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TEORIA DA ARGUMENTACAO JURIDICA Claudia Toledo Professora do Curso de Direito da ESDHC. Doutora em Filosofia do Direito e Teoria do Direito pela UFMG. Pés-doutora em Filosofia do Direito e Teoria do Direito pela UFSC. Resumo: Exposi¢do da teoria da argumentaco juridica como procedimento desenvolvido, pés-reviravolta pragmiético-lingitistica, para a controlabilidade racional do discurso especificamente juridico no contexto da teoria do discurso. Palayras-chave: Teoria da Argumentacao Juridica; Estado Democrético de Direito TEORIA DE LA ARGUMENTACION JURIDICA Resumen: Se trata de exposicion de la teoria de la argumentacién juridica como procedimiento desarrollado, trds-revolvimiento pragmdtico-lengiitstico, para la controlabilidad racional del discurso espectficamente juridico en el contexto de la teoria del discurso. Palabras-clave: Teorta de la Argumentacién Juridica; Estado Democratico de Derecho. \Veredas do Diteto,BeloHorizonte, v.2-n.3+ p. 47-65. Janeito Junho de 2005 47 ‘TEORIA DA ARGUMENTAGAO JURIDICA A teoria da argumentagao juridica relaciona-se diretamente com a feoria do discurso. Visa a questionar e demonstrar a possibilidade ea validade de uma fundamentacao racional do discurso, especificamente juridico, estipulando-Ihe algumas regras e formas. Situa-se, portanto, no contexto da Filosofia do séc. XX, pés- reviravolta lingiifstico-pragmatica. Da Filosofia da Linguagem cuidaram varios autores europeus ¢ anglo-saxdes como Wittgenstein, Frege, Austin, Hare, Toulmin, Viehweg, Perelman, Apel e Habermas. Dentre eles, destaca- se, no tratamento do discurso juridico, 0 alemao Robert Alexy (1978), elaborando uma teoria da argumentagao juridica ainda na década de 70', teoria que foi base fértil para a elaborago de varios livros e artigos sobre 0 tema na Europa continental e Reino Unido, nos EUA e na América Latina (México, Colémbia, Argentina, dentre outros). E esta teoria que sera aqui analisada. A possibilidade de justificagdo racional do discurso jurfdico questao de primacial relevancia para a cientificidade do Direito, a qual imprescindivel para a solidez de um Estado Democratico de Direito. Apenas se caracterizam como consensos racionais (e, dentro deles, 0 juridico), aqueles passiveis de uma justificagao discursiva segundo regras de argumentagao. Por isso, as decisdes tanto politicas quanto juridicas nesse tipo de Estado expressam 0 acordo que melhor satisfaz racionalmente os interesses dos participantes do discurso, com a formagado comum do juizo mediante a ponderagdo daqueles interesses expressos em argumentos, respeitando-se a autonomia do Outro A racionalidade que, nas ciéncias da natureza, apresenta-se sob a forma da verdade de suas proposicdes, é, no Direito, como ciéncia normativa, evidenciada pela corregdo de suas assertivas. Esta correo deve estar presente tanto na teoria quanto na prdtica juridica, pois ambas, para ultrapassarem o dmbito da mera doxa, carecem de demonstragdo racional de suas afirmagées A pesquisa sobre a racionalidade do discurso juridico e dos argumentos que o compéem pode ser feita sob dois angulos que nao se excluem, antes se complementam: 1) Formal, pelo qual se verifica a racionalidade procedimental discursiva, aferida pelo cumprimento de regras da légica do discurso "Theorie der juristischen Argumentation . Frankfurt am Main: Subrkamp, 1978. 48 \Veredas do Direto,BeloHorzone,-v.2-n.3- p.47-65+ Jeneito- Junho ce 2005 que, como pragmiticas, sao argumentativamente desenvolvidas com vistas a corregao; 2) Material, através da anélise critica do ethos, adentrando-se, destarte, no contevido das normas direcionadoras do agir social’. E aassergdo desse contevido que se apresentara como a premissa material de que parte a procedimentalidade da légica do discurso. Dat, a complementaridade dos aspectos formal ¢ material do discurso. No entanto, nao € pela questdo da materialidade ou da semantica do discurso que se interessa a teoria da argumentagao juridica, mas pela pergunta, sob o ponto de vista procedimental, de como pode ser 0 discurso pratico e especificamente o discurso jurfdico fundamentado racionalmente, buscando-se a corregdo de seus enunciados regulativos. Parte-se da idealidade do discurso para, analiticamente, guiar sua forma devida na realidade. A formulagao de uma teoria da argumentagao juridica somente foi possivel mediante a contribuigio de varias teorias do discurso pratico anteriormente desenvolvidas, desde a Etica Analitica’, as Regras do Discurso’ a Teoria da Argumentagdo’, até chegar 4 Teoria Consensual da Verdade de Habermas, com que a teoria da argumentacao juridica se mescla. Por outro lado, para a criagdo dessa, imprescindivel se fez o estudo sobre uma Teoria do Discurso Pratico Racional Geral, sendo 0 discurso juridico um caso especial da generalidade do discurso pratico. HA regras que regem o discurso, as quais variam um pouco de autor para autor, mas que tém seu ceme, sua idéia nuclear inalterada. Sio as regras requisito imprescindivel para a aferigfio da racionalidade de qualquer discurso pratico. Isto €, tudo pode e deve ser objeto do discurso, tanto 0 contetido das suas regras - que so, por sua vez, a forma do discurso - quanto a pr6pria forma dessas regras, isto é, a forma da forma do discurso. Sao elas as regras fundamentais, de razao, de carga da argumentacdo, de fundamentagao, de transigao, além de delinear as formas de argumento do discurso pratico’, * Como brilhantemente 0 fez, sob 0 ponto de vista dialético, LIMA VAZ, Henrique Claudio de {introd. TOLEDO, Claudia et MOREIRA, Luiz). Etica e Direito. Sto Paulo: Loyola & Landy, 2002. Cf. também LIMA VAZ, Henrique Claudio de. Escritos de Filosofia ~ Introdugdo 2 Etica Filos6fica II. So Paulo: Loyola, 2000. + Representada pelo naturalismo, pelo intuicionismo e pelo emotivismo (Stevenson). * Analisadas em Wittgenstein, Austin, Hare, Toulmin e Baier. § Formulada por Perelman. “ Para a definicio de cada uma delas, cf. ALEXY, Robert (introd. TOLEDO, Claudia). Teoria da argumentacdo juridica. 