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14. A CHAMADA ACUMULAGAO PRIMITIVA® J vimos come © capital produz a mais-valia e come a maisvalia produz um novo capital. Mas a acumulagao do capital pressupde a mais-valia, como esta pressupoe a pro- dugao capitalista, e esta, por sua vez, 2 concentragio nas maos dos produtores de mercadorias de massas consideraveis de ca- pital ou forga de trabalho, Todo esse movimento parece, as- sim, mover-se num circulo vicioso, de onde nao podemos sair a no ser pressupondo, anteriormente & produgio capitalista, uma acumulagao primitiva que seria no o resultado, mas 0 ponto de partida By mode de produgéo capitalista. Essa acumulagao primitiva desempenha na Economia Poli- tica quase 0 mesmo papel que o pecedo original na Teologia. ‘Adio comeu a maga, e © pecado cai scbre todo o género hu- mano, Explicam-nos a origem dessa acumulagao através de um conto reportada a um passado longinquo. Certa vez, faz muito tempo, havia uma elite laboriosa, inteligente e, sobre- tudo, econémica, e, por outro lado, um bando de preguigosos que esbanjavam o que tinham ¢ 0 que nio tinham em festas farras, A lenda do pecado original nos conta, é verdade, que o homem foi condenado a comer seu pao com o suor de seu rosto; mas 2 histéria do pecado original econémico nos ensina que alguns escaparam dessa pena. Mas pouco importa. Sem- pre terd sido que os primeiros acumularam as riquezas enquan- to os.cutros, finalmente, para vender s6 tinham a propria pele. E desse pecado que data a pobreza da grande massa que, a despcito de todo o seu trabalho, continua a sé possuir a si mesma para vender; e a rigueza de alguns, que cresce sem cessar, ‘ainda que hé muito tempo cles ja pararam de trabalhar, Na historia real, a conquista, a servidio, o mortici- nic e a pilhagem — numa palavra: a forga bruta — desempe- thar, como se sabe, o papel mais importante. Na doce Eco- nomia Politica sé se conhece o idilio. O direito e 0 trabalho foram sempre os unicos meios de cnriquecimento, com exce- a0, naturalmente, do ano em curso... Na realidade, os mé- todos da acumulagao primitiva nada tém de idilicos. * Vol T, cap. 28. 172, © CAPITAL A relagio capitalista supde a separagiio entre os operdrios e a propriedade nas condigées de realizagdo de seu trabalho. Desde que a produgao capitalista se torna independente, nao se satisfaz em manter tal separacio; ela a reproduz numa escala sempre maior. O processo que cria a relago capitalista nao pode ser, assim, seno 0 processo que estabelece a dissocia- Gao entre o operdrio e seus meios de trabalho. A acumulagio dita primitiva é, portanto, esse processo de dissociagao entre 0 produtor e os meios de produgéo. A cstrutura econémica da sociedade capitalista origina-se da estrutura econémica da sociedade feudal. A dissolugao desta Ultima liberou os elementos constitutivos da primeira, O operdrio nao podia ter a livre disposig&o de sua pessoa sendo depois de que deixou de estar pres a gleba como servo de outro. Para se tornar livre vendedor de forca de trabalho e levar sua mercadoria onde quer que hotwesse mereado para ela, precisava também se livrar da dominagio das corporacées, dos regulamentos sobre aprendizes ¢ oficiais, de todas as pres- crigdes que embaragavam o trabalho. O movimento histérico gue tera os produtores em asilariados aparese, poi, le um lado, como sua libertagao da servidao e da coagao cor- posativas é este 0 aspecto que os historiadores burgueses véem. las, de ‘outra parte, esses recém-emancipados so se_tornam vendedores de si mesmos apés terem sido despojados de todos os seus meios de produgao e de todas as garantias.de exis- téncia que lhes ofereciam as velhas instituigdes feudais. Essa histéria de sua expropriagfo se acha inscrita com letras de sangue e de fogo nos anais da humanidade. Os capitalistas industriais — esses novos potentados — tinham que desalojar, além dos artesdos das corporagbes, os senhores feudais possuidores das fontes de riqueza, Désse ponto de vista, seu triunfo se apresenta como o fruto de uma luta vitoriosa contra a poténcia feudal e seus privilégios revol- tantes, bem como contra as corporagdes € os entraves que colocavam ao livre desenvolvimento da produgo ¢ & livre ex- ploragac do homem pelo homem. Mas os cavaleiros da in- dustria s6 puderam desalojar os cavaleiros da espada explo- rando fatos dos quais estes ultimos nao exam em nada respon- sdveis. Eles se elevatam por meios tao vis quanto os que usaram os romanos emancipados que se tornarzm senhores de seus velhos senhores. O ponto de partida desse desenvolvimento que produz o assalariado como o capitalista foi a escravizacao do trabalhador; a evolugio se deu com a transformagao dessa escravizagio atra- vés da substituigio da exploragio feurlal pela exploracao capi- A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA 173. talista. Nao precisamos ir muito longe compreender esse processo. Ainda que as primeiras manifestagdes da produgio Capitalista se déem j&, aqui ou ali, nos séculos XIV e XV, em algumas cidades do Mediterraneo, a era capitalista sé data, de fato, do século XVI. Por toda parte onde se instala 0 ca- pitalismo, a serviddo jé tinha sido abolida hd muito tempo, e a Idade Média, cujo fasto fora marcado pelas cidades soberanas, jA estava empalidecendo. Na histéria da acumulagao primitiva sao particularmente importantes as épocas em que grandes massas humanas séo repentina e violentamente despojadas de seus meios de sub- sisténcia e jogadas ao mercado scb a forma de proletdrios privades de tudo. Todo o Proceso repouse sobre a expro- priagéo do produtor rural, do camponés. Descreveremos tal processo na Inglaterra, A servido ja tinha desaparecido, de fato, na Inglaterra, no fim do século XIV. A grande maioria se compunha entio, € mais ainda no século XV," de camponeses livres, que produ- ziam aulonomamente, quaisquer que fossem as aparéncias feu- dais escondendo sua propriedade real. Nos grandes dominios senhoriais, 0 bailio de outrora, servo ele proprio, ja tinha sido deslocado pelo arrendatario independente. Os trabalhadores assalariados da agricultura ¢ram, em parte, lavradores que aproveitavam seu tempo livre para trabalhar para os grandes proprietarios agricolas, « em parte — esta pouco numerosa om termos relatives ¢ absolutos — de assalariados propria- mente ditos. Mas, na verdade, mesmo estes tiltimos eram tam- bém lavradores livres, j4 que, além de seus saldrios, recebiam morada e terra com quatro acres ou mais.