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INTRODUCAO AEDOTICA CIP Brasil. Catalogagio-na Fonte Camara Brasileira do Livro, SP Spina, Segismundo, 1921: S739” Tntrodugio 2 edética: critica textual. Séo Paulo, Cultix, Ed. da Universidade de Sio Paulo, 1977 Bibliografia, 1, Critica de texto 2. Filologia I, Titulo ruaT Indices pars catélogo sistemitico: 1. Critica textual : Literatura 801.959 2! Eedética 801.959, 3, Filologia 410 SEGISMUNDO SPINA (Da Universidade de Sie Paulo) INTRODUCAO A EDOTICA (Critica textual) EDITORA CULTRIX sho PAULO EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Primera Parte INTRODUGAO I. Concerruagdes prévias. A Paleografia, a Epi- grafia, a Diplomdtica, a Edética. No século XVIII, ¢ ainda ao tempo de Jofo Pedro Ri- beiro — 0 verdadeiro fundador da cigncia diplomética em Pot- tugal com as suas Dissertagdes cronoldgicas (5 v., Lisboa, 1810-1836) —, os manuais de paleografia diplomética faziam distingio entre’ memdria, monumento e documento. Pot me- dria entendiam todo objeto ou artefato que, desprovido de inscrigio, visasse a perpetuar uma lembranga: uma coluna, uma pitimide, um arco triunfal, uma érvore plantada, uma edifica- go. O Mosteiro da Batalha foi erguido, por ordem de D. Joio T, como meméria do triunfo portugués sobre Castela no ‘encontro de Aljubarrote; 0 templo dos Jerdnimos, em Belém, constitui uma meméria do descobrimenio da fndia, como a estétua eqiiestre na Praca do Comércio em Lisboa uma memdria do rei D. José. Os monumentos e os documentos, porém, pro- vidos de inscricio, diferem entre si pela matéria: os primeiros — em metais, pedras ou madeira (materiais duros); 08 se gundos — em papiros, peles de animais ou papel (matetiais moles). So monumentos as moedas, as medalhas, as inscti- es lapidares; as moedas, destinadas a0 intercimbio comercial; as medalhas as inscrig6es lapidares, destinadas 4 conservacio, cem breves palavras, da meméria de alguém ou de algum sucesso importante. Tais ‘monumentos tiveram sua ciéncia_ptdpria Numéria, 0 estudo das moedas; Numismdtica, das medalhas; € wv Lapidérie, das inscrig6es. Hoje, entretanto, 0 termo Numis- mética emprega-se indiferentemente para o estudo das mocdas e das medalhas. Daqui decorre também a distingio entre as duas ciéncias a Epigrafia, que se ocupa da leitura e interpretagio das inscri 68es antigas em monumentos, isto é, em material durével (metal, pedras, madeira); e a Paleografia, estudo das antigas escritas € evolugéo dos tipos caligréficos ‘em documentos, isto é, em material’ perecivel (papiro, pergaminho, papel). Todavia, as inscrig6es em cerdmica, naturalmente porque gravadas estando matéria ainda em estado de fusio, pertencem a0 dominio da Paleogratia! Os documentos, também denominados vulgarmente cédices ou manuscritos, classificam-se em documentos particulares e do- cumentos piblicos? E um documento particular quando, exa- rado com 0 fim de conservar o direito de alguém, nele nao ’inter- veio qualquer pessoa piblica (um testamento, uma doacio, uma procuragio, um requerimento, um contrato de compra e venda eic.); se exarado oficialmente por pessoa piblica, tem 0 nome (1A Pateografia coloca um problema de ordem cronolégica se seu objeto so as escrituras antigas, qual 0 seu limite histérico, isto & a partir de quando uma escrita comega a ser antiga? Responde Alphonse Dain: "Parece que o limite deva aproximarse 0 mais pom sivel da época'em que vivemos. Pois as escrituras — a0 menos as cecrituras manuals —~mudamn muito rapidamente, e por isso se tornam objeto. de histéria” (“Introduction Ala Paléographie", L’Histoire et ses méthodes. (Bruges, Gallimard, 1973], p. 529). NSo € da mesma opinigo Jean Glénison: “A Paleografia the & indtil [a uma nova variedade de historiadores], salvo para o sée. XVI © primeira metade do sée, XVII: apés 1650, qualquer escrita pode ser decifrada sem aprendizado especial. Podemos, € verdade, coneeber uma diplomatica do ato moderno e contemporineo. Seria ela necesséria, de varios Pontor de vista, Mas nao. sentimos sua falta, porque temos um co- Bhecimento direio, intimo, por assim dizer, dos documentos da admi= nistragio atual, que, no essencial, hé mais de um século e meio que fio variam sua forma.” (Iniciagio cor estudos histSricos, Sao Paulo, Difet, 1961, p. 148) (2) © sentido primitive da palavra “documento” — diz Robert Marichal transcrevendo uma delinigéo de Antoine Furetidve, escritor € dicionarista francés do sée. XVIT — € “o instrumento ou ato autén- tico pelo qual se. prova © seu direito”. Das duas idéias contidas na definigio (ade instrumento como “texto” © a de “sutenticidade”), 4 segunda tendeu a prevalecer sobre a. primeira, a ponto de po curso do séc. XIX documento chegar a signifiear “os vestigios deixados pelos entamentor e pelos ator dos homens do pasado” (cf. “La critique Ge textes”, L’Histoire et ser méthodes, p. 1247). 18 de documento piiblico; neste caso, ou € um diploma — se dimana diretamente do soberano, da sua imediata autoridade, ou de um alto magistrado (licencas’e alvarss régios, patentes, man- dados, éditos, que levam 0 selo de armas do soberano); ou uma carta — nos demais casos (forais, cartas conselhias, senhoriais, ete.) 4 Se climinarmos os documentos que no visam & preservagio de um direito qualquer, tais como as cattas missivas (entre en- tidades piblicas ou particulares), ¢ os chamados simplesmente escritos (como minutas, relatérios, memérias, documentos con- tdbeis, etc.), 08 demais’ documentos sfo rotulados via de regra de documentos juridicos, cuja legitimidade ou grau de proba bilidade como genuinos ou suspeitos € objeto da ciéncia Diplo- matica ow Diplomatistica E ja aqui estamos em condigies de estabelecer outra dife- renga: sea Diplomética tem como objeto 0 documento pablico ¢ privado, a Fdética interessa-se sobretudo pelo documento literdrio, “Entretanto, atualmente a Diplomética restringe-se_a0 estudo dos documentos das chancelarias, documentos histérico- juridicos — régios, pontificios, consulares. Isto é, aos do- cumentos propriamente diplométicos, que se distinguem dos documentos comuns pelo fato de estes nao estarem vazados no formulitio conveniente. Theodor Sickel, o fundador da diplo- mitica moderna, definia 0 documento diplomético, isto é no seu sentido espeeifico, como “um testemunho escrito de um fato de natureza juridica, coligido com a observancia de certas formas determinadas, destinadas a conferirlhe f€ darlhe forca de prova”.? (1) 0 diploma (com a prosédia paroxitona de_origem latina, diploma) € termo grego (Bixhwua) que significa “cousa dobrada fm duss”, forma que assumia antigamente © decumento assinado por Alto magistrado, entre os romanos, uma espécie de passaporte ou sal- Yorconduto, que facilitava 0 trinsito as diligéncias de um mensa- keiro ou de pessoa que viajasse para negécios do Estado, ‘Ainda que no devamos confundir diploma com carta. (vejase que Alexandre Herculano, nos Portugaliae Monumenta Historica, dis- Tingue as ‘duas formas de documento dedieando um dos volumes 3 transcrigéa de diplomas —— Diplomara —, © outro a transcrigio de Cartas Chartac’, hd quem considere como genérico © termo diploma, esignando com ele tanto o documento exarado pelo rei como aquele ‘que nio 0 & (Carta) (2) Ap. Ceiare Paoli, Programma scolastico di paleografia, lati na edi diptometica, Firenve, Sanoni, 1698, TIT, p. 2. Ver, adiante, Apontamentos diplométicos cr) Voltada para 0 estudo do documento, 0 campo da Di- plomética é, entretanto, muito mais amplo do que o da Paleo- grafia, ‘Tem esta como objeto apenas 0 estudo da escritura dos documentos e sua interpretagio; a0 passo que a Diplomética consiste no estudo de todos os caracteres extemos do do- cumento — a matéria escriptéria, os instrumentos grificos, 9s tintas, 0s selos, as bulas, os timbres, inclusive a letra, a lin- guagem, as férmulas —, isto é, numa critica formal dos do- cumentos, visando com isso a determinar 0 grau de autenticidade dos mesmos.! Os procedimentos diplométicos, .com_a_finali- dade de verificar a falsidade dos documentos, si0, porém, muito antigos, masa Diplomética sé se constitui como ciéncia nos fins do sée. XVII e principios do séc. XVIIE, quando da aca- lorada polémica entre as congregages religiosas (beneditinos ¢ jesuitas) sobre a legitimidade de diplomas papais em que se concediam privilégios especiais aquelas congregagSes Ao tem- po dos humanistas a preocupacio dominante era o encontro de obras dos antigos escritores gregos e latinos para estudélas segundo 0s procedimentos tradicionais da Filologia: comenté-las ¢ interpretélas. Nao dispunham de qualquer preparo paleogré fico que Ihes permitisse a restituig’o original dos textos. O Renascimento, ¢ em especial o movimento reformista, foi 0 verdadeiro responsével pelo florescimento do espftito ‘critico, (1) A propésito dos caracteres formals da documentagio por tuguesa medieval, cons. J. P- Ribeiro, Diss. VI (sobre as datas: datas dde lugar, de pesoas, datas histGricas e de fatos, qualidades das datas, taracteres empregados nas datas, Ingar das datas, férmula e critica das fates), t. IL, 1857, pp. 1-165; Diss. IX (sobre os sinais piblicos, ru- brieas 'e ‘assinaturas), t. ML, P. TI, pp. 10-36; Diss. XII (sobre, a formalidade dos documentos antiges ‘em geral, © especialmente dos notérios tabeliges), t. IV, B. 1, 2° ed., 1867, pp. 68-77; Diss. XIV (Gabre as testemunhas ‘nos documentos antigos),'t. TV, P. T, pp. 77-80 (2) Ao tempo de D. Dinis, 0 procurador régio Domingos Paez levantava. suspeitas sobre documentos ‘da Ordem dos Templiries, re- velando destrera admirdvel na aplicagio de principios diplomaticas; a mesma autoridade, do reinado de D, Joio I, também impugnava uma doagao feita A Ordem do Hospital, chegando & conclusdo de que “o lal privilégio « Doagéo nom eram’ couse nenhume, que el nom tem Selo nenhum nem signal pubrico, mas uma Carta rassa. isto €, aspada, com rasuras na eserita, em gue forom poer testemunhas mor- tas, de que d nds nom he memoria, que ackou postes em outra Carta (que © Seclo. que traz nom he teu, antes se mostra que foi tivado de Dutra Carta ¢ posto em esta, ¢ coseram-no com hum panne em tal maneira que se pom e tiram quando querem. (Cf. J. P. Ribeiro, Diss, XV, CIV, BT, p. 9 e notas) 20 que logo derivou em paixo pela autenticidade dos textos, pai- do esta que desencadeou nos séculos subseqiientes verdadeira ‘guerra diplomética”, suscitando assim os primeiros manuais ¢ tratados das ciéncias’ documentais — a Diplomética ¢ a Paleo- grafia. Jean Mabillon, da Congregacéo beneditina de S. Mauro nna Franga, € 0 corifeu da Diplomética, publicando em 1675 um Discurso Preliminar intitulado Propylaewm antiquarium, com uma exposicdo sobre as regras para julgar da autoridade © ge- nuinidade dos documentos, trabalho ampliado seis anos depois, em 1681, na sua obra capital De re diplomatica; em 1708 € outro beneditino, Bernard de Montfaucon, que, dirigindo as suas pesquisas sobre textos gregos, publica a’ Palaeographia graeca, pondo em voga o termo inventado para designar a ciéncia das escrituras antigas. Se a Diplomética, nestes séculos de acesa polémica_em toro da suspeicéo dos documentos exarados pela alta digni- dade eclesidstica, se aplicava preferentemente 40 exame da av: tenticidade dos diplomas religiosos, posteriormente, terminadas ‘as brigas em toro dese problema, a Diplomética passou a preocupar-se com o estudo dos documentos em geral, publicos ou privados. E neste sentido de critica formal dos documentos, i Sigilografia ou esfragistica (estado dos selos, dos timbres, das mareas, dos sinetes, dos carimbos) & disciplina auxiliar, nao s6 da Argueologia, como também da Diplomética* ‘A Diplomética — como dissemos — difere da Edética porque esta se aplica quase exclusivamente ao texto literério; mas, se este mesmo texto, documento que é, envolve problemas de legitimidade material (falso ou verdadeiro), teremos entre tanto de recorter aos procedimentos da anélise diplomética para determinar 0 grau de suspeigdo. Por esta tazio devemos dis- tinguir entre genuinidade autenticidade de um texto. Um texto pode set legitimo, auténtico, mas no genuino. Suponha- mos a 1.* edigéo de uma obra: cla € auténtica, legitima (isto 6, nio € falsa) porque saiu em vida do autor foi supervisio- nada por ele, Acontece que nem sempre a 1.* edigio corres- ponde 20 desejo do autor, que nela encontra falhas ¢ coisas que jé no condizem como seu espitito. Assim: uma edigio (i) Relativamente a esfragisticn portuguesa, ver_a_substancial Dissertacéo UII de J.P. Ribeiro, tT, 1860 (sem indicagio da edigio), pp. 83-149, Para a Sigilografia ‘em geral, cont. 0 belo estudo de Yves Metman, "Sigillographie et marques postales", L’Histoire et ses mé- thodes, pp. 393-446. 21 ne varietur & wma edigio definitiva, saida conforme os dese- jos do autor; talvez seja ela a 4" edicdo. Esta 4 edigio € genuina, mas’ as trés primeizas nfo o sio, embora sejam autén- teas, legitimas. O estabelecimento da genuinidade de um texto € tatefa da Filologia; mas a determinagfo da sua autenticidade (verdadeiro ou falso) compete propriamente 4 Diplomética, da qual se serve Filologia como uma de suas disciplinas auxi- liares. Suponhamos que se descobrisse em Portugal um papiro do século XIII com cantigas trovadorescas; ou que alguém dis- sesse haver encontrado um foral manuscrito em capital ristica Ore, tais documentos seriam considerados falsos, uma vez que © papiro deixara de ser matéria escriptoria desde principios do século XI;! e a capital ristica, se usada na Espanha, nunca tipo caligréfico utilizado em Portugel. $6 4 Diplomética com- pete tal verificagto. II. A Copicotocia. O livro manuscrito ¢ suas formas; ‘a matéria subjetiva da escritura: 0 papiro, 0 per- gaminho, o papel. O artesanato bibliografico ¢ © Scriptorium medieval. © estudo, ou propriamente a técnica do_manuscrito, que fem outros tempos pertenceu 20 campo da Paleografia ¢ da Diplomética, hoje esté se desligando delas ¢ constituindo um conhecimento a parte, com a denominacéo de Codicologia (em alemio Hanscbriftenkunde) “DA Codicalogia € atinente exclusivamente ao conhecimen- to do material empregado na producfo do manuscrito (Scrip. foria) e das condigées materiais em que esse trabalho se veri- ficou; a comercializagio do manuscrito, entretanto, é aspecto que nfo pertence ao ambito puramente tecnolégico da disciplina em questio? (i) A Gltima aplicagio do papiro se fez numa bula papal de 1022 (V. Douglas C. MeMurtrie, O livro: imprensdo e fabrico, Lisboa, Fundagio Calouste Gulbenkian, p. 27) (2) Ver Jorge Peixoto, “Notas sobre os manuscritos", Douglas ©, MeMurtre, ‘obra cit, p. 85. A Codicologia, que tem sob seu do- pinto toda'« produsio manus metival vat fxande eu campo je conhecimento: procuranda situar no tempo ¢ no espago os ma: puseritos, determinar as caracteristicas regionals desta ot daquela 22 ‘A. comunicagio através da escrita conhece duas tradigdes: 1 tradiga0 manuscrita, que veri de épocas imemoriais até 0 apa- recimento da imprcnsa no século XV; e a tradigio impressa, a partir daf até os ossos dias. As formas fundamentais do texto escrito podem ser representadas pelo Volume, pelo Cédice © pelo Livro, sendo os dois primeiros periencentes 4 tradigio manuscrita id ‘© cédice, antepassado do livro impresso, deriva do Iatim codex, cis (ou caudex, cis), tronco de drvore; da madeira se faziam tabuinhas (tabulae), que, cobertas de cera, podiam rece: ber a escrita; amarradas pela margem, & moda dos livros atuais, formavam os cédices; mais tarde os livros passaram a ser feitos de papel ou pergaminho, mas a designacéo de codex perma hneceu., Ainda antes da introducio do uso’ do papiro em Roma na altura do século III a.C., 0s romanos conheceram a utilizagio do liber, pelicula que se situa entre a casca ¢ 0 cerne do tronco, pata 0 fabrico do livro.'