2* ed., Sio Paulo: Landy. 2005, parte Il Veredas do Dirsio, Belo Horizonte, v.2.n.3- p.47-65- Jansivo- Junho de 2005, 49 TEORIA DA ARGUMENTAGAO JURIDICA Além dessas regras relativas & generalidade do discurso pratico racional, o discurso jurfdico segue formas e regras especfficas, chamadas de justificacdo interna e de justificagao externa. Para a andlise do discurso juridico e suas regras, deve-se, porém, ter a consciéncia de que o discurso, se for voltado para 0 agir humano, & pratico, ¢ se busca sua orientagio, € normativo. A grande dificuldade com que se depara esse discurso para que seja ele racional, indo além da simples opinido, nao é a determinagio de meios para que se atinjam fins desejados (normas técnicas), mas, do ponto de vista procedimental, a sua construgao argumentativa de modo que se encontre 0 resultado correto. O discurso prdtico deve entdo, obedecer a certas regras que buscam a corregdo dos argumentos, ou seja, € correto 0 que é discursivamente racional. HA, portanto, identidade no discurso entre racionalidade e corregdo. A elaboraciio e cumprimento dessas regras proporcionam a racionalidade do discurso e é precisamente a racionalidade 0 que confere universalidade as conclusdes obtidas consensualmente Refuta-se, com isso, a afirmacdo positivista de nao cientificidade ou de relatividade das ciéncias normativas. Os juizos de valor (axiologia) e os juizos de dever (deontologia) tem sua verdade atingida argumentativamente, com a observancia de regras do discurso. Sua verdade € chamada corregao. Bum equivoco, portanto, deduzir, da existéncia e necessidade de valoragées, uma abertura indiscriminada para convicges morais subjetivas. Isso $6 ocorreria se no houvesse qualquer maneira de objetivar essas valoragées. Tal objetivacio se d4, exatamente, na apresentacio sistemética de uma série de condigdes, critérios ou regras.Isto 6, a objetivagao de consensos se dé argumentativamente, segundo regras do discurso, tornando-os corretos ou verdadeiros porque racionalmente fundados Sendo discursivamente racionais, so tornados universais. A teoria da verdade aristotelicamente formulada é assim superada, pois ndo mais se considera a verdade como a correspondéncia da asser¢ao a realidade, mas algo construido discursivamente, 0 que significa ser cientifico 0 resultado do consenso fundado, alcangado em relagio ao objeto estudado. A verdade nao est4 no mundo presente, na natureza, mas é produgao cultural humana. £ subordinada, assim, 4 refutabilidade, conforme expe Karl Popper, a qual € necessariamente inerente a ciéncia, 50 \Varedas do Direito, Belo Horeonte,-v.2-n.3- p.47- 65+ Janalo- Junho 68 2005, claucie Toledo sob pena de suas conclusées tornarem-se dogmas (inquestiondveis, portanto). Isso quer dizer, em primeiro lugar, que a verdade assumida em dado momento, pode ser negada ou superada em seguida, com a elaboracéio de uma nova verdade sobre aquele tema, o que the confere carater de provisoriedade. Duas sao as implicagées disso: 1) A verdade € historicamente construfda, ou seja, é produgao cultural contextualizada temporalmente; 2) E, o mais importante, nem mesmo nas ciéncias da natureza ha verdade inequivoca e incontestavel, geradora de seguranga a partir de uma tinica resposta, que garanta a verdade que dotaria de cientificidade o resultado. Também elas nao sfo formadas segundo uma correspondéncia com a realidade, mas sao resultado de um consenso fundado mediante 0 cumprimento de regras e critérios, que possibilitam a justificagao e comprovacdo da premissa de que se parte. E isso que lhe confere racionalidade, objetividade e, portanto, universalidade, predicando-lhe o status de verdade ¢ cercando-a de grande margem de seguranga Evidentemente, nao hé a crenga ingénua na concepgdo da existéncia de racionalidade apenas quando do cumprimento de todas as regras do discurso por todos os falantes. Essa é a situagdo ideal de fala, que, ja por ser ideal, nfo € real. Além de nem todos serem os participantes do discurso, da inteleceao da norma nao decorre necessariamente sua observancia, em virtude mesmo da liberdade humana de pensar e agir. O que se pretende com 0 estudo do procedimento discursivo, com a formulagao das regras do discurso, com a criagao da Iégica do discurso é a objetivagao de critérios de racionalidade, esses sim, obtidos mediante a referéncia ou a consideracéo de condigées ideais de correcao. Para ser racional ou correto, no € necessdrio entio, que 0 enunciado normative preencha integralmente todas as regras do discurso, mesmo porque algumas delas podem ser apenas aproximadamente cumpridas, mas é com 0 estabelecimento dessas regras que se fornecem critérios pelos quais se deve pautar a fundamentagdo do discurso pratico (geral ou jurfdico) que, quanto mais segui-los, mais racional ou correto sera. Sem diivida, a despeito da perpetuagio da inexisténcia de consecugao de um tinico