°* Além disso, eles dividiam com os lavradores propriamente ditos a utilizagao dos bens comunais, onde pastavam 0 gado, retiravam a lenha, os combustiveis ete, Em todes os paises da Europa, a produgio feudal se caracterizava pela divisio do solo entre 0 maior néimero possivel de individuos. O poder dos sewhores feudais ‘nao repousava — ¢ isso eles tinham em comum com todos os soberancs — no montante de suas rendas, e sim no mimero desses idividuos, e isso dependia do mimero de lavradores que cultivavam por sua propria conta. Ainda que o solo inglés, depois da conquista dos normandes (1066), tenha side repar- tido em enormes baronatos, dos quais as vezes um sé englo- bava até $00 dos antigos dominios anglo-saxées, cle permanecen ° Macaulay, Histérla da Inglaterra, 10 ed., Londres, 195¢, vol. I. pags. 333-334. °° 1 acre = céren de 4.000 metros quadrados, 174, OQ CAPITAL semeado de pequenas exploragdes e com muito pouco dos grandes dominios senhoriais. Esta sitvagtio, acompanhada do notavel impulso das cidades que distingue o século XV, engen- drava a riqueza popular, mas excluia a riqueza capitalista, £ na Ultima ter¢a parte do século XV e nos 20 primeiros anos do XVI que vemos os primeiros sintomas da revolugdo que gerou os fundamentos do modo de produgio capitalista. Massas de proletarios completamente despossuidas foram jo- gadas no mereado de trabalho pelo licenciamento dos “séquitos” feudais que atravancam inutilmente os dominios e as mansdes, Ainda que o poder real, produto ele mesmo da evolucae bur- guesa, com medidas viclentas precipitou a dispersio de tals séquitos a fim de apressar seu poder absoluto, ele nao foi o linico responsdvel, Os senhores feudais, que faziam absoluta oposigao aos seis e ao parlamento, criaram um proletariado bem mais numeroso ao expulsar pela forga bruta os camponeses das terras que estes possuiam com os mesmos titulos feudais que eles, ao se apropriarem dos bens comunais. A arrancada se deu rimeiramente na Inglaterra com o impulso das manufaturas gee 2 conseqiienie elevagio do preco da ld. As grandes guerras feudais tinham devorado a velha nobreza feudal; a nova, filha de seu tempo, via no dinheiro o poder dos pederes, Sua divisa foi entao: Transformagao das terras cultivadas em pastagens. Harrison (em sua Descrigdo da Inglaterra) expde como a expropriagao dos pequenos cultivadores arruina o pais, Arrasava-sé ¢ deixava-s¢ cair em ruinas as habitagdes dos cam- poneses e as casas dos operdrios. “Quando se consultam os inventarios de cada mansao senhorial, vé-se que inumerdveis casas e pequenas exploragées desapareccram, que o campo alimenta bem menos gente, que muitas vilas estio em deca- déncia; ¢ verdade que outras prosperam... E muito poderia- mos dizer sobre as cidades e vilas destrufdas para dar lugar 2 pastagens, sé ai permanecendo a morada senhorial.” As lamurias dessas velhas crénicas séo sempre exageradas, mas exprimem fielmente a impressio produzida subre os contempo- rineos pela revolucéo das condicées de produgio. © legislador se deixou assustar por essa revolugio. Em sua Histéria de Henrique VII, Bacon escreve: “Por esta época (1489), lamentava-se mais € mais a transformagao de terras cultivadas em pastagens, onde alguns poucos pastores cuidavam de tudo; © as fazendas arrendadas por um ano, ou por um tempo dado, ov por uma vida, foram transformadas em bens dominigis. Ora, a maior parte dos homens do campo vivia nessas fazendas, Dai resultou a decadéncia do povo, e das cidades, das igrejas, das dizimas... O rei e 0 Parlement usa A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA, 5 ram de maravilhosa sabedoria para samar esse abuso... To- maram medidas contra tal usupagdo dos bens comunais, que provocava o despovoamento, e contra a extensdo das pastagens que a seguia de perto e produzia os mesmos efeitos.” Lim de- Gheto de Henrique VIL de 1489, proibia a destruigao de qual. quer morada de lavrador que estivesse lignda « uma posse de elo menos 20 acres de terra, Decreto de Henrique VIII rea- firma tal proibicdo. Dizia, entre outras coisas: “Muitas terras arrendadas e grandes rebanhos, sobretudo de ovelhas, se acumu- lam nas maos de alguns proprietérios; dai a renda da terra ter aumentado, mas a agricultura esta em decadéncia, as igrejas © casas destruidas, enormes massas populares deixadas na impossibilidade de sustentar suas familias.” A lei ordena, as- sim, a reconstrugéo das fazendas e fixa a proporgao das tersas cultivadas e das pastagens. Um decreto de 1533 se queixa de gue certos proprietérios passuam 24.000 ovelhas e ordena o Jimite de 2.600. (No seu livro Utopia — aparecido em 1516 — Thomas More fale do pais bizarro onde “os carneiros co- mem os homens .) Mas as lamentagoes do povo e toda a série de leis publi- cadas desde Henrique VII, e isso durante 150 anos, contra 4 expropriagio dos pequenos cultivadores, resultaram em nada, No século XVI, a Reforma e 0 confisco colossal de bens eclesidsticos que a seguin vieram dar um novo e terrivel im- pulso & violonta expropriagio das massas do povo. No momento da Reforma, a igreja Catdlica era proprietaria feudal de uma grande parte do solo inglés A supressio dos conventos jogou os habitantes de suas terras entre o proletariado. Quanto aos bens eclesidsticos, foram na maior parte dados gratuitamente a vidos protegidos do rei, ou entao vendidos por pregos irrisérios a especuladeves, fazendeiros, burgueses, que reuniram suas exe ploragdes ¢ expulsaram em massa os antigos rendeiros que lé viviam ha geragdes. E, sem dizer uma palavra, confiscou-se a parte que a lei garantia sobre os dizimos eclesiasticos aos lavradores jogados & miséria. Ns ultimos anos do século XVII, 2 classe dos camponeses independentes (a Yeomanry) era mais