar-se. Ao ser conclufda a construgao da via férrea em referén- cia, vivenciava o Pard o perfodo de sua histéria que ficou conhecido como a "época aurea da borracha". A ocupagdo humana da Zona Bragantina tem ocor rido coma participagao decisiva de fam{flias nordes tinas (constituidas de pessoas nascidas nos Estados do nordeste brasileiro, comumente identificados como "cearenses", pela predominancia de filhos do Estado do Ceara) e seus descendentes. A transumancia das fa milias nordestinas ocorreu ligada diretamente a eco- nomia gomifera amazonica e as suas implicagdes e con dicionantes de varias ordens, tais como: demografi- cas, comerciais (nos setores nacional e internacio - nal), ecolégicas, necessidade de mao-de-obra, etc. Para a Bragantina foram familias que retornaram dos seringais, em face de circunstancias economicas e so CADERNOS N@ 5 - 1972 115 ciais diversas (as quais nao serao estudadas agora), além de outros nordestinos que nao chegaram mesmo a integrar-se 4 economia da borracha e que logo e dire tamente se colocaram naquela area. Além dos nordesti nos, encontram-se na populagdo da zona em,estudo, os caboclos (mestigos) paraenses. Ainda no século XIX, tentativas oficiais se concretizaram para localizar nesta d4rea imigrantes de varias nacionalidades: espa nhois, italianos, franceses, alemaes, belgas, ingle- ses, suicos, argentinos, am norte-americano e um por tugués, na Colonia de Santa Isabel de Benevides, no ano de 1875 (Cruz: 1963). Aos colonos estrangeiros, como também aos nordestinos, foram entregues sesma- rias, para a pratica da agricultura. Apenas no final da década de vinte, em nosso século, chegaram a esta zona os primeiros japoneses. A economia da zona fisiografica em revista, tra dicionalmente, filia-se ao setor primario. Durante longos anos nela predominou a pratica de uma agricul tura de subsisténcia, em "rogados" do tipo tradicio. nal do nosso caboclo, com o emprego predatorio de téc nicas arcaicas herdadadas principalmente da cultura indfgena. Em um passado relativamente recente, a cul tura da mandioca predominante atingiu um nivel de producao que propiciou a existéncia de excedentes de farinha de mandioca para a exportacao, mesmo para ou tros Estados brasileiros. 0 regime de exploragao da terra ligado a este tipo de economia, tem-se caracte rizado pelo sistema de parceria nas relages entre proprietario e trabalhador, através de suas formas: "meia", "terga!! e "quarta". Atualmente as culturas a gricolas que tem maior incidéncia sao a pimenta do reino e a malva. A primeira predomina na metade mais proxima de Belém, ao longo da antiga estrada de fer- ro, até o municipio de Igarape-. -Agu, @ a segunda, prin cipalmente a partir deste municfpio. Ha como que uma paulatina substituicao de uma cultura pela outra, a medida que nos aproximamos de Igarapé-Acu. Ha ainda outras culturas, como a mandioca, o milho, o feijao, © arroz, a borracha, o fumo, as hortalicas e arvores frutiferas. Ao lado da producgao agricola, subsiste 116 Centro de Estudos Rurais e Urbanos alguma atividade pecudria, em pequenas fazendas de gado vacum, bem como a criacgao de galinhas para cor- te e produgao de ovos (Penteado: 1967). A cultura da pimenta doreino, na area, esta, historicamente, liga da ao processo imigratério japones e a sua fixacao na Zona Bragantina. 2. 0 Japonés na Zona Bragantina A migracdo de japoneses para a Zona Braganti- na ocorreu em duas fases distintas e bem caracteris- ticas. A primeira fase, pioneiristica, vai de 1928 até 1942. A segunda tem inicio apos o término da se- gunda Guerra Mundial, extendendo-se até nossos dias. 2.1. Primeira Fase - Pioneirismo A imigrag&o japonesa para o Brasil teve seu inicio em 1908. Antes dos iltimos anos da década de vinte, os imigrantes japoneses nao vieram para a Ama zonia, preferindo localizar-se no sul do pais, prin- cipalmente no Estado de Sao Paulo. 