/ Mas o mais importante dos produtos vegetais foi sem divida 0 papiro (gr. némupes), planta cipers- ea semelhante ao junco, de cujo caule se tiravam laminas de sua largura, que, justapostas e sobrepostas perpendicularmente, depois comprimidas e alisadas, formavam a folha — que os gregos denominavam carta (yéozns)? Dada a forma de rede que tais folhas apresentavam pelo seu preparo, receberam tam- bem o nome de plagulae (diminutivo de plaga, “rede para ar- madilha”, e, por extensio, “cortina de feito”, “de liteira”, “Jar- qrcala, dente ou daquele centro de artesanato bibliogsético (Seriptoria), S ideiidade do eopista, do decorador, a Codicologia estuda a quali- Gade © a preparagio do. pergaminho, 2 natureza © a origem do papel, PSomposigae das tintas e das cores utilizadas na decoragio, os minimos Getalhes da encadernaggo (dimensio, composigio dos cadernos), mo- Gor de numeragio, entrelinhamento, colunas, margens, reclamos, dimen- Sees ‘das letras, os motives. iconogréficos, a propria escritura,” A. res- Peto, cons, Gilbert Ouy, "As Bibliotecas”, L'TMistoire et ser méthodes, pp. 1061-1108. (1) 0 verbo delibrare, de origem nistica, significa “deseascar”. (2) A folha, portanto, era uma rede de liminas de papiro, razio the deram o nome de pégina, termo originariamente ‘onde significa “latada®, “rede de paus ou de folhas” da. sgricslour para sustentagio da, parreira (da raiz do vergo pango, “fixac", “plan- Ei"). © voeabulério ligada & bist6ria do livroextraia, muitos termos dda atividade agricola, Exarer, na. acepgSo de “eserever”, também est figado so Tabor do campo: de arare, vcavar”, “‘sulcar”,'saiu © termo exerare, “desterrar", “cavar” profundamente como se cavavam sulcos hha cera para escrever. 23 gura do pano”, “pégina”, “folha”), Em virtude da falta de resisténcia da membrana, tracavase apenas de um lado um etangulo com linhas feites por uma régua, onde se escrevia; e as folhas assim preparadas eram ligadas com cola sucessiva- mente, uma ao lado da outta. Na época de Plinio jé se com- pravam rolos com folhas_coladas ou_presas. Nestes rolos ou volumes, denominados rotudus ou volumen (do verbo volvere, “enrolar”), se escreveram as obras gregas e latinas; claro que obras volumosas como a histéria de Tu- cfdides ou os poemas homéricos nao poderiam ser escritas num 6 rolo, pois demandariam nada menos de 80 a 90 metros ¢ tornariam o volume incompulsivel para a leitura.! Tais rolos tam divididos em rolos menores, libri, em cujas extremidades (ou apenas numa delas) se adaptava uma vareta de madeira ou de osso (gr. é1uga.6s, lat, umbilicus), em torno da qual se enrolava o manuscrito? A folha era reforgada nas extremidades para receber as varetas; a pégina inicial reforgada recebia o nome de protokollon (protocol), ¢ a wltima, eschatokollon (escatocolo). O ato de ler cohsistia em segurar 0 rolo com a mio dircita ¢, 4 medida ‘que'se lia, desenrolava-se © manuscrito ‘a0 mesmo tempo que a mio esquerda ia enrolando de novo a parte lida, “Chegar até a vareta” significava que a obra estava lida; dai as expressdes evolvere volumen, explicare volumen (propriamente “desenrolar 0 volume”), ad_umbilicum perve nire, adducere (“‘chegar até a0 umbigo”) significarem que a obra foi lida até o fim. © rolo ou volumen foi vigente até o século~ V da Era Cristé, muito embora o uso literétio do cédice pu- desse remontar até o século 1 da mesma era? Se o papiro jd se conhecia na Grécia desde 0 2.° milénio, ¢ comegara a florescer desde o século VII a.C., somente do inicio (JA denominacio rotulus para o volume era do latim vulgar, diminutive de rota; 0 diminutive cléssico era rotula, Dai rotulare, “enrolar”. o fr. réle ariginacse de rorulum, “rolo”, “volume”, Tam- bim se denominava rofuus qualquer rodinha de papiro ou madeira gue contivesse uma inerigio cm forma de registro: o fr, contrle vem Te contrecrfe, isto é uma nova pigina de registro, usada na contabi- Fidade, para servir de conferéncia, "Dai controlar, “werficas”, “confer (2) Nas extremidades superiores da vareta amarrava-se_ um pe- dacinho de papive com o index ot 0 titulus da obra, para indicagao Go seu conteado. A denominagia umbilicus selesia-sepropriamente 8s fextremidades da vareta, que sugeriam a forma de um botio. (3). Collomp, ap. A. Millares Carlo, Paleografia espaiiola, Bar- celona, Labor, 1939, 1, p. 316. 4 Fios. 1 2 — Livro romano. Rolos de pergaminho e seu cofre, sce. T aC. Os volumes mosiram, amarrado nas extremidades, fo index ow titulus da obra do petiodo alexandrino (séculos IV, III a.C.) restaram frag- mentos, A maioria dos papizos gregos ¢ latinos foi encontrada nnas escavagies de Herculano; e 0 seu uso, muito embora ja competisse com a utilizagio da pele animal (o pergaminbo), comesou a escassear em fins do século VIII, desaparecendo dois séculos depois, suplantado pelo pergaminho.' E com 0 papiro, portanto, que se inicia a verdadeita histéria do livro na Antiguidade. ‘Ambos os materiais — 0 papiro e o pergaminho — foram concorrentes desde 0 século II a.C., pois desde essa época os epipeios, 0s judeus, os assirios ¢ os persas se utilizavam de eles de animal pata escrever? O pergaminho, preparado para receber a escrita, chamava-se — como as folhas de papiro — ‘membrana pergamena, pergamenum, ov simplesmente membra- na ou charta; e reccbia diferentes denominagSes conforme a sua extragio animal: charta ovina ow charta pecora (de ovelha), vitulina (do beverto), caprina (da cabra). Os pergaminhos mais apreciados eram’ denominados charta virginea, feitos de feto de ovelha ou de vitela? A sua superficie era alisada com a pedra-pomes, sendo que os pergaminhos utilizados nos pri- mmeiros séculos da Era Cristi eram pintados, de branco ou famarelo; havia também os pergaminhos purpurados* Até 0 (1) A denominagio “papel do Egito” corresponde & carta, feita do papiro, pois esse vegetal era abundante no Egito e na Mevopoti- mia A inerpretagio dos msi. em papiro constitul o objeto da Papi- fologia, ciencia que. desponta em fins do séc XVIII Ver, a respeito, © artigo de André Bataille, “Papyrologie”, L’HMistoire et ses méthodes, pp. 498-527. (2) A denominagéo de “pergaminho" vem de Pérgamo, cidade da Asia Menor, cujo rei, Eumenes IT, no sée, IT a.C., possuia uma extraordindria, biblioteca que fasia inveja 4 de Prolomew Epifinio do Heit, rarko por que este, de cidmes, Techou a exportagio do papiro para Pérgam, Aqui entio se desenvolveu o uso do pergaminho ani Fral, tornande-se dai um importante empério comercial desse produto, (3) Os italianos chamam veline, os franceses vélin, a este tipo de_pergaminho. (4) Os pergaminhos purpurados, em voga_na_época imperial comegaram a apareecr em fins do séc, Te j4 em prinefpios do sée. TV fe tomaram raros. © segreda de sua fabricacio perdew-se no sée. TX. Contase que 0 imperedar romano do sée. III Maximino, a0 ser con- fiado ao Jeu primeiro. mestre, ganhou de uma parente ‘um exemplar de Homero escrito em letras de our num pergaminho purpurado (S. Reinach, Manuel. de philologie classique, I, p. $1, n. 2). Entretanto refete Millares Carlo que a arte de tingir’ de purpura © pergaminho C sobre ele eserever com tintas de ouro ou prata fot praticada, desde 0 26 século VI se usava 0 pergaminho apenas para os cédices, pois © papiro predominava como material dos diplomas ¢ demais documentos. Com a escassez do papiro pelas dificuldades de importagio apés 0 periodo carolingio, difunde-se 0 uso do per gaminho. Este material, entretanto, sempre foi muito caro; ai explicar-se 0 fenémeno do “palimpsesto”, que consistia em favar a escrita primitiva da membrana, ou mais freqientemente raspéla, para ser reescrita! Por isso mesmo se diz também reserito (lat. codex rescriptus), denominacio usada pelos pa Tegrafos dos séculos XVIII e XIX, mas suplantada pelo termo rego. Tal pritica foi extremamente funesta porque obras im portantes da literatura clissica paga se perderam, delidos que foram 0s cédices que as continham, para neles se escreverem foutras, Isso nio sucedeu apenas com 0 pergaminho, sendo também com o papiro e até com os primitives cédices feitos de tabuinhas enceradas, Cicero escreve a Trcbatius, seu amigo, que Ihe havia escrito sobre um papiro raspado: “Eu espero que vocé nfo raspe minhas cartas para reescrever as suas por cima.” Desde o século VII se constata 0 processo do palin p Sesto, pois nesta época os arabes, conquistando © Egito, proi iram a exportagio do papiro, cuja escassez nos conventos ¢ mosteiros da Europa — seus maiores consumidores — obrigou 0s notitios & utilizagio do palimpsesto. A falta de material escriptério ocasionou grave crise no artesanato bibliografico dos séculos VII, VIIT ¢ IX, levando ao desemprego uma legiao de copistas ¢ demais artistas gréficos; para contornar a escessez do papiro e do pergaminho, surgiu entéo 0 triste recurso de raspar obras consideradas sem valor ou desatualizadas, especial- mente as de literatura ¢ de dircito, Um sinodo de 691 chegou a proibir a aplicagio do processo em Biblias € textos dos Santos Padres; tal proibigdo, sempre lembrada nos séculos subseatien- tes, foi secundada nos fins da Idade Média pelos priprios so- beranos, que a fizeram figurar até como férmula nos juramentos Vi, em varias localidades da Europa; que na Alemanha ¢ na Tilia, ainda entre os séculos Xe XIT, se documentam varias e6pias Ue diplomas imperiais e outro documentos, excritos com letras de ‘ure sobre pergaminhos purpurades (Obra eit, T, p. 327) (1) Palimpsesto deriva de wv, de novo, e Vilates, do verbo ine, raspar (2) Non enim puto te meat epistolas delere, ut reponas twas (M, Talli’ Ciceronis “opera, Patavii, Typis. Seminarii, 1783, t. VIN, p. 233) 27 dos Notétios} Todos sabemos que a Repiiblica de Cicero se Seconstituin de um palimpsesto do século VIL, descoberto em 1822 na Biblioteca do Vaticano. © manuscrito foi raspado para ncle ser reescrito © Comentirio de Santo Agostinko aos Salmos, De uma obta de Sio Jerénimo também se reconsti- tutram as Instituigdes de Gaio, descobertas em 1816; varios fragmentos do Digesto, bem como da Lex Visigotborum ou Codigo de Alarico, foram reconstituigSes de antigos pergami- hos raspados.* 1A primitiva documentago portuguesa, portanto, até fins do século XII, esté toda em pergaminho, A partir de prin: Gipios do século XIII surgem esporadicamente os primeiros decumentos exarados em papel, O. novo concorrente do per- gaminho, 0 papel, inventado pelos chineses no ano 105 da Era Enista, sb penesra na Europa por volta do século VIL, através da Espanha, trazido pelos arabes. Entretanto, s6_em 1150 é Gque aparecem os primeiros moinhos de papel na Europa, cons: fruidos pelos muculmanos na cidade de Jativa, no reino de Valencia, e pouco depois em Toledo, Por volta de 1270, na cidade italiana de Fabriano, surge 0 primeiro moinho de papel Ga Cristandade, cuja perfeigio técnica acabou por suplantar, no Séeulo XV, néo s6em qualidade mas em volume de producio, os mercados mugulmanos de Espanha ¢ de Damasco.*, A inckis- tria imediatamente se espalha pelos demais paises da Europa. Vatias disposigées do reinado de D. Dinis deixam entre: ver que no seu tempo o papel jé se utilizava na documentacio publica, pois, noma lei que promulgou em 1303 ¢ num Regi rrento que deu 20s tabelides dois anos depois, especifica os tipos Fe docementos que devem ser lavrados em pergaminho (coiro) tos que devem ser em papel. A mesina regulamentacio se es pecifica nas Ordenagdes de Afonso V no século XV, € nas de D. Manuel no século XVI* Neste reinado jd 0 uso do pergaminho iy Um excurso bem desenvolvido ¢ muito informativo sobre © proceso do ‘pelimpsesto encontra-se na obra de Jost Barbosa Mello, Bintere hitérica do livro. Rio, Ed. Leitura, pp, 126-194: (2) © palimpsesto fio ocorreu apenas com livros, mas também com “pavagbee de moedas que foram novamente cunhadas, ¢ até com Sern iSsex im’ Lapides, sobre as quais aparece gravada outra epigrafe (3) V. Douglas MeMurtsie, obra cit., pp- 68-69. (4) Segundo. Joao Pedro Ribeiro, o mais antigo original encon- trade tm papel data do reinado de Afonso TV, filho de D. Dinis, uma Provisio capedida em nome da Tafanta D. Branca (esposa destinada 28 Spree Reenter toe ene = SRS ete “SE fereieerenre nies SC ISAS VRE BEA RRL airorpac AON ela nde Cokigustiemeenessuntret CEILS ESRC wiarmpenstctes Shoaib bales TENET IS SUNT were ERT ERPS am i NOISE FEN SSEATIRRI SS ASRS Bhteenchtnadeart mater SONING EERE TS EER Seep Reet; igNpeon oa noes: es a! Saas banned eg eS oo SUSNIES pen oes SUERTE OS te Fro. $ — Palimpsesto de Cicero, O texto primitivo, em. ¢a- Fucteses maiores,, ndo fora devidamente raspado, permitindo fom eerto esforgo a sua Tetura, ficava restrito as Cartas, para as quais a Chancelaria fornecia © material, ficando o emprego do papel reservado aos proces sos ¢ demais documentos forenses. ‘As formas fandamentais do livro no perfodo manuscrito — como vimos — foram os rolos (ou volumes) © os cddices, confeccionados em papiro ou pergaminho, O papiro, em vir tude de sua consisténcia, no propiciava a escrita dos dois lados; € raros so 0s volumes que se apresentam escritos na frente € ho verso, razio por que tais rolos se denominam anopistdgra- fos, isto €, néo escritos atris; 0 volume que contivesse escrita no verso recebia o nome de opistégrafo. Com 0 pergaminho, que era primitivamente anopistégrafo, ocorreu a primeira grande conquista gréfica: pastou ele a ser escrito nas duas faces, deixando assim de set enrolado pata constituir 0 volume ¢ dando nascimento a0 cédice. O cadex semelhava-se assim 80 livro de hoje; entretanto o livro moderno pode ser de tamanho reduzido, a0 passo que 0 de pergaminho ndo era dobrado nem cortado em folhas pequenas, o que significa que os cédices_sio livras_grandes, in-fdlio, isto é, “em folhas”, no tamanho. da folha. "Embora escritas nos dois lados as folhas do pergaminho, conservou-se até o fim da Idade Média o hibito de apenas humeri-las no eto, o que significa que a nogio de pégina somente aparece no fim desse perfodo.”? © instrumento da escrita vatiou de acordo com @ ma téria empregada: para as tabuinhas enceradas os romanos ‘se tutilizavam do stylus ou graphium, de metal ou de osso; para © papito eo pergaminho, utilizavam 0 calamus, pena feita de ccanigo, € seu uso comecot a escassear por volta do século VIL, suplantado pela pena de ave, especialmente a do pato. Eram instrumentos auxiliares as sovelas, a régua, a esponja ¢ o tas pador, com as sovelas se fixavam as extremidades da folha sobre i mesa para se tragarem as pautas com a régua; 0 raspador destinavese as tasuras, ¢ com a esponja molhada se apagavam as linhas escritas — ¢ com facilidade, pois a tinta_somana, feita SD. Pedro I) dateda de 4 de nov. de 1334. Entretanto, num do- Eamento existente no Cartério da Fazenda da Universidade de Coim- ra, datado de 1288, jd se alude a uma carta escrita em polgaminko ide ‘papilo; num diploma de doagio de D. Dinis se faz mencio a Siae"Gartas, uma lavrada em purgeminho de coiro, outra em purge: minko de papel. (Dist, X1, t. 1V, pp. 48-49) (1) Wikion Martins, A. palavra escrita, So Paulo, Anhembi, 1957, p. 65, 30 do negro do-furo_com gama ¢ gua, nio tinha fixadores; ta- tavase de uma tinte moida; a0 passo que a tinta utilizada mais tarde na Idade Média se fazia por infuso, preparada com goma, pedra-ume ¢ galha! is © artesanato do livro manuscrito durante a Idade Média, cujo Scriptorium era uma verdadeira oficina de operdtios espe- cializados, teve como centros principais os mosteiros € conven- tos; mas, além dos escribas regulares, que pertenciam & comu- nidade religiosa, figuravam escribas seculates, contratados pata a execugio de 'servigos especiais, tais como a iluminura ¢ a rubricagio dos manuscritos. Os compartimentos da oficina, que se situavam geralmente sobre a sala do capitulo, formavam gebinetes individuais com a janela voltada para o claustto a fim de receber a iluminagio natural, pois nfo era permitido 0 trabalho & noite, bem como a entrada de pessoas estranhas 20 servigo. O armarius era o funcionério encarregado de prover (© scriplorium do material e instrumentos necessérios, atendendo diretamente aos. copistas ¢ iluminadores. Executada a tarefa do. copista, 0 caderno escrito, ou grupo de quatro folhas divi- didas em oito péginas, passava para um revisor, que fazia a confrontagio com o original; daqui o manuscrito se destinava ao rubrigsdor, que se encarregava de inserir os titulos, as ep grafes, as letras capitais ou maiisculas iniciais e outras notas; finalmente, 20 iluminador, se o livro devesse set decorado com iluminuras’ miniatura.” Depois destas operacdes, cstava 0 livro em condigées de ser encadernado* Qs scriptoria medievais pportugueses mais importantes na Idade Média foram o da de Coimbra, 0 do mosteiro de Lorvio e, mais rico de todos, © dos monges cistercienses de Alcobasa, Dois sdo 0s tipos fundamentais de ilusgragio dos: manus: etitos medievais: a umigura e a miniatura, designando, aquels, toda e qualquer decoragio executada no manuscrito, e esta, apenas uma modalidade de ilustracéo. A iluminura referia-se a toda sorte de desenhos ilustrativos, especialmente nas_mar gens da folha e com certa profusio de cores; ao passo que a miniatura consistia no desenho de certas letras de fantasia ou (1), A “galha” € uma resina do carvalho, formada por excres- eéncia. da ‘cascn, machueac (2). Ver Douglas McMurtrie, obra cit. pp. 90-81, que re produz da obra de Falconer Madan, Books in Manuscript, & minuciosa escrigio de um ‘riptorium beneditine tipico. 