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Revista Imagens no. 07 Maio/Agosto 1996 Ed. Unicamp _TEMATICO VIDENCIA E EVIDENCIA iF Eloan Sonteuberta “PILOSOFICAMENTE, LA MEMORIA NO ES NENOS PRODIGIOSA QUE LA ADIVINACION DEL FUTURO.” Joase Luis BoRses, #1 rWFoaNE DE BRope “OLVIDAR ES UNA FUNCION TAN IMPORTANTE DE LA MEMORIA COMO RECORDAR.” VILEn FLUSSER, SosRe LA MEMORIA (eLecraguica 9 cuacourer ores} ara os egipeios, a linguagem escrita sig- nificavaliteralmente “a lingua dos deuses”, Num episédio da antiga mitolo- gia, 0 deus Toth defende ante Amén, 0 deus-rei, sua invengio, a escrita. Este lamenta-se com as seguintes palavras: Gea. despoberta foinentava a daat- dia no esptrito dos que estudam, porque ndo fardo uso de sua me- mérta, mas se confiarGo por interro & aparéncia externa dos caracteres escritos, e se esquecerdo de si mesmos © das ta derabvine nao ¢ ame aju- da para a meméria, mas para a re- memorizacao, ¢ 0 que tu dds a teus disctpulos n@o é a verdade, mas seu reflexo Cl apraemuitas eoieas 2 nae terdo aprendido nada; seréo onis- cientes, e, no geral, tudo ignorarao; sua companhia serd tediosa, porque se revestirdo da aparéncia de homens sdbios sem sé-los realmente Considera-se a fotografia algo parecido com a escrita, ou seja, com a linguagem escrita. Porém, sua aparigdo produziu-se quando os deuses jé tinham abandonado os homens € 0 espirito positivista imperava sobre © mundo moderno. Gontudo, no seu caso, os andtemas que recebia ainda provinham do conflito entre uma tradiga0 oral (enten aquilo que é supostamente natural) ¢ uma tradicio “literdria” (entendida como aquilo que é filtrado por convengdes culturais e pela tecnologia). Finalmente, la como. como sempre, o pragmatismo acabou por se impor sobre as objegdes integralistas e melindrosas: a fotografia era valiosa demais para % memoria, Perguntemo-nos que tipo de experiéncia nos oferece a fotografia. Ou, diretamente, para que ela serve? Na exposigdo “Within Memory” que, durante 1993, passou por diversos museus norte-americanos, Pedro Meyer apresentava um de seus diltimos traba- Ihos intitulado 1 Photograph to Remember como resposta implacivel. Em formato CD-ROM, 0 que permitia uma certa interagio com 0 espectador, Meyer combinava uma centena de fotografias de seus pais, Liesel e Ernesto — ambos falecidos num breve intervalo de tempo por causa de um cancer — com narracio e musica. Por meio de imagens vis- cerais de estilo documentério, oferecia-nos uma reflexdo poética sobre 0 amor e a ternura, sobre @ uniao familiar e sobre como enfrentar a morte. Elaborado como testemunho de uma infinidade de situagdes dramédticas (como a revolueao sandinista) quando a morte e a desgraca eram moeda corrente, 0 fotsgrafo tinhe de expressar sua propria tragédia, sem que se Ihe permitissem distanciamentos profis- sionais. Imagens extrafdas do album de familia sob a forma de flash-back misturavam-se a outras produzi- das especialmente para este trabalho, a partir do momento em que se conhecen o diagnéstico. Impressiona-me a atitude de uns ¢ outros (fotdgrafos, e modelos) ao aceitar este jogo para que o filme retenha aquilo que poderia se esvair de uma meméria traida pelas emogdes. Deixa-me de cebelos em pé a fotografia na qual Pedro segura seu pai com o brago esquerdo enguanto, com o outro, empunha a camera ¢ Ihe toma um retrato onde indefectivelmente ficara gravada aquela demonstragio de afeto. Bem pensa- do, nao se trata tanto de um retrato, mes de tornar patente 0 contato, a proximidade, 0 apoio, 0 amor. Esse trabalho suscita uma grande variedade de comentarios, tanto de ordem estética quanto moral. Por exemplo, surpreende — talvez por falta de cos- tume — a brusca dissociag&o entre a calidez de sen- timentos e a frieza do meio utilizado: a glacial tela do monitor. Mas, sobretudo, surpreende um titulo que se manifesta como uma declaracao ontolégica e nao como uma descrigio formulista mais ou menos evocativa, como é costume. Eu fotografo para lem- brar, nos diz Pedro Meyer, e ao pensar um pouco sobre esse titulo a obviedade