numerosa que a classe dog ‘arrendatérios. Ela tinha-se constituido na forga principal de Cromwell, € no proprio testemunho de Macaulay ela tinha um aspecto bem favoravel em contraste com os fidalgotes be- berides e sujos e seus lacaios, os curas rurais, cuja fung&o era encontrar maridos para as criadas engravidadas pelo senhor. Os assalariados rurais eram ainda nese época co-praprietarios dos bens comunais. Pelo ano de 1750, 2 classe dos camponeses independentes ja desaparecera e, nos ultimos anos do século 6 O CAPITAL XVIII, ndo existiam mais tragos da propriedade comunal dos agricultores, Apés a restauragdo dos Stuarts (1660), os proprietarios ru- rais realizaram legalmente uma usurpagio, que se completou em seguida no continente sem outra forma & processo. Abo- liram a constituigdo feudal, quer dizer, descarregaram sobre 0 Estado seus deveres tributaries, “indenizando-o” através de impostos sobre os camponeses ¢ o resto do povo, reivindicaram como propricdade privada, no sentido moderne do térmo, bens sobre os quais eles sé tinham direitos feudais, 2, finalmente, ou- torgaram as leis sobre a residéncia que, com algumas variantes impostas pelas circunstancias, foram para os lavradores ingleses © que os tcasses do tartaro Boris Godunov (1597) tinham sido para os camponeses russos. A “revolugio gloriesa” levou ao poder, com Guilherme JIL de Orange, os capitalistas © nobres cacadores de Iuctos. Eles inauguraram a nova era exercendo 0 roubo em grande escala e nos dominios do Estado. As terras foram dadas ou yendidas a pregos infimos ou mesmo anexadzs as propriedades privadas por usurpagio direta. Tudo isso se fez sem a menor preocupagio com a légalidade. Os bens do Estado, apropriados pela fraude, e os bens eclesidsticos — av menos os que no tinham desapare- cido durante a revolugao republicana — constituem a base dos grandes dominios atuais da oligarquia® inglesa. Os capitalistas burgueses favoreceram a operagao a fim de fazer do solo um ar tigo de comércio, estender dominio da grande exploragao agri- cola, fazer afluir do campo um grande némero de pobres pro- letarizados ete. Por outro lado, a nova aristocracia fundidria era a aliada natural da nova aristocracia bancéria, da alta finan- ga recém-surgida e dos grandes proprietdrios de manufaturas apoiados nas tarifas protecionistas, Enquanto os camponeses independentes eram substituidos por arrendatirios sem condigées, quer dizer, por colonos com contratos de um ano, uma gente servil e dependente das boas gragas dos senhores de terra, o roubo sistematico das proprie- Gades comunais se juntou ao roubo dos dominios do Esrado, fazendo crescer essas fazendas, que no século XVIII eram cha- madas “fazendas de capitalistas” ou “fazendas de comerciantes”, e que “liberaram” a populacdo agricola em beneficio da in- dustria. No século XIX perdera-se até a lembranga dos vinculos que existiram outrora entre o cultivador e a propriedade co- * Literalmente: © governo de uns poucos. Desizna em gerat um Pequeno numero de femflias nobres muito ricas. J. B A CHAMADA AGUMULAGAG PRIMITIVA 17 munal, Sem falar de tempos ulteriores, a populagao rural re- cebeu alguma vez um vintem de indenizacao pelos trés milhoes ¢ meio de acres dos bens comunais que lhes foram roubados entre 1801 e 1831 © entregues aos senhores de terra pelos se- shores de terra, no meio das leis parlamentares? A iltima grande operacao na expropriaco dos camponeses foi o que se chamou de “Clearing of Estates", a impeza das terras, € que consistia, na realidade, na expulsao de seus babi- tantes, Todos os métodos ingleses até aqui considerados en- contraram seu coroamento nessa “limpeza”. Mas a “limpeza das terras”, no sentido real da palavra, iremos estud4-la nas monta- ahas da Escécia, terra predileta dos romancistas modernos. Os celtas da Alta Escécia formavam clas e cada qual pos- suia o solo em que estava estabelecido, O chefe do cla sé era proprietirio no titulo de todo esse solo, assim como a rainha da Inglaterra tem o titulo de proprietéria de todo 0 tezrit6rio inglés. Quando 0 Governo inglés conseguiu acabar as guerzas intestinas desses chefes e suas incursées nas planicies da Baixa Escécia, esses chefes nao renunciaram 2o banditismo; s6 0 mudaram de forma. Por sua prépria autoridade, transformaram © direito ti tular de propriedade em direito de propriedade privada, E como enfrentaram a resisténcia dos membros do cla, recorreram & violénefa para expulsé-los. No século XVIII proibiu-se aos es- coceses expulsos de suas terras de emigrar, para empurrd-los, assim, forgosamente para Glasgow e outras cidades industriais O melhor exemple do método seguido no século XIX nos & dado pelas “limpezas” do ducado de Sutherland. Desde seu acesso ao poder, a duquesa, versada em Economia, resolveu aplicar medidas radicais e transformar em pastagens todo o condado, onde operagées similares ja tinham reduzido a jopulagae a 15.000 habitantes. De 1814 a 1820, esses 15.000 Prcitantes, constituindo cerca de 3.000 familias, foram perse- guidos ¢ expulsos. Todas as suas aldeias foram destrufdas por fogo ou picaretas, © todas as suas terras transformadas em pas- tagens, Os soldados britanicos foram encarregados de exe cutar as ordens ¢ 1A tiveram que enfrentar os nativos. Uma velha morren.no ineéndio de sua choupana, que ela se recusou a abandonar. Foi dessa maneira que a duquesa se apropriou de 794.000 acres, que pertenciam ao cli desde tempos ime- moriais, Aos expulsos ela consigrou cerca de 6.000 acres & beira-mar, quer dizer, dois acres por familia, Incultas até entio, esses 6.000 acres nada deram aos seus proprietfrios. A du- quesa teve a bondade de arrendar 0 acre por 2 sh. e 6 p. em média aos membros do cla que, desde ha séculos, tinham ver- tido seu sangue pela familia dela, Todas as terras roubadas 178 © CAFITAL foram repartidas entre 29 grandes demarcagdes de pastos, cada uma com apenas uma familia, a maior parte das vezes criados rurais ingleses. Em 1825, os 15.000 escoceses jd tinham sido substituidos por 131,000 ovelhas. Os natives postos de lado tentaram viver da pesca, Mas iriam pagar ainda mais caro