31 Fros. 4 5 — Um leitor antigo, tendo um papizo maz enrolando-o incorretamente. -- Uma pagina do Livro de Ester, em hebraico. simples ornamentos, tracados com uma tinta vermelha_com- posta de minio (Sxido de chumbo) cindbrio (sulfureto ver- melho de mercério). A miniatura utilizou-se, mais tarde, de coutras cores, além do vermelho original: do azul claro, por exemplo, ¢, nos manuscritos de luxo, de caracteres dourados fou prateados; o emprego do ouro, cujos miniaturistas recebiam a denominacéo de crisdgrafos, foi fruto da influéncia da arte izantina, que também atuow na decoragio dos vitrais. Até se diz que 0s vitrais da Idade Média nfo passam de miniaturas do vidro, da mesma forma por que 2 miniatura é um vitral em ipel) Entretanto, se os vitrais fazem a sua aparicdo na altura do século XII, as miniaturas remontam até o século VI. TIT. Apontamentos pateocrdricos. A) A evolugdo da escrita: 0 greco-romano, 0 romano ¢ 0 gético; em Portugal: o visigético, a letra carolina, a hu- manista. B) A forma mecdnica dos documentos: ‘a pautagio, o espaco intervocabular, a paragra facao, a pontuagio. C) A abreviatura: seus siste- mas; as notas tironianas. D) A datagéo dos documentos. A) A evouugio DA EscRITA Este nfo & um manual de paleografia portuguesa; entre- tanto 0 ctitico de textos no pode deixar de conhecer os tipos caligréficos fundamentais vigentes durante a Idade Média, e em especial os acidentes que se foram desenvolvendo no mecanis- mo da esctita — tais como a pautagdo, a divisio entre as pala- vyras, a paragrafagéo, a pontuacéo, os acentos, as abreviaturas. Segundo Lecoy de La Marche, que estudou a evolucio da escrita ocidental, trés perfodos podemos distinguir: 0 greco- romano, 0 romao e 0 gético. O greco-romano iniciese desde época imemorial e vige até 0 reinado carolingio no século VIII; esse tipo de escritura caracterizou-se pelo emprego simultineo das quatro modalidades caligréficas: a letra capital, a uncial, (i) GE W. Martins, obra cit, p. 110. 3B a miniscula © a cursiva;* 0 perlodo seguinte, romano, com- pteende os trés séculos posteriores a Carlos Magno (IX ao XI), quando se vetifica um predominio individual da mintiscula nos meados do século XII, € no século seguinte se difunde por toda a Europa, num esplendor que permanece até o fim da Idade Média? "A letra capital era a letra empregada nas ins- crigoes, em moedas, medalhas ¢ selos; a uncial ¢ a miniscula, utilizada nos cédices; e @ cursiva, nos diplomas e demais do- cumentos. A capital, ou inicial, ou ainda capitular, era a letra ‘maigscula, utilizada ‘nos frontispicios dos cédices,” capitulos & pardgrafos, podendo ser quadrada, redonda, elegante ou ristica Elegante, ‘pela disposicéo simétrica das linhas; ristica, pelo desenho e certa irregulatidade. Nao obstante 0 seu aspecto meio bérbaro, a ristica permaneceu utilizada, ainda em paginas inteiras, até 9 século IX; mas desde o século VI no se encon- tram manuscritos inteiros nessa letra, desaparecendo por volta do século XI. A letra uncial (assim chamada pelo seu tama- nho equivalente a uma onca ou meia polegada) & também maitiscula; mais arredondada e menor que a capital (apenas 9 caracteres da escritura uncial so diferentes da capital: A, D, E, G, H, M, Q, Te V). A uncial compreende também mintisculas, sendo que as letras C, J, K, O, X e Z diferem nas maidsculas e minisculas apenas pelo tamanho. A uncial antiga dé lugar, por volta do século VIT, a uma uncial com tragos acidentais, desaparecendo depois, como a riistica, nos fins do século XT. A letra cursiva, usada desde 0 século IT aC., tornou-se escrita popular e Targamente utilizada pelos notétios ¢ escrivies, que necessitavam de um tipo caligréfico mais ri ido e mais correntio na redagio de documentos. Do alfabeto uncial deriva a mindiscula, ou seniiuncial; difere da capital pelo tamanho e pela forma; ¢ do cursive, por ser mais assentada, separada ¢ sem ligagGes. Desde 0 inicio do reinado carplingio, entretanto, todas essas_modalidades da escritura greco-romana dio lugar’ cha- mada miniscula carolina, que se torna dominante nos tés séculos que sucedem ao reinado carolingio; mas € de observar are Paoli, Programa... 1, easifica, pela forms, ser critura dewe pesiodo tm maiivela’¢ miniseuay a maiéseula subd dese em capital, uncial © semeancil; a. miniscule, ea cusive © redonda (9.3) (2) Ler manuserits et le miniature, ap. W. Martins, obra pp. 30-31. 34 que a mimiscula carolina, jé desde o século X, manifesta evi- dente inclinagio para as formas modernas; e no século seguinte evolu, numa verdadeira inversio da sua simplicidade e ele- gincia, para « chamada letra gética, que a partir do século XII segue triunfante pela Europa até a aparigao da imprensa, quando, diversificada j4 na sua evolugag com as diferentes particulari- dades nacionais, degeneta em confusio e rebuscamento. O Renascimento, que se caracierizou por uma adesio incondicio- nal a0 mundo cléssico antigo © postulou um conceito pejora- tivo contra.a Idade Média (identificando @ imperfeigdo com o goticismo), relegou o estilo gético pela sua profusio de arti- ficios, ¢ voltou as suas simpatias para um tipo de letra mais simples e mais pura, adequada 4 cépia dos clissicos latinos; dai a reabilitagdo da antiga mintscula carolina, que supunham genuinamente romana. O novo estilo caligréfico redundou na chamada escrita bumanistica ov italiana, que entrou pelos sé culos seguintes. Em Portugal os primeitos documentos conhecidos, que no Femontam para além do século IX, estio vazados num tipo caligréfico impropriamente chamado’ visigético,’ escrita vigente até-o século XII, ¢ século XIIT na Galiza. Com a influéncia francesa, em que se destacou especialmente o papel relevante da Ordem de Cluny, introduz-se a escrita carolina, por volta do século XI, que suplanta progressivamente a letra visigética Diz Oliveira Marques que a chancelaria de Afonso Henriques —— a exemplo do que ocorreu na Espanha com a documentagio dos reinados de Afonso VI e Afonso VII (1072-1157) — testemunha a utilizagio do estilo visigético, do visigético em transigéo para o carolino, e do carolino ainda influenciado pelo visigético. Pelos fins do século XII jd aparece em toda a Peninsula Ibérica, acompanhando a Europa catélica, a escrita gética na documentagio; eno reinado de Afonso TIT (1245- 1297) 0 gético triunfa sobre 0 caroline, predominio que se mantém evidente até 0 século XVI, época em que comega a competir com ele a escrita humanista ou italiana, Resumindo: 35 [quadrada - 4 elegante ‘nas inscrighes — moedas, cenouano | Jredonda ‘eda sos) ereevces istiea (até Carlos CaO | uncial (de onde deriva a evan ned) {to cscen mindscula cursiva (nos diplomas ¢ demais documentos) ‘Com predominncia da rminiseula carolina tae (que suplanta as modalidades anteriores do. greco- Bex | romano), introdusida em Portugal no sée. XI (Cluny) Uunfando sobre 0 carolino a partir do reinado de ‘de meados do ‘Aono IIT (1245-1297), vigendo até 0 séc. XVIp ee. XI) Guando passa a competit com a escrita humanista! PERIODOS DA_ESCRITA OCIDENTAL losrico ‘Em fins do séc. XII penetra na Peninsula Tbérica, (a partir TT TWervo excelente excuro wbre a. paleografia em Portugal feta aoe Kae, SEO Rice Marques Dicinarios de Portugal «40 We Pie ae het Serra TH, "Faleograta", pp. 292238 36 SUMFREOR DIMI TTETY AQ. ICO BRY EDEXTRA UH AFCEDIDIRAT-CU MATE FYSSIMBRISAIRA Fro, 6 — Escritura capital romana, TISTATVRQVEDEDSITERVMSEADEROLLIACOG) BISIAMITALOSTLOSLLSTOALCAITERALOEDERA #310 oo Fio. 7 — Capitais rGsticas, dum antigo manuscrito de Vergilio (“testaturgue deot iterum se ad proclia cogi bis iam Ttalos hosts hace altera foedera”) Uy d eAPpaReTa QUER SaRI SPM AP TRPSE.COM MUP ESSSEGUOS CONS TETACARITATEA DG ABY nitate ecchLesiaecatho Lica cREecessisse Fro, 8 — Eseritura uncial romana, aditledcinturrerpondar Fro. 9 — Semiunciais dum manuserito do sée, VIL min opranlyas-durd v froctarb uppeGpol iJoCf Fio. 10 — Escritura mindscula romana. uodnom élaciohyershebraa Lingy aaa Foo. 11 — B Denducrcanz acaba uocemcerrenat popule Cem SPR adcurbafincem pl fiperonburaLupceumerem craneatarefeceubar t tdicregem Feand™ a Fro. 12 — Catolina primitive — seulo IX (Do livro de La Marche — Les Manuserits et La miniature). e ¢diduanage una te or ofe mit ‘Bauru uclusuny & wut coe i ar ondhat wht woken gets fam is i feta ie ‘ Te ae ean Sele tet ME tlle a teaoarat o> Se pane er err nemquaen im telaaan « ail garanert Inq seal armpam seat af afup ee felon inguasray de ft quaspte ol i graph oe ny himscenfirimaai onthe sab. €: spews [nlc atfau eufiar man nat fiw fpr deca eds parton mas St Fie, 13 — Bscritura visigdtica. Arg a Torte do Tombo. Diz dela Oliveira Marques: “A segregacio cultural da Peninsula ia da letra visigética muito para ld da Divan 10 Cate courte cera Lert atreem char thant TAMA ToENE he Catt AE Eric a pe oe fevebanut’ Faqs teiog: Ocul fiat law. Co Rc Fio, 14 — Gétiea primitiva — século XII (do livro de La Lat Manuscrits et La miniature) Gasn sever UINSINGVRTINO Fro, 15 — Escritura humanista, Fae: Mstio, De Bello Tugurthin Diz dela primitiva carolingia dos séeulos Xe XI, por obra. de como reagdo contra a gética, conservadora. da inth IBER INCIPIT. LEGEFELICITER. Dake) VY AN ok SALCO AVI 4 2° YALCO OVE fy S. TAITVR DE narnia Gta genni Apumamim qued Anbvetlla atgp ett breuts ports for Fie. hed}: preVeabilits mutenies: maguig nature mduiinam bomenum gin: autt tempus deette. Sed dite args tinperator tutte: mortalium anus eft. gut ub: ad gtonam inrnins wa caftat abunde pallens poreniy ee clacusé:- nog. fortuna eger.. Quippe qite probitatcm:m. dusteiam altatiy bonas atres neqedare ne que eripere cing'potett. Sim capmns pra - aus cuprdinibiis. ad mectuam « nolip. fates copors pefliimdanis é permaofa , hbidine panh per nfs nls per fcordui utes temiputsietae & ingen deflée nanire mnfirmitas accutane, Sua guig. ailpam actores ad negesia trin(fennint, Quad (i hominibus benarumeartiom, ‘tanta crea effer: quanto fuidto arena ile do inicio da cbra de Sa- ‘na Biblioteca do. Escorial, Millares Carlo: “Importada de Ttélia, e imitada da exoldstica’ da Idade Média” (Paleografie. espafola, 1, 240-249, IT TXIX) Cépia de 1369, magne faye noyTe bee fey Ducat “Yonaia cet Su pfecatitto Ney alle amo ff S55 whan quames samt Vie guenoa fata: Thine Denull- 8a, Dy meade Junho" Detyctos no alimazer Jbamids hy Dwyue De fara caefa = fies amou Fro. 16 — Exemplo de letra humanisia: Extrema: dura, liv. 4, fl. 155. (fragmento). Arquivo Nacional da Torre do Tombo. B) A FORMA MECANICA Dos DOCUMENTOS Associados a0 mecanismo da escrita nos documentos me- dievais, vio-se desenvolvendo certos acidentes — como a Pautagio, a divisio entre palavras, a pontuago, os acentos, as abreviaturas —, cujo conhecimento é utilisimo para a deter- minagdo cronol6gica do documento. O fato, por exemplo, de se manter a distincia de meia polegada entre as linhas de um documento (nzo dos diplomas) denota que tal documento deve situar-se dentro dos primeiros sete séculos do Cristianismo, pois a partir daf a separacio reduziu-se para um quarto de polegada, ou trés linhas; nos documentos carolingios, entre- tanto, nos reinados de Luis o Bom e Carlos o Calvo, até duas polegadas; nos trés séculos seguintes a separagio vai diminuindo novamente, e jé no reinado de Felipe Augusto, em fins do século XIII, reduz-se para um quarto de polegada. Os hifens usados para’ separagio dos elementos da palavra no final da linha so muito raros até 0 século XII, cujos exemplos sio quase todos da Itélia; e diferentemente do uso atual, tais riscas etam obliquas. Se as riscas sobre as quais se escrevia eram vermelhas, denota que o manuscrito & relativamente moderno, pois as de lépis situam 0 manuscrito entre os séculos XII ¢ XIV; do século VIT sio as riscas secas, que se faziam com f ponta do compasso — naturalmente sobre pergaminho, que resistin a esse tipo de tracado. Nos documentos portugueses, ‘a separacéo entre as linhas era tfo grande que permitia se ‘tragasse mais uma ou até duas nesse espago; ¢ as riscas slo quase exclusivamente em seco, possivelmente por terse apagado com 0 tempo a tinta do lépis Nos cédices e diplomas primitivos, até fins do século VIIT, praticamente ndo ha espaco em branco entre as palavras; a partir dessa época, mas principalmente nos principios do século seguinte, comeca a surgir, sem regularidade, 0 espaca- mento, bem como o seccionamento da palavra em duas ou mais partes. O intervalo s6 se praticou, até principios do século VII, nos finais de pardgrafo ou onde o sentido do texto termi- navat Os documentos portugueses dos séculos IX, X e XI, fem letra gética, séo de dificil leitura, em virtude da separacio (1) GE ainda J. P, Ribeiro, Diss. XIT, pp. 54-68, © Jests Mulioz y Rivero, Manual de paleografie diploméiica espatola, yp. 1il- “114, de onde extraimos estes” apontamentos. 42 dos clementos da palavra ou a unio de palavras diversas numa 56. Relativamente a0 parigrafo, os antigos documentos, re- presentavam-no por um espago de uma polegada, iniciando a nova linha com mindscula — se 0 documento é antetior a0 sécalo VIII —, com maiiscula — se posterior a essa época. Muitas vezes se designava 0 parigrafo mediante uma figura semelhante a0 2 ou a0 5, ou entio a pontos de interrogasio dei- tados. Entretanto, nos diplomas e demais documentos, ratissi- mamente se usam’ os parégrafos, a ndo ser no caso das datas e das assinaturas que abrem nova linha. Capitulo importantissimo mas muito complicado € 0 da pontuacio durante a tradigio manuscrita, cujo estudo pertence a9 dominio da chamada estigmologia (que compreende outros acidentes da escrita como a cedilha ¢ o til). Primitivamente 0 pponto final foi suprido por um espago em branco, sumentan- dose a letra inicial da nova frase. Entre os séculos IV ¢ VII empregaram-se 0s seguintes sinais de pontuacio: — um $6 ponto, no alto, no meio ou embaixo da linha; — a virgula; — um tiangulo; = dois pontos horizontais (..) ou perpendiculares (:) ‘ou separados por uma barra (+); ‘em forma de tridngulo (.".); consoantes, cada um com dois pontos em cima (Jj), todos sinais para representagio do ponto final; a virgula figu- rouse como um sete sem trago (7), os dois pontos como um par de 77. A partir do século IX’ os amanuenses simplifica Tam pontuagdo, utilizando como virgula 0 ponto embaixo, como dois pontos 0 ponto no meio da pauta, ¢ como ponto final o ponto em cima; esta irregularidade entrou pelos séculos seguintes, ¢ a pontuagio como nds a conhecemos 36 se fixou a partir do século XVIL A exclamacio foi tepresentada as vyezes por um 0 com ponto dentro ou a0 lado, ou ainda com virgula dentro ou em cima, ou até com acento citcunflexo em cima ow entre duas virgulas; 0 ponto de intetrogagio era represen- tado por sinais iguais 40 nosso, porém de complei¢io mais angu- losa. A cedilha, que entre os latinos se colocava sob a letra e, denotava o ditongo e; seu uso na parte inferior da letra ¢ para a3 designar 0 som fricativo tornouse tio geral que durante a Baixa Idade Média e até bem depois do Renascimento encon- tramolo cedilhando a letra c sem necessidade (ce, gi). O certo € que em toda a Idade Média, nfo obstante as regras dos gra- iméticos gregos € latinos, bem como as recomendagdes de Santo Isidoro nas suas Ezimologias, a pontuagio foi um verdadeiro ca0s? © ponto, as vezes, serviu também para abreviar: b. por bus, q. por que. Na escritura gética usou-se o par de pontos nos ii para distingui-los don e do u; e desde 0 século V em- pregou-se 0 ponto sobre 0 ¥ para diferencié-lo do », uso que permaneceu até o fim da Idade Média. Outros sinais que também se encontram nos documentos medievais para indicar corregées no texto escrito — e sinais que ainda hoje se usam como normas de correcio tipogréfica — sio: a linha horizontal para eliminar as palavras supérfluas, a seqiiéncia de pontos sob as letras da palavra que deves: sem ser suptimidas (por ex.: et non dederimus Bernardino et dedimus Bernardo);* no caso ae haveréin omitido alguna palavra no texto, esta era colocada na entrelinha ou na margem com a indicagéo formada por duas barras paralelas ou cruzadas em forma de V, como chamada no lugar em que ela devia figurar. C) A apreviaTura “® A chaye da interpretagio paleogtéfica dos documentos medievais reside porém no conhecimento das abreyiaturas, cuja profusio se explica em razio da raridade © conseqiientemente do custo elevado do material da escrita. Desde fins da_ rept lice romana a abreviagio comegou a tornarse complicada, chegando a suscitar — sem que tais medidas surtissem efeito — a intervengio do senado e dos imperadores proibindo 0 seu Ti) Santo sidoro, noe caps, XVIILXX de suas Etimologis studs, segundo of graméticos antigos do. periodo helenistico, a. acen tuagio eos sinais de pontuagio (que ele chama de. postura) nos ak seus denote commute informa 0 ena elas motaesententignum) usuais até seu tempo, muitas delascriagées. de framiticos alexandrinos como veremos. adiante (2) Atualmente, entretanto, a seqhéncia de pontos sob as pala- ‘was 16 se far quando se pretende indicar que tai pslavras, riscadas para ‘eliminagio, permanecem validas. 