resultado correto, isto representa grande avanco, pois viabiliza excluir argumentos irracionais do discurso (os discursivamente imposstveis) por serem contrarios as regras do discurso, \Veredas do Direto, Bela Horizona,» v.2-n.3- p.47-65+ Janeiro - Junho de 2005 51 TEORIA DA ARGUMENTAGRO JURIDICA bem como determinar os argumentos discursivamente necessdrios, por exigéncia dessas regras. O amplo e majoritario campo restante da aplicacio das regras da légica do discurso permanece como discursivamente possivel, ou seja, podem ocorrer (e incontaveis vezes ocorrem) resultados diferentes. Isso porque, em se tratando de légica do discurso, nio hé a determinacio do contetido das premissas de que se parte, seara j4 da materialidade do discurso, faticamente elaboradas a partir do ethos social. Entretanto, o que almeja a teoria do discurso é que a discussao, independentemente dos enunciados normativos de que parta, seja formalmente ou procedimentalmente racional, fornecendo, para isso, critérios de correcdo, que viabilizam a exclusio de fundamentacées nao racionais € a aproximagdo ao ideal, que funciona como pardmetro para a facticidade. Nao obstante a inumerabilidade dos argumentos que podem ser trazidos para o discurso, para que obedecam as regras do discurso, suas afirmagées devem ser fundamentadas de modo a se demonstrar argumentativamente sua racionalidade. Para que se obtenha 0 maximo de racionalidade no resultado consensualmente estabelecido, sio necessaria s, dentre outras, as seguintes regras: 1) Qualquer um pode tomar parte no discurso, introduzir e problematizar qualquer assergdo (uma das regras de razio de Alexy — chamada por Habermas de principio D, principio da concregao); 2) Se o falante aplicar um predicado a determinado objeto, deve aplicd-lo também a qualquer outro objeto semelhante nos aspectos essenciais (uma das regras fundamentais de Alexy — chamada por Habermas de principio U, principio da universalidade — € regra expressa no Direito, tanto pelo principio da isonomia, quanto pela analogia como método de integracao do ordenamento juridico); 3) O falante no pode se contradizer (princfpio da ndo- contradigdo tanto da légica formal — envolvendo entio, o princfpio da identidade e do terceiro excluido — quanto da légica do discurso, determinando a nao-contradig’io performativa); 4) O falante s6 pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita (pretensio de veracidade habermasiana); 5) O falante nao pode usar a mesma expressdo que outros falantes com significados diferentes (pretensio de inteligibilidade formulada por Habermas); 6) O falante deve fundamentar o que afirma se Ihe for pedido 52 \Veredes do Direte, Bolo Horizonte «v.2-n.2- p 47-65+ Janevo~Junho de 2005 (regra geral da fundamentagao); E importante que, se o argumento afirmado pelo falante j4 for aceito pelos demais, ele nao precisa ser justificado (principio da inércia perelmaniano). O falante apenas est obrigado a dar mais argumentos para sua afirmativa, em caso de contra-argumentos (uma das regras da carga da argumentagao). Caso contrério, haveria uma fundamentagao ad infinitum’, que inviabiliza 0 discurso, j4 que cada assergao deve ser indefinidamente justificada, o que equivocadamente pressupée que nenhum conhecimento € j4 consolidado, que nenhum enunciado jé foi consensualmente determinado como verdadeiro ou correto. Por outro lado, a teoria consensual da verdade, sendo pragmdtico- universal, levanta as condigées de possibilidade ¢ de validade de qualquer conhecimento ou assertiva, caso contrario, nao ha fundamentacdo, mas, outra vez, dogma. Em virtude da regra de razio exposta em (1), percebe-se, porém, que essa tem como condigdo de possibilidade, os principios da igualdade eda liberdade, que nao sao principios ldgicos, isto é, procedimentais, mas materiais, significando que se reconhece 0 outro como um igual a si em liberdade. Se possuem contetido, so argumentos que precisam ser fundamentados ou validados (condigao de validade) e entra-se entéo em uma circularidade, recaindo no trilema de Miinchhausen: no discurso se fundamentam argumentos, mas 0 préprio discurso deve ter sua possibilidade fundamentada por argumentos que pretende validar, isto é, recorre-se as proposigdes ndio demonstradas, para permitir a utilizagdio dessas mesmas proposigées afirmadas como fundamentagao, tendo a teoria consensual da verdade, na liberdade e na igualdade, sua condigao tanto de possibilidade quanto de validade. Dai poder ser aplicada apenas nos Estados Democraticos de Direito. No entanto, a institucionalizagdo estatal da liberdade e da igualdade no precisa alcancar 0 patamar de perfeigdo para que qualquer um possa adentrar 0 discurso, introduzindo ou contestando assergées, dado Esta é uma das hipdteses do Trilema de Miinchhausen, muito bem explicado por Luiz Moreira em sua introdugao ao livro de GUNTHER, Klaus. Teoria da argumentagao no Direito ¢ na Moral = justificagio ¢ aplicagao. S40 Paulo: Landy, 2004. O trilema foi equivocadamente chamado por Manuel Atienza de “dilema”. No entanto, em sua prépria explicagao do pretenso dilema, demonstra ele a existéncia no de uma dualidade, mas de uma triade. Cf. ATIENZA, Manuel. As razdes do Direito ~ teorias da argumentagdo juridica. 