0s anos de 1928 e 1929 assinalariam 0 estabelecimento do contacto mi- gratério entre o Japao e a Regiao Amazonica, com a vinda das primeiras famflias japonesas imigradas pa- rao baixo e médio Amazonas, para Tomé-Acu, no muni- cipio de AcarA, e para Castanhal, municipio da Zona Bragantina» A localizagao de japoneses na Zona Bragantina teve inicio com a ag&o pioneira do Instituto Agrono- mico Nantaku, que, em 1928, foi implantado no Munici pio de Castanhal, onde realivot pesquisas de agricul tura tropical, com a participacao de técnicos japone ses. Em 1930, foi levado ao sul do Brasil a este Ins tituto o sr, Y. Kataoka, especialista ma cultura de arroz. Vindo o Instituto a fechar, ficou na area a- quele técnico que, na primeira metade da década de trinta, comegou a cultura de pimenta do reino. Vindo a falecer em 1936, sua experiencia agricola também extinguiu-se. CADERNOS N@ 5 - 1972 117 Em nossa pesquisa, circunscrita, nesta fase, a apenas um dos municipios da Zona Bragantina - Sta.Isa bel do ParA -, no ponto em que se encontra, apenas foram constatadas quatro (4) fam{lias japonesas resi dentes nesta 4rea desde a fase anterior a Segunda Gran de Guerra. Estas poucas familias pioneiras se dedica ram, na fase em estudo, predominantemente, ao tipo de agricultura convencional da Area. Plantavam, prin cipalmente, a mandioca, em “rocados",extensivamente, segundo a tecnologia rustica do morador brasileiro lo cal, em terras que 14 vieram a adquirir. Com a guer- ra, alguns colonos japoneses foram para um campo de isolamento em Tomé-Acu, onde se dedicaram ao cultivo de arroz, mandioca e a outras culturas tradicionais na area. 2.2. Segunda Fase - Apos a II Guerra Mundial: Estabe Tecimento Definitivo Finda a guerra, uma das familias, apods retor> nar a sua antiga propriedade, em Sta. Isabel do Para iniciou uma pequena plantagao de pimenta do reino, sendo assim, imtroduzida, definitivamente, a piperi- cultura na Zona Bragantina, conforme as informagoes prestadas pelos proprios remanescentes daquelas qua- tro familias e por testemunhos colhidos de brasilei- ros. Em face da importancia economica conquistada pelo comércio da pimenta do reino produzida em Tomée- -Acu, logo se estabeleceu um fluxo migratério de ja- poneses para a Zona Bragantina, com o objetivo de criar,, nesta area, outro grande centro de produgao de pimenta, a partir e com o incentivo da vitoriosa experiencia daquela primeira familia. Em um relatério da JAMIC, grande empresa japo- nesa que promove financiamento a produgéo e realiza outras atividades junto a colonia niponica do Estado, lemos que os japoneses que se transferiram de inime- ras areas para a Zona Bragantina, o fizeram por moti vos e vieram de lugares que serao a seguir enumera - dos: "Vieram de Tomé-Acu, devido a falencia da empre 418 Centro de Estudos Rurais e Urbanos sa Nantaky: oprimidos por dificuldades financeiras e devido a propagacao da malaria; devido a II Guerra Mundial, o Centro de Pesquisas de Producao da Amazo- nia (Amazonia Sangyo Kenkyu-sho), fundado em Parin- tins, foi tomado como presa inimiga e as pessoas que ali viviam se transferiram para as regides perto de Belém; yieram de Maués, apos a faléncia de uma Socie dade Anonima de Indistria e para fugir da malaria; vieram da Concessao Maeda"; "de Tomé-Acu, Guama, Mon te Alegre, Maranhao, por ser pequeno 0 mercado local, por dificuldades de generos alimenticios, por difi - culdades para compra de adubos e, além disso, pela propagacao da malaria muitos se transferiram para per to de Belém; uma vez radicados, os que alcancaram al guma folga financeira, comegaram a chamar do Japio, pessoas da familia, parentes e conhecidos" (*). Es- tes motivos da mudanga para a Bragantina tém sido con firmados pelas entrevistas, que nos révelaram outras razdes ligadas 4 proximidade e facilidade de comuni- cagdo de/com Belém, fato este que propiciaria uma sé rie de vantagens, tais como: transporte facil e mais barato para a producgao agricola, que muitas vezes é apanhada