44 emprego. A partir do reinado catolingio, cujas reformas peda- gogicas atingiram também os processos caligréficos, 0 sbuso das abreviaturas comegou a saturar os documentos, ¢ a moda degenerou de tal forma que nos séculos XII ¢ XIII variss disposigdes foram baixadas com 0 intuito de coffer o mal. O abuso comesou a diminuir A medida que se implantava a utili zagao da letra cursiva, que nfo petmitia a profusio das abrevi turas; entretanto no Renascimento, quando na sua fase inicial a imptensa procurava imitar os 'tipos caligréficos da Baixa Idade Média, 0 hiébito das abreviaturas continuou, a ponto de, para as obras juridicas, serem até publicadas tébuas especiais para leitura das siglas.? ‘As abreviaturas podem classificarse em a) abreviaturas por siglas, b) abrev. por apécope, c) abrev. por sincope, d) abrev. por letras sobrepastas, e) abrev. por signos especiais de abreviagio, ¢ £) letras numerais. ‘A abreviatura por sigla consiste em representat a palavra pela sua letra inicial: P = Petrus, A — Augustus, N — nos- ter, etc., sendo que o redobro da sigla pode apresentar dois valores: 0 plural da palavra ou o seu superlative: AA ‘Augusti, KK — karissimus; duas ou mais palavras, que pelo sentido formam um todo, podem também reduzir-se as suas inicias, e nesse caso é é utilizado 0 ponto em cada sigla: CA. = Caesar Augustus, D.N. = Dominus noster. A sigla foi 0 pro- cesso mais antigo de abreviagio por suptessio ou apécope, € seu uso se manteve durante toda a Idede Média; porém, logo no inicio verificou-se certa tendéncia para tornat as siglas mais inteligiveis, acrescentando-se a elas outras letras do vocdbulo: di, cler, cleric — clericus; bn = bene; ou ainda sobrepon- dolhes’um signo abreviativo (a risca): g# — quando. Nos documentos latinos da Baixa Idade Média desenvolvese uma infinidade de siglas formadas com signos abreviativos (riscas, ppontos, letras mindsculas. sobrepostas);_ assim: (i) Rivero refere que Afonso X 0 Sébio (2.8 metade do. séc XII} ¢ seu neto © rei D. Dinis de Portugal proibiram aos escrivies © uso das cifras; e aide A obra surgida em Paris em 1398, intitulada ‘Modus legendiabveviaturas in wlrogue jure, para facilitar a leitura ‘dae obrat de direite (Obra cit, p. 68, notas Le 2). O diciondrio de ‘Adriano Cappelli, Disionario “di abbreviature latine et italiane (3. ed, Manali Hoepli), Milio, 1929, da bem uma medida das dificul- Gades que a jeitura de textos medievais oferece, em razio da pletora das abreviaturas: ‘Cappelli recenseou sem pretender ser completo — fpada menos de catorze mil sinait abreviatives. 45 © 4, encimado por um d mintisculo = aliud; ©. (com a sobreposi¢do do trago horizontal) = cum; © @ com um ¢ sobreposto — donecs °F — non; © g com ponto e virgula, ou com um trago sobreposto (@), ou o mesmo trago cortando a sua haste infe- rior — que; © J, cruzado por um trago reto = vel ete, etc, sistema que se difundiu nos documentos em romance — como se pode ver pela lista de abrevieturas que ocorrem nos cancio. neiros galego-portugueses, no final deste capftulo. As abreviaturas por apscope, em que se verifica a su presso de elementos finais do vocdbulo, ainda que os pales: sgrafos as qualifiquem de siglas, remontam também aos gregos € romanos: APIE — dpictos, Caes. = Caesar, Aug. —= Augustus, Imp. — imperator, etc. Este sistema se desenvolveu consideravelmente a partir da divulgacio da escritura carolingia na Europa: febr. = februarii, Kal. = Kalendas, sci. — scili cet, tam = tamen, vider. =’ viderunt, ete AAs abreviaturas por sincope formam-se mediante a supres- siio de elementos grificos do meio do vocébulo. A fixagio apenas da letra inicial e da final pode contudo tornar dificil a identi- ficagio da palavra: dr — dicitur, Rs — Rodrigues, etc.; para obviar a dificuldade, costumavam conservar letras ‘intermedié- tins, chamadas mesmo caracteristicas, que favoreciam a intelec- Gio do termo: gra = gratia, gla — gloria, als — alius, bra Beata, eple — capite, dem” — dignum, Ibs’— Thesus, [ra — lit- tera, magr = magister, salm — salutem, Xpe, Xps — Christus, te. © uso das abreviaturas por letras sobrepostas, muito raro entre os romanos, bem como nos documentos da Peninsula Thérica anteriores a0 século XII, generalizou-se ,a partir dessa Epoca com a escrityra visigética: ag —= aqua, clelis — crude- lis, Htor — rector, por — prior, etc. ‘As chamadas notas tironianas constituitam também um sistema de abreviacio, de indole muitissimo complexa, usado pelos romanos para cépias de livros inteiros ou transcrigio de discursos proferidos a0 vivo; é um sistema estenogrifico, e tide mesmo como a mais antiga forma de taquigrafia na Europa Criado por Enio, por Séneca ou por Tito (liberto de Cicero, 46 donde a designacio de tironiano), o sistema parece ter sido por eles sucessivamente ampliado, chegando a cifta de 5.000 abreviaturas, Fotam indecifréveis durante muito tempo, até que Ulrico Federico Kopp, em principios do século XIX, fixou as leis fundamentais em que se apoiava esse sistema grafico, publicando até um “Lexicon tironianum’ (contido no II vol. de sua obra capital Palaeographia critica, Mannheim, 1817).! Tal sistema, que chegou a ser ensinado nas escolas, sobreviveu até 0 século X, mas intimeros sinais ainda se mantiveram até bem mais tarde. Os oficials pablicos romanos, antes de rece- berem a designagio de “tabelides”, chamavam-se notarius, em virtude da utilizasio das nofas tironianas em suas minutas. Tais notas originavam-se geralmente do alfabeto maitisculo ro- mano, € se constitufram dé um “signo principal” (normalmente a letra inicial da palavra) e de “signos auxiliares”, que figuram a terminagio do vocdbulo. Assim: H* = Hoc, G' — igitur, G = Erga, M’ = Mihi, etc. Pertencem 4 tradigio tironiana certos sinais de abreviagio usados em cddices peninsulares do século XII ¢ XIV, como o sete recurvado para a esquerda (7), 0 C virado em forma de clave de £4 ou de um nove (9), © quatro 4 como um 2 cortado perpendicularmente pela base, respectivamente com os valores de ef, de us ou os ¢ de -rum, -rom, usuais ainda nos cancioneiros galego-portugueses? Temos, ainda, as chamadas letras numerais, que const tuem as abreviaturas de numeracées, designativas de quant des © de marcos ctonolégicos. ‘ais’ abreviaturas, usadas ainda hoje, so de origem romana. Das sete letras maidsculas de seu alfabero — I, V, X, L, C, De M —, serviramsse os romanos para indicar respectivamente os mimetos 1, 5, 10, 50, 100, 500 € 1.000; uma letra de menor valor colocada antes de outra significa’ subteagio (XL — 40); a sucesso das mesmas indi cava soma (XXX — 30); mas a sobreposicdo de uma barra horizontal 4 letra multiplicava mil vezes 0 seu valor (D = 500.000). Daf que I = Me M = um milhio. A regra que proibia repetir mais de trés vezes a letra no foi observada nem pelos tomanos, nem pelos notérios da Idade Média; assim € que, com excecio das letras Ve L (que nunca (1) O12 vol, desta obra tem 0 thulo de Tachygraphia veterum exposite et illustrate (2) © C virado. (9), entretanto, quando em infeio de palavra, ccquivale a com: pata =’ companha, a7 se repetiam), as demais podiam ser repetidas até quatro vezes: XXXX = 40, IT = 4, etc. Como nos documentos romini- cos se usavam indistintamente as letras numerais maidisculas ow mindsculas, sucedia que 0 nexo das mesmas na representacio cursiva podia ocasionar muitas vezes dificuldades de leitura Se a sucessio de quatro is, IIII (que geralmente se apresentava com o tiltimo alongado em forma de j, IIlj), ndo oferecia pro- blema, a travacio de xx podia ocasionar dividas na sua in- terpretagio. O x denominado “aspado” podia representar 0 numeral 40, a0 invés da forma regular XL; 0 x aspado consistia num x normal, provido de uma virgula que prolongava o extre- mo superior direito da letra, virgula esta que nio era mais do que uia degeneragio do L’ (= 50): X%. Este signo podia receber uma barra horizontal sobreposta, pata representar 40.000. Nos cédices e documentos latinos posteriores ao século XIL também ¢ fregiiente a utilizagio do L uncial, em forma de 2, para 50. ‘Ainda que Afonso X © Sibio proibisse no seu cédigo legislativo das Sete Partidas © uso de abreviagdes por letras numerais (Part, III, tit. 19, lei 7.*) € 0s documentos régios de sua corte observassem a proibigio, nos mandados em papel da propria chancelatia afonsina, bem como nas cartas missivas e nas cédulas (escritos breves, memorandos, bilhetes), encon: tramse com freqiiéncia os numerais romanos na cléusula cro- noldgica; e nos documentos no régios, isto é, particulares, sobretudo nas contas e nas taxagdes, 0 uso dos numersis rome- nos em cursiva foi corrente. Nas cléusulas cronolégicas da documentagio portuguesa dos séculos XII, XIII e XIV, tanto nos documentos em Jatim bégbaro como nos documentos em portugués, wsowse com fe laridade a sobreposigio das letras 9 € @ mintisculas aos nume- fhis, para, indicar as terminagées de ablative masculino e do nominative ¢ ablativo feminino do adjetivo ordinal. Assim: M? = milesima, C’ — centesima. Suponhamos a datagio de um titulo de venda em latim do século XI (Portugaliae Mon. Hist,, Dipl. et Chart., I, p. 6, n° X), cuja cldusula trae Facta cartula uendicionis undecimo Kalendas Januarii era DCCCCXXI* Traduzse: “Escritura publica de venda exarada no dia 22 de dezembro na era nongentésima vigésima primeira”, isto é, 48 22 de dezembro de 921, que, convertido pare a Era Crista, corresponde ao ano de 883. (Vejase adiante a datacéo dos documentos.) D) A varacio Para finalizarmos estas nogdes introdutérias, lembremos que a datacéo dos documentos peninsulares_ibéricos se fazia pela chamada Era Hispdnica, que precede 38 anos a Era Crista Ela se tornou vigente a partir da Reparticao triunviral, em que © Império Romano, 38 anos antes de Cristo, fora dividido em trés regides, cabendo a Otaviano César toda a Espanha, e as demais regides @ Marco Anténio ¢ Matco Lépido. Este foi o ponto de partida para a contagem dos anos; ¢ em Portugal, antes de 1422 (em que o tei D. Jodo I estabelece lei obrigando a datagio dos documentos pela Era do Senhor), qualquer do- cumento esté datado pela Era Hispiinica, cuja converséo para a cristi se faz deduzindo dela 88 anos. Assim: um doc. datado de 1214 da Era Hispanica corresponde ao ano de 1176 (1213 menos 38) da Era Crista? IV. Apontamentos pipLomAricos. O documento em geral e 0 documento na acepcao diplomatica; a Notfcia e a Carta. A partigao analitica do do- cumento; os caracteres internos e os caracteres externos do documento. Toda e qualquer escritura, ou testemunho, que tem por fim a comprovagio de um fato, recebe 0 nome de documento ou instrumento. Ainda hoje, no teor das procurages, perma- nece 0 uso do termo: “*... por este instrumento particular. ..”. Na massa documental de um arquivo deparamos com escrituras de toda ordem: umas referem-se a assuntos de negécios; ou- tras registram acordos realizados ou fatos acontecidos. Tais escrituras sio documentos na acepgio geral; numa acepcio res- trita, diplomética, © termo documento cortesponde aquelas es- (1), Sobre © assunto, v. ainda Fr. Joaquim Santa Roma de Vie terbo, Elucidério..., sv. ERA. 49 De tat sated OF tas suwrenens aces / NOTAE SENTENTIARVM \, chan ee KEE | ely — — — 9: lala enparne anes pram 4 Limnivens ae 1. Crit: conte on tn parte | patent nontion aiguitrte tn log de"tm ialo con th pant | eis testn de Pig SMestest etre inicabasunton may Unie | {0 al gee anad aie acysarnnes i, eta @ win reaver (ig @)- | Woranoe conte los gregoty 1, “Awsisinna oe. pon putts] 10. Dips com obo for. ina auto wizon co we |Eoe coed han urna Zone Jeon autores antique (ig. 10h |g a). Teton Spe © Ie 1, Entre on mks cede autores tntquoe ot otaben unas las lin eas het oven pl (ree vy een een 6 Attrivcas cam Ubele oe here EB : ee ora 1 Google Fe Ts ine wag cw sanera | he Eat, eqs a t Dita 4 > \9 Cophin wv tate 5 1 falvigme am poe) a Dipl > HF 1 Gite wegi siner > > 14. Diple Cegrerrutin o> as Tighe ebersenery & 7 AB Diple Ane 2 > 2 Tp Aon iam Oho te Dipkevopone het BP DD wate seavrse parte hlata > EFA, Ae we Cramaiam XW ei Choinen Bia Wee B a5 Anahere superior T [es Arolone invomor Le Come yee ge tony tt Sopra los terion as Bsrtras (hg. 14 Dile por sian’ a pinate ave us ete fio fat Le ‘de. bea ut fechas ttpe ho sient, Slog aio fag. BE as a oom pen pare tamara stewie "skee Peet ah Eases er cin te ‘que oe dude | gutage o mudndo can pot axon |"; 29 aan Aula "pltenw snlen te dreamin es maton owe HE 10 | 2% -o"8 flerior: se ase para wor Dipl obalismene, a abet con | Senyasenee tigen a “Corum sala qe solamente aa Tee Dla st viene det geo svt pia a tary Su lemiticg x una rata boro; secnaprssepsies peas HG Sein ei yan as Gd cea G9} [a cna ta Be 1. Dipl sar, qu pave volo ' “ esata y trl 10 ‘ BR May ademas ten signee, de tart on te waa wine dente gue a Decades Sa Sree inate he 8 “tpt ne aa “ut ‘idtenea su ato ie a) Paris mpm Foo. 18 — Defines dat 27 sigs atzadan pelos amigos eeitoes ftraldas dab de Santo idan te Sevlhh Bimota, nate Aig Cavin" Lat Coty Ging, Madd BAG, 18, cap eee ON) 8 “honare st Fio. 17 — Relagdo das siglas utilizadas pelos escritores hele- tein a prtgrate porque Su com nistas © da baixa.latinidade, cujas definigées se encontram adiante. LISTA DAS PRINCIPAIS ABREVIATURAS DO CANCIONEIRO DA VATICANA {Extraida da edigdo de Ernesto Monaci do CV, pp. 441-448) a = am, an, ma,na q = qi a’ = ar q = qe bi = bre 4 = quam, quan, b’ = ber quem, quen bi = bri q = qui ec = cer T re, er d,3 = de r rar d= der 5 = es € em,en,me,ne 2 = ser e er v ter f = fer tre fF = fre um, un & = gra ver gy = ger vir gi = gui vro g gro u ver h z h’ = bor t m! == mer D (inicial) = com, 5 == om, on, mo, no cum o or SD (final ou medial) Pp = pr, pre _ = 0s, us Pp per, por 2 = contra p = pro 4 = rom, rum Po = pri q que ctituras que, portadoras de um cardter hist6tico ¢ juridico 20 mesmo tempo, estéo exaradas numa forma conveniente, Quanto ao valor ou a importancia do documento, pode- mos distinguir aqueles que apenas testemunham um fato jurt dico sucedido ou ato realizado, antes da sua documentagio. E 9 que se denomina Noticia. Se o documento, quetegistrou 0 fato, se constitui no testemunho guténtico ‘do mesmo fato, servindo como titulo € fundamento das conseqiiéncias que dele possam derivar, recebe 0 nome de Carta. Os documentos do 1° tipo, as Noticias, séo chamados “documentos de prova”; 0s do 2.