parece tornar-se tau- tologia. Porque sempre € assim, porque sempre IMAGENS O trabalho do fotografo Pedro poética sobre o amor e a ternura, como enfren Meyer oferece uma reflexdo sobre a uniado familiar e sobre tar a morte. fotografamos para lembrar-nos daquilo que fotografamos, para salvaguardar a experiéncia da precéria credibilidade da meméria, Ou nao? Quando a dévida se instala nesses raciocinios implacaveis, ficamos em condigdes de abrir-nos a uma nova dimensdo de anélise. Lembrar quer dizer selecionar certos capitulos de nossa experiéncia € esquecer o resto. Nao hé nada tao doloroso quanto a lembranga exaustiva e indiscriminada de cada um dos detalhes de nossa No romance The man who never forgot (1957), 0 prolifero autor de fiegao cientifica Robert Silverberg coloca-nos justamente este caso, exemplificado na histéria de Tom Niles, uum personagem dotado de uma prodigiosa meméria capaz de lembear cada um dos lances, por insigni cantes que fossem, de qualquer acontecimento vivi- do. Mas 0 que em principio parece 0 dom de um Fotografamos para reforgar a felicidade destes momentos. Para afirmer aquilo que nos dé prazer, para cobrir auséncias, para deter 0 tempo e, a0 menos ilusoriamente, adiar a inevitabilidade da morte. Fotografamos para preservar a estrutura de nossa mitologia pessoal. O esforgo destacdvel de alguns fotdgrafos contemporaneos, como Nan Goldin, consiste precisamente em ampliar o ambito do cdnone do fotografével no dlbum familiar, aco- Ihendo nao s6 casamentos mas também funerais, no s6 velinhas de aniversério mas também surtas hematomas, nao sé amigos € amantes quando nos fazem caretas divertidas ou hipocritamente cari- nhosas mas também quando se drogam, mijam ou trepam. No limite, esta atuagio nos levaria a um paradoxo de natureza borgiana: ter que fotografar sem concessdes cada instante da existéncia, que “ O esquecimento € aquilo que nos permite aspirar a felicidade ” cérebro privilegiado resulta, na realidade, numa grave doenga, uma monstruosidade mneménica: a incapacidade de esquecer. Tom Niles tem sempre presentes em demasia os maus passos, € incapaz. de perdoar agravos ou de superar traumas; adversi- dade The pesa como uma laje. Definitivamente, a impossibilidede de passar por cima dos aspectos ne- gativos da vida acaba convertendo sua relagio com 0 proximo numa catéstrofe. Silverberg insinuava que, de fato, € a discriminacao da lembranga e, definiti- vamente, 0 esquecimento aquilo que nos permite aspirar & Felicidade. Mas deixemos a ficgao literdria e ocupemo-nos 1agdo: peguemos uma colegio de fotografias pessoais. Aparentementé s6 se incluem situagdes agradaveis entendidas como excegdes do cotidieno: ritos, celebragbes, viagens, Férias ete de nossa propria absolutamente nada escape a voracidade da camera. Deste objetivo se aproxima o trabalho de Fried Kubelka-Bondi que sistematicamente se fotografa ‘em cada um dos dias de sua vida, em diferentes situa- Ges, sempre repetidas: ao se levantar, na higiene matinal, no desjejum, no trabalho ete. Ao fim dos anos, sua constancia Ihe permite recobrir os muros de galerias ou museus de montes € mais montes de pequenos instanténeos trivials que sistematizam a disposiggo de um eu projetado ao infinito, a eternidade. Mesmo assim, 0 gesto desta artista aus- triaca, mais além da acumulagio desenfreada ¢ obsessivamente patolégica, permanece na esfera do simbélico e do testemunhal, néo chegando a alcangar 0 absoluto borgiano. E enquanto nio se produzir este absoluto, continuamos condenados a fotografar para esquecer: sublinhamos alguns fatos para adiar os intervalos anédinos ¢ tediosos que fadigam o espirito. I photograph to forget. De fato, 0 confront dialético entre duas guras-chave” da teoria e da pratica fotografia dos anos 50 jé antecipava coordenadas similares, enfati- zando esta dupla polaridade funcional lembrang esquecimento. Cartier-Bresson preconizava a epifa- nia do ato, a captura do momento decisivo que reco Ihia a tensio de uma cena e sintetizava a esséncia com a maxima contundéncia. Robert Frank