3* ed. Sio Paulo: Landy, 2003, p. 164-165. \Veredas do Dircto, Belo Horizonte, v.2 3p. 47-65- Janeiro -Junho de 2005 53 TEORIA DA ARGUMENTAGKO JUAIDICA ser a democracia® regime que se desenvolve e se consolida no seu exercicio, seja mediante a instrugao formal dos cidadaos seja por sua concomitante formagao ética’. A relagio entre a capacidade intelectiva dos cidadios € sua participagao no discurso ptiblico nao € exigida por normas constitucionais, mas é necessariamente existente por ser condi¢ao de possibilidade do Estado Democratico de Direito, Estado que eles mesmos construiram mediante a elaboracdo de sua Constituigao e cujo aperfeigoamento a eles cabe, através do discurso, que, com a busca de um controle racional, aptoxima-o da corregéo Isto 6, nfo € porque a liberdade e a igualdade sao condigées de possibilidade e validade do discurso que, se o Estado Democritico de Direito nao estiver plenamente consolidado — como, por exemplo, nas chamadas “democracias recentes” da América Latina pés-ditadura ou nos paises do leste europeu -, tal Estado no exista ou que nao existam aquelas condigées. © que ha é um processo de implementagao crescente da democracia, através do Direito, e, portanto, da liberdade e da igualdade, porque foi esse proprio povo “nao instrufdo” ou alienado (no sentido filos6fico) que teve a capacidade de criar e iniciar a formagdo do Estado Democritico de Direito O que se busca, portanto, € demonstrar que 0 discurso juridico pode ser fundamentado racionalmente, satisfazendo a pretensao de corregdo, indispensavel 3 validade do discurso. A diferenga entre 0 discurso juridico, e 0 discurso pratico racional geral est em ser o primeiro vinculado ao direito vigente, apresentando-se por isso, como um caso especial do discurso pratico racional geral. O discurso jurfdico € pratico, por se constituir de enunciados normativos. E racional, por se submeter a pretensio de corregdo discursivamente obtida. E especial, por se subordinar a condigdes limitadoras ausentes no discurso pratico racional geral, a saber — a lei, a dogmdtica ¢ os precedentes. Essas condicgSes, que institucionalizam 0 discurso jurfdico, reduzem consideravelmente seu campo do discursivamente * Cf. sobre o tema CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito ¢ democracia. 2" ed.. $a0 Paulo: Max Limonad, 2000,;COMPARATO, Fabio Konder. Prefécio. In: MULLER, Friedrich, ‘Quem é 0 povo?. 2° ed., $40 Paulo: Max Limonad, 2000; MULLER, Friedrich. Quem é 0 povo?. 2 ed.. Sd Paulo: Max Limonad, 2000. ° CE. sobre o tema TOLEDO, Cliudia. Direito adquirido e Estado Democrdtico de Direito So Paulo: Landy, 2003; BROCHADO, Marid. Consciéncia moral, consciéneia juridica Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 54 \Vereds do Direte,BloHorizent,- v.2-n. 3». 47-65. Janeiro ~Junha de 2008 Cldusia Ted possivel, na medida em que delimitam mais precisamente de quais premissas devem partir os participantes do discurso, fixando ainda as erapas da argumentagdo juridica, mediante as formas e regras dos argumentos juridicos. Todas as regras diretivas da racionalidade do discurso pratico geral sfo aplicadas também ao discurso juridico, devido a integragdo entre ambos. Em verdade, 0 discurso pratico racional geral constitui 0 fundamento do discurso jurfdico, na medida em que este se vincula aquele, possuindo sua mesma estrutura. Aexisténcia de um ordenamento juridico organizado pelo Estado Democratico de Direito e organizador deste é 0 que gera a institucionalizagdo do discurso juridico, delimitando a discussio em seu objeto, participantes e situago espaco-temporal. Ademais, a racionalidade ¢ a universalidade proporcionam, no discurso juridico, a legitimidade da legislagao e a controlabilidade das decisdes judiciais, 0 que favorece também a imparcialidade no discurso. Todos esses so requisitos indispensdveis para a democracia e para a solidez do Estado de Direito. Todavia, assim como no discurso pratico racional geral, resta a impossibilidade de determinagao de um tinico resultado correto mediante a argumentagao juridica, precisamente porque, a despeito da maior delimitagao do campo do discursivamente possivel no discurso juridico, permanece ele ainda extraordinariamente vasto, haja vista a amplitude da abrangéncia normativa do ordenamento juridico. Nao obstante, em face da especificidade do discurso juridico, além das regras praticas gerais, faz-se necessdria a formulagao de outras que Ihe so pr6prias. Sao elas, as formas e regras de justificagao interna e de justificagdo externa do discurso juridico. As regras de justificagéo interna verificam se a decisdo é deduzida logicamente (Idgica do discurso) das assertivas expostas na fundamentagdo, exigindo que se desenvolva 0 maximo de etapas possiveis na argumentacao jurfdica de modo a se formularem, no curso justificagao, expressoes cuja aplicagao ao caso concreto obtenha 0 maior consenso fundado. © modelo classico do silogismo juridico pelo qual se subsume um fato a uma norma, encontrando-se a decisao juridica (juridica, em sentido lato, envolvendo tanto a decisao resultante do desenvolvimento teérico, abstrato do Direito, quanto a decisao judicial, na jurisprudéncia), nao se \2-n.3- p.47-65- Janeio- Junho de 2005 55 TEORIA DA ARGUMENTAGKO JURIDICA efetiva mediante a utilizacdo apenas dos princfpios da ldgica deéntica (com a copula hipotético-condicional “deve ser”, diferentemente da légica apofantica, que tem como cépula “é”) e seus modalizadores dednticos é ordenado, é proibido, é permitido. Soma-se a tradicional légica deéntica, a légica do discurso, que, embora formal, adentra 0 aspecto pragmatic do enunciado jurfdico apresentado como argumento na discussao. Aquele silogismo