por sua idolatria montanhesa ¢ romantica por seus “chefes”. O cheiro do peixe chegou até estes. Pressentiram ai uma fonte de renda e arrendaram essas terzas avs. grandes exploradores de pesea de Londres. E os escocuses foram expulsos uma vez mais. Enfim uma parte das pastagens foi transformada em re- serva de caga. Sabe-se que na Inglaterra nao ha florestas pro- priamente ditas. A caca, nos parques dos senhores, 6 cons- tituida pelo gado doméstico, gordo como os magistrados de Londres. A Escécia é, pois, o ultimo reftigio da “nobre paixio”. “Nas montanhas”, escrevia Somers em 1848, “as florestas foram bastante estendidas... A transformag3o de suas terras em pas- tagens relegou os escaceses as terras inférteis, E eis que a caga comega a substituir as ovelhas ¢ aumenta ainda mais a miséria das populagées pobres. A caga® no pade viver com os homens lado a lado, Ou um ou outro tem que ceder sev lugar, Au- mentem os campos de caga em mimero ¢ extensao nos proximos 25 anos da mesma forma que nos ultimos 25, € nao se verd mais nenhum escocés em seu solo natal, Essa tendéncia entre 08 proprietérios das “highlands” (as montanhas da Escécia) é em parte coisa da moda, ou da vaidade aristocratica dos aficio- nados da caga; mas é certo que os proprietirios de terra nio desdenham os lucros provenientes da venda da caga. Pois & evidente que um terreno montanheso, disponivel para a caca, produz bem mais do que se estivesse cntregue as pastagens. © aficionado que procura lugar para caga paga até onde pode sua bolsa... As “highlands” couleceran privagdes néio menos cruéis que as infligidas a Inglatezra pela politica dos reis nor- mandos. Se se concedew mais espago caga, isso se deu re- duzindo o concedido aos homens... O povo perdeu sucessiva- mente todas as suas liberdades.., E a opressido cresce dia a dia. Os proprictarios consideram a expulséo dos camponeses como um principio intangivel, uma necessidade agricola, e a operagio continua sua marcha tranqitila ¢ regular como se sc tratasse de desbravar as florestas virgens da América ou da Australia, © saque dos bens eclesiasticos, @ alienagio fraudulenta dos dominios do Estado, 0 embargo is propriedades comunais, a ® Nessas pretendidas florestas nfo ha arvores. Retiram-se as ovelhas, soltam-se os veados pelas monianhas nuas, e a isso se chama. “Horesta de caca”, Nem mesmo silvicultura ha. A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA 179 transformagio usurpadora — e efetuada sob um regime de ter- ror — das propriedades feudais ¢ coletivas dos clas em pro- ‘iedades privadas modernas — eis os doces métodos da acumu- la¢do primitiva. Eles preparam o terreno para a agricultura capitalista, incorporam 0 solo ¢ a terra ao capital e criam para a industria das cidades a possibilidade de se procurar operé- ros entre os proletarios despojados de tudo. Todos os homens assim privados de seus meios de vida nao pederiam ser absorvidos pela manufatura nascente tao prontamente quanto ficavam disponiveis. De outra parte, brus- camente arrancados de seu género de vida habitual, nao se podiam ajustar da noite para o dia a disciplina da nova si- tuagio. Muitos dentre eles se fizeram Jadrées, bandidos, vaga- bundos, uns por tendéncia natural, outros — os mais numero- ros — por forga das circunstancias. & por isso que, pelo fim do século XV ¢ durante todo o XVI, houve em toda a Europa ocidental uma legisiacio sanguinaria contra a vadiagem. Os avés dos operarios atuais foram primeiramente punidos por se deixarem transformar em vagabundos e miseraveis. A legis- Tago os tratou como criminosos voluntarios, supondo que de- Rents unicamente de suas boas vontades continuar a traba- ar nas condigées que nfo existiam mais. Na época em que nasceu a produgio capitalista, a bur- guesia, elevando-se:a0s poucos, sérviu-se da forca do Estado Ee “regulamentar” os salérios, prolongar a jornada de tra- alho e manter o operdrio numa situagéo normal de dependén- cia, Eis um elemento essencial da pretendida acumulagao pri- mitiva. A classe dos assalariados, surgida na segunda metade do século XIV, no constitufa entéo, nem mesmo no século’se- guinte, senao uma infima parcela do povo, fortemente pro- tegida em sua situagio pela classe dos camponeses indepen- dentes e a organizaco corporativa das cidades. Nas cidades e nos campos, operdrios e patrdes se achavam muito ligados. O capital varidvel predominava consideravelmente sobre’ o ca- pital constante. A procura de trabalho assalariado aumentou, pois, rapidamente com toda a acumulagéo de capital, enquanto a oferta de trabalho assalariado nado a acompanhou senao muito lentamente. Depois de ter considerado a criago violenta de um pro- letariado despojado, temos que colocar a seguinte questo: qual é a origem primeira dos eapitalistas? A expropriagio das po- 180 O CAPITAL pulagGes rurais nao criou diretamente senio grandes proprie- tarios territoriais. Quanto A génese dos arrendatarios, podemos de certa forma tocar com a mio porque a evolugao se faz len- tamente ¢ prosseguiu por varios séculos. Os servos, eles pré- prios, e um certo numero de pequenos proprietarios livres ti- nham os mais diversos titulos de propricdade; também foram-se emancipando nas condigSes econémicas mais diversas, Na Inglaterra, a primeira espécie de arrendatério é o baillif, servo ele mesmo. Sua situagdo é andloga & do villicus romano, mas numa esfera mais restrita. Pela metade do século XIV, é subs- tituido por um arrendatario, 2 quem o senhor da terra fornece as sementes, 0 gado e os instrumentos de trabalho. A situagao desse arrendatério nao difere muito da do camponés; apenas ele explora mais assalariados. Logo se tornou um “parceiro”, Ele fornecia uma parte do capital e o senhor da terra fornecia © resto, Os dois se dividiam os beneficios em proporgdes fi- xadas por contrato. Na Inglaterra, essa forma desapareceu rapidamente para dar lugar ao arrendatdrio propriamente dito, que se vale de seu proprio capital, empregando assalariados € remetendo ao senhor da terra, a titulo de renda, va parte do sobreproduto, em dinheiro ou natura, Enquanto, durante o século XV, o