Anda di halaman 1dari 20
TRADUCAO “Publicado orginaimente na Pacific Sociological Review, Fall 1962,67-74, come titulo Sociology as an art form. Postetiormente, no fivo Tradition and revolt. historical and sociological es- says, NYork, Vintage Books, 1970, *Professoras do Departamento de Sociologia da FFLCH - USP eesponsdveis pela disciptina de Métodos e Técnicas de Pesquisa if do curso de graduagdo.em Giéncias Soctais Plural; Sociologia, US®,S. Paulo, 7:11 A sociologia como uma forma de arte’ Robert A. Nisbet Tradugdo de Syivia Gemignani Garciat* Revisdo de Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins** Restumo: A sociologia, como toda cine, é também unna forma de arte, Dis- tintas quanto aos modos de expresso, ciéncia e arte possuem afinidades substanciais: ambas operaum com o mesmo tipo de invaginago eriativa e bus- cam a beleza ¢ a vendade, Argumentando em tomo dessa idgia central, Ro- bert Nisbet considera os cientistas-anistas curopeus dos séculos XVII ¢ XVIII, 0 pioncirismo da ante na expressio de translommagies sécio-culturas € ddopoimentos de vientistas cnntemporincos sobre © provesso eriativo na ciéncin, A histrica distingzo entre uma ciéncia metédica, puramente racional ¢ en pirica, capaz de cheyar & verdade, ¢ uima arte excéntrica e inspirada, est Camente movida pela busca da beleza, é produto da modemnidade pos-dupla fevolugao: a primeira ligada 2 associagGo entre ciéncia e tecnologia: a se- gunda a rejeigdo romantica do mundo industrial. A distingzo cit origem & arte omamental ¢ 4 cigncia apticada ¢ prestadora de servigus que caracte zam 0 séeulo XX, com profundos efeitos sobre a produgdo socioldgica. Baseado na tese central de seu Formacdo do pensamento saciolégico (1966), Nisbet opdc as afinidades humanisticas ¢ romanticas da sociologia clissiea a0 predominio do empiricismo e do formalist metodol6gico da sociotogia cicntificista que se expande a partir dos Eslados Unidos. Como ‘outros socidlogos erticus desde fins da déeada de 50, Nisbet langa mio da sociologia chissica para analisar ~ ¢ rejeitar - as vertentes ciemlificistas da sociologia contemporiinea em um texto obrigatério para a compreensio do desenvolvimento histGrico da disciplina e de uma das principais vertentes ‘que se enfrentam em seu interior em torno da defini do perfil da forma- 430 e da produgio sociokigicas ao longo de sua historia Palavras-chave: cisneia, arte, Sociologia clés :3, ociologia contemporinea 130, 1° seen. 2000 un I A sociologia como uma forma de arte ober Naber dmito desde logo que, tanto por temperamento quanto por formacdo académica, sempre estive mais interessado nos nGo-usos da nossa disciplina que em seus usos, Admito, além disso, acreditar que as teorias deveriam ser testadas tanto por sua abrangéncia como por sua compreensio, sua importincia tanto quanto sua validade € sua elegancia tanto quanto sua con- gruéncia com fatos tais como os que temos & mao. E minha maior convicgio que a Sociologia faz seus avancos intelectuais mais, ficatives sob © impulso de estimulos e através de processos que partilha extensamente com a arte; que, sejam quais forem as diferengas entre a cigncia e a arte, 60 que elas tém em comum 0 que mais importa para a descoberta e a criatividade. Nada do que eu digo significa que a sociologia nao seja uma ciéncia. Dados os meus propésites, estou bastante inclinado a colocar a sociologia na mesma linha da fisica e da biologia, apli- cando, para cada uma destas, a esséncia do que eu digo sobre a sociologia. Cada uma delas é de fato ciéncia, mas é também uma forma de arte e, se nos esquecemos disso, corremos 0 risco de perder a ciéncia, restando-nos apenas 0 empiricismo exagerado 0u 0 narcisismo metodolégico, cada uma deles tao distante da cién- cia quanto a arte esta dos outdoors. Meu interesse pela sociologia como uma forma de arte foi recentemente estimulado por algumas reflexdes sobre idéias que estiio, reconhecidamente, entre as mais distintivas contribuigdes da sociologia para 0 pensamento moderno. Deixem-me citar as seguintes: sociedade de massas, alienagdo, anomia, racionaliza- edo, comunidade, desorganizagdo. Falarei mais sobre essas idéias € seus contextos um pouco mais tarde, Por ora, é suficiente notar que todas elas tém produzido efeitos duradouros tanto sobre 0 ca- rater tedrico quanto empirico da sociologia. E todas elas t&m exer- cido notavel influéncia em outros