replica- ya que, vivencial ¢ estatisticamente, a verdadeira radiografia da realidade devia ser feita nao no climax, mas no lapso que separa suces- sivos instantes decisivos. A distan- cia entre as duas posturas nao podia negligenciar, porém, um ponto de consenso: a fotografia como con- statagdo da experién- cia, a fotografia co- Duas décadas mais tarde, em 1977, os artistas californianos Mike Mandel ¢ Larry Sultan publicaram um livro resumida- mente intitulado E- vidence. Carente de qualquer tipo de texto, ao virar as pag encontra fotografias documen- tdrias de angustiosa trivialidade Trata-se de imagens assépticas e obedientes das convengées do documentério puro e duro, ou seja, que aspiram tao-somente transmitir uma infor- magio visual da forma mais clara € concisa, sem nenhum tipo de marca de “autor”, Provavelmente, € © tipico material grafico servil as necessidades do mundo da inddstria ou da ciéncia. Porém, tentando escrutar o significado destas fotografias, sua banali- dade radical fazia emergir 0 mais profundo surrealis- mo. No membro (2) semi-peludo de um simio (?) alguém injetava um soro (2); um astronauta (2) arrastava-se sobre 0 carpete (?); uma densa fumaga (©) indicava 0 estalido controlado (?) de um novo explosive (2). Sao algumas interpretagdes que eu dou, e depois de quinze anos de ter adquirido 0 livro as 0 leitor sé continuo fascinado pela incerteza e 0 desassossego que me produz. Mandel ¢ Sultan obtiveram as ima- gens de diferentes laboratérios” de pesquisa, de departamentos de veterindria e criminologia, dos arquivos dos bombeiros e de diversos hospitais, de institutos aeronduticos e de estudos agricolas. No Ambito de seus respectivos lugares de origem, estas, fotografias eram perfeitamente iteis e compreen. siveis; cumpriam o papel caracte uma informagio precisa ¢ ninguém teria tido difi- istico de transmi culdades para decifra-las. E conseguiam isto por uma simples razao: 0 espago cultural e funcional no qual estavam inseridas ancorava a eventual disseminagao de seus significados. © que delimitava este significado, em outras palavras, era 0 lago entre © quadro da imagem e © extraquadro que 0 envolvia. De fato, para transgre te lago e constatar assim a fragilidade do sentido, a dupla de artistas tinha se limitado a por em prética a dadaista do estra- téenica nhamento do objeto: do arguivista. no labo- ratério de pesquisa até o papel cuché do livro de arte, da finalidade descritiva até especulacao estética, uma mesma coisa via seu contetido transmutado funda- mentalmente e, portanto, sua relagao com 0 ususrio, A descontextualizagao nao s6 modificava um valor de uso, mas sobretudo pulverizava a nocao mesma de que a fotografia é a prova de algo, 0 suporte de uma evidéncia, Porém, evidéncia de qué? Talvez evidéncia apenas de sua propria ambigiiidade. O que fiea, entao, do documento? No filme Os olhos de Laura Mars (Eyes of Laura Mars), um thriller razodvel dirigido por Irvin Kershner em 1978 ¢ interpretado por Faye Dunaway, arrisca-se uma resposta que, apesar das aparéncias, ultrapassa o simples golpe de efeito do roteiri qualquer outra tentativa de boutade. O argumento relata-nos as peripécias de uma afamada fotdgrafa 2 ou IMAGENS. nova-iorguina que, como o Thomas de Depois dague- Ie heijo (Blow up, 1967), doze anos antes e em Londres, também concilia a publicidade e a moda com a obra pessoal de criagao, Nos trés campos, suas composigdes causam impacto pelo seu erotismo € violéncia (se as Fotografias de reportagem que Thomas mostrava @ seu editor foram cedidas por Philip Jones Griffiths, aqui elas sio do misogino Helmut Newton). Em Depois daquele beijo um can- dido instantaneo aportava o indicio de um fato inad- vertido, a consumagao de um crime, e as fotografias de Laura Mars, a seu modo, também sao indicios de entativa corre crimes. Até aqui a estrutura argu paralela, mas logo depois aparece uma interessante diferenga: enquanto Depois daquele beijo manobra com um conceito tradicional de documento’ que implica a relagdo temporal com 0 passado, Os olhos de Laura