lavrador independente e 0 operario agricola, que trabalha por conta propria ao mesmo tempo que trabalha como asselariado, ge enriquecem por seu traballo, a situagao do arrendatario e seu campo de produgdo permanecem igualmente medioeres. A revolugio agricola realizada na ultima terca parte do século XV (com excecao dos ultimos 20 anos) enriqueceu o arendataric to rapidamente como empobreceu a populacio rural. A usurpagéo das pastagens comunais the permitiu av. mentar consideravelmente seu gado, e este Ihe forneceu o adubo para o solo, No século XVI intervém um fator decisive. Nessa época os contratos de renda eram de longa duragio, ordinariamente 99 anos, A depreciagdo continua dos metais Preciosos, ¢ conseqiientemente do dinheiro, deu frutos de ouro aos arrendatdrios. Produziu, deduzindo todos os outros fatores assinalados mais acima, um rebaixamento dos salaries. Uma parte disso veio beneficiar o arrendatério. O crescimento con- tinua dos pregos do trigo, da Ii, da carne, em suma, de todos os produtos agricolas, aumentou o capital em dinheiro do arren- datario, sem esforgo especial de sua parte, enquanto ele pagava sua renda no valor antigo do dinhciro. Bie enriquecia, pois, as custas de seus assalariados e do proprietario de suas terras, Nao se deve espantar, assim, que no fim do séeulo XVI havia ne Inglaterra uma “classe de arrendatarios capitalistas”. ricos para a época. A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA. 181 A expropriagic po golpes sempre renovados e a expulsio da populace rural forneceram 4 indastria urbana massas con- tinuas de proletérios estranhos & esfera corporativa. A rare- fagio da populagao rural independente e que explorava por conta prépria nao tinha apenas como correlato a condensagao do proletariado industrial. Malgrado a diminuicio numérica dos que a cultivavam, a terra produzia ainda mais: a revolugao nas condigses da propriedade fundidria se fazia acompanhar do aperfeigoamento dos métodos de cultura, de uma coopera- 80 mais extensiva, da concentracao dos meios de produgao etc. e€, mais, os assalariados agricolas forneciam um trabalho mais ¢ mais intenso, ainda que o campo de produg3o que eles trabalhavam por sua propria conta se retraia a cada dia que passava, Ao mesmo tempo que a populacéo rural, também ‘seus meios de subsisténcia se tornam disponiveis e transformam- se em elementos constitutivos do capital variavel. O. operario jogado a rua se vé obrigado a comprar o valor de seus meios de subsisténcia, sob a forma de um saldrio, que the serd Page por seu novo patra, o capitalista industrial. E isso também Ocorreu com as matérias-primas da indiistria fornecidas pela agricultura local como meios de subsisténcia: elas se tornaram um élemento do capital constante. Suponhamos, por exemplo, #4 uma parte dos camponeses da Vestfilia — que, no tempo le Frederico Il, fiavam todos nfo a seda, mas o linho — tendo sido expropriada pela violéncia e expulsa de suas terras, 0 resta sé tenha tornado jornaleiros dos grandes arrendat&rios. Suponhames, ademais, a construgio ao mesmo tempo das gran- des fiadoras ou grandes tecclagens onde os ceproprisdos en contram uma ocupacdo como assalariados: o litho néo mudoa de aspecto, nenhuma de suas fibras foi modificada, mas uma alma nova se apoderou dele. Ele forma agora parte do ca- pital constante dos patrées manufatureiros. Outrora repartido entre uma multidio de pequenos produtores que o cultivavam eles proprios e o fiavam em pequenas quantidades com suas families, ele se encontra atualmente concentrado nas maos de um capitalista, para quem outros fiani e tecem. O trabalho extraordinario gasto na fiagao do linho se traduzia antes em renda extra de inumeréveis familias camponesas ou ainda, co- mo no tempo de Frederico II, em impostos para o rei da Pris- sia. Ele se traduz hoje em lucros para um pequeno numero de capitalistas. As rodas de fiar e os instrumentos de tecela- gem, antes disseminados por todo o campo, sio hoje reunidos em algumas grandes casernas de trabalho, da mesma forma ! que os operdrios e as matérias-primas. Em vez de servir como garantia de uma existéncia independente aos fiadores € 182, © CAPITAL tecelées, as rodas, os teares e as matérias-primas servem para ‘comandar os operarios e extorquir-Ihes trabatho nao-pago. Vendo as grandes manufaturas nao se diz que, assim como as grandes fazendas, elas sio um aglomerado de muitas pequenas ofi- cinas e constituidas pela expropriagao de um grande numero de produtores independentes. Mas o observador Iicido nao se deixa enganar. A expropriagZo e a expulsio de uma parte da populacdo rural tornam disponiveis os operdrios ao mesmo tempo que os meios de subsisténcia e de trabalho para o capital industrial: ela cria 0 mercado interno. Antes, a familia camponesa produzia e trabalhaya os meios de subsisténcia e as matérias-primas que em seguida ela mes- ma consumia a maior parte, Essas matérias-primas e esses meios de subsisténcia se convertem agora em mercadorias; é 0 grande arrendatario que os vende, e séo as manufaturas seu mercado. Os fios, 0 pano, as grossas fazendas de la, quer dizer, as coisas cujas matérias-primas se achavam a dispo- sig¢ho de toda familia camponesa, que os fiava e tecia para o préprio uso, convertem-se em artigos de manufatura, aos quais © campo serve precisamente de mercado, E assim 'que a ex- propriagio dos camponeses, antes estabelecidos por conta pré- pria, e sua separacdo dos seus meios de produgao sio acompa- nhadas do eniquilamento da industria suplementar do campo. E sé 0 aniquilamento da industria domestica rura] pode dar 20 mercado interno de um pais a extensio e a sdlida coesio de que tem necessidade 0 modo de produgdo capitalista. Enire- tanto, o periedo manufatureiro propriamente dito ndo chega a realizar uma transformagao radical. Foi preciso aparccer a grande industria e a maquinaria para dar uma base permanente agricultura capitalista, expropriar radicalmente a grande maio- ria dos camponeses, e completar o divércio entre a agricultara ea industria doméstica do campo, extirpanda as raizes desta Altima, a fiagha e a tecelagem.” E