° tipo, as CARTAS, sio chamados “documentos dispositi- vos”. Na Idade Média portuguesa a distingdo era vigente: a “Noticia de torto”, todos conhecem, € um documento de_prin- cipios do século XIII, em redacio proviséria, encontrado no mosteiro de Vairio, em que alguém se queixa de espoliagdes ¢ violencia de que foi vitima na sua propriedade. Vejamos como se apresenta a partigio analitica do do- cumento, Insrinsecamente © documento € constituido de duas partes: uma interior, que constitui 0 corpo do documento e contém o fato registrado: € o TEXTO; outra exterior, que serve de moldura do documento, ¢ contém as férmulas que conferem a ele perfeicio legal ¢ personalidade, servindo também para a sua autenticagio, datacéo e publicidade: € 0 prorocoto.t Mais precisamente, a parte exterior € constituida de um exérdio (abertura) € de uma peroracio (conclusio): 0 exérdio recebe © nome de protocolo, a conclusio o nome de escatocolo (ou (protocolo final). So componentes formulares do PRorocoLo: a invocagao divina, a intitulagio, 0 endereco, a saudagzo. O Texto, que contém substancialmente 0 teor diplomético, compreende 0 predmbulo, a notificagao, a narrativa ou exposicio, 0 disposi- tivo e as cléusulas cominat6rias (penais, espirituais), de garantia, de remincia, de corroboragdo. Finalmente 0 elemento que re- mata o documento: 0 ESCATOCOLO, que compreende a data (elemento topografico elemento cronolégico) ¢ a validacao (subscrigio, assinaturas, selos, sinais). (1) _A partisio teériea dos documentos ¢ da autoria de Theodor Sickel, proposia na sua obra sobre os documentos carolingios (Acta Karolinorum) © seguida por todot ot diplomatistas. V. Cesare Paoli, Programma..., TIT (Diplomstica), p. 3. 33 1. Das {6rmulas do prorocoto: a) Invocagao divina. Esta f6rmula, que remonta aos pre- ceitos biblicos (ver Sdo Paulo, Epist. ad Coloss., III, 17), pode ser verbal (“in nomine Domini”, “in nomine Sanctissimae Tri- nitatis”, “in dei nomine”, etc.), ou monogramdtica, simbélica, constituida pela sobreposigio das duas letras gregas X e P (_ P-)- monograma Constantiniano), ou pelo enlace do S na haste alongada do I (§), ambas crismas ou represcntagdes_mono- graméticas de Iesus Christus. Nos documentos pré-carolingios uusou-se a invocacio simbélica; com Carlos Magno foi intro- duzida a invocagao verbal; mas, a partir do século XII, a do- cumentagio portuguesa comeca’a abandonar paulatinamente 0 uso da invocagao religios. b) Intitulagao. Por sua vez, compéese de trés partes: 1 © nome ¢ os titulos do autor: Dom Pedro, pela graca de Deus, rej de Portugal ¢ do Algarue..., 2. O nome e os titulos do destinatario (endereco): ..-a@ vos, reictores e conservadores do meu Studo da cidade de Cojmbra..., 3. Uma saudagio: saude 2. Das férmulas do rexTo: a) Predmbulo. Ow exérdio, mais um ornamento prelimi- nar do documento, as vezes putamente literdrio, as vezes ine. xistente, consiste — como nas dissertagdes orat6rias — em preparat os ouvintes para o que se vai seguir, encarecendo a importincia, a utilidade, a conveniéncia do ato a Ser exposto, ete. b) Notificacio. Por ela dése conhecimento do ato a ser promulgado (dai promulgatio) (Notum esse volumus, Notum sit Oninibus, etc; conbocuda cousa seja..., saibam’ quantos esta carta virem..., ekc.). c) Narrativa © dispositive. Apés 0 preambulo ¢ a noti- ficagio, segue-se a secgio central do texto, que se subdivide (i) Protecolo do alvaré de D. Pedeo I sobre os livros de estudo, ano de 1387. A. G, da Rocha Madahil, Livro verde da Universidade de Coimbra, p. 49. 54 numa patte expositiva (narrativa) e numa parte dispositiva. A narrativa, que freqiientemente pode faltar, refete a histdria do ato (“surgiu a intencio de...”); 0 dispositive, que constitui a esséncia do documento, é a expresso do proprio ato (“Hei i ”, etc.) por bem determinar...”, “mando. d) Cléusulas finais. Estas podem ser de duas qualidade: cléusulas cominatérias (ou de sangfo), contra aqueles que vi larem ou pretendam violar 0 ato; a sangio penal traduz-se por multas pecunirias ou em géneros (“peitar-meja os meus ¢ coutos de seis mill soldos...”), a espiritual por excomunhio. No Testamento em favor do mosteiro de Pendorada, ano de 1178, ocorrem simultaneamente as duas espécies cominat6rias (a penal e a religiosa): Si autem aliquis banc Kartam violare voluerit sit maledic- tus, et excomunicatus, et quantum quesierit tantum duplet et insuper quingentos. solidos: Pela cléusula de garantia ficam empenhadas as pessoas € os bens do autor; pela de renincia, 0 autor renuncia a todos os direitos, leis e privilégios que contrariem as coisas estabelecidas no documento. Por esta cléusula, também denominada de der- rogacao, 0 autor pode ser condenado A perda total de tudo se violar 0 ato promulgado. ‘A lei de 1211, em que Afonso II determina entregar aos seus donos as mercadorias de navios naufragados em costas portuguesas, sanciona: “Se per uentuyra alguum contra esta nossa constetigdm’ quizer hir, reteendolhi o sseu aver..., perca quanto ouver”. As cléusulas de corroboragio servern para anunciar a ordem emitida ou a rogacio de escrever ¢ publicar (© documento, No diploma régio em que D. Dinis declara pro- tego aos estudantes da Universidade de Coimbra (1309), apés as sangdes vem a cléusula final: E em testemunbo desto dei a Universidade dos scollares d’esse Studo esta minha carta? 3. Do Escatocoto: © elemento topogritico da data consiste na indicagéo do lugar onde foi exarado 0 ato (“Dante em Lixboa...”), ¢ 0 cronoldgico na indicacio do dia, més e ano. A validagao € feita com as subscri¢des do autor, do destinatério, das testemunhas Livro verde da Universidade de Coimbra, p. 27. 3 € outras pessoas intetvenientes, se assinam documento exarado pelo escriba; com assinaturas (freqiientes a partir dos fins do século XIII), se 0 documento € exarado pelas préprias partes interessadas. A série de subscrigGes e assinaturas é encerrada ‘com as assinaturas dos secretérios de chancelaria ou dos tabe- lies. $6 a firma do tabelido, que possui fé publica, pode significar a criagéo de um titulo jurfdico, isto é, tem eficdcia legal; pois @ assinatura dos primeiros, que sio’ simples em- pregados, constitui uma mera formalidade burocrética. Em certos documentos das chancelarias, 2 autenticagio do ato se faz por meio de selos. Os sinais variam de acordo com a na- tureza do ato, a época, o local, etc. Ocorre apés a subscrigio do tabelio; ‘primitivamente cruciforme, os sinais assumiram posteriormente a forma de figuras excéntricas, simbélicas ou ‘monograméticas. Esquematizando, portanto: 1. Prorocoto: Invocagao divina Intitulacao Endereco Saudagao 2. Texto: Preimbulo Notificagio Narrativa ou exposigzo Dispositivo Clausulas finais: a) cominatérias (penais, espirituais) b) de garantia ©) de rentincia 4) de corroboragao 3. EscatocoLo: Data: ) elemento topogréfico (local) b) elemento cronolégico (dia, més, ano) Validagio: 1) subscrigio, assinaturas b) selos ) sinais 56 E esta a constituigo formal do documento, segundo os preceitos da Diplomética. O teor diplomatico do documento ea lingua em que se encontra redigido constituem os chama- dos caracteres internos do documento; os caracteres externos sio reptesentados pela matéria subjetiva (material suporte da esctita — papiro, pergaminho, papel), pela matéria aparente (as tintas utilizadas), pela matéria instrumental (pena de ave, pena metélica, etc.), pela grafia (tragado das letras) € pela forma mecdnica (a pautagio, a paragrafacio, a pontuacéo, as abreviaturas, etc.). Em Portugal a lingua utilizada na do- cumentagio medieval até 0 século XIII foi o latim tabelioné- tio, um latim por vezes inorganico, com peculiatidades neolé- gicas e sintaticas. Em fins do século XII comegam a surgir os primeitos documentos em vernéculo, consagrado depois, no rei- nado de D. Dinis, como lingua oficial em substituicao 20 latim; este, porém, continuou, numa forma bem mais aprimorada, na documentacio eclesifstica e nos textos internacionais. Anterior mente ao século XII, e recuando até 2o século LX, intimeros documentos exarados em latim bérbaro deixam entrever formas vocabulares e estruturas que denunciam a lingua falada corrente no territério lusitano, invadindo sub-repticiamente a linguagem dos primitivos cartérios religiosos. 37 Secunpa Parte A EDOTICA I. A Enémica. 1.°Os precursores. 2. A Edética ante- rior a Karl Lachmann. 3. A critica textual mo- derna ¢ seus métodos: Karl Lachmann e Giorgio Pasquali. 4. A Edética no Brasil. 1. Os precursores E cevidente que, para a investigagio filol6gica, especial- mente quando ela se exerce na drea da documentasio’ medieval, 5 conhecimentos prévios de codicologia, paleografia ¢ diplo. matica, expostos na Primerra Pare, constituem instrumentos ou nogées indispensdveis. A compulsagio de um manuscrito medieval — contenha ele um foral, um contrato de compra venda, um testamento, um alvard ou uma cantiga — exige o domfnio prévio dessas’nogdes, afora 0 conhecimento da lingua, da literatura e da histéria em geral do perfodo a que pertence © documento. A publicagio, porém, do mesmo documento, tendo-se em vista a apuracia do.seu texto, a busca da sua ge- huinidade (V. Introd.), € objeto de uma disciplina denominada Fdética, que, como a Histéria, se fundamenta no método crf- fico, Entretanto, se a investigago histérica opera com do- cumentos de varia ordem, inclusive os literdtios, apenas estes titimos constituem o objeto primordial da cigncia edética. O que nfo impede, portanto, que as normas gerais desta disci- plina sejam aplicaveis também a publicagio de’ documentos histéticos, filoséficos ¢ religiosos. Os textos biblicos, a obra 59 dos historiadores da antiguidade clissica e da Idade Médi bem como as obras filoséficas de um Aristételes ou de um Plato — para citarmos apenas estes — jé estio estabelecidas em edigdes rigorosamente criticas. A. Edética representa como que 0 ponto de chegada de todo 0 labor filolégico, embora hoje o papel da Filologia apre- sente um propésito mais arrojado, mais pretensioso do que a simples canonizagéo dos textos literdrios através de procedi- mentos que se consubstanciaram na chamada “critica textual” Sobre isso falaremos mais adiante. Nesse sentido a Edética tem uma ascendéncia muito anti- 2, pois nasceu logo apés a aparicio da propria Filologia. Da Flologia como comentiio de textos — pois foi assim” que ela nasceu Quando os povos entram em exaustéo de_suas_energias ctiadoras, isto é, num perfodo de cansaco; via de regra se tor- nam saudosistas, debrucando-se sobre 0 seu passado numa ten- tativa de recriaco. Foi 0 que sucedeu com a Grécia apés 0 perfodo de ésplendor dos séculos V ¢ IV, em que a filosofia (com Séctates, Platéo, Aristételes), 6 teatro (com Séfocles, Euripides, Aristéfanes), a elogiiéncia (com Isécrates e Demés. tenes) ¢ a historiografia (com Herédoto, Tucidides, Xenofon- te) culminaram a inteligéncia criadora do povo helénico: passado esse perfodo de apogeu e a febre dominadora do reinado de Ale- xandre, iniciase a fase helenistica, ett que a Grécia no 96 se volta para repensat 0 passado, mas exporta as formas de sua ctiagio para o Mediterraneo ocidental e pare a Asia Menor. Neste periodo, também denominado alexandrino, que se exten- de aproximadamente do ano 322 a 146 a.C., eruditos de toda procedéncia se sucederam como bibliotecarios da famosa bi- blioteca de Alexandria, que, com os seus 490 mil volumes € os 43. mil colocados, por falta de espago, no museu Serapeum contfguo & Bibliotecs, se tornou o maior centro de cultura helénica da Antiguidade. A ordenagio © catalogagio dessas obras levantou problemas pertinentes a sua autenticidade, & vida dos autores ¢ posteriormente & preparagdo de textos para © paiblico e para as escolas. A sucessio dos scus bibliotecérios — Zenddoto de Bfeso (280 a.C., autor da 12 edigéo crf tica dos poemas de Homero), Eratdstenes de Cirene (236-194 aC., a mente mais enciclopédica de todos os tempos ¢ 0 pri- meito a se chamar “filélogo”), Arist6fanes de Bizincio (195. +180 a.C., também autor de uma edicéo exemplar de Homero 60 € de edigées criticas de Alceu, Anacteonte, Pindato, dos tré- gicos e das comédias de Aristéfanes seu homénimo) final- mente Aristarco (que de Homero fez duas edigées e com Aris- t6fanes de Bizincio constituiu -a culminagio da investigacéo filolégica de Alexandria), a sucessio destes stbios — dizia- mos — incumbiu-se de restaurar os textos litetérios antigos, tornados ininteligiveis as geragSes da poca, sobretudo os. poe- mas épicos de Homero — recuados cinco séculos ¢ conhecidos através de versées discrepantes, lacunosas, desfiguradas por erros ¢ interpolagées. Foi, portanto, do amor & poesia que nasceu a ciéncia filo- légica. Voltados para a restauracdo, inteleccao € explicago dos textos, o labor desses eruditos consistiu em catalogar as obras, revé-las, emendé-las, comenté-las, provélas de sumérios e de apostilas ou anotagbes (escdlios), de indices e glossatios (indi- cagdes marginais sobre as variantes das palavras), de tabuas explicativas, tudo isso complementado com excursos biogréficos, questées gramaticais € até juizos de valor de natureza estética}” A. educagio grea do periodo clissico, eminentemente sindstica, peripatética aristocritica, culmina’o seu processo evolutivo na época helenfstica, em que a cultura fisica cede lugar a uma formacio de natureza mais espititual, marcada- mente literdria; e 0 preceptorado — ainda que subsistente — suplantado por um ensino de caréter institucional, escolar? ma cultura de tipo livresco, de tendéncia literdria, favorecida pela disseminagio de escolas para as criangas, dos 7 40s 19 anos de idade, suscitou a preocupacio de preparar textos legiveis, de apurélos e publicélos. E a fase edética da Filologia;“e os procedimentos elementares da apuragGo textual jé vinham sendo postos em pritica pelos prdprios escoliastas de Alexandria, que procuravam recensear toda a tradicéo manuscrita, ordenéla e cotejar os testemunhos, anotando a margem desse material as dividas, as obscuridades e os erros textuais. eee de Biz&ncio assim procedeu na sua edigio dos poemas homéricos, indagando inclusive sobre problemas de méttca, de lingua, de conteido ¢ fontes; sio notdveis também os escélios de Aristar ‘co as duas edigdes de Homero, em que comenta todas as varian- (1) Vs a propésite, Gaetano Righi, Histéria de la filologia clé- sice, Barcelona, Labor, 1967, p. 51 Vejam-se as paginas magistrais de I. Marrow, Histéria da educasdo na Antiguidede, Sto Paulo, Herder-USP, 1966, p. 153. 61 tes encontradas na tradigdo manuscrita! Os filélogos_alexan- drinos, nas..edigSes criticas dos clissicos gregos (B:o¢0u5eis ) acebaram_por.consagrar, também, todo um conspecto de sinais criticas (Znpsia, Nofae), que foram posteriormente utiliza- ddos nas edigdes de poetas latinos, na critica textual biblica, nos scriptoria da Idade Média, e pelos proprios humanistas ¢ filé- logos do Renascimento, Zenddoto de Efeso jé havia criado dbelo, um travessio (—) para apor ao verso que julgava apé- crifo; Aristarco utilizou o diplos (>), 0 asterisco (#) ¢ 0 Gbelo com asterisco (—s ), respectivamente para advertir sobre uma observacio importante, assinalar os versos que apareciam tepetidos e denunciar as palavras que se encontravam fora do seu lugar conveniente; um dnti-sigma ( 3) ) denotava a inversio de versos; 0 kerdunion (1), a apocrifia de varios versos se- guidos; ¢ assim varios outros sinais, resultantes da associagdo dos sinais elementares, devendo-se notar que essas marcas no tinham a mesma significagio em todos os escoliastas Em Roma, entretanto, a filologia no teve um floresci- mento paralelo, pois s6 se inicia quando entra em declinio a atividade filolégica hélenfstica. Alguns ecos do movimento filo- lgico de Alexandria e de Pérgamo (outro centro de cultura helenistica) chegaram 2 capital do Lécio em principios do sé. culo I d.C.; com Liiculo, que acabava de invadir 0 Ponto Euxino (71 d.C.), chega preso como escravo o gramético gedgrafo Tiraniao (oriundo da cidade de Amiso, naquela regio); Posteriormente liberto, em Roma acaba por dedicar-se ao ensino, organizar a biblioteca’ de Apelicéo de Teos (Ievada por Sila a Roma) © tornarse amigo de Cicero, De orientagao alexan dina, Tiraniéo era discipulo de Dionisio da Tricia, que tam- bém ensinou as belas letras em Roma no tempo de Pompeu, tendo sido, em Alexandria, discipulo de Aristarco. Através deles _penetraram em Roma os tltimos lampejos da ciéncia filolégica alexandrina, que infelizmente nio se desenvolveu. Cicero revela, em paginas do seu De oratore, conhecimento da doutrina trazida por Tiranifo, quando, referindose as disci plinas que outrora no formavam um corpo de doutrina, diz: in grammaticis poetarum pertractatio, istoriarum —cognitio, verborum interpretatio, pronuntiandi quidam sonus (1, 42) Esto af as quatto partes de que se compunha a investigacio (1) Ver “Os eseélior de Homero”, Wilhelm Keoll, Histéria de la filologia clésica, Barcelona, Labor, 1941, pp. 25-2. 