Memrias literrias se constituem num gnero textual que mostra uma poca com base em
lembranas pessoais. Embora a realidade seja a base, h liberdade para recriar as situaes ou os
fatos narrados. Podem ser escritas a partir de uma vivncia pessoal ou com base no depoimento de
uma pessoa, neste caso, o autor transforma o relato num texto em primeira pessoa, como se os
fatos tivessem acontecido com ele.
Leia abaixo um texto de memrias e responda s atividades que seguem.
Sobre sucatas
Isto porque a gente foi criada em lugar onde no tinha brinquedo fabricado. Isto porque a
gente havia que fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso, bolas de meia, automveis
de lata. Tambm a gente fazia de conta que sapo boi de cela e viajava de sapo. Outra era ouvir
nas conchas as origens do mundo. Estranhei muito quando, mais tarde, precisei de morar na cidade.
Na cidade, um dia, contei para minha me que vira na Praa um homem montado num cavalo de
pedra a mostrar uma faca comprida para o alto. Minha me corrigiu que no era uma faca, era uma
espada. E que o homem era um heri da nossa histria. Claro que eu no tinha educao de cidade
para saber que heri era um homem sentado num cavalo de pedra. Eles eram pessoas antigas da
histria que um dia defenderam a nossa Ptria. Para mim aqueles homens em cima da pedra eram
sucata. Seriam sucata da histria. Porque eu achava que uma vez no vento esses homens seriam
como trastes, como qualquer pedao de camisa nos ventos. Eu me lembrava dos espantalhos
vestidos com as minhas camisas. O mundo era um pedao complicado para o menino que viera da
roa. No vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo o que o
homem fabrica vira sucata: bicicleta, avio, automvel. S o que no vira sucata ave, rvore, r,
pedra. At nave espacial vira sucata. Agora eu penso uma gara branca do brejo ser mais linda que
uma nave espacial. Peo desculpas por cometer essa verdade.
BARROS, Manoel de. Memrias inventadas: As infncias de Manoel de Barros. So Paulo: Editora Planeta do Brasil,
2010.