ela também que conquista para o capital industrial todo o mercado interno, ‘A génese do capitalista industrial nio se fez progressiva- mente como a do arrendatirio, Sem dtivida, muitos pequenos patrées corporativos, mais ainda pequenos artesios indepen. dentes e mesmo assalariados, se transformaram no inicio em pequenos capitalistas ¢, depois, pela exploragao crescente de trabalho assalariado e a acumulagdo correspondente, em capi- talistas mesmo, Mas essa progressdo excessivamente lenta nao respondia de maneira algama as necessidades comerciais do novo mercado mundial criado pelas grandes descobertas ¢ in- vengdes do século XV. Ora, a [dade Media tinha legado duas A CHAMADA ACUMULAGAO PRIMITIVA 183, formas diferentes de capital: o capital usurdrio e 0 capital co- mercial. O capital em dinheiro formado pela usura e pelo comércio foi duplamente estorvado na sua transformag&o em capital in- dustrial: no campo pela constituigao feudal, nas cidades pela organizagao corporativa. (Ainda em 1794 os pequenos fabri- cantes de panos de Leeds enviaram uma delegacdo ao Parla- mento a fim de reclamar uma lei que proibisse aos mercadores tornarem-se fabricantes.) Esses entraves desapareceram com a dissolugio dos séquitos senhoriais, com a expropriagio e expulséo parcial das populagées rurais. A nova manufatura foi instalada nos portos maritimas de exportagie, ou sobre os pontos em pleno campo situados fora de controle do velho sistema urbano e da organizagio corporativa. Na Inglaterra houve, assim, uma luta violenta entre as cidades de corpora- ges e essas novas cidades industriais. A descoberta das minas de ouro ¢ de prata da América, 0 exterminio das poulagées indigenas, sua escravizagio ou seu enterramento nas minas, a conquista e 0 comego da pilhagem das Indias Orientais, transformaggo da Africa nam vasto cercado onde se cagavam negros, tudo isso caracteriza a aurora da era da producic capitalista. Esses procedimentos idilivos sio os fatores importantes da acumulagao_primitiva. Logo depois comega a guerra comercial das grandes nacées européias tendo a terra inteira como campo de batalha. Comega com a guerra dos Paises Baixos contra a Espanha (1581), to- ma proporgées gigantescas na gucrra da Inglaterra contra os jacobinos franceses (1793), prolonga-se nas “guerras do épio” contra a China (1840) etc. Os diversos fatores da acumulago primitiva se repartem mais ou menos, pela ordem cronologica, pela Espanha, Por- tugal, Franca ¢ Inglaterra. Na Inglaterra se reine, pelo fim do século XVII, num sistema metédico compreendendo a colo- nizagio, o regime da divide puttica, a organizacdo moderna das finangas € 0 protecionismo. Esses métodos repousam, em parte, na simples forga bruta, como o sistema colonial; todos se apdiam na forga do Estado, para ativar ao maximo a transformacio do modo de producio feudal em modo de produgéo capitalista e abreviar as fases de transigiio. A violéncia é a parteira de toda velha sociedade gerando uma nova. E é ela propria uma poténcia econdmica. A propésito do sistema cristio da colonizagao, eis o que diz wm homem que se fez um especialista do cristianismo, W. Howitt (Colonizagdo ¢ Cristianismo, Londres, 1833): “Os atos de barbirie e as vergonhosas atocidades de que se tornaram 185 O CAPITAL culpadas as nagGes ditas cristis, em todas as regides e contra todos os povos que puderam subjugar, no tem nenhum para- lelo em qualquer outra era da histéria universal nem em ne- nhuma cutra raga, por mais selvagem, mais barbara, mais im- piedosa e mais desavergonhada que fosse". A histéria da eoloni- zagao holandesa no século XVIIE — era a Holanda o modelo da nagdo capitalista — “desenzcla um quadro incomparavel de traigdes, de corrupeao, assassinatos e de ignominia”.® Para se apcderar de Malaca, os holandeses corromperam 0 governador portugués, que Thes abriu as portas em 1641, Em seguida, correram @ gua casa e 0 mataram para nio The pagar a soma de 21.875 libras esterlinas, que fora o prego de sua traigao, Por toda parte a devastagiio e o despovoamento seguiram seus pas- sos. Em 1750, Banjuwangi, provincia de Java, contava mais de 80,000 habitantes. Em 1811 esse numero ceiza para 8.000, A Companhia Inglesa das Indias Orientais obteve, como se sabe, ndo somente o poder politico na India, mas ainda o monopdlio exclusive do comércio da ch&, do comercio chinés em geral e do transporte de todas as mercadorias entre esses paises ea Europa € vice-versa. Mas a cabotagem nas costas la India, a navegagdo entre as ilhas e 0 comércio interno, tor- nara-se monopélio dos altos funciondrios da Companhia. O monopélio do sal, do épio, do bétele, eram fonies inesgotaveis de riqueza. Os empregados fixavam eles mesmos os pregos escorchavam os infelizes hindus, O governador-geral tomava parte nesse comércio particular. Seus protegidos obtinham con- tratos tais que — mais poderosos que 05 alquimistas — obtinham © ouro a partir do nada. Grandes fortunas surgiam da noite para o dia como cogumelos, e 2 acumulagio primitiva se cperou sem que os interessados tivessem que adiantar um sé xelim. As demandas judicidzias contra Warren Hastings revelaram montes de exemplos do género, Eis um caso; Um certo Sul- livan recebeu um contrato de épio, no momento em que ia tir, encarregado de missio ictal, para uma regiéo bem afastada dos distritos Rrodutores do épio. Cedeu seu contrato, por 40.000 libras esterlinas, 2 um certo Binn, que o revendeu no mesmo diz por 60.000 libras, e 0 comprador final — aquele que executou o contrato — declarou que ele mesmo tinha obtido ur Tuero consideravel. Segundo a apuracdo feita no Parla- mento, 2 Companhia e seus empregados obtiveram, pelos hin- dus, Ge 1757 a 1766, graciosamente, 6 milhdes de libras ester- Inas! Em 1769-1770, os ingleses criaram uma situagio de fome, ‘Thomas Stamford Ratffles, antigo governador de Java, Java e suas Possessoes (em inglés), Londres, 1817. A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA 185 agambarcando todo o aroz e nfo o vendendo senio por pre- gos fabulosos, O regime colonial gerou progressos enormes no comércio e na navegagio, As “sociedades