62 filolégica: a pertractatio, isto é 0 estudo assiduo, que conduz a inteligéncia éritica dos poetas; ‘a historia, ou seja, a explanacao de todas as nogies sugeridas pelo contetido; a interpretatio das palavras, que correspondia as chamadas glosas da filologia ale- xandrina, em que as palayras eram estudadgs nas suas formas dialetaise no seu significado; e finalmente © somus, som, que- rendo referir-se com isso a harmonia pottica di expressio lite- riria, verso ou prosa. i Ainda que se tivesse consciéncia da necessidade ¢ do papel da Filologia, em Roma o seu estudo esteve reduzido aos tra: balhos gramaticais de Varrdo, na sua obra De lingua latina, de cujos 25 livros se conservarem apenas seis (do V ao X), ainda assim Jacunosos; mas, pelo tratamento que dé Vario’) ma- tétia filolégica, ‘preferentemente inclinado as questdes filosdfi cas a respeito das leis da linguagem, percebe-se o predominio da orientacio dominante na escola filolégica de Pérgamo, di versa da de Alexandria — onde os estudos filolégicos se diri- giam sobretudo para a critica de textos. Os demais fildlogos romanos que sucederam a Varro também nao deixaram obra meritéria no campo da critica textual. Valério Probo (da época de Nero), denominado o “Aristarco latino” pelo seu_afa em emendar textos antigos, consta haver feito edigdes de Teréncio, Vergilio, Pérsio, Hordcio e Lucrécio; pelo que dele resta, é opiniio' moderna que seus trabalhos tenham sido medfocres © denominacio de “Aristarco latino” fosse atribuicdo sua Durante a Idade Média houve um verdadeito eclipse nos estudos filolégicos, conseqiientemente da critica textual,/ Esta se exerceu aqui e acolé, com critérios pouco rigotosos, na rea da literatura evangélica.' Se excetuarmos, ainda no crepisculo da cultura alexandrina, a obra de Origenes (185-253), Exapla, uma reconstrugio do texto biblico segundo os métodos da_cri- tica homérica ‘praticada em Alexandria, com 0 texto hebreu seguido das diferentes verses gregas entio em uso; a edicéo da Biblia, empreendida por Sio Jerdnimo no ano de 383, a pedido do Papa Damaso, que pretendia uma tradugio mais exata para a Igreja romana e para isso diz Séo Jet6nimo na carta:preficio de sua edigio haver colacionado a traducéo latina vigente com os manuscritos gregos € corrigido todas as. passa- gens incorretas; 1 se excetuarmos — dizlamos — estas pélidas (1) V.H. Quentin, Reais de critique testwelle, Paris, Editions Auguste Picard, 1926, p. 13 ¢ ss. Esta edigio, que suscitou criticas e 63 tentativas de exegese textual, que ainda assim precedem as duas Idades Médias, s6 no século XVI, com os humanistas italianos especialmente, a investigacéo filolégica reinicia o seu retorno A cultura cléssica nos moldes da atividade alexandrina, A reno- vacio pedagégica empreendida no século VIII por Carlos Magno, se teve muitos méritos, ndo chegou a cogitar da resti- tuigo da cultura antiga & base da exegese de textos. 2. A Ep6rica aNTeRion 4 Kart LACHMANN + Estio af, de forma suméria, os primérdios da ciéncia edé- tica — fruto exclusivo da atividade filolégica de Alexandria no periodo helenistico da civilizagio grega; a técnica alexandrina, com poucas diferengas, veio praticada até o Renascimento. A critica_textual_moderna nio data senio de meados do século XIX, com as posigdes tedricas e metodolégicas expostas por Karl Lachmann (1793-1851) nas suas notdveis edigdes do Novo Testamento grego (1842-1850) e do poema De rerum natura de Lucrécio (publicada um ano antes de sua morte). E ele considerado 0 criador da nova critica textual. Entretanto, no perfodo compreendido entre o Renascimento-e 0 aparecimento das obras de Lachmann, muitas edigSes, de autores gregos € latinos, foram fruto de labor baseado em procedimentos her- menéuticos ¢ criticos, algumas delas no superadas até hoje Da galeria numerosa de fildlogos que floresceram nesses trés séculos, das mais vatiadas escolas (italiana, holandesa, inglesa e alema), destacam-se os nomes de Erasmo de Rotterdam (1466-1536), que emendou os textos de Santo Ambrésio e Santo Agostinho, além de editar imimeras obras de autores gregos e latinos; José Justo Escaligero (1540-1609), que reno- vou os métodos vigentes da critica textual com a’sua edigio da obra de Festo; neste trabalho, por varios motivos ainda valioso, tentou Escaligero reconstituir, com extraordindrio ins- tinto divinatério, 0 manuscrito incompleto do gramético latino;* Dionisio Lambino (1520-1572), que, além de uma edigéo de Maques de toda sorte, foi finalmente considerada pelo Coneilio de Trento, em 1546, a tradugio auténtica, “antiga e amplamente divul gada",' donde Ihe adveio « denominagio de Vulgara (1). José Justo Esealigero foi fitho do grande humanista Jalio César Escaligero, autor da célebre Podtica, A melhor edigio da obra de Festo continua sendo a de Ottfried Miller, publicada em Leipzig em 1839, 64 Hordcio, & autor de uma edigio magistral de Lucrécio, baseada em cinco manuscritos, na qual emendou mais de 800 passa- ‘gens do poema; os dois fildlogos holandeses Justo Lépsio (1547- -1606) © Nicolés Heinsius (1620-1681), notével o primeiro pelos seus comentérios, que contribuiram poderosamente para a reconstituigio da obra de Técito e da obra de Séneca; 0 se- gundo, filho do humanista Daniel Heinsius (que traduciu para © latim a Poética de Aristételes, ¢ de sua tradugio se fez a primeira tradugio portuguesa pelo Licenciado Manuel Pires de Almeida no século XVII — ainda inédita), deixou boas edi ges de poetas latinos, colacionando varios cédices; a de Ovidic € seu melhor trabalho; Isaac Casaubon (1559-1614), de origem francesa, ensinou na Holanda e deixou uma notével edicio de Pérsio, no superada até hoje. Casaubon escreveu ainda impor- tante tratado sobre a poesia satirica, bem como uma introdugio a Polibio; em fins do século XVII sai a Ars critica (1969-1700) de Jean Leclerc (1657-1736), nascido em Genebra e morto em ‘Amsterdio. Nesta obra, que serviu de manual de critica filo: T6gica em varias escolas curopéias, Leclerc procurou, influido pelo cartesianismo ¢ pelo experimentalismo de Locke, conter 0s vos perigosos da polimatia filolégica, defendendo 0 prin- cipio de que a verdadeira interpretac2o est no valor intrfnseco € concreto das palavras. Nao é com dicionérios que se penetra diretamente na inteligéncia dos textos antigos, mas com a leitura atenta e profunda das obras do préprio autor. A sua ‘Ars critica ensina como distinguir um texto auténtico de um texto falso, as passagens corrompidas das passagens genufnas, © como detectar as interpolagdes; fruto de seu método € a sua edigéo da Teogonia de Hesfodo. Acima destes fildlogos ¢ cri ticos, entretanto, situase a extraordindtia personalidade filo- logica do inglés ‘Richard Bentley (1662-1742), cuja obra teve imenso prestigio até prinefpios do século XIX. De intuigio poderosa e senhor de vastissima erudigéo, Bentley € talvez a figura mais importante da crftica textual anterior a Lachmann. Ja em fins do século XVII havia publicado uma eruditissima fedigéo das poesias de Calimaco; 0 principio de que a razio e 2 objetividade valem. mais do que a autoridade de cem manus- critos tornouse um verdadeiro dogma na sua doutrina critica (Nobis et ratio et res ipsa centum codicibus potiores sunt). A sua genialidade critica, que todavia se sobrepunha 20 gosto poético, revela-se poderosa na edicio da obra de Horicio, em que 700 e tantas passagens foram corrigidas; nfo menos notével € sua edigio de Teréncio, que suscitou espanto na época pelo 65 estudo que fez da métrica do poeta, iluminando pela primeira vez © campo desconhecido da versificagzo latina arcaica. 3; A crivica TEXTUAL MODERNA E SEUS METODOS: Karl Lachmann e Giorgio Pasquali Tinha Lachmann 22 anos (Gotinga, 1815), quando re- digi 0 preffcio da sua edigio de Propércio, publicada um ano depois, Nele censura o sistema, vigente em sua época, de editar um autor temando por base'uma edicéo autorizada ¢ intro- duzindo nela as modificagdes segundo 0 arbftrio pessoal. Esta exposiséo te6rica € mais tarde amadurecida, ampliada e siste- tmatizada nas suas monumentais edigSes criticas da obra de Lucrécio ¢ do Novo Testamento, durante a década de 1840- 1850.1 Lachmann revelou-se assim um marco decisivo na cons- tituigo da critica textual, dando-the base e principios cient ficos. Até entio tratavase de uma critica subjetiva, como vimos, em que 0 fildlogo tomava por base uma edigio consa- grada a cortigia em confronto com um cédice qualquer; ¢ na incerteza entre diversas e contrastantes ligées, cra escolhida aquela que ao editor parecia mais bela e mais’ elegante. Mas — 0 que era pior — 0 editor nao dava satisfagées de seus pro- cedimentos de fixagio do texto, Lachmann, que desde jovem combate esse método, instaura com as suas edigSes um sistema de ctitica objetiva, absolutamente cientifica. Esté claro que, como alemio ¢ frio, Lachmann excedeu-se no objetivismo de suas normas, tornando 0 seu método excessivamente raciona- Iistico © mecinico; mas ele mesmo veio a reconhecer @ orto- doxia das suas posturas teéricas, em muitos casos_inaplicavel na sua edicZo do Novo Testamento — que lhe exigiu procedi- mentos diferentes, mais elésticos. © que é importante, portanto, é que Lachmann veio der- rubar o sistema primitivo de publicagio de textos, vigente desde © Renascimento; e devemos a ele também toda’ uma termino- logia latina. da ‘critica textual, pois Lachmann escreveu suas introdusées erfticas em Tatim. Entio termos, por exemplo, como receusio, collatio, emendatio,, archetypum, originem detegere (stemma), bem como ceftas expresses que se tornaram nor- mas da critica verbal posterior, constituem a nova nomenclatura (1) Ver, a propésito, Giorgio Pasquali, Storia della tradizione & critica del testo. Firenze, F. Le Monnier, 1952, pp. 3-4. oo das operagées edéticas.’ Entre as expresses com que corpo- rifica os prinefpios bisicos da nova ciéncia, figuram estas: — recentiores non sunt deteriores — usus scribendi — climinatio codicum descriptorum, etc. Com a ptimeita — “‘os mais regentes nfo si_os piores” —, Lachmann poe em cheque o critério de antiguidade de um manusctito, isto é: nfo se deve eliminar ou desprezar as cépias mais recentes, pelo fato de estarem muito distantes no tempo do otiginal ou do arquétipo. Suponhamos que dispomos de virias cépias de um arguétipo do século VIII: uma (B) do século IX, duas (CD) do século XI, outra (E) do século XII ¢ uma (F) dos fins do século XV.’ Esta ultima, pelo fato de ser mais recente, nao significa que seja desprezivel; até pelo contrério, ela pode ser superior a uma cépia do século IX ou até superior a todas as cépias existentes, por reproduzir um manusctito que continha o texto em forma genufna. O usus scribendi refere-se ao estilo _do autor, que, bem conhecido pelo editor, pode ele fazer conjecturas de coxecio dos manuscritos estudados. O usus scribendi pressupSe do fil6logo editor um conhecimento seguro das catacteristicas ge- rais do estilo, da lingua, da arte e, num sentido amplo, da personalidade literéria e artistica do ‘autor, O principio da lectio difficilior (isto & lectio difficilior pracferenda faciliori) nfo & propriamente de criagio lachman- niana, pois jf em 1725 0 filélogo alemio Johannes Albert Ben- gel recomendava a preferéncia as ligées mais complicadas? Um manuscrito de linguagem clara, fuente, via de regea nio_é preferivel a um manuscrito de linguagem obscura, pois ¢ fre- giiete 0 caso de copistas colocarem em linguagem inteligivel aquilo que nfo entenderam no manuscrito copiado. Lachmann, no seu rigor metodolégico, aconselha a elimi nagio de todo e qualquer manuscrito que acuse a mefior interpolacéo. Daf-o prinefpio da refutacio: eliminatio codicum descriptorum. Pata ele, s6 0 fato da minima suspeita de que 0 copista tornou a frase mais elegante era o suficiente para que fosse rejeitado 0 apdgrifo. Ora, é preciso verificar se esse cédice, no resto, nfo € reprodugio de um manusctito muito (1) Gi. Francesco Semi, Manuale di filologia classica, Padova, Liviana. Editvice, 1969, p. 9. 67 antigo e mais préximo do otiginal do que os outros. Esta é uma das sdbias restrigSes que faz Giorgio Pasquali a0 método de Lachmann, na sua obra monumental sobre a Storia della tra. dizione e critica del testo,) da qual falaremos adiante Em suma, o grande mérito do método lachmanniano con- sistiu, no s6 na refutagdo dos hébitos editoriais anteriores, na sistematizaggo das normas fundamentais da critica textual, mas sobretudo ‘na distingio metédica entre os procedimentos da “recensio” e os da “emendatio”. Daf os trés momentos de que se constitui a critica textual, sintetizados na sua f6rmula: Judi candi tres gradus sunt: recensere, emendare, originem detegere, ‘A “Tecensio” consistia num conjunto ordenado de véries ope- rag6es: levantada toda a tradiggo (manuscrita, impressa) exis- tente da obra, procedia-se a eliminagéo das cépias coincidentes e inquinadas de interpolagéo, para depois, por meio do exame dos erros comuns, feagrupar o material ‘remanescente em fa- milias e chegar a uma drvore genealégica; daqui se partia para a opetagio final da recensio, a reconstituigio do arguétipo? Estabelecido 0 arquétipo, iniciavam-se as operagdes da emen datio, que consistiam, através da corregio do texto arquétipo, fem remontar a0 original; 0 terceiro momento, ovigniem detegere, rematava 0 prOces0, tentando reconstruir a histéria_¢ a for tuna do texto mediante observagdes baseadas no exame paleo- grafico do material subsistente ¢ demais informagdes fornecidas pelos préprios cédices. (Z) Para o conhecimento amplo do método lachmannisno, cons. esta obra de G. Pasquali, pp. 1-108. (2) Ainda que Avalle relembre as retificagSes de Robert Ma- richal © J. Froger (ef. Grundriss der romanischen Literaturen des Mittelaters, T, pp. 548549), que afirmam sero “método dos estos comuns” uma’ invengio posterior a Karl Lachmann, formulado por G. Grober (1869) c Gaston. Paris (1868-1872) e posteriormente’ aper- feicoado por Paul Lejay a partir de 1888, 0 maior expositor do mé- todo lachmanniano —- Giorgio Pasquali —referesse & classificagio dos Imanuseritor baseada no critério das lacunas © dos erros comuns (cf. Storia della tradisione.