pelo intermedidrio na propria fonte produto ra; a existencia de muitas escolas secundarias e de uma _universidade para os jovens. Sao, portanto, moti vagées de categorias diferentes: de ordem economica umas, de ordem sanitaria outras, de natureza sdcio- -cultural ainda outras conotadoras da presenga, nas familias japonesas, de uma tendéncia, talvez deseja- ©) Para a traducdo de textos em lingua japonesa con tamos com a colaboracao da Prof Nair Emura, M.D.,da Universidade Federal do Para, e do estudante univer- sitério japonés Yassuo Kakimi, que foi estagiario na Universidade do Para. A professora Emura, também co- laborou ao propiciar diversos contactos do pesquisa- dor com pessoas e entidades importantes da colonia japonesa do Estado, bem como acompanhou-nos em uma de nossas visitas-entrevistas a produtores japoneses de Sta. Isabel do Para. 0 estudante Kakimi atuou, inte- ligentemente, como intérprete durante longa fase de visitas aos proprietarios japoneses, no campo. A am- bos nossos agradecimentos. CADERNOS N@ 5 - 1972 119 da, (portanto consciente) para a mudanga de status profissional e para a ascensio social. © recrudescimento do fluxo migratério de japo- neses, quer vindos de outras freas da Amazonia, quer vindos diretamente do Japao, para a Zona Bragantina, ocorreu nos anos cinquenta. Na década de sessenta hou ve um descenso no volume migratério para a frea em referéncia. Porém, esta década marca o amadurecimen- to do processo colonizatério empreendido pelos japo- neses na Zona Bragantina, atraves do éxito economico, da fixagao da condigao de proprietarios de terras e de sua integracao A economia local, segundo este status, pela sua permanéncia na area em carater defi nitivo, pela ampliagao da produgao, que vem ocorren- do com regularidade, principalmente no cultivo da pi menta do reino, e pelos contactos que vem mantendo com a Sociedade local indicadores de intensa viven- cia dos processos aculturativo e assimilativo, inclu sive com a ocorrencia de casamentos interétnicos en- tre pessoas dos grupos nacional e niponico, e pela presenga crescente de jovens japoneses e nisseis nas escolas primarias, médias e superiores da area. A medida em que as famflias japonesas chegavam a Zona Bragantina, iam-se localizando ao longo da Es trada de Ferro de Braganca. Na Publicacao "Perspecti. vas na Area de Agao da JAMIC", Jamic, 1966 (editada em lingua _japonesa) constatamos os seguintes dados re ferentes A presenga de japoneses nesta zona paraense, em 1966: Localidades Pessoas Familias Tapana (Belém) 196 35 Coqueiro (Belém) 219 43, Ananindeua 60 14 Benfica e Benevides 190 34 Sta.Isabel do Para e Vigia 394 76 Castanhal 77 12 Moema (Sta. Isabel) 102 19 Igarapé-Acu 61 14 Timbotena 44 9 Nova Timboteua 45 9 Capanema e Braganca 16 120 Centro de Estudos Rurais e Urbanos Estavam, assim, naquele ano, dispersos nesta zona, proximo de trezentas familias de imigrantes ja poneses, o que implicava em uma presenca de mais de um mil e trezentos (1,300) individuos, com uma média aproximada de cinco (5) pessoas por familia. Saito refere-se (1953) aos seguintes aspectos que caracterizam as 4reas de colonizacao japonesa da Amazonia: a) os imigrantes japoneses para a Amazonia foram encaminhados em curto espaco de tempo e em di- minuta quantidade, em relagao aos do sul; b) eles, em sua maior parte, eram solteiros e com instrugio especial, ao contrario do sul; c) situam-se dispersa mente ao longo do Amazonas (250 famflias em 1.000 mi lhas). Refere-se, evidentemente, 0 autor, aos imi- grantes japoneses que se localizaram no médio e bai- xo Amazonas. Porém, no que se refere a imigracao ja- ponesa para a Zona Bragantina, temos constatado, em nossa pesquisa, que o item a, quanto ao tempo e a quantidade, se confirma; quanto ao estado civil, tam bém, sendo conveniente ressaltar que os solteiros e- ram, em quase sua totalidade, os filhos jovens das familias imigradas; no que diz respeito a instrugao