de monopélio” (Lutero) con- tribuiram fortemente para @ concentragdo do capital. As ma- nufaturas, que surgiam por toda parte, encontravam nas colé- nias seu mercado e uma acumulagio intensificada pelo regime de monopélio, As riquezas reunidas fora da Europa pela pilha- gem, a escravidio e 0 morticinio reflufam para a metrépole, onde se transformavam em capital. A Holanda, a primeira a praticar_o sistema colonial em toda a sua extensic, achava-se em 1648 no apogeu do seu poderio comercial, Ela agambar- cava “quase todo o trafico das Indias Orientais, assim como as relagdes entre 0 Sudoeste ¢ 0 Nordeste da Europa. Sua pesca, sua marinha, suas manufaturas, ultrapassavam as de todos os outros paises. Os capitais da Republica eram, talvez, superio- res aos do resto da Europa.” Gillich esquece de acrescentar que em 1648 a massa do povo holandés era esfolada, empo- brecida, oprimida pela fora bruta. Em nossos dias, a supremacia industrial leva consigo a supremacia comercial, No perfodo manufatureiro propriamente dito é, ao contrario, a supremacia comercial que assegura a preponderancia industrial. Dai o papel tao importante desem- penhado ent&o pelo sistema colonial. Ele era a “deus de fora” que se instalava no altar ao lado de velhos {dolos da Europa € que, um belo dia, os derrubaria a todos. A partir dessa data, @ mais-valia se tornava o fim unico da humanidade. © sistema do crédito publico, quer dizer, as dividas do Estado, eujas origens encontramos, na Idade Média, em Gé- nova ¢ Veneéza, toma conta da Europa durante o periodo manu- fatureiro. © sistema colonial, com seu comércio maritimo e suas. guerras comerciais, lhe serve de estimulo, Ele se instalou, assim, primeiremente na Holanda. A divida publica, quer Gizer, a alienagdo do Estado, seja despatico, constitucional ou republicano, da 0 verdadeiro carater A cra capitalista. A tinica parte da pretendida riqueza nacional que entra realmente na posse coletiva dos povos modernos é a divida publica A divida publica torna-se um dos fatores mais podcrosos da acumulagao primitiva. Como por um lance de magica, ela infunde uma poténcia reprodutora ao dinheiro improdutivo € © transforma em capital, sem que ele tenha necessidade de se expor aos perigos e 20s esforgos que acompanham todos os investimentos industrial e mesmo usurdrio, Na realidade, os credores do Estado no entregam nada; a soma emprestada se transforma em titulos da divida publica de faci] transferéncia e 186 O CAPITAL ue continuam a funcionar em suas mAos como moeda sonante. Mas, deixando de lado os financistas que enriquecern improvi- sadamente servindo de intermedidrios entre 0 Governo e a nagio; deixando mesmo de lado os arrematadores de impostos, os comerciantes, os fabricantes particulares, cujas bolsas sem- pre recolhem uma boa parcela de todo empréstimo do Estado, vomo um capital caido do céu; deixando tudo isso de lado, a divida piblica fez nascer ¢ prosperar as sociedades por ages, o trafico de titulos negociaveis de toda espécie, a agiotagem, em uma palavra, a bolsa € 0 sistema bancério moderno. Desde sua origem, os grandes bances enfarpelados de ti- tulos nacionais nao eram mais que sociedades de especuladores particulares, que se colocavam ao lado do Govero ¢, gragas aos privilégios obtidos, estavam mesmo em condigdes de em- prestar-lhe dinheiro, Por isso néo se pode ter melhor indice da acumulagio da divide publica do que o oferecido pela ele- vagao progressiva das ages desses bancos, cujo pleno desen- volvimento data da fundacéo do Banco da Inglaterra (1694). © Banco da Inglaterra comegou emprestando dinheiro ao Co- verno 4 taxa de 8%. Ao mesmo tempo, foi autorizado pelo Parla- mento a cunhar moeda do mesmo capital, emprestando-o ao publico sob a forma de notas de baneo. Com essas banknotes, ele podia descontar letras (quer dizer, compré-las antes de seu vencimento), fazer empréstimos sobre mercadorias € comprar metais preciosos. Pouco depois, 0 Banco da Inglaterra se ser- viu dessa moeda fiducidria, fabricada por le mesmo, para fazer adiantamentos ao Estado e pagar os titulos da divida ublica, Nao the satisfazendo retomar com uma mio 0 que fava com a outra, ele se mantinha mesmo assim credor per- pétuo da nagao até a ultima mocda. Pouco a pouco, ele se tornow 9 receptaculo obrigatério de todes os tesouros metalicos do pais e o centro de gravitagio de todo o erédito comercial. No momento em que se terminava, na Inglaterra, de queimar bruxas, comegava-se a agarrar falsificadores de notas banca- rias. Os escritos da época, as obras de Bolingbroke em parti- cular, nos indicam o ¢feito produzido nos contemporaneos pela aparigao repentina de toda essa sticia de bancocratas, finan- cistas, rentistas, corretores, agentes e jogadores de bolsa. Com as dividas publicas nasceu_um sistema de crédito internacional que muitas vezes esconde, num ou noutro pais, uma das fontes da acumulagéo primitiva. E assim que as infamias do sistema de rapina praticadas em Veneza consti- tuem uma das bases ocultas da riqueza capitalista da Holanda, a quem Veneza em decadéncia emprestou grossas somas de dinheiro, As relagoes entre a Holanda ¢ a Inglaterra sio idén- A CHAMADA ACUMULAGAO PRIMITIVA, 187 ticas, Desde © comego do século XVIII, as manufaturas holan- desas cessaram de ocupar o primeiro escalao, e 0 pais perdeu sua preponderancia comerc ae industrial, De 270 a 1778, a Holanda empresta capitais consideraveis, especialmente a seu principal concorrente, a Inglaterra, A situacio é a mesma entre a Inglaterra ¢ os Estados Unidos. Muitos capitais que se mos- tram hoje nos Estados Unidos sem indicagao de origem nao so seni cepitalizagia do sangue das criangas levada a efeito nas fébricas inglesas. Como a divida piblica se apdia na renda do Estado, que deve fazer face a todos os pagamentos a serem efctuados du- rante 0 ano, 0 sistema moderno de impostos torna-se o comple- mento necessdrio do sistema de empréstimos nacionais, Os empréstimos permitem ao Governo cobrir as despesas extraor- dindrias sem que © contribuinte se ressinta imediatamente; mas eles implicam em seguida uma elevagao dos impostos. De