-., p. 111) ‘Com relagin a0 terme arguétipo, diz Avalle que a passagem de Lachmann (Id exemplar ceterorum archetypon ita appellare soleo) consitit,..) fez pensar que foi cle 0 primeiro a empregar o termo hho’ sentido “de c6dice-pai de todos or manuseritos existentes de uma ‘obra, 0 qual se interpde entre tais manuscritos 0 original. No en= tanto, segundo Sebastiano Timpanaro (La genesi del metodo del Lackmann, Fizenze, 1963, p. 52), 0 termo é de uso mais antigo (V. Principi di critica testuale, Padova, Bditrice Antenore, 1972, pp. 87-88) 68 _ matizadas num decélogo de “doze normas No século XX a cigncia edética, partindo da legislagio achmanniana, nfo s6 retificou muitos dos prinefpios do. filé: Jogo alemao, como suscitou tendéncias polémicas de fecundas conseqiiéacias. Haja vista as disquisigdes teéricas de Lindsay, Havet, Birt, Stihlin, Traube, Bédier, Quentin, Maas, Pasquali, Fraenkel, Froger e dos atuais filélogos italianos Avalle, Bram- Billa, Contini, Timpanaro. Acima de todos respeitivel porém a figura de Giorgio Pasquali (1885-1952), que em 1934 publicou o seu trabalho monumental Storia della tradizione e critica del testo (repu- blicado postumamente pelo mesmo Editor — Felice Le Monnier, Firenze, 1952, 525 p. Led. anastética], com um preficio do Autor no ano de sua morte, acrescida de trés apéndices; esta edigao foi reproduzida, também anastaticamente em 1974, por Arnoldo Mondadori Editore). A obra, nascida de uma recensio que Pasquali fez em 1929 da Textkritik de Paul Maas ¢ pu- blicou na revista Gnomon, V, 1929: 417-435 e 498-521, cons- tituise num dos trabalhos mais sérios © mais amplos sobre a critica textual safdos neste século, As linhas mestras do seu método vém expostas no prefacio, e podem ser assim esque- 1, Para Lachmann, secundado depois por Paul Maas, a tradigio de um autor remonta sempre 2 um exemplar sinico, jd desfigurado por etros ¢ lacunas, chamado arguétips. Pasquali, (1) Walace Martin Lindsay, An introduction to latin textual emendation, 1896, mais conhecida’pela trad. francesa de J.P. Walt- zing, Introduction 2 la critique dee textes latins, Paris, Klincksieck, 1898; Louis Haver, Manuel de critique verbale appliquée aux exter latins, Paris, Hachette, 1911; Th. Birt, Kritit und. Hermeneutik, Minchen, 1813; O. Stiblin, ‘Rditions-rechnik, Leipzig, 1914; Ludwig Traube, Vorlesungen und Abhendiumgen, Miinchen, 1909-1920, 3 v. Joseph Bédier, “La tradition manuscrite du ‘Laide TOmbre’. Ré Hexion sur Part déditer lee anciens textes", Romania, LIV, pp. 161- “196 ¢ 321-386; Dom Henri Quentin, Euair de critique textuelle (Eedotique), Paris, 1926; Paul Maas, Textkrivik, Leipzig, 1927; Mix chele Barbi, La nuova filologia ¢ Vedisione dei nostri seritiori da Dante « Manzoni, Firenze, 1938, republicada por G. C. Sanson, Fie renze, 1973; Dom Jacques Froger, La critique des textes et zon auto- matisation, Paris, 1968; Hermann’ Fraenkel, Testo critico 2 critica del testo, Firenze, 1969; D’Atco Silvio Avalle, cujos trabalhor figuram na Bibliografia final; Franca Brambilla Ageno, Ledisione eritica dei testi volgart, Parma, 1967, 2 v.; Sebastiano ‘Timpanaro, La genesi del metodo del Lachmann, Firenze, 1963. (2) Ch. Obra cit, pp. XV-XIX, 3) entretanto, € de opinido que o pressuposto lachmanniano nem sempre se aplica, pois manuseritos hé, sobretudo no que diz respeito as obras cléssicas greco-latinas, que remontam direta- mente 20 original do autor. E aponta, por exemplo, 0 caso do Apologético de Tertuliano, cujas duas redagGes’ existentes ascendem diretamente 20 autor, excluindo portanto 0 arqué tipo. [Bem, mas Tertuliano nfo é um cléssico, nem a sua obra € literdria.} 2. Geralmente a coincidéncia de diversos testemunhos ‘em ligoes genuinas ndo é prova de parentesco entre os préprios testemunhos, porque a ligao genufna pode conservar-se indepen- dentemente em ramos diversos da. tradigao. 3.4. A autoridade de um testemunho é independente da sua abtiguidade; cédices, ou edigdes recentes (no caso da tra- digio impressa), podem’ reproduzir manuscritos muito antigos, perdidos. Nio se deve rejeitar — como recomendava Lachmann — um “fhanuscrito, simplesmente porque esteja_comprovadamente adulterado ou até falsificado, pois quem assim procede corre muitas vezes 0 risco de perder comprovagées da tradicéo ge- nuina; é evidente que nio se deve dar fé as partes interpoladas ou arbitrariamente alteradas, mas no resto 0 manusctito pode até transmitit ligdes genuinas da obra original. 6. (Pasquali, até a primeira edigéo de sua obra (1934), usou de uma terminologia, com relago & “recensio”, que néo reaparece posteriormente: “‘recensio fechada”, “‘recensio aber- ta”, querendo dizer com o primeizo tipo a recensio que se aplica no caso da tradigio mecfnica (sem contaminacio), a qual, segunds © método lachmanniano, se baseia em ‘‘critérios mecinicos” (que por sua ver se regem pela “lei do predo- minio numérico”; * e, com o segundo tipo — “recensio aber- ta” —, a recenso que se aplica no caso da tradigfio no me- cinica (com contaminagio).] Pasquali é de opinido que neste segundo tipo de tradicio nao se aplicam os critérios mecanicos achmannianos, mas os “critérios internos” (também chama- dos “‘razdes diplométicas”) do usus scribendi e da lectio dif- ficilior3 aaa rot, de predominio numérico” entendese a preferéncia lada a determinada ligo que, em oposigao a outra, ocorre em maior ‘nimero de_testemunhos (2) Ver atrés a conceituagio das duas expressées. 70 7. E um prejulzo crer que a transmissio de um texto seja sempre “vertical”, isto é, que 0 texto derive diretamente do original, ou do arquétipo (ou ainda de qualquer apégrefo); casos hé, e inémeros, em que a transmissfo € “transversal” ou “horizontal” [‘“transmissao transversal” se diz aquela em que © texto € fruto de uma cépia baseada (colacionada) em dois outros testemunhos de épocas ou de lugares diferentes, bem como de valores diferentes; ¢ “transmissio horizontal”, aquela fem que os testemunhos pertencem & mesma época ou a0 mesmo lugar]. Para Pasquali, somente as lacunas se transmitem dire- tamente, nfo por colacio. 8. “.., Coincidéncia de ligdes em cédices escritos em zonas longinguas do centro da cultura ¢ longinquas entre si constitui uma presungéo em favor da_genuinidade dessa ligio.” Pasquali argumenta 0 fato com 0 fenémeno semelhante que corre na lingiifstica: esta admite pacificamente que as zonas periféricas so. mais conservadoras dos fendmenos fonéticos, morfol6gicos e lexicais, e que, portanto, a coincidéncia de duas zonas na manutengio de determinado fenémeno garante a sua antiguidade. 2. “As variantes, também errdneas, podem ser mais anti- gas do que os manuscritos que as apresentam, mesmo que se demonstre serem tais manuscritos todos derivados de um arqué- tipo inclusive medieval.” Variantes podem também haver pe- netrado em cépias regulares do arquétipo por colagio com manuscritos independentes dele. Tais vatiantes, portanto, po- dem remontar a mais antigos manuscritos perdidos. 10. “Tratandose de autores muito lidos, jd na Antigui- dade todo exemplar representa de qualquer modo uma edig¢éo particular, isto € uma mistura graduada de variantes persis- tentes, genuinas ¢ espiirias.” Portanto, j desde essa época se verifica 0 processo da contaminagio, de cotejo entre tradigées diversas — como atestam os papifos para a tradicfo grega, e as citagdes antigas para a tradigéo latina 11, “Nao hé exemplos certos de arquétipos que perten- sam ainda & Antiguidade para a tradicio grega; para a tradicio Jatina nfo parece que tais arquétipos possam ser negados.” 12. O estudo de testemunhos antigos ¢ de poucos papiros autégrafos, bem como a anélise de obras hist6ricas, confirmam “a hipdtese de que variantes de natureza particularfssima podem também, em obras da Antiguidade, ser reconduzidas 20s 71 préprios autores” — hipétese que em alguns casos pode ser demonstrada_rigorosamente Esto af as linhas mestras da obra de Pasquali, que, 20 longo da sua demonstricio, ora continuam e ampliam of ti cipios lachmannianos, ora os retificam. 4. A Epica No Brasit No Brasil e em Portugal a critica textual teve também os seus cultores, com edigdes excelentes de autores das suas litera- turas; entretanto inexistem ainda trabalhos teéricos originais acerca da matétia. Ainda que o termo Edética date dos anos 40 (talvez 1948), as exposigdes sobre 0 assunto so meras compilagées, algumas excelentes — como os capitulos de Anté- nio Housiss nos seus Elementos de bibliologia (Rio de Janeiro, INL, 1967, 2 v,, v. I, pp. 199-323), que tém o mérito ainda de abordar’os problemas da edética moderna e contemporanea, complementados pela experiéncia pessoal do Autor nas edigées ctiticas de Machado de Assis; dele mesmo ¢ Teresinha M. Cavalcanti, o artigo “Ecdética” publicado na Enciclopédia Mirador Internacional (Sio Paulo-Rio de Janeiro, Enc. Brit. do Brasil, 1975, v. 7, pp. 3534-3539; ? antes dos seus trabalhos, Ricardo (1) Como membro da Cominsdo Machado de Aus, consivuida pelo Govemo” Federal em act. de 1958, Antinio. Hoval spresentou tim excelente anteprojeto para a edigio critica das Memériaspéstumas de Bras Cubes, que vem reprodsido no seu" Mandel, I, pp. 276 “332.0 anteprojeto waira um ano. apds_a criagio da Comino, em 1959, tendo. sido publicado posteriormente como Suplemento. da’ Re- vista’ do Livro, nol, sd.: 0 Supl, n° 2. publicow a “Introdugao 20 texto critica do Quincar Borba de M. de. Amis” da autoria de AntOni0 Ghediak, membro também da referida Comissio, (2) Neste verbete, entretanto, dvas reiificagies devem ser feitas: © termo eedétice, na acepgio de cities textual arte de editar textos éritcamente, ainda que diga 0 mesmo D'Arco Silvio Avalle(Principt a critica festuale, p. 21), néo se deve a Dom Henri Quentin (1926 — ‘io 1928 ‘como aparece no verbete), poit meio século. antes dele J Salomon Reinach empregava o termo em seu Manuel de Philologie Classique, Paris, Hachette, 1 ed. 1879, 24 1883; € bem possvel que Salomon Reinach j& encontrasse © terino” nos tabalhos. de ‘Tournier (Eseries erties dels des Havtertues, 1879), que tata da critica textual, mas que infelzmente nao tivemos condigBes decom pulsar. No Brasil, a atestagio. mais antiga parece ‘datar de. 1948, {quando Silveira Bueno empregou o termo na 1 ed. dor seus Estudos de Filologia Portuguesa, Sto. Paulo, Saraiva, p. 144, £ ponivel que a sua fonte tenha sido a obra do préprio Salomon Reinach, que, com 72 Navas Ruiz publicava, em 1965, seus Pressupostos criticos, onde figura um sumério da matéria edética (pp. 13-35). Vok tado mais para a documentagio histérica, cujos estudos se apdiam nos métodos filolégicos, deve ser mencionado 0 capi- tulo sobre a “Critica histérica”, de José Van den_Besselaar, fem sua obra Introducio aos estudos bist6ricos (Sio Paulo, Herder, 1" ed. 1956, 2° 1958, 3+ 1970, pp. 157-196). Afora isto, é muito til o artigo de Edward B. Ham, “Critica tex- tual! e senso comum”, na tradugio portuguesa realizada por Anténio Houaiss ¢ publicada na Revista do Livro, Rio de Ja- neito, 9 (29/30): 18:37 jul. 1967; ¢, infelizmente néo _pu- blicadas, as apostilas mimeografadas da autoria de Anténio Cin- dido, que, na regéncia da Disciplina de Teoria Literdria na Faculdade’ de Filosofia, Cigncias ¢ Letras de Assis, ministrou ‘um curso, em 1959, de Andlise bist6rico-literéria, em que exa- mina também os problemas gerais de uma edisio critica, com riqueza de observacées pessoais no campo da literatura brasileira. Foi, porém, Emanuel Pereira Ramos o maior expert da ctitica textual no Brasil, néo obstante a morte o levasse do cedo, Seus estudos ¢ trabalhos a propésito da poesia lirica camoniana séo exemplos da vocago excepcional ¢ do rigor Cientifico com que se dedicou & investigagio textual: ao longo dos seus trabalhos — especialmente em sua tese de livre-docéncia Uma forma provencalesca na Lirica de Cambes (Rio de Janei- ro, 1967) recentemente na obra péstuma As Rimas de Camoes (Rio de Janeiro, Aguilar, 1974) —, Emanuel Pereira Ramos deixou ligdes de teoria e método, raras € seguras, a quem deseje familiarizar-se com 0s dridos problemas da Edética.! Couis Havet, serviram de base para o seu capitulo a propésito da Sritiea de textos” (Ibid, pp. 124146). A. paternidade dos_termos e-das idéias & problema muito curioso, Paralelamente a0 termo Edética, de que nao ha uma cronologia segura relativamente ao seu emprexo eA sua conceituagao, certas afirmagées correm muitas vezes por conta Ge quem nio € 0 seu verdadeiro autor, A afirmagio do conceito de Edétiea como “uma. aplicag’o da patologia da atengio” vem atribuida por D’Arco Silvio Avalle a Robert Marichal (que a fez no seu exce- Rinte ensaio sobre a.“Critique textuelle”, in L’Histoire et ses méthodes, pr 125t) (Ch. Prineipi di eritice testuale, p. 21). Ora, jé G. Hermann Eomparava a filologia eritica 4 medicina; e Tournier a denominava de “pathologie des textes” (Cf. Salomon Reinach, obra cit., I, P. 48, n. 1) (1) V. sobre o Autor, a apresentagio que faz Leodegirio Ama- rante de Azevedo Filho, em Estudos de critica textual, coletinea de Ensaios e artigos do saudoto filélogo, publicada postumamente pela Editora Gernasa, Rio de Janeiro, 1972 (Col. Estudos Universitérios, 5) 73 Il. O Texto. 1. O texto na investigagao histérica, literdria e filolégica, 2. Fronteiras entre a Histé- tia ea Filologia. 3. Objeto e funcées da atividade filolégica. 4. As formas de reproducio de um texto (a reproducio mecanica, a transcrigéo di- plomatica, a diplomatico-representativa, 0 texto critico). 1. O TExTO NA INVESTIGAGKO HISTORICA, LITERARIA E FILOLOGICA, © texto, manusctito ou impresso, € 0 objeto fundamental da, investigacao- histérica, filolégica-eliteréria, Se a Historia dispde de outros documentos — como a tradigio-axal, a tradi G80 plctGrca eos, chamedos “restos” (subministrados pela Paleontologia, pela Arqueologia, pela Lingifstica, pela Etnologia ¢ pelo Folclore), a Literatura e'a Filologia s6_dispiem-do texto, Entretanto é preciso distinguir: 0 corpus textual em que se exerce fundamentalmente a Histéria € constitufdo pelos textos histéricos, juridicos, religiosos, politicos, diplomiticos; os tex- tos literdtios, que podem muitas vezes fornecer informagées de natureza histérica, formam seu corpus secundério; a0 passo que a Filologia, se tem como corpus fundamental 0 texto lite- ritio, e como corpus secundétio os textos hist6ricos, juridicos, religiosos e filoséficos, a Literatura escrita tem no ‘texto lite: rério 0 seu tinico objeto. ay is 2. FRONTEIRAS ENTRE A HISTORIA E A FILOLOGIA A Hist6ria é, sem divide, a disciplina que maiores pontos de contacto apresenta com a Filologia, pois o objeto € 0 método de ambas sio os mesmos: 0 texto e ométodo critico, Estre- mar as duas disciplinas nfo seria de todo ocioso, visto que nfo 6 0s historiadores, mas os prdprios fil6logos laboram em con- fusfo quando falam nos servigos prestados a Histéria pela Filologia © vice-versa. A. investigagio histérica bascia-se fundamentalmente na crftica externa ena critica interna dos seus documentos. As operacées da critica externa séo proprias da investigacao filo- 74 égica: a restauragzo do documento, restituindo-o a sua forma original e genuina; 0 estabelecimento da autotia ¢ a critica de procedéncia (foi o autor do documento testemunha pessoal dos fatos comunicados, ou serviu-se de fontes? E qual o seu com- portamento perante as fontes utilizadas?). A critica interna divide com a Filologia as suas operagdes: a Hermenéutica, preocupada com o sentido literal, alegérico, moral, anagégico do texto, constitui também tarefa da Filologia; mas a critica de objetividade, de carter eminentemente histérico, interessa-se pela competéncia da testemunha dos fatos: se a testemunha se serviu de fontes, qual a natureza delas? Tradigio oral, do- cumentos escritos? Tinha a testemunha dominio da lingua do texto original? A que distancia ctonoldgica ela ficava das fon- tes utilizadas? A sua capacidade sobre o assunto? Possuia 0 dom da observacio? Era exata, mimuciosa nos dados fornecidos? (critica de competéncia); interessa-se ainda pela sinceridade da testemunha na exposigdo dos fatos (critica de sinceridade); «, na hipétese de haver mais de uma testemunha sobre-o mesmo fato, preocupase com as razdes das divergéncias entre elas (critica de controle) 3. OxjeTo E FUNGOES DA ATIVIDADE FILOLOGICA Nio tem sido fécil determinar com precisio 0 ambito da Filologia, cujos objetivos tém variado conforme as épocas em que se praticou a atividade filolégica, conforme os autores que fa exerceram e até os lugares em que ela floresceu, Se fizermos abstracio desses fatores, podemos dizer que, embora comple- xissimo, © labot filolégico tem seu campo especifico e tanto quanto possivel bem determinado. Visto que a Filologia nfo subsiste se nfo existe 0 texto (pois € 0 texto a sua razio de ser), partamos dele para, de uma forma abrangente, configurar © seu campo. [A