especial, os ind{cios que temos contradizem esta cons tatagao feita em outra area, e, por ailtimo, na Zona Bragantina, pelas proprias caracteristicas fisiogra- ficas da area, as familias localizam-se concentradas em "colonias" e em outras formas de agregamento, em suas propriedades, ao longo das estradas de rodagens existentes. A concentragao e a proximidade fisica e social dos colonos japoneses ocorrem de forma mais efetiva no Municf{pio de Santa Isabel do Para. 3. A Pesquisa Dos municipios da Zona Bragantina, & em Santa Isabel do Para que se localiza_a maior concentracao de proprietarios de terras niponicos. La se concen- tram cerca de oitenta e oito (88) fam{lias, com apro ximadamente, quatrocentos e quarenta (440) individuos, incluidos os nisseis, sendo esta a maior comunidade CADERNOS N@ 5 - 1972 121 de japoneses na Amazonia, depois da de Tomé-Acu. Es- tamos realizando uma abordagem monografica junto as familias japonesas da Zona Bragantina, a partir da Area de sua maior concentragaéo, onde, desde o mes de maio de 1968, as temos visitado. Estamos utilizando as técnicas da entrevista e da observacdo nao parti- cipante. (*) © Manicipio de Santa Isabel do Par& localiza- -se a trinta e sete quilometros de Belém, por rodo- via. Sua populacgao & de 14.880 (quatorze mil, oito- centos e oitenta) habitantes, e sua area, de 696 (seiscentos e noventa e seis) quilometros quadrados, tendo, portanto, uma densidade demografica de 21,38 habitantes por quilometro quadrado. A area do municl pio corresponde a 5,2% da superficie total da Zona Bragantina. A populagéo rural de Santa Isabel do Pa- r& é, aproximadamente, duas vezes maior do que a re- sidente no nicleo urbano do municipio. A economia de Santa Isabel do Para é predomi- nantemente agricola. No relatério "Estudo do Munici- pio de Santa Isabel",ACAR-PA., Fev.-1968, constata - mos algumas informacoes de interesse sobre a vida a- gricola local. Dele extraimos o seguinte trecho: a agricultura do Municipio ainda se encontra de modo geral muito atrasada, empregando na sua maior parte, processos muito rudimentares. Tanto os métodos de cultivo como de beneficiamento obedecem a uma rotina secular que desconhece por completo qualquer forma de mecanizacao. Somente agora observa-se, entre ele- mentos japoneses principalmente, e colonos do INDA um animador movimento de aquisic&o de mAquinas agrico las. "Zonas onde se cultivam, a Pimenta do Reino e Horta- licas; preparo técnico dos agricultores bastante bom (*) Para a realizagao desta Pesquisa, desde logo de- vemos agradecer a colaboracao que nos foi prestada pelo Exmo. Sr. Consul Geral do Japao, em Belém, que nos prestigiou e abriou os caminhos ao investigador. 122 Centro de Estudos Rurais e Urbanos entre os japoneses e alguns brasileiros e regular por parte do restante dos brasileiros. ... No restante do municipio onde se cultiva na sua grande maioria aMan dioca, o Arroz e o Milho (Rogado) o preparo técnico dos colonos é 0 rotineiro. "Quanto as maquinas e ferramentas, a grande maioria dos agricultores usa somente a plantadeira tico-tico, a enxada e o tergado na sua lavoura, com excegao de poucos japoneses (Pipericultura) e colonos do Nicleo Colonial (principalmente os que cultivam o arroz ir- rigado) que ja possuem tratores de roda e micro-tra- tores como diversos implementos, podendo ser assim definida a mecanizagio da lavoura no Municipio: No Naicleo Colonial do Guama 30%; Restante do Municipio por volta de 5% (entre Pipericultores)". "Principais culturas: Pimenta do Reino - Prod., em 1967- 777.600 kg., Valor econ. 816 .480,00 Mandioca ~ " "om" _ 13,500 tone, " "= 55.350,00 Arroz - " "1 _ 9,000 acs, " =" ~~ - 81.000, 00 Milho - ” "om g.935 " , ) _ 57.645,00 Da citacéo ressaltam duas constatacdes princi- pais: 0 baixo nivel técnico da agricultura de Santa Isabel e a posicdo altamente privilegiada da piperi- cultura na economia municipal em confronto com as culturas tradicionais e