outra parte, o acréscimo dos impostos, levado pela acumulagéo das dividas contraidas sucessivamente, forga 0 Governo, cada vez que se apresentam novas despesas extraordindrias, a fazer novos empréstimos. O sistema fiscal modemo, do qual os im- postos sobre ‘os objetos de primeira necessidade (e conseqiiente- mente seu encarecimento) constituem a chave, traz, pois, em si mesmo o germe de uma progressiio automatica, A elevagdo conti- nua dos impostos nao é, portanto, um incidente, mas a norma geral, Na Holanda, onde esse sistema foi inaugurado em pri- meiro lugar, 0 grande patriota de Witt (1625-1672) 0 celebrou em suas méximas como o melhor sistema para tornar o assala- tiado submisso, frugal, devotado... ¢ para sobrecarregi-lo de trabalho. Mas a influéncia deletéria que ele exerce sobre a sic tuagio dos assalariados nos interessa aqui menos que @ ex- portacio violenta que acarreta ao camponés, ao artesic, numa palavra, a todos os elementos da pequena classe média, Todos estic de acordo nessa questio, inclusive os economistas bur- gueses. E sua agdo expropriadora é ainda reforgada pelo siste- ma protecionista, que é parte integrante daquele. © sistema protecionista foi um meio attificial de fabricar fabricantes, de expropriar operarios independentes, de capita- lizar os meics nacionais de producdo e de subsisténcia, de abre- viar pela forca a transigéo do antigo ao moderno modo de produgéo. Os Estados europens se disputaram a monopélic dessa invengao, e, desde que foram postos a servico dos faze- dores de lucros no extorquiram apenas seus préprios povos, * seja indiretamente através das tarifas protecionistas, seja dire- tamente pelos subsidios 4 exportagio. Nos paises secundarios colocados sob sua influéncia, destruiram por meios violentos 188 © CAPITAL toda industria, como por exemplo a manufatura de 1a aniqui- ‘ada pelos ingleses na Irlanda, No continente europeu, Colbert deu o sinal para uma simplificagao considerivel desse pro- cedimenta. ¥ do tesoure publico que, nesses paises, os indus- triais tiram, boa parte das vezes, seu capital primitivo. © sistema colonial, a divida publica, os impostos, 0 pro- tecionismo, us guerras comerciais etc., esses rebentos do perio- do manufatureiro propriamente dito, ganham um desenvol- vimento extraordinario durante o primeiro periodo da grande industria. Para festejar o nascimento dessa indéstria, houve uma espécie de massucre de inocentes. Assim como a Marinha real, também as fibricas recrutam seu pessoal através da im- prensa. Num livro aparecido em Londres em 1836, pode-se ler: “No Derbyshire, no Nottinghamshire e sobretudo no Lanca- shire, as maquinas recentemente inyentadas foram empregadas nas grandes Hbneas construidas & margem dos rios capazes de fazer girar a roda hidrdulica. E nesses lugares, Jonge das cidades, é preciso de imediato milhares de bragos. No Lan- cashire principalmente, relativamente pouco povoado até essa data, e infértil, foi preciso toda uma populacio. O que se requisitava principalmente eram dedos pequenos e Ageis. As- sim, se introduziu o costume de trazer aprendizes dos asilos paroquiais de Londres, Birmingham etc. Milhares dessas pe- quenas criaturas abandonadas, de 7 a 13 ou 14 anos, foram assim. expedidas para o norte. O patrio (0 ladrdo de criangas) ti- nha o habito de vestir e alimentar seus aprendizes e aloja-los numa, casa especial perto da fabrica, Vigias nao tiravam os olhos de cima deles durante 9 trabalho, Era do interesse des- ses capatazes de escravos esgotar ao extremo as’ criancas, ja ge seu pagamento era proporcional A soma de produtos que eles extorquiam delas. Em muitos distritos industriais, especial- mente no Lancashire, as mais terriveis torturas foram impostas a essas eriaturas inofensivas e abandonadas, entregues aos pa- tres das fabricas. Essas criangas foram esgotadas até a morte pelo excesso de trabalho, chicoteadas, ppresas, martirizadas com tequintes de crueldade, freqiientemente deixadas quase inteira- mente a morrer de fome, sendo mantidas no trabalho a golpes de chicote. Em certos casos, foram levadas até o suicidiol.., Qs belos e roménticos vales do Derbyshire, do Nottingham- shire ¢ do Lancashire, subtraidos aos olhos do puiblico, se tor- naram horriveis lugares solitarios onde reinava a tortura... as vezcs mesmo o assassinio! Os lucros dos fabricantes foram enor- mes. Seus apetites cresceram. Introduziram o trabalho no- tuo, Depois de esgotar uma equipe pelo trabalho diurno, ti- nham outra pronta para o trabalho noturno; a equipe do dia A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA 189 Ocupava entio as camas que a da noite acabava de deixar, e vice-versa. Quer a tradicao popular que no Lancashire “2s camas nfo se esfriem nunca”. Er 1815, no Parlamento inglés, assinalou-se 0 caso de uma pardquia de Londres que estabeleceu um contrato com um febricante do Lancashire pelo qual este se comprometia a receber, por cada 20 criangas sis fisica e mentalmente, uma idiota, Eis ai o que custou realizar o processo de separacdo entre 0s operdrios ¢ os meios de trabalho, para transformar de uma arte os meios sociais de produgao ¢ de subsisténcia em capital, je outra parte a massa popular em assalariados. Se o dix nheiro, segundo Augier, “vem ao mundo com sua mancha na- tural de sangue sobre a face”, o capital nasce yotejando sangue e lama des pés & cabega.* capital foge do tumulto e da discussie e & timido por natureza, 2 bem verdade, mas ndc totalmente. © capital tem horror & suséncia ou pequena quantidade de ganhos, da mesma forma como 2 natureza tem horror a0 vacuo. Com um ganho satisfatério, o ca~ Pital se encotaja. Assegurem-Ihe 10%, € ele it onde for; com 20%, ele se anima; com 80%, ele se toma positivamente temerdrio; com 100%, Passa por cima de todas as lels humanas; com 300%, néo hd crime & que ele néo se arrisque, inde sob e ameaga do patibulo. Quando © tumulto e @ discussio podem trazer lucras, ele as fomentaré. A Prova disso: o contrabando e a escravizucao dos negtos.” (T. J. Dun- ning, Trade Unions et gréves, 1860, Pag. 36,)

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