juridico, com o enquadramento quase mecAnico e blindado de criticas do caso concreto a norma jurfdica, nao se efetiva com tal simplicidade, mas, dentre outras exigéncias, requer a complexa ponderagao do contetido valorativo das proposigées juridicas. Para a solugdo dessa ponderacio oferece a légica do discurso alguns recursos. Na justificagdo externa, € averiguada a corregao das préprias premissas, mediante as regras (1) da argumentagao prdtica geral, (2) da argumenta¢ao empirica, (3) da interpretagdo, (4) da argumentagao dogmdtica, (5) do uso dos precedentes e (6) das formas especiais de argumentos juridicos. As regras da argumentagao pratica geral, que integram as regras do discurso juridico, so as jé mencionadas regras fundamentais, de razdo, de carga da argumentagao, de fundamentagdo, de transigao, além das formas de argumento do discurso pratico racional geral As regras da argumentagdo empirica verificam a correedo do que deve ser considerado como fato na fundamentacao juridica, a partir do enunciado empirico. Na teoria da argumentacio juridica, assim como na do discurso prético geral, a importancia do conhecimento empirico é destacada pela regra de transigdo, segundo a qual, todo falante pode passar para um discurso sobre a empiria a qualquer momento do discurso pratico. Tnobstante, como a certeza sobre os fatos que compdem a argumentacao empirica dificilmente € obtida de modo absoluto, faz-se sempre presente a regra da presungdo racional. As regras da interpretacdo sao preci hermenéuticos, que se apresentam sob diversas formas de argumento, proporcionando as interpretacdes gramatical (semantica), auténtica (genética), releoldgica, histérica, comparada e sistemdtica. Assim, a hermenéutica juridica contribui sensivelmente para a justificagdo do discurso juridico, mas, na busca da corregao do resultado da interpretagao, devem-se aliar A hermenéutica jurfdica as regras pragmaticas da argumentagdo desenvolvidas para esse fim, dentre as quais merece destaque a de que “a determinagao do peso de argumentos de diferentes formas mente os cGnones 56 \Veredas do Direto, Belo Horizonte, v.2-n.9: p. 47-65. Jando Junho de 2005 Citcie Toledo deve ocorrer segundo regras de ponderagao™. As regras da argumentagao dogmdtica tem como tarefa assinalar, sob o Angulo pragmatico, tanto a legitimidade quanto os limites da argumentagao sistemdtico-conceitual da Ciéncia do Direito. Aliam- se assim As j4 conhecidas dimensées empirico-descritiva (descrigio do Direito vigente), analitico-ldgica (sua anilise sistematica e conceitual) e pratico-normativa (elaboragao de propostas para a solucdo de questes juridicas) da Ciéncia do Direito. A instirucionalizagéo da dogmatica possibilita comprovar e estabilizar (fungio de estabilizacao) seus enunciados sistemicamente, fazendo progredir (fungéio de progresso) a discussiio em maior medida do que ocorre nos discursos pontuais. A dogmatica juridica, seguindo sua funedo de controle, permite a organizagao de uma série de modelos de solugao e distingdes que geram 0 efeito de descarga na argumentagao, cumprindo o principio de inércia. Os precedentes apresentam tanto relevancia fatica quanto contribuigio tedrica ao Direito. As regras do uso argumentativo de precedentes determinam, para a formulagao de sua pretensdo de corregdo, que se deve citar, sempre que houver, precedente a favor ou contra uma decisao (principio da universalidade!', com 0 mesmo tratamento para iguais ou semelhantes), assumindo a carga da argwmentagdo quem dele quiser se afastar (conjugando os aparentemente contraditérios principio da inércia e abertura para novas decisaes). Por tiltimo, as formas de justificagao externa do discurso jurfdico © 0S argumentos juridicos especiais da analogia, argumentum a contrario, argumentum a fortiori e argumentum ad absurdum. Todos eles sio argumentos de inferéncia logicamente valida, estritamente dependentes da fundamentagao da interpretagdo das premissas, segundo a regra da saturagéo. Com essas regras e formas de justificagio interna e externa do discurso juridico, satisfaz-se a exigéncia de consisténcia da decisio juridica, A maxima da ponderagio € bastante detalhada em ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. Cf. sobre o tema, dentre outros, TOLEDO, Claudia. Direito adguirido © Estado Democratico de Direito : BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade ~ e 0 controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2* ed.. Brasilia: Brasflia Juridica, 2000. " Para justificagiio mais aprofundada do principio da igualdade formal (e sua versio Pragmética como principio da universalidade), cf. ALEXY. Teoria de los Derechos Fundamentales. \Vereds do Direlo,BeloHorizente,- v.2-n.