que, antes da introdugdo da pimenta do reino, dominavam inteiramente 0 mercado produtor local, principalmente a farinha de mandioca. A pimenta do reino foi introduzida na 4rea, como ja foi dito, pelos japoneses, e, com ela, novas técn cas agricolas, mais racionais, em culturas intens vas, foram adotadas, abrindo caminho para a modern zagao da lavoura. Os japoneses - temos constatado em nossas visitas as suas propriedades -, como 0s de- mais plantadores de pimenta brasileiros ou de outras nacionalidades (estes em menor niimero), utilizam a tecnologia agricola adequada aquela cultura, o que vem marcar um grande avanco tecnolégico na area, que CADERNOS NO 5 - 1972 123 antes era tratada em "rogas" tradicionais,segundo os procedimentos predatérios proprios a antiga agricul- tura de subsistencia af praticada. Esta ficou reduzi da a pequenas plantagoes, preferentemente, de mandio ca, que é utilizada na fabricacdo de farinha d'agua, segundo técnicas primitivas ou em nivel menos atrasa do, quando produzida por agricultores nordestinos (ou seus descendentes), que trouxeram do Nordeste experi éncias menos simples. Izumi e Saito (1955), em pesquisa que procede- ram entre japoneses de Moji das Cruzes, constataram as seguintes "fases da evolugdo pelas quais | passam os agricultores: 1. do cultivo de hortaligas a fruti cultura; 2. das plantagoes de curte prazo as cultu - ras permanentes; 3. de arrendatarios a proprietarios, e 4. do método extensivo ao intensivo'. Entre os agri cultores japoneses de Santa Isabel do Para as fases 2, 3 e 4 sao facilmente identificdveis através dos dados empiricos que vem sendo coletados. A primeira fase constatada pelos autores nao se verifica nestes mesmos termos em nossa Zona, mesmo porque a economia agricola local orientou-se em outra diregao. Muitos proprietarios japoneses deixaram a cultura de horta- ligas, para dedicar-se a pipericultura, porém um nu- mero ponderavel (que apenas poderemos precisar com o prosseguimento da pesquisa) divide sua area cultiva- da e seu trabalho nas culturas de hortalicas e de pi menta do reino. Pelas informagoes que temos até 0 presente momento, 0S pomares nao tem expressdo na producao agricola dos japoneses de Santa Isabel. Nossos informantes sao preferentemente proprie tarios japoneses. JA entrevistamos, também, pessoas das familias de proprietaérios entrevistados. Nossas entrevistas sao realizadas, identicamente, com pro- prietarios agricolas brasileiros, pessoas de suas fa milias, técnicos nacionais existentes no municipio,e com empregados de propriedades pertencentes a pessoas de diferentes nacionalidades. Haviamos realizado vin te e uma (21) entrevistas, das quais quatorze (14) com informantes japoneses, quatro (4) com moradores 124 Centro de Estudos Rurais e Urbanos brasileiros locais tradicionais e trés (3) com técni cos brasileiros que desempenham atividades profissio nais em organismos que direta ou indiretamente inter ferem na politica agraria da area. Dos quatorze (14) informantes niponicos entre vistados até agora, dez (10) sao proprietarios agri colas, trabalham em seus campos e residem em suas pré prias terras. Doze (12) sao casados, sendo solteira apenas uma jovem (inico informante do sexo feminino, até este momento), que esta concluindo o curso nor = mal; um (1) é viuvo; dos casados, trés (3) 0 sao com brasileiras, dos quais dois (2) pertencem as primei- ras familias que se localizaram no municipio, na fa- se anterior a guerra. Todos os que vieram adultos ou adolescentes do Japaéo tém, pelo menos, o curso gina- sial completo, Os que vieram ‘criancas para o Brasil, nos primeiros tempos da emigracgdo (4), cursaram ape- nas 0 primario. Os que estudaram no Japéo nao recehe ram formacdo espec{fica para a agricultura. 