campos do pensamento cientifi- co e humanistico. Ocorreu-me que nenhuma dessas idéias resulta historica- ne Plural; Sociologia, USP, Paulo, 7:111-130, ° sem, 2000 ‘A sociologia como uma forma de arte Robert & Nisbet mente da aplicagdo daquilo que, hoje em dia, chamamos com sa- tisfagdo de método cientifico, Se existe evidéncia de que qualquer uma dessas idéias, tal como foram primeiramente expostas nos escritos de homens como Tocqueville, Weber, Simmel e Dur- kheim, € 0 resultado do pensamento-que-resolve-problemas (pro- blem-solving thought), que vai rigorosa © conscientemente da questo 4 hipétese e dai a conclusio verificada, sou ineapaz de descobrir. Ao contrério, cada uma dessas profundas ¢ seminais idéias poderia ser vista como a conseqiiéncia de processos inte- lectuais que tém muito mais relagio com o artista que com o cien- tista, tal como este tiltimo tende a ser concebido pela maioria de niés. Se deixurmos de lado os processos de intuigio, impressioni mo, imaginagao icénica (a frase & de Sir Herbert Read) e até ob- jetivacdo, parece improvavel que qualquer uma dessus id tie vesse chegado a influenciar geragdes de pensamento e ensina- ‘mentos subsequientes. Sem diivida, para alguns, essa conclusio, se é que é plau- sivel, parecerd estar colocando ancesirais confidveis sob suspeitas despreziveis: como a descoberta de uma crianga de que seu pai membro da sociedade John Birch ou de que sua mie € uma des- cendente dos Jukes ou Kallikaks, Ela pode lembrar, também, a de- monstragio gratuita que um antrop6logo faz para um informante pentecostal acerca das origens totémicas da Cristandade. Mas dei- xemos para mais tarde o comentirio acerca desse aspecto de nos- 30 objeto, voltando-nos, por alguns momentos, para uma questo mais fundamental e abrangente — 0 habito de tratar a ciéncia como se ela fosse substantiva e psicologicamente diferente da arte. Trata-se de um habito profundamente enraizado mas, de modo algum, universal na histéria do pensamento moderno. Nao precisamos ir além da Renascenca para descobrir uma época na qual arte e ciéncia eram geralmente vistas como manifestagées di- ferentes de uma mesma forma de consciéncia criativa. Sabemos que Leonardo da Vinci pensava em suas pinturas e em seus enge- nhosos trabalhos em fisiologia e mecinica como, igualmente, arte tipo de pensamento € até 0 resultado, em cada um, Plural; Sociologia, USP, Paulo,7:111-130, 1° see. 2000 3 no parecem significativamente diferentes dos do outro, E, trés 8 sadologia como uma forma de arte séculos mais tarde, Goethe parece haver sentido do mesmo modo, "e's" Ele nfio supunha que um tipo de pensamento operava enquanto estava eserevendo 0 Fausto e outro durante suas memoraveis in- quirigdes por geologia ¢ botinica. Tanto na Renascenga como no Tuminismo, uma distingio radical entre arte e cincia seria in- compreensivel. Quando, entiio, teve lugar a mudanga que produziu auto- conseiéneia no cientista e no artista to parecida com aquela de Addo ¢ Eva apés a Quedu? Assim como algumas outras coisas que nos perturbam, penso que foi no século dezenove. Comegan- do com os movimentos sociais gerados pela Revolugdo Francesa, ¢ intimamente relacionada com os processos de divisio do traba- Iho introduzidos pela revolugio industrial, encontramos, no sécu- lo dezenove, uma tendéncia crescente de imaginar que o artista e © cientista trabalhavam de maneiras diferentes ¢ até antag6nicas enire,si. Gilbert and Sullivan estavam apenas dando expressio If rica Aquilo que todos sabiam quando escreveram que o cientista & “um jovem simples, um alfabético, aritmético jovem comum” en- quanto o artista é “um jovemn excéntrico e louco, um ultrapoético, super-estético, extraordinério jovem”, No final do século dezenove, desenvolveu-se na arte a vi- so de que a criagio funciona através de certo processo inescrutd- vel, chamado génio ou inspiragio, e nunca através do trabalho técnico e experimental. Podemos ver isso claramente no Roman- tismo ¢, especialmente, no “fin de sidcle”. Associado a esse este- reétipo havia outro, igualmente fundamental, de que o artista no esté preocupado com a realidade ou com a verdade, mas apenas com a beleza ~ infinita, supraterrena beleza. E, formando 0 con- texto em ambos os casos, estava a visio fatal do papel do artista na sociedade. Longe de admitir qualquer continuidade com, ou dependéncia da sociedade, o artista