«p. 47-65. Janeiro-Junho de 2005 57 ‘TEORIA DA ARGUMENTAGAO JURIOICA promovendo, cada vez mais, sua controlabilidade, quesito indispensével para a promocio da legalidade e da legitimidade em um Estado Democratico de Direito. Embora alguns critiquem a wtilidade do estudo de uma teoria da argumentagdo juridica em paises periféricos, que ainda caminham para tornar-se “verdadeiros” Estados Democraticos de Direito, em virtude especialmente de suas desigualdades sociais, é pela observancia de critérios e objetivagdo de metas que podem tais Estados se pautar para a consecugao de ideais da institucionalizagao da democracia, em seus procedimentos argumentativos em qualquer instancia, desde a intersubjetiva particular quanto a puiblica, realizada nos poderes Legislativo, Executivo e Judicidrio. A busca de um interesse comum (ou majoritario) de corregdo nas agdes judiciais, normas, instituig6es, etc... caracteriza e fundamenta a validade do discurso no estabelecimento de um Estado em que se tente fazer prevalecer 0 Direito. Ao mesmo tempo, é cumprindo-se sempre mais as regras da argumentagdo juridica que mais se possibilitam as chances de consensos fundados que, democraticamente, consolidam 0 Estado. ‘Apesar de a teoria da argumentagao juridica ter sido desenvolvida no contexto europeu, pelo menos algumas das regras mais basicas da argumentagao aplicam-se universalimente. Isso porque nao hé forma de vida humana em que nao se formule nenhuma afirmagao, seguida por alguma justificagdo, ainda que decorrente apenas da tradigéo irrefletida (mas que foi, um dia, formulada discursivamente pela razao e determinada pela vontade humana). Se h4 compreensdo da afirmagdo, so compartilhadas regras légicas pelos membros da sociedade, seja da légica formal, seja da légica do discurso, 0 que, por si $6, justifica o tratamento cientifico de teorias que busquem explicar e explicitar as regras da argumentagdo que se desenvolvem nos discursos praticos. Evidentemente, os consensos tém contetido substancial em que se adentra a esfera semdntica das assertivas, mas seus critérios sao formais, donde a relevancia da teoria da argumentagao como idéia reguladora do discurso real, em que ndo h4 sempre consensos. Devem-se, porém, ressaltar alguns aspectos da teoria da argumentagdo juridica, aspectos que, a primeira vista, podem gerar mal- entendidos e cujo esclarecimento corrobora seu entendimento. ‘Antes de mais nada, deve-se perceber que toda a exposigiio da teoria da argumentagao jurfdica pauta-se na demonstragao da viabilidade 58 \Voredas do Dieta Bele Herzanta,- v.2-n,3- p. 47-65. Janeiro- Junho de 2008 lbudia Toledo de um discurso racional na fundamentagao juridica, ov seja, € fundada na procedimentalidade com a formulacao ldgica das regras discursivas. Sendo assim, qualquer termo utilizado, ainda que possa ser ou tenha sido também adotado, seja pela Filosofia da Subjetividade, seja pela Filosofia Dialética, no possui, na teoria da argumentacao juridica, o mesmo significado que Ihe foi atribufdo pela Filosofia classica, mas exclusivamente o sentido dado pela Filosofia da Linguagem, ou seja, pés-reviravolta lingiiistico- pragmdtica’>, A identidade terminolégica é derivada nao de uma imprecisao ou incoeréncia, mas da sabida multiplicidade semAntica de qualquer idioma. Isso significa que, quando se mencionam termos como justiga, razdo, razdo prdatica na teoria da argumentagao juridica, nao se esté fazendo referéncia, consecutivamente, ao contetido do valor justiga presente em determinada realidade ou a razdo cartesiana ou ainda a uma razdo pritica kantiana, como orientada para a realizagao de um fim socialmente eleito. Todas essas expressGes so tratadas dentro da reoria do discurso, sendo sua aplicagao desenvolvida exclusivamente do ponto de vista argumentativo, portanto, procedimental. A justiga a que se refere € 0 princépio de justiga formal, expresso no principio da universalidade, que € 0 conhecido principio da igualdade formal, com a diferenca da consideragao agora de seu aspecto também pragmdtico”. O que € justo € 0 que € racional o que é discursivamente correto, uma corregao obtida argumentativamente pelo cumprimento das regras formadoras da légica do discurso" A razdo € a propria argumentacdo pratica geral ou o discurso pratico em si, com todas as suas regras elaboradas em uma situacdo ideal de fala. Finalmente, e talvez aqui 0 principal motivo de equivoco na interpretagdo da teoria da argumentagiio juridica, deve-se esclarecer que nela a expresso razdo pratica tem 0 mesmo significado da expressio razdo comunicariva, cunhada apés a reviravolta lingiifstica. Ela € prdtica porque voltada para a praxis, para a agdo, mas ndo como prescritiva a priori, no sentido kantiano, e sim a posteriori, conforme a Filosofia da ico-pragmitica, cf. a esclarecedora obra de OLIVEIRA, Manfredo 0 Paulo: © Sobre a reviravolta ling! Aragjo de. Reviravolta lingilstico-pragmdtica na Filosofia contempordnea. 2* ed Loyola, 2001 "0 contesido do conceito de justica € aquele aceito consensualmente a patit das premissas Jevantadas, “ Uma norma que satisfaga os critérios determinados pelas regras do discurso é qualificada de Justa Veredas do ireto, elo Morizona, .2-n.3- p.7-65- Janelro- Junho de 2005 59 TEORIA DA ARGUMENTAGHO JURIDICA Linguagem e, dentro dela, a Teoria Consensual da Verdade, pois no seu conceito se insere a dimensiio pragmatica da linguagem, abordando-se os atos de fala também no seu aspecto ilocuciondrio. A razio pratica, que é aqui o mesmo que razo comunicativa, representa a racionalidade para o agir, racionalidade essa desenvolvida procedimentalmente no discurso, abrangendo, desse modo, tanto a esfera das relag6es intersubjetivas quanto do sujeito e s6 assim formada. Portanto, na teoria da argumentagao juridica, a razdo & discursiva’’. Todos estes termos, a despeito de sua distingao morfoldgica — inclusive o termo verdade — as vezes aplicados aos enunciados normativos, podem ser resumidos em um mesmo significado: correedo discursiva. Sendo a teoria da argumentagao juridica estritamente formal, procedimental, a pretensdo de corregdo no discurso juridico nao diz respeito a exigéncia de racionalidade do ponto de vista material, conteudistico das assergées juridicas