0s que exerceram profissées ainda em seu pais, exceto um, nao praticavam atividades relacionadas com a agricul tura, Ha a ocorréncia de um ex-diretor de escola com formagao em nivel universitario, e de um outro _pro- fessor. Nesta primeira fase de nossa investigacdo procuramos contactar, de imediato, com os colonos ja poneses mais antigos, a fim de resolver alguns pro- blemas, desde logo. Assim, @ que, dos entrevistados, dois (2) chegaram ao Brasil em 1929 e foram para Sta, Isabel do Para, um (1) em 1932 e o outro em 1933; dois (2) chegaram em 1930, dos quais um (1) foi para Sta, Isabel em 1932 e outro em 1937; um (1) chegou ao Brasil em 1933 e foi para Sta. Isabel em 1937; to dos os demais chegaram ao Brasil nos anos cinquenta e nestes mesmos anos se localizaram em Sta. Isabel, exceto um (1), que apenas foi para aquele municipio em 1963. De Shizuoca-Kem, provincia japonesa, vieram seis (6) entrevistados, dos quais tres (3) pertencen tes as famflias pioneiras. Os demais vieram de Té- quio, de Ibaraki-Kem, Yamaguchi-Kem. A extensio de suas propriedades em Santa Isabel varia de desesseis (16) a tresentos (300) hectares, predominando,porém, CADERNOS NO 5 - 1972 125 as de vinte e dois (22) a quarenta (40) hectares. Ex ceto um dos proprietérios, que se dedica exclusiva- mente ao "rocado" do tipo caboclo, todos os demais cultivam a pimenta do reino, sendo que em um caso a pipericultura é exclusiva. Os demais, ao lado desta cultura, praticam a horticultura (com bastante inci- déncia),a criagdo de galinhas, a cultura do maracu- J@, do céco, e pequenas criacdes de gado vacume de gado suino. A excegdo de um proprietario, todos os demais sdo associados a cooperativas, as quais entre gam apenas e em média aproximada 50% da producdo de pimenta do reino. Suas atuais propriedades, ao serem adquiridas, eram incultas, estando recobertas por ca poeiras,exceto dois casos nos quais havia um laran- jal em um e no outro, um "rocado". Em apenas trés pro priedades, das doze (12) visitadas, hA tratores e,em outro caso, o proprietario faz uso de trator do Go- verno. Todos fazem diversas capinas, por ano,em suas propriedades, indimeras adubagdes, e promovem combate sistematico as pragas (formigas, doengas das folhas, etc.) praticas estas inteiramente novas na area, de vez que na agricultura de subsisténcia praticada nos "rocados" elas sao inteiramente estranhas. Entre as motivagdes para emigrar do Japdo, temos encontrado razdes como desejo de rapido enriquecimento, dificul dade de mao-de-obra no Japao e, em contraposicao, a existéncia de informes sobre a ocorréncia de facili- dade para contratar trabalhadores no Brasil, desejo de paz. Constatamos um nico caso de pessoa interes- sada em retornar a sua patria definitivamente. Os de mais estéo satisfeitos no Brasil, porém, alguns pla- nejam realizar viagens turfsticas ao Japio. Os brasileiros que, em Santa Isabel do Para, dedicam-se 4 agricultura, comumente, apenas acredi - tam na pimenta do reino, como sendo a tnica fonte com pensadora de rendas; para eles que tradicionalmente apenas faziam os "rogados", esta nova conviccdo, pro vavelmente, indica uma mudanga de atitudes decorren- te da experiéncia plena de éxito dos japoneses 14 lo calizados. Porém, os plantadores brasileiros nao tem condigdes economicas que lhes propiciem se dedicarem 126 Centro de Estudos Rurais e Urbanos ao cultivo da pimenta com rentabilidade satisfatoria, salvo rarasS excegoes. Os reflexos sobre os antigos pequenos agricul- tores brasileiros locais, da compra de suas terras pelos colonos japoneses, podem ser esquematizados nos seguintes itens: a - Foram para outras areas da Zona Bragantina mais distantes de Belém, ou para outras zonas do Estado, onde continuam pequenos plantadores em "rogados" de mandioca; b - Deixaram a agricultura, tornando-se biscateiros ou pequenos comerciantes em Belém, no mercado de San ta Isabel, ou a margem da nova estrada Belém-Brasi- lia; c - Passaram a condigao de assalariados dos novos pro prietarios; a - Continuaram na agricultura mesmo em Santa Isabel. De um modo geral, todos oS que optaram por esta alti ma alternativa ainda plantam