romfntico enfatizava, ao con- Irario, a distancia entre cle e a sociedade, procurando em fugas solitdrias 0 remédio que seus antepassados medievais e renascen- tistas haviam encontrado no companheirismo e no propésito social ua Plural; Sociologio, USP, $, Paulo, 7:111-130, 1° sem. 2000 A sociologia como uma formadearte Bobet A Wisber Sua rejeigdo do mundo que estava sendo criado pela revolugio in- dustrial era total. Mas enquanto a arte tornava-se mitificada dessa maneira, a ciéncia estava sucumbindo a um outro mito, de cariter inverso e de igual influéncia na visio popular. Tratava-se do mito, nao da inspirago, mas do método. Aqui, como no caso da arte, estamos tratando com algo relacionado & revolugao industrial. Mas, en- quanto a arte era em geral repelida pela nova sociedade industrial, a.ciéncia era virtualmente absorvida por ela. Assim como a indiis- tria comegou a dominar a tecnologia, a tecnologia dominou a cign- cia, fazendo dela nio mais 0 que havia sido por séculos, fund mentalmente a atividade da mente reflexiva, mas uma profissao governada pelos cédigos e critérios do servigo, tal como o direito, a engenharia ¢ a medicina As novas universidades, tanto na Europa como na Amé ca, deram imenso impeto a cincia mas, em larga extensdo, a cién- cia do tipo aplicado. Nos Estados Unidos, a ascensio dos colégios Land Grant, baseados em seus primeiros anos num persistente profissionalismo, foi um enorme passo para a unido da ciéncia com a industria € para 0 cultivo do estereétipo de que a ciéncia, como a indistria, € pritica, 0 extremo oposto da arte. As “artes, meciinicas" tornaram-se, por muitas geragSes, a principal concep- gio para tudo que era cientifico, imprimindo sua marca ao tipo de cigncia feito e respeitado por todos. Foi Thomas Edison quem se tomou o arquétipo do cientista nos Estados Unidos, Um Wil- lard Gibbs foi simplesmente ignorado. Gradualmente espalhou-se a idéia de que a ciéncia, dife- rentemente da arte, flui através dos mesmos canais metédicos sistemidticos que os neg6cios ou 0 direito ou a medicina. Sentia-se que 0 crucial nio era a reflexito livre, a intuigdo e a imaginagio, ‘mas a rigorosa aderéncia aos procedimentos, A maquina na fabri- ca havia provado que a habilidade poderia ser transferida do ho- mem para a tecnologia, fazendo da engenhosidade humana um item dispensavel. Nio poderia o método ser andlogo da maquina? Muitas geragdes de americanos pensaram que sim, escolas ¢ colé- Plural; Sociologia, USP, .Paulo,7:111-130, 1° sem, 2000 us gios ficaram cheios de estudantes aprendendo fielmente 0 que se 8 s0ciolagia como uma forma de arte pensava ser o método cientifico — ndo, infelizmente, como uma FPA Nsbet ajuda ao raciocfnio, mas como um substituto dele. Dado 0 carter esmagadoramente pritico e metédico da ciéncia americana, ndo surpreende que, por muito tempo, os euro- peus tenham olhado para ela com pouquissimo respeito. 8 uma generalizagio segura que se nao fossem os institutos europeus, para os quais cada vez mais americanos foram para realizar estu- dos avangados, adquirindo assim uma concepgiio de ciéncia mais verdadeira, a ciéncia americana nunca teria saido de sua concha de mediocridade itil. Nao hi diivida de que havia aqueles com a mesma mentalidade na Europa, especialmente na Inglaterra; aque- les para os quais a ciéncia era uma profissio, submetida e limita- da por regras e técnicas. Mas na Europa, onde a tradigiio humants tica era mais forte, resultado de um passado muito mais velho, pré-democratico e pré-industrial, e onde uma mente da estatura de Faraday péde rejeitar para si mesmo o titulo de fisico, preferindo 0 de filésofo, ¢ foi compreendido e honrado por isso, havia me- nos possibilidade de a ciéncia vir a atolar-se em método e técni- ca insatisfatérios. 