tomadas como premissas, meta que foge totalmente aquela perquirida por esta teoria. Nao adentra ela 0 questionamento de ser (ou nao) a /ei legitima, por corresponder as finalidades objetivadas a partir da racionalizaco da vontade dos membros da sociedade, através de suas relagGes intersubjetivas. Seu estudo pesquisa apenas a racionalidade da argumentagdo no discurso juridico, na medida em que é ele determinado pela lei. Isto é, limita-se & andlise do cardter racional do ordenamento juridico vigente sob 0 prisma discursivo, mediante 0 procedimento controlador das regras da argumentagao pratica racional. Assim, pretende demonstrar a necessidade de o enunciado juridico afirmado (em tese ou concretamente) ser, ele préprio, formalmente racional e também racional no contexto do direito vigente essa € precisamente a teoria do discurso juridico. Ha a critica de que a teoria da argumentacio juridica nfo se aplicaria ao Direito no momento do processo judicial, pois os falantes nao se encontram em posicéo homdloga, j4 que cabe ao juiz a decisdo sobre © que é justo (correto) a partir dos argumentos trazidos por cada uma das partes®. Contudo, a completa homologia factual entre os participantes nao € condigéo de possibilidade do discurso. Ocorre que algumas das regras do discurso sao passiveis de cumprimento de forma apenas aproximada, como a exigéncia de participacao de todos na discussio, de WS Gh ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 1994. '8 CE ATIENZA, Manuel. As razdes do Direito. p. 199 60 \Vereds do Diet, BaloHorzene,- v.2-. 3p. 47-€5+ Janeiro- Juno de 2005 cléudia Toledo absoluta inexisténcia de coagdo no debate etc... A regra que demanda a simetria entre os falantes € mais um exemplo de prescrigao cuja concretizacao, na realidade, é feita, muitas vezes, de modo somente aproximado, ou seja, na maior medida posstvel, 0 que ndo retira o caréter de racionalidade da concluséo do discurso. Se apenas fosse racional o resultado de debates em que houvesse a total igualdade entre os falantes, ias situages, recorrentes no nunca seria entao possivel 0 didlogo nas v: cotidiano da vida social, em que ha uma posigio de hierarquia emptrica entre os sujeitos, como na argumentacio entre empregadores e empregado, professores e alunos, pais e filhos etc... O que se exige é que se possa argumentar racionalmente no sentido do alcance da verdade ou da corre¢do na maior medida possivel. Esta € a idéia reguladora do discurso, que permanecerd racional ainda que algumas de suas regras nao sejam cumpridas de forma plena e absoluta. Outra critica € a de que o agir estratégico invalida a teoria da argumentagao, que é fundada no argumento pragmdtico-transcendental. Ocorre que, no campo da fala, ha a distingao entre a validade subjetiva da aco (motivagao) e a validade objetiva (conduta externa). Esta objecao refere-se apenas A forca motivacional do argumento pragmatico- transcendental, e 0 simples fato de 0 individuo poder agir como se aceitasse as regras do discurso evidencia que o argumento pragmitico-transcendental esté em condi¢ao de fundamentar a validade objetiva ou institucional das regras do discurso, o que € uma conquista no sentido da democracia, do Direito e da controlabilidade das decisées. Isso torna as regras do discurso factuais, efetivas © no meras divagagées académicas sem qualquer possibilidade de realizagao ou relevancia para além do reduzido circulo dos debates filos6ficos, afastados dos problemas presentes e prementes da concretude da vida social. A ciéncia dessas regras gera a cobranca pelo seu cumprimento, tornando possivel a legitimidade do Direito e a retiddo do poder piiblico em suas trés esferas. Muito debatida também é a questo da consideragaio do discurso juridico como caso especial do discurso pratico geral. Ocorre que, com essa assergdo, quer-se dizer que a pretensdo de corregdo também se formula no discurso juridico. Mas essa pretensio, diferentemente do que ocorre no discurso pratico geral, nao se refere racionalidade de quaisquer proposigdes normativas, mas Somente aquelas passiveis de exist@ncia dentro do ordenamento juridico vigente, limitadas, portanto, pela lei, precedentes e dogmatica juridica. Esta restrigéo do ambito das premissas é 0 que Veredas do Dreo, Belo Horizenta,»v.2 n.9- p.47-65- Janeiro ~Junho de 2008 61 TEORIA OA ARGUMENTAGKO JURIDICA tipifica 0 discurso juridico como caso especial do discurso pratico racional geral. Com isso, ndo se quer dizer que 0 Direito € subordinado ou secunddrio em relacgao 4 Moral. Alias, tal subordinagao ou secundariedade érefutada pela afirmagao da integragdo entre 0 discurso juridico ¢ o discurso pratico racional geral. Hé apenas a distinedo entre essas duas esferas, na medida em que se elabora uma teoria do discurso de racionalidade, especificamente juridica quando se cria a figura do caso especial. Com isso, 0 que se faz € a inter-relacdo entre discursos considerados apenas distintos, mas unidos na possibilidade e necessidade de sua racionalidade. Direito e Moral sao entendidos, portanto, como complementares entre si. A teoria da argumentagéo juridica adentra a especificidade dos direitos fundamentais, surgindo a argumentacdo jusfundamental”, cujo intuito € o mesmo da argumentagao do discurso juridico em geral, apenas com 0 detalhamento da busca de garantia de maior seguranga, mediante 0 controle de racionalidade, na justificagéo do discurso cujo tema sejam enunciados referentes aos direitos fundamentais, em