Mars inverte esta relagao e a orienta para 0 Futuro De fato, Laura Mars encena em seu estddio simulagaes de assassinatos em que os modelos niio poupam luxo, sexo, nem violencia. O que no i apenas fruto da fantasia converte-se num cimulo de tisdes premonitérias. Horrorizada, Laura Mars cons- tata que sua imagi esta operando simultanea- aga mente, inclusive, antecipando detalhe por detalhe realidade (uma sucesso de crimes sanguindrios) e, naturalmente, a policia, inerédula por natureza, poe- sean tecem. Assistimos & passagem da fotografia como evidéncia para a fotografia como videncia. O ato ticas que 1 por hora imaginando como diabos eles acon- fotogréfico reveste-se assim de forgas transmutam @ percepgio empiriea do tempo €, por Talvez extensdo, 0 papel mesmo da _meméria Kershner pensava em Joseph Conrad quando este escrevia: “A mente do homem € capaz de tudo, porque tudo nela est contido, tanto 0 passado como 0 futuro.” Um espirito razoavelmente cético impele-nos pensar que crér na fotografia como testemunho de alguma coisa implica, em primeiro lugar, precisa~ mente isso, crer, ter £6, O realismo fotogréfico e seus valores subjacentes sfio uma questao de {é. Porque nao hé nenhum indi 9 racional convincente que garanta que a fotografia, por sua propria natureza, tenha mais valor como recordatério que o lago feito num dedo ou a reliquia. A mensagem de Antonioni em Depois daquele beijo, além de nos dizer que 8 formas familiares do mundo encobrem outra reali- dade, se reduz age que tudo — a certeza fotografica inclusive — € pura ilusdo: na seqiiéncia final do filme, um grupo de mimicos joga ténis com uma bola inexistente, até que esta sai além da grade do campo e € justan te um desconcertado Thomas quem a devolve para que se possa continuar 0 jogo. Pode ser que este afastamento da meméria faca estigmatico © posicionamento da fotografia na arte juntiva entre descobrir e contemporanea, A di inventas, que sob diferentes formalismos tem cate gorizado até agora as priticas artisticas {por evemp- lo, fotografia “direta” versus fotografia “construida”), deixa de ter sentido. Tudo 6 descoberta e invencao, Entre as extravagdncias “encontradas” de Cristina Garefa Rodero e as “reeriadas” por Joel-Peter Witkin varia 0 modus operandi, mas as mensagens sobre religito e dor encontram-se muito préximas. Com Senora de las iguanas (México, 1979), Graciela Iturbide exibe-nos uma mulher com a cabega cober- ta desses répteis; se desconhecemos as razdes etnoligicas dessa peculiar situacao, a imagem pode Fia pertencer a série Peluquerfas de Ouka Lele, na qual os modelos decoram igualmente seus pentead © com animais diversos, como tartarugas ou polvos. © touro emblematico, logotipo de uma conhecida marca de brandy que aparece em cima de numerosas colinas chapiscando a paisagem espanhola ¢ que, faz Pouco, fot imortali Koldo Chamorro, vé-se replicado por outras esfi ala Roca ou por ado por CG: Res, igualmente tornadas fcones culturais, das s de Ruth Thorne Thoms: Que impregna as duas pesquisas esta a margem dos n; © espirito arqueoldgico artiffeios dos quais se ocupam. A fotografia estetiza e coisifica, transforma a patureza em troféu, como o eagador quando se ga ba de uma pega. Porém, como assinala Celeste Olalquiaga mata o corpo, send a vida das coisas. $6 deixa a car- ae invés do cagador, 0 fotégrafo nao caga, 0 envoltério, 0 contorno morfoldgico para compor uma natura morta. Através do visor, qual- quer pedaco de mundo transfigura-se necessaria- mente em natura morta: um retalho de natureza qui- eta e inerte, Nao é possivel outro género para a Fotografia. Porque o princfpio basico tanto da memoria quanto da Fotografia € 0 de que as coisas tém de morcer de forma ordenada para viver para sempre. Tradugao de Adela Judith Stoppel de Gueller Revisdo técnica da tradugéo por Ronaldo Entler. Joan Fontcuberta ¢ fotdégrafo ¢ professor, autor de Estétiea fotografica, Una seleccién de textos (1984) La fotografia: conceptos y procedimientos (1990) Imagens EEL

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