pequenas "rogas" de man dioca e de outros géneros para a subsisténcia de suas familias, porém, procuram desenvolver plantagées de pimenta do reino com fins comerciais. Rarissimos tor naram-se grandes ou medios Izumi e Saito (1953) em Mogi das Cruzes, Estado vas agricolas controlam os nomica e social. Nao temos produtores. referem-se ao fato de que de Sdo Paulo, cooperati- lavradores nas vidas eco- indicios de que fatos iden ticos estejam ocorrendo em Santa Isabel do Para. Pe- lo contrario, as primeiras indicacgoes que temos sao sintomaticas de uma acao extremamente fragil das co- operativas existentes na area, o que ainda sera obje to de estudos mais detidos. Julgamos de suma importancia para o futuro do processo economico e sdcio-cultural desencadeado na- quela area do Estado, a constatacao que fizemos, que indicia a presenga, também, naquela area, de um tipo de relacdo economica, extremamente expoliativa, que CADERNOS NO 5 - 1972 127 foi to brilhantemente estudado por Miyazaki e Ono (1958) em sua manifestacao no baixo e médio Amazonas. Trata-se de um tipo de financiamento ao produtor em dificuldade financeira, que compromete sua produgao, que devera ser entregue ao financiador por prego que este estabelece, além de cobrar altos juros. 0 produ tor, sob este sistema, sucumbe paulatinamente, sem chance de recuperacao, 0 financiamento pode ser fei- to em dinheiro e em géneros alimenticios e através de outras formas. Este sistema chama-se, na Regiao "aviamento" e, de certa forma, sua acdo demorada_ e esmagadora foi certamente um dos motivos principais do fracasso da experiencia colonizadora empreendida por japoneses 4s margens do Amazonas. Para Schaden (1958) o japones, em nosso pais, exerce uma funcgao de "adubo cultural", transmitindo aos nativos com que convive um certo niimero de ele- mentos seus, especialmente de ordem técnica e econo- mica, relativos a pesca, a lavoura, a avicultura e outras atividades". A acao dos japoneses na Zona Bra gantina, de certa forma, parece nao contradizer a ob servacao daquele antropologo. Porém, na altura emque ainda se encontra a nossa investigacgao, consideramos ser precipitado ensaiarmos manifestacoes categoricas referentes aos processes aculturativo e assimilativo dos japoneses em contacto com a populacao nacional na Zona Bragantina e circunjacéncias, onde proprieta rios japoneses realizam atividades economicas e cul- turais altamente significativas para a sociedade lo- cal. Principais Fontes Bibliograficas CRUZ, Ernesto - "Histéria do Para", 2 vols., Univer- sidade do Para, Belém, 1963. GAMOU, Massao - "Japoneses no Acara (Para)", in "Me- moria do I Painel Nipo-Brasileiro", Tomo Segun- do, Escola de Sociologia e Polf{tica de Sao Pau- lo, Sao Paulo, 1956. 128 Centro de Estudos Rurais e Urbanos IZUMI e SAITO - "Pesquisa sobre aculturacgao dos Japo neses no Brasil", in "Sociologia", vol. XV, n°3 Sa0 Paulo, 1953. MIYAZAKY, Nobue e ONO, Morio - "0 aviamento na Amazo nia (Estudo sécio-economico sobre a produgao de juta)" in "Sociologia", vol. XX, n®s 3 e 4, Sao Paulo, 1958. PENTEADO, Antonio Rocha ~ "Problemas de Colonizacio e de uso da terra na Regiao Bragantina do Esta- do do Para", 2 vols., Universidade Federal do Para, Belém, 1967. SAITO, Hiroshi - "0 Japones no Brasil", Ed. Sociolo- ia_e Politica, Sao Paulo, 1961. SCHADEN, Egon - "Sobre a aculturacao dos japoneses e seus descendentes no Brasil", in "Folha da Ma- nha", Sao Paulo, 18-6-1958. STANIFORD, Philip S. - "Recursos, Produg4o e Marketing em Tomé-Acu: uma Comunidade de Imigragao Japone Sa_na Bacia Amazonica", in "Sociologia", vol. XXVIII, n° 4, Sao Paulo, 1966. YUKAWA - "Relatério sobre a economia da Casa do Agri cultor da Colonia Japonesa", Jamic, Belém, 1967. “ANUARIO ESTATESTICO DO BRASIL", IBGE - Conselho Na- cional de Estatistica, Rio de Janeiro, 1966. "PERSPECTIVA NA AREA DE AGKO DA JAMIC", Jamic, Be- lém, 1966. 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