virtude de sua supremacia axiolégica no ordenamento juridico de um Estado Democratic de Direito. A determinagao do contetido das premissas no discurso jusfundamental é, portanto, ainda maior dentro do discurso juridico. Para a adequacao dos argumentos juridicos trazidos ao discurso com os enunciados jusfundamentais, a argumentagao jusfundamental busca estabelecer quais resultados sio discursivamente possiveis, necessdrios ou impossiveis, sejam eles atinentes aos chamados efeitos horizontais dos direitos fundamentais (nas relagées entre particulares, com a influéncia desses direitos no direito privado) sejam referentes relacao cidaddo-Estado ‘A procedimentalidade da teoria da argumentagdo jurfdica é entio, vinculada aos limites de um modelo procedimental de quatro graus: 0 discurso pratico geral, 0 procedimento legislativo, 0 discurso jurtdico e 0 procedimento judicial. Desse modo, a premissa que chega ao discurso jurfdico jé passou por todas as regras do discurso pratico racional geral e por todo 0 debate do procedimento legislativo, positivando-se em lei. E com base neste direito posto que a argumentagao ® ALEXY. Teoria de fos Derechos Fundamentales. Capitulo X. também TOLEDO, Cléudia. A argumentagio jusfundamental em Robert Alexy. In: MERLE, Jean-Christophe er MOREIRA, Luiz (org.). Direito ¢ legitimidade. Sio Paulo: Landy, 2003, p. 231-245. 62 \oredas do Dirsito, Bolo Horiznta,- v.2-n.<- p. 47-65. Jenelto- Juno ds 2005 jusfundamental, especialmente com as formas e regras da interpretagao na justificagdo externa, chega ao seu objetivo: a determinagao de direitos definitivos a partir dos direitos prima facie assegurados pela declaragao principioldgica dos direitos fundamentais. Isso porque os principios juridicos apresentam-se como mandamentos de otimizagdo passiveis de cumprimento em diferentes graus, sendo a determinagao de certo direito fundamental como direito definitivo, somente posstvel na realizagao do caso concreto. Para essa determinacao, € necessario considerar entao, as condigées fiiticas e jurfdicas sob as quais um princfpio precede 0 outro, pelo que toda precedéncia principiolégica € condicionada, nao havendo entio principio dotado de prevaléncia absoluta. Aestipulagao da precedéncia de um principio sobre outro apenas pode ser realizada mediante a utilizagao do principio da proporcionalidade, com suas maximas de adequagdo € necessidade (que tratam das condigdes faticas do caso em anilise) e de ponderagdo (relativa as condic6es juridicas do caso ~ solugao da colisao dos principios adequados € necessarios). A expressao, dignidade humana, presente na Lei Fundamental do Tribunal Constitucional Alemao busca dar contetido, especialmente a partir dos direitos individuais (liberdade e igualdade) e dos direitos sociais, mediante de minimo vital, composto nao mais por direitos prima facie, mas por direitos subjetivos no caso concreto e, sendo direitos definitivos, exigem seu cumprimento imediato pelo Estado. A adogiio daquele conceito confere certa materialidade & teoria da argumentagao jusfundamental, na medida em que declara comporem 08 direitos ao minimo vital, o direito a uma moradia simples, & educagéo escolar, & formagdo profissional e a um nivel padronizado minimo de asistencia médica. Clara esté, entretanto, a consciéncia de que mesmo 0 direito social ao mfnimo vital, que € deles o mais basico, tem considerdveis efeitos financeiros quando so muitos que o fazem valer, devendo ser estabelecido comparativa ou relativamente, isto é, sob as condigdes fai do pais de que se trata. Todo esse percurso para a determinacdo, no ca ao procedimento judicial, de direitos definitivos a partir de direitos prima facie apenas se faz discursivamente, seguindo-se de maneira imprescindivel as formas ¢ regras da argumentagao jurfdica para ser tida como racional, ou seja, como correta — a despeito, mais uma vez, de nao se afirmar como a tinica necessariamente possivel Formalmente, a controlabilidade da decisio somente pode ser ‘0 concreto trazido \Veredas do Direto, Beto Horizonto,. v.21. p.47-65- Janeiro- Junho de 2005, 63 TEORIA DA ARGUMENTAGEO JURIDICA feita entao, pelo exame do procedimento racional de justificagao efetivado, pelo que se afasta no maior grau possfvel, a perigosa arbitrariedade de um decisionismo na esfera dos trés poderes estatais e, em especial, no 6rgao judicial dotado de autoridade maxima em um Estado Democratico de Direito, o Tribunal Constitucional. BIBLIOGRAFIA ALEXY, Robert (introd. TOLEDO, Claudia). Teoria da argumentagdo juridica, 2 ed.. Sd Paulo: Landy, 2005, parte II. ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 1994. Re: . Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. ATIENZA, Manuel. As razdes do Direito — teorias da argumentagao juridica. 3* ed.. S40 Paulo: Landy, 2003, p. 164-165. BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade ~ e 0 controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. % ed.. Brasilia: Brasilia Juridica, 2000. BROCHADO, Maria. Consciéncia moral, consciéncia juridica. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2* ed.. S40 Paulo: Max Limonad, 2000. COMPARATO, Fabio Konder. Preficio. In: MULLER, Friedrich. Quem é o povo?. 2° ed.. Sao Paulo: Max Limonad, 2000. GUNTHER, Klaus (introd. MOREIRA, Luiz). Teoria da argumentagéio no Direito ¢ na Moral — justificagao e aplicagao. Sao Paulo: Landy, 2004. LIMA VAZ, Henrique Claudio de (introd. 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