1 pior resultado da separagdo entre arte e ciéncia no sécu- lo dezenove nio € 0 da interpretagao histérica. E crenga presente em muitas salas de aula e muitos laboratérios que os objetivos, as- mM como os processos de pensamento, so diferentes. Em sua pior versio, essa visio nos diz que apenas a ciéncia preocupa-se com a realidade; que a fungio da arte € simplesmente excitar os sentidos em um tipo de busca sem rumo do ornamental e do agra- daivel para os olhos. Nada poderia estar mais distante da verdade. Qualquer forma de arte que é séria, 0 romance, 0 poema ou a pintura, preo- cupa-se, primeiro e antes de tudo, com a realidade. Ela esta inte- ressada em iluminar a realidade e comunicar de algum modo essa luz para os outros. E com isso, basicamente, que a ciéncia — em 116 Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7: 111-130,1° sem. 2000 Asociologla como uma forma de arte Rober A Nisbet © READ, Sir Herbon Bs Arr wad Society, London: W. Heinemana, 1937, pp. x2 contraste com a tecnologia — se preocupa. Eu ouso afirmar que hi mais em comum entre Picasso € Bistein - quanto a objetivo, i piragdo e modo de realizaco— que entre Picasso e, digamos, Nor- man Rockwell ou entre Eistein e qualquer um dos frios pratica tes do que A.N. Whitehead chamou uma vez “empiricismo érido”. ‘Ambos, artista e cientista, sio movidos pelo desejo de entender, de interpretar ¢ de comunicar sua compreensio para 0 resto do mundo. O artista, digamos em alto e bom tom, ndo esté interessa- do em decoragio, ¢ é somente porque ndo-artistas tém trabalhado como se ornamentagiio, reminiscéncias tolas e excitagtio dos olhos fossem os maiores fins da arte, que muitas pessoas ainda se en- contram accitando ou rejeitando o trabalho artistico largamente em termos de se € ou nao bonito para os olhos. Por certo a arte pode ser bela, mas ndo se toma a beleza como seu prineipal fim. Assim, & preciso lembrar que a ciéncia pode ser bela, embora nin- guém suponha que até mesmo um matemético é, fundamental- mente, impulsionado pela busca da beleza “A natureza essencial da arte”, escreveu Sir Herbert Read, “seré encontrada nao na produgio de objetos para satisfazer ne- cessidades praticas, nem na expresso de idéias religiosas ou filo- séficas, mas em sua capacidade de criar um mundo sintético ¢ consistente; um mundo que nao é 0 das necessidades ¢ dos dese- jos priticos, nem o dos sonhos ¢ da fantasia, mas um mundo com- posto dessas contradigdes; uma convincente representacao da to- talidade da experiéncia; um modo, portanto, de contemplar a per- cepgiio individual de algum aspecto da verdade universal. Em to- das as suas atividades essenciais a arte esté tentando nos dizer algo: algo sobre o universo, sobre a natureza, sobre 0 homem ou. sobre o préprio artista... E apenas quando nds reconhecemos cla- ramente a fungao da arte como um modo de conhecimento para- lelo a outros modos, através dos quais © homem chega a um en- tendimento de seu ambiente, que podemos comegar a apreciar sua significago na histéria da humanidade”.' O interesse do artista na forma é 0 interesse do cientista na ociotogia, USP.S.Paulo,7:111-130, 1 sem, 2000 a7 estrutura. Em cada um, o desejo de visio e entendimento € domi- A sociologia como uma forma de arte nante. Cada um trabatha empiricamente: luta para comunicar sua "4 Nsbet descoberta através de um padrdo ou uma estratura formal que re- quer técnica para ser dominado. Vale a pena notar que a palavra “teoria” origina-se da mesma raiz grega da palavra “teatro”. Ela significa, basicamente, olhando fixamente para, contemplacio. Esti ligada & palavra imaginagio — ou seja, literalmente, interna lizar 0 mundo extern em uma imagem que a mente retém com tenacidade, Em suma, arte e ciéncia dependem, ambas, da cupaci- dade de se distanciar ¢ da habilidade de abster-se de compromis- sos. A esséncia de cada uma delas, escreveu Santayana, “é a cons- tante contemplago das coisas em sua ordem e sou valor.” Na verdade, cigncia e arte tiveram uma relagdo cultural profundamente importante na maior parte da histéria humana. Eu- gene Rabinowitch, ilustre quimico e editor de ciéncia, escreveu recentemente algumas palavras que deveriam ser afixadas em toda sala de estudo. “A evolugdo da mente humana & um proceso tinico que se revela com diferente intensidade, diferente claridade e diferen- te ritmo ~ em suas virias manifestagdes — na arte, na ciéncia, na filosofia, no pensamento social e politico. E como uma fuga, ou um orat6rio, no qual diferentes instrumentos ou vozes entram al- ternadamente. A voz. do artista 6, muitas vezes, a primeira a res ponder, O artista € 0 individuo mais sensivel na sociedade. Seu sentimento de mudanga, sua apreenso das coisas novas que e: por vir, € provavelmente mais acurado que o do pensador cientifi- co, racional, que se move lentamente, E na produgiio artistica de um periodo, mais que em seu pensamento, que se poderia procu- rar as sombras que anunciam os eventos que estilo surgindo, como uma antecipagio profética. Eu niio quero dizer a previsio dos eventos futuros, mas, mais que isso, a revelagiio, na estrutura da produgiio artistica, das atitudes mentais que apenas mais tarde tor- nnar-se-io aparentes em outros campos da utividade humana, Por- tanto, o desmantelamento iminente da ordem existente das coisas, do sistema de valores geralmente aceito, pode ser — e constante- ne Plural; Sociologia, USP, 5, Paulo,7:111-130, 1° sem, 2000 ‘Asociologia como uma forma de arte olsen A Nisbet FRABINOWITCH, Eugene: “ntegral S tence and Atonnizes An Bullen of the Atomic Seientists, 45 (February. 