Filologia concentra-se no texto, para explicélo, rest tuflo & sua genuinidade ¢ preparélo para ser publicado. A explicacéo do texto, tornando-o inteligivel em toda a sua exten- so ¢ em todos os seus pormenores, apela evidentemente para disciplinas auxiliares a (literatura, a métrica, a mitologia, a historia, a gramética, a geografia, a arqueologia, etc.), a fim de elucidar todos os pontos obscuros do préprio texto. Esse con- junto de conhecimentos complicados, dando a impressio de verdadeira cultura enciclopédica de quem os pratica, constitui a © caréter erudito da Filologia. Alids, como j& vimos, nasceu assim a filologia alexandrina, A restauraczo do texto, numa tentativa de restituirlhe a genuinidade, envolve um_conjunto de operagées muito complexas mas hoje estabelecidas com relativa preciso: € a critica textual ou Edética, que também foi conhecida e praticeda pelos fildlogos alexandrinos; ap paracio do texto, para edité-lo na sua forma canénica, defini va, também apela para um conjunto de normas técnicas, hoje também sistematizadas e mais ou menos universalmente res- peitadas. A explicagio do texto, a sua restituicio a forma original através dos principios da crftica textual, e a sua orga- nizagio material e formal com vistas publicacio, constituem aquilo que podemos chamar de fungao substantiva da Filologia. Hi uma ordem de problemas, com os quais a Filologia também se preocupa; séo problemas que nao esto no texto, mas se deduzem dele: a sua autoria, a sua datagio e @ sua importancia (valotizagdo) perante os textos da mesma natu- reza, Esta seria a funcio adjetiva da Filologia Finalmente: © filélogo agora nfo se concertra no texto, nem deduz aquilo que nfo est no texto, mas procura trans- polo, fazendo dele aquilo que considera’ Anténio Tovar: ‘o mais fino instrument hist6rico para penetrar na alma, no estilo dos séculos antigos”? E a funcao transcendente da Filo- Togia. Neste sentido, poderiamos dizer, para exemplificar, que a obra de John Huizinga, O declinio da Idade Média, é, talvez, 0 maior monumento da filologia moderna. Através das crénicas, das memérias e da poesia que encantaram o mundo galante da corte borgonhesa no século XV (Georges Chastellain, Froissart, Commines, Monstrelet, Jean Molinet, Mathieu d'Escouchy, O) vier de a’ Marche, Christine de Pisan, Machaut, Charles d’Or- léans, Villon, Deschamps e outros),’ Huizinga’ fez 0 retrato mais penetrante ¢ mais apaixonado das formas da vida espiritual francesa ¢ flamenga dos fins da Idade Média? Na mesma linha situa-se a obra de Américo Castro, também fascinante (embora muito controvertida pela critica {ilolégica espanhola), intitu- ada na 2* edigio La realidad bistérica de Espata (México, (1) Linguistica y filologia clésica — su situacién actual. Ma- drid, Rev. de Ocidente, 1944, p. 22. (2) © Prélogo da 1 edigio holandesa da obra € de novembro de 1923; 2 2 edigho, refundida e ampliada, © que serviu de bave A ‘raduglo’ para inémeras linguas, data de Leyden, set. de 1927. 76 Editorial Porrua, 1954)! Disse dela Mariano Picdn Salas (EI Nacional, Caracas, 8 de out. de 1953):"En uno de los estudios histéricos més importantes aparecidos em el presente siglo, el gran fil6logo espaiiol Américo Castro ha ahondado en las raices orientales de Espafia para fijar Ia peculiaridad hispénica frente a los otros pueblos latinos de Europa.” Resumindo: trés sio as fungdes da atividade filol6gi 1) Fungao substantiva, em que cla se concentra no texto part explicélo, restituf-lo & sua forma genuina e preparélo tecnica. mente pata publicaséo; 2°) Fangio adjetiva, em que ela deduz, do texto, aquilo que nao esté nele: a determinacio de autoria, f biografia do autor, a datagio do texto, a sua posi¢fo na produgao literdria do autor e da época, bem como a sua ava- liagdo estética (valorizagio); 3.*) Fungao transcendente, em que 0 texto deixa de ser um fim em si mesmo da tarefa filo- égica, para se transformar num instrumento que permite 90 fildlogo reconstituir a vida espiritual de um povo ou de uma comunidade em determinada época. A individualidede ou 2 presenga do texto praticamente desaparece, pois 0 leitor, abstraido do texto, apenas se compraz no estudo que dele resultou. E importante observar, na fungio substantiva do labor filolégico, o seu caréter erudito; na fungio adjetiva, etapas da investigacio literdtia; e na fungio transcendente, a vocagio ensaistica do fildlogo, em busca da histéria da cultura, 4. AS FORMAS DE REPRODUGKO DE UM TEXTO Exposta, assim, a parabola da investigacéo filolégica, em que a reconstituigio textual corresponde & etapa mais impor- tante da fungéo substantive da Filologia, vejamos agora os procedimentos que requer a edi¢io de um texto, seja cle manus- Grito, seja um texto impresso. Editar um texto consiste em reproduzi-lo, E quatro sio as formas de reprodugio de um texto LL. Reproducio mecénica. & a que se faz por procedimentos ‘mecinicos, isto é, através da fotografia, da fototipia (ou helio- tipia), da’ xerografia. A fotografia do texto é o fac-simile, que (i) Na sua 14 edigfo Américo Gastro havia dado titulo, dife- rente ao seu livro: Eipaha en su historia, Cristianos, moos y judios. Buenot Aires, Editorial Losada, 1948 7 reproduz com muita fidelidade as caracteristicas do original: © formato, o papel, as ilustragées, as matgens, até a cor e 0 tamanho. A impresséo anastética é um método também que permite, assim como a homeografia e a isografia — seus pro- cedimentos afins —, a reprodugio fac-similar de obras impres- sas ou velhas estampas. Inventado em 1844 pelo litégrafo alemao Rodolf Appel, € um processo utilizado ainda em nossos dias, especialmente na reprodugio de obras do passado, cuja composigao tipogréfica demandaria hoje muito tempo e material especializado. Enfim, a reproducio fotogréfica, xerogréfica, do original resulta no chamado fac-simile; dai a denominacio de edigio fotomecinica ou fac-similar. Ainda que a reproducio pelos meios mecénicos possa ser das mais fis possivel, nem sempre € ela a forma viniea deve: jdvel, pois, na reproducio de manuscritos antigos, especial- mente de épocas cuja escritura exige a interpretacio_ paleogré- fica, no rato o estudioso teria de enfrentar dificuldades de Ieitura do texto. As edigdes facsimilares poderiam, portanto, ser compulsadas apenas por um niimero diminuto de especia listas. E por isso que muitas vezes a reproducio diplomitica do original ainda tem a sua utilidade. Por outro lado, a re- producio fotogréfica, por mais requintada que seja a sua técnica, do substitui completamente 0 original, pois no nos dé conta do material empregado, da mudanca de tinta, das rasuras ¢ das manchas, que possam existir no original, pormenores de muita utilidade na sua compreensio — s6 possiveis através do exame direto do mesmo. 2. Reproducao diplomitice. Esta consiste numa reprodugio tipogréfica do original manuscrito, como se fosse completa ¢ peifeita’cépia do mesmo, na grafia, nas abreviagées, nas liga- duras, em todos os seus ‘sinais e Iacunas, inclusive nos etros € ras passagens estropiadas. A transcrico’diplomética jé implica uma interpretagio do texto nos seus aspectos paleogréficos. Muito embora ‘a importincia da simples reproducio diplomé- tica de um texto tenha hoje diminuido em face dos procedi- mentos fotogréficos, a sua utilidade nfo pode ser contestada. Aqueles que pretendam apurar textos poéticos de trovadores que figuram no Cancioneiro da Vaticana, por exemplo, nio podem dispensar a utilizagdo da edicdo diplomética do Cédice realizada por Etnesto Monaci. Entretanto, recomendase que uma edsio diplomfvca se faga acompanhar dos facsimiles do original. 78 3. Transcrigéo diplomatico-interpretativa. A transctigio pu- ramente diplomética jé constitui uma forma de interpretagio do original, pois elimina as dificuldades de natureza peleogré fica suscitadas pela escritura; a transcricao diplomdtico-inter. pretativa (ou semidiplomética) vai mais longe na interpreta Ho do original, pois jé representa uma tentativa de melhora mento do texto, com a divisio das palavras, 0 desdobramento das abreviaturas (trazendo as letras, que nfo figuram no ot ginal, colocadas entre parénteses) ¢ as vezes até com pontuagiio. A edigio do Cancioneiro Colloci-Brancuti (hoje denominado injustamente Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa) realizada pelo casal José Pedro Machado ¢ Elza Paxeco Macha do (Lisboa, Revista de Portugal, 1949-1964, 8 v.) € um exem- plo de transcrigio diplomético-interpretativa. Além destas formas de transcrigfo, podese falar ainda numa transcri¢io paleografica, mais perfeita que a propria re- produgio facsimilar do manuserito, porque esta nfo nos dé conta de certas particularidades do texto ¢ do material, que 86 0s procedimentos de um hébil paledgrafo podem denunciar ‘Assim, a monumental edigdo critica do Cantar do Cid realizada por Menéndez Pidal foi antecedida de uma edicao paleogréfica do tinico manuscrito existente do poema, e no qual se descrevem minuciosamente todos os pormenores de natureza_caligréfica redagio primitiva, corregdes e mintisculos sinais introduzidos pelos revisores subsegiientes do manuscrito, 0 recorte diferente de letras ¢ as tintas utilizadas, a sobreposigéo de duas escritas, retoques feitos em épocas diferentes, um sem-niimero de pe- culiaridades do texto, conseguidas principalmente A custa de reativos quimicos. Por isso mesmo diz o fildlogo: “Mi edicién se funda en la distincién previa de varias manos de corretores que alteraron lo que Per Abbat habia escrito, y aspira a reflejar ‘el estado primitivo del cédice.” ! 4. Texto critic. Um texto é denominado critico quando esta- belecido segundo as leis e as normas da critica textual. O texto assim apurado, que resulta na chamada edi¢ao critica, & 4 reprodugio mais correta possivel de um original, numa tenta- tiva de’ alcancar com a maior fidelidade imaginivel a lima forma desejada pelo seu autor. A realizagio de uma edicéo (1) Cantar de mio Cid. Texto, gramftica y vocabulario, 4 ed., Madrid, Espasa-Calpe, 1969, 3 v., v. IIT, p. 908, Per Abbat € 0 copista da redagio primitiva’ do cantar. 79 ctitica exige do editor ndo s6 conhecimentos especializados de critica textual ou edética, mas habilidade, muito estudo e certa dose de intuigio critic Donde se conclui que: para realizarmos uma edigéo foto: mecinica, & suficiente ser um bom fotdgrafo ou técnico em servigos fotomecinicos; para a edigio diplomética de um texto manuscrito, basta conhecer “a ciéncia paleogréfica; mas para chegar a uma edicio critica 0 editor precisa ser muito mais do que um fotégrafo ou conhecedor de paleografia: precisa set fildlogo. A edicéo critica tem por finalidade restituir ao texto a sua genuinidade, facilitar a sua leitura, torné-lo inteligivel, valori- zélo © permitir & critica literéria 0 exercicio tranqiiilo de sua tarefa, Poderiamos dizer, até, que a seriedade da critica lite- rétia se mede pelo tipo de edigao de texto que utiliza. S6 um texto candnico, definitivo, estabelecido pelos procedimentos técnicos e cientificos da edética pode oferecer seguranca 20 ctitico literdrio. Até hoje a critica literdria brasileira nfo teve condigées de uma interpretacio e avaliagdo da obra poética de Gregério de Matos, porque nio foi realizada ainda uma edi¢io critica do seu cancioneito. As edigdes completas que dele correm (a da Academia Brasileira de Letras, realizada por Afrinio Peixoto, ¢ a da Editora Janaina, da Cidade da Bahia, empreendida por James Amado) nao constituem edigdes criticas pois nelas nfo foi feito 0 cotejo critico dos eédices existentes Restituir o_texto_i_sua_genuinidade significa apraximé-lo © mais possfvel da hima vontade do séu autor; facilitar a sua lejtura consiste em torné-lo legivel através das normas da res taurago, no caso de o texto haver chegado até nés corrompido ou adulterado, por omissdes, rasutas, interpolagées, correcoes intencionais, distragdes involuntérias, ‘erros tipogrdficos (se 0 texto é posterior & invengio da imprensa), enfim — defeitos ¢ deturpagées de toda ordem; torné-lo inteligivel ¢ interpre- télo, pontuando-o racionalmente ¢ clucidando as alusdes de cordem geogrifica, histérica, mitolégica, isto é, com 0 auxilio das disciplinas subsidiérias da Filologia; a valorizagio do texto consiste em situar a sua importincia no tempo e na carreira Titerdria do seu autor. evidente que toda ¢ qualquer restauragio de um texto pressupde do editor uma soma razodvel de conhecimentos, além de uma sensibilidade especial para penetrar no mundo ‘extra- literal que 0 prdprio texto sugere. O mesmo ocorre com a 80 restauragio de pecas artisticas do passado: 0 quadro da Gio conda de Leonardo, por exemplo, foi restaurado por especia- listas da arte do Renascimento:'na sua pintura, nas_ cores, inclusive alterado no seu tamanho, pois se suprimitam 7 centf metros dos lados do quadro. O trabalho do restaurador pode set realizado pelo melhor pintor; mas para tal recuperagio é necessitio um profundo conhecimento da pintura, da técnica na manipulacdo das tintas, do espirito da época em que 0 qua dro foi composto. Suponhamos que o restaurador acrescentasse ao quadro de Leonardo as sobrancelhas que faltam no original; que atenuasse ou até climinasse 0 sortiso esbocado nas co- missuras da boca; diminuisse a altura da fronte depilada, ou adelgacasse 0 arredondado do dorso das mios, etc. O restau. rador estaria contratiando o espirito da época na concepcéo do retrato feminino ¢ demonstrando desconhecer que a Gio conda € uma simula dos. princfpios estéticos expostos por da Vinci no seu Tratado da Pintura. O fildlogo que pretenda esta- belecer a edi¢éo critica de uma obra do. passado precisa de seguros conhecimentos da lingua, da cultura, do pensamento, da arte, da histéria, das téenicas de composigdo vigentes na época em que a obra foi escrita Logo: uma edigéo critica no € um trabalho mecdnico, mas metédico. Ainda que Karl Lachmann jé tivesse consciéncia de que nio se poderiam aplicar normas absolutamente_inflexiveis no estabelecimento ctitico de todos os textos, Michele Barbi insistiu muito na “individualidade dos problemas”, procurando mostrar que 03 problemas mudam de obra para obra, e para cada caso 0 fil6logo deve adotar técnicas proprias de trabalho; nenhuma edigio se faz sob modelo: todas as operages so me- t6dicas, em atengio a época, a0 autor, a0 Tugar e as circunstin- cias em que a obra foi elaborada. “Todo texto tem 0 seu problema critico, todo problema tem a sua soluglo” — diz Barbi! Nao existe — afirma Giorgio Pasquali —uma receita universal para a edigio critica? Isso nao impede, entretanto, que haja certo nimero de normas gerais que sio sempre obser- vvadas no estabelecimento eritico de um texto. Sio essas normas © objetivo do presente manual. (1) V. @ judiciosa introdugio de M. Barbi a La nuova filologia ¢ Uedisione dei 'nostré seritori da Dante @ Manzoni, Firenze, Sansoni, 1973, pp. VIE-XLL (2) Storia della tredizione critica del testo, Pref, p. XI, 81 Fro. 82 0-36 MTree se Por la copia del cavalo en tira lo echo. ‘Aff fo tenien tas yentes que mal fer ef de muert. EI dezo la langa al efpada metio mano ', (Qrando lo vio Ferrangocaler, conuvo” aTizon; Aates que el cope efperafe dixo: « vengu fo.» 1 Morgaron gelo le eles, Pero Veemucs le dexo. Martin Antolines & Diego Gongale frierom fe delas lana; ‘ales fueron tos colpes que les quebraron amas Marin Antolines mano metio al efpada, Relumiva tod el campo, tanto ef linpia & cara; ste Diol yn colpe, de (auto tomava, El eafeo de fomo apart geo echava, I.as moncluras del yelino todas gelas cortaua, Alls teuo el almofar, fata Ia cofia legau Fa cof # el almofae to pelo leunsa, ns» Ral los pelos dels eabega,biow la earne Joga"; Lo vna caye ene! campo & lo al alo incase (Quando eftecolpe a feria Colas In previa, Vio Diego Goncatez que n9 efeapare com el alma alu I alenda al eauall por toenatfe de cara; ‘sm Ellora Martin Antoine negibio! com et efpada, Vn calpel dio de lao, com lo ago nol toma Daagongaler e(pads Gene en oo, mas nals En layaua, ne Flora el yfante tan grandes wares dacs ss.

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