1959), 1p, 664, Tado 0 volume & organizado em torn do teina cignvia e arte e eontém alguns dos mais perspicazes escritos ‘anto de cientistas como de artista. Pat- ticularmente valiosos s30 os de Rabi- nowitch, Marston Morse, Carl Holly & Manin Kamen ¢ Beka Doherty. Alguns prolongades, se nio sistemati- ‘cos, questionamentas pessoais de cien- tistas sugereis-ne que hi una estraili- ‘cago do aevitagdo do elemento arti fa cigneia eriativa, Matemiticas e fisi- 95 tedrivos, olualinente em aia no sis- tema de status da cineia modoma, ten dom 2 accitar inediatamente 3 rwalidade dos elemestos intuitivos ¢ no-I6gicos nna descoberta cientifiea, Bo mesino modo. 3 maior parte daqueles que esta0 trabalhando cm reas. relativamente nova ¢allamente critivas como biol Geslogos, hoje e ferfrquica da cidne ‘parecein as menos dispostos a acvitar ou ceatender 0 elemento anistico na ci fombora eles tenham muita companhia has reas mais formalizadas e estabi lizadas de owas neluindo a biologia, a fisiea e a qutiniea. Nas cin cias do comportamento, geralmente. hi ‘una insistGncia muite maior no igor e na légica do méiodo ~ € preoeupag? ‘como prdprinigiodo ~ bo que nas cies mente 0 6 ~ reconhecivel primeiramente em uma revolla contra os valores ¢ cnones que vinham dominando a criagio artistica; uma revolugiio na arte precede a revoluco na sociedade.”? Repetidamente, a hist6ria do Ocidente tem mostrado que tais palavras so verdadeiras. Historiadores da cultura européia antiga ou moderna tém enfatizado o papel diretivo desempenhado pela mente do artista: como as imagens filoséficas cientificas do homem foram precedidas por aquelas que sio vistas primeira- mente no teatro, no soneto, nat pintura ou na escultura. Isso tor- nou-se uma verdade viva para mim, pela primeira vez, hi muitos anos, enquanto eu visitava a grande galeria Uffizi, em Florenga Aqui € possivel acompanhar, sala apés sala, representando época aps época, as imagens do homem na Europa Ocidental desdo- brando-se historicamente: das espirituais, quase misticas € trans- cendentais representagdes do homem encontradas nos Italianos Primitivos, pasando por manifestagdes transitorias que so a um tempo divinas e humanas em sua aparéncia, até os homens e mu- theres da Renascenga e do Barroco, francamente humanos, auto- centrados ¢ esmagadoramente (errenos. Trata-se de um desenvol- vimento que claramente precede transigdes anilogas de imagem na filosofia ¢ na ciéncia, Foi a arte com sua visio icénica veloz ¢ abrangente que construiu a ponte do ascetismo e corporativismo medieval ao humanismo moderno; do organismo ao obsessivo problema da relagiio do homem com a sociedade € os valores. Foi de fato na Renascenca ~ ¢ 0 que mais foi a Renascen- ga seniio a concepgiio do homem e da sociedade como obras de arte? - que a visiio modema veio a existir. Trata-se de uma visio que vem sendo modificada de inémeras maneiras ~ ora enfatiza- da, ora vulgarizada; ora com forma trigica, oru trivial; Xs vezes enobrecida, as vezes denegrida ~ mas nunca realmente mudada desde o fim do século catorze na Italia, Se 0 objetivo foi a cons: teugiio de uma catedral ou de uma ponte, o plano de uma tapeca- ria ou uma viagem para as Indias, a formagiio de uma guilda ou o proprio Estado, o homem da Renascenga viu 0 mundo a sua volta a partir do vantajoso ponto de vista do artista-cientista; nao algo Plurat; Sociologia, USP, 5. Paulo,7: 111-130, ° sem. 2000 uy para ser reverenciado ou para manipular, mas para entender ¢ do- minar assim como Michelangelo dominou o marmore que ele tra- balhou ou Marco Polo a rota para Catai Os problemas ¢ as respostas que formam o nticleo da cul- tura moderna sao 0 trabalho, ndo dos Uteis da sociedade, mas dos Visiondrios, daqueles que se perdem em conjecturas € que, sem saber para onde estio indo, vio por isso mais longe. O mesmo im- pulso para a realidade e sua comunicagio dirigiu Michelangelo tanto quanto Maquiavel - 0 primeiro para 0 majestoso Davi, 0 se- gundo para o Estado Renascentista — cada um dos quais um pro- duto do artista-cientista, dade basica entre 9 artista ¢ 0 cientista 6, como 0 ftico Marston Morse disse-nos, psicolégica e espiritual: “O primeiro lago essencial entre a matemitica e as artes encontra-se no fato de que a descoberta em matemética nfo é uma questiio de légica, E, antes, 0 resultado de poderes misteriosos que ninguém entende nos quais o reconhecimento inconsciente da beleza deve desempenhar uma purte importante, Entre uma in- finidade de planos 0 matemiitico escolhe um padrio por causa de sua beleza e coloca-o em terreno firme, sem que ninguém saiba como. Depois disso, a légica das palavras e das formas ajusta 0 padrdio de modo ordenado. Somente entio pode alguém communi ciclo a outra pessoa. O primeiro padrio permanece nas sombras da mente.” * Essas sto palavras importantes, palavras candentes. Elas deveriam estar afixadas na entrada de todo semindrio metodolégi- co como uma profilaxia contra o pedantismo. Muitos sociélogos tém assumido que, porque o pensamento cientifico é, por defini gio, racional e légico em sua expressio, seus caminhos psicol6gi- cos devem ser, portanto, limitados aos processos estritamente em- piticos ¢ légicos. Somente é cientifico — e assim avanga 0 folclo- re do cientificismo — aquilo que procede de um problema delimi- tado precisamente e sem ambigitidade, delineado a partir de dados estatisticamente assépticos, chegando a uma hipétese cuidadosa- mente elaborada. Tudo o mais é, por definigao, arte ou filosofia. E A Sociologia como uma forma de arte ober A Nisbet 9s pelagogos cometain mais erros que 1s anmieopdlogos, entre os quais seinpre sobressairamse artistas ousados © que ‘em, como uin todo, despendido a menor quantidade de tempo em toro de questdes de metodologia abstrata, De forina similar, como minha experigncia indica, a aeeitagdo do clement artistico na cigncia parece seguir a curva da dis- tingle pessoal. Soube que um ganhador do prétalo Nobel, un quimico, deixando {de lado 9 métod, desereve a descaberta cécntfica como “um estupro seguide de seduyao" MORSE, Marsion; "Mathematics and the ‘Ans". Bulletin of the Atomic Scientists, ‘pit pp. 56:57. Dois recenes estudos lerérios mostraram, corn impressionan- te imaginagio © sabedoria, como desrazio ¢ razio, inconseiente ¢ cons: ciente,intuigao e hipétese tém erabalha- do juntos historivamente. Ver Wayne Shumaker, Literature and the Irvasional, New Jersey: Prentice-Hall, 1960, ¢ Emest Tuveson, fmagiuaion asa Means of Grace: Lucke and the Aesthetics af Romanticism, Berkeley: University of California Press, 1960. 120 Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7: 111-130, 1° sem, 2000, Asociologia como uma forma de arte Robert A Nisbet dificil pensar em um meio methor de se fazer a apoteose da roti- na ¢ do insignificante, £ claro que a ciéncia preocupa-se com problemas, com questdes enraizadas na observagiio empirica tanto quanto na refle- xio. Como o artista, 0 cientista esta interessado em entender 0 ‘mundo em torno dele ¢ em descobrir relagdes significativas. Mas da grande e incontestdvel verdade que o pensamento cientifico esti fundamentalmente enraizado em uma preocupagdo com 0 desconhecido, em um desejo premente de reduzir as tensdes da incerteza, niio se segue que a descoberta cientifica é inteiramente, ou em grande parte, a simples conseqiiéncia do pensamento-que- define-problemas ¢ do pensamento-que-resolve- problemas (pro- blem-defining and problem-solving thought). Tal conclusio tem contribuido bastante para levar a sociologia para areas de estudo escolhidas no em fungio de sua importincia intelectual intrinse~ ca, mas porque, nelas, as metodologias quantitativas podem fun- cionar trangiiilamente. 0 falecido Florian Znaniecki previu, hé uma geragdo, 0 Tumo que as coisas esto tomando. Ele estava referindo-se a influén- cia dos cursos de metodologia que jd entao se manifestava: “Essa influéncia consiste em substituir métodos intelec- tuais por técnicas de tabulagio e, assim, eliminar o pensamento te6rico do processo de pesquisa cientifica... Uma conseqiiéncia pode ser prevista — de fato, jd foi quase aleangada—na medida em que qualquer um que tenha aprendido de cor as varias normas téc- nicas e formulas de estatistica, sem qualquer outra instrugdo, seja ela qual for, € ndo mais inteligente que um deficiente mental, sera capaz de retirar de um material dado todas as conclusdes que a problemutizagao estatistica torna possfvel... O papel do pensa- mento criativo na ciéncia, segundo essa concepeiio, estard reduzi- do a fungao de formular hipéteses para serem testadas por meios técnicos. Mas ns temos observado que as tinicas hipéteses que os estatisticos jé formularam, e que podem formular, dadas as inegd- veis limitagdes de seu método, nao siio mais que generalizagdes superficiais da reflexdo prética do senso comum. Ha pouco lugar Plural; Sociologia, USP S.Pavlo, 7: 111-130, 1® sem. 2000 R21 para o pensamento criativo menos ainda para o progresso cien- tifico nesse tipo de problematizagio.”* Apesar da franqueza de muitos cientistas ilustres ao falar sobre seu trabalho, apesar do que estamos aprendendo sobre 0 proceso de criatividade em geral, ainda hd muita coisa que ndo sabemos sobre como os cientistas chegam aos seus problemas, fa- zem 0 trabalho realmente crucial com eles € alcangam seus in- sights bisicos. Mas 0 que se segue é claro, Considerando tudo 0 que atualmente sabemos, tais problemas € idéias parecem vir fre- giientemente do inconsciente assim como do consciente; de leitu- ras amplas ¢ extrinsecas ou da experiéncia interior, assim como de dados imediatamente visiveis; dos processos desprezados do sen- timento ¢ da intuigdo tanto quanto dos imperativos mais nobres da l6gica € da razao. Creio que podemos formular, portanto, esta conclusio: qualquer coisa que limite 0 campo da experiéncia e da imaginagio, que de qualquer modo diminua as fontes de inspira- ‘¢40, que rotinize os trabalhos da mente inteligente, deve ser olha- da com suspeita mH E tempo de retornar as idéias da sociologia as quais me re- feri no inicio de meu texto. Deixem-me descrevé-las de novo bre~ vemente, pois elas sfio, sem diivida, as mais distintivas e ilumina- doras contribuigdes da sociologia para o estudo da cultura e da so- ciedade. Primeiro, ha a visio da associagdo humana como conten- do processos endémicos de desorganizagao, disfungao, ou seja li ‘© nome que Ihes dermos. Segundo, hi a visio do individuo como alienado c anénimo, Terceiro, hd a perspectiva da comunidade — em contraste com as formas contratuais € racionalistas de relacio- namento — incluindo os conceitos-chave de hierarquia c status. Quarto, temos o grande tema da racionalizagio como um proces- so na histéria e na (otalidade da estrutura da sociedade moderna, Sabemos de onde vém essais idéias: dos escritos de quatro ou cinco mentes extraordindrias do final do século dezenove: Tocqueville, Weber, Simmel, Tonnies ¢ Durkheim. Nao preciso A sociologia como uma forma de arte Robe A Nisbet TZNANIECKI, Florian: The Method of Sociology, New York: Farrar and Rin han, 1934, pp. 234-235. 2 Plural; Sociologia, USP 5, Paulo, 7: 111-130, 1° sem. 2000 A sociologia como uma forma de arte oben A Nisbet 5 Discuii isso mais extensamente em mew “Conservatisin and Sociology". pp. 7 89, Ver tambéin a imtecessante discussie de Leon Bramson em seu The Political Comex of Sociology. Princeton: Prince- {on University Press, 1961. capitulo 1 me estender acerca de suas formulagdes dessas idéias. Estou mais, imeressado nos processos através dos quais as idgias vém a ser: ou seja, os contextos nos quais as idéias sio enunciadas, as tradi- goes das quais clas vém e, se for possivel, os estados mentais por tris das idéias. Obviamente, estamos limitados pelo que pode ser dito de modo positive, mas acredito gue certos pontos so claros. Em primeiro lugar, hé a manifesta descontinuidade dessas idéias na histéria do pensamento social modemo. Nenhuma delas poderia ser deduzida das proposigdes racionalistas do comporta- mento humano que floresceram no Huminismo. A verdadeira he- ranga do Huminismo encontra-se no na sociologia, mas na eco- nomia clissica, na psicologia individual ¢ na ciéneia politica uti- litarista, O que encontramos na sociologia — isto &, em suas cor- rentes distintivas ~ € uma revolta contra a visio racionalista do homem e da sociedade. O segundo ponto é 0 seguinte: no apenas as idéias-chave da sociologia nao estdo relacionadas as idéias cientificas anterio- res como elas tém sua afinidade mais fntima com um movimento de arte, 6 Romantismo, Do mesmo modo que a imagem renascen- tista do homem provém de correntes artisticas anteriores, assim, eu afirmo, a imagem sociolégica surge, desde o principio, de vi- es que tiveram seus primeiros € mais abrangentes apelos na arte romintica.* Em algum lugar, Weber relacionou seu préprio conceito de racionalizagao a visio mais antiga do poeta Schiller do “desen- cantamento do mundo”. Ele foi sincero e preciso. Tocqueville, Simmel e Durkheim poderiam miuito bem ter feito da mesma ma- neira. Desde a primeira manifestagiio do espirito roméntico no fi- nal do século dezoito ~ surgindo para combater a visio classicis- ta-racionalista - encontramos luminosamente reveladas duas vi- ‘Ses centrais: 1) 0 estranhamento do individuo em uma sociedade cada vez mais desorganizada e impessoal (¢ a conseqiiente inaces- sibilidade espiritual das instituigdes modemas - cidade, faibrica, sociedade de massas); 2) uma celebragdo do status © da comuni- dade — rural, religiosa ou moral - em contraste com a sociedade Plural; Sociologia, USPS. Pavlo, 7:111-130, ® sem. 2000 123 individualista ¢ contratualista dos philosophes. ‘A socialogia como uma forma de arte Terceiro, e mais importante, ainda que mais indefinido, "4% Sio as afinidades psicolégicas entre os artistas rominticos ¢ 0s So- cidlogos. E impossivel, como ja sugeri, levar a sério 0 pensamen- to de que se chegou a essas grandes idéias de uma maneira com- pardvel Aquela que consideramos como metodologia cientifica. Vovés padem imaginar 0 que teria acontecido se qualquer uma de- las tivesse sido submetida, no momento seguinte a sua concepcio, a uma andlise rigorosamente esquematizada? Pode alguém acredi- lar que a visio de Weber da racionalizagao na histéria, a visio de Simmel da metrépole, ou a visdo de Durkheim da anomia vieram da andilise 16gico-empirica tal como € entendida hoje? Basta fazer a pergunta para saber a resposta. Obviamente, esses homens nio estavam trabalhando com problemas limitados ¢ ordenados a sua frente. Bles no eram solucionadores-de-problemas de modo al- gum. Cada um deles estava reagindo ao mundo ao seu redor com penetrante intuicio, com profunda inteligéncia imaginativa, assim como faz 0 artista e, também como o artista, objetivando estados internos da mente, apenas parcialmente conscientes. Consideremos um exemplo: a vis20 da sociedade e do ho- mem que subjaz ao grande estudo de Durkheim sobre o suicidio. Basicamente, é a visio do artista tanto quanto a do cientista, O plano de fundo, o detalhe ¢ a caracterizagdo mesclam-se em algo que é icénico em sua compreensiio de toda uma ordem social Como Durkheim conseguiu sua idéia reguladora? Podemos ter certeza de uma coisa: ele no a conseguiu, como o conto de fadas da historia da ciéncia diria, de um exame preliminar dos registros de vida da Europa, nfo mais do que Darwin tomou a idéia da se- lecdo natural de suas observagdes durante a viagem do Beagle. A idéia, © argumento ¢ a conclusdo de O Suicidio estavam em sua mente antes de ele examinar os registros. De onde, entio, ele tirou a idgia? Nos podemos apenas especular. le pode té-la tirado da leitura de Tocqueville que certamente poderia t6-la tirado de La- mennais que poderia té-la encontrado em Bonald ou Chateaubriand Ou ela poderia ter vindo de uma experiéncia pessoal ~ da lem- 124 Plural; Sociologia, USP 5. Paulo, 7:111-130, * sem.2000, A sociologia como uma forma de arte Rober A Nisbet branga de um fragmento do Talmud, de uma intuigo nascida da soliddo e da marginalidade pessoal, um residuo da experiéneia em Paris. Quem poder ter certeza? Mas uma coisa é certa. A criativa combinagao de idéias por trds de O Suicidio — combinagio da qual ainda nos servimos em nossos trabalhos cientificos — foi al- cangada por caminhos mais préximos daqueles do artista do que daqueles do processador de dados, do I6gico ou do tecndlogo. Nilo diferente com as idéias e as perspectivas de Simmel — de vrias maneiras, o mais imaginativo e intuitivo de todos os grandes sociélogos, Seu tratamento do medo, do amor, das préti cas convencionais, do poder e da amizade mostra a mente do ar- tista-ensafsta e ndio hd distorgZio de valores em colocd-lo junto com mestres como Montaigne ¢ Bacon. Remova a visio do artis- ta dos tratamentos do estrangeiro, da dfade e do papel do segredo € vocé terd removido tudo 0 que da vida. Em Simmel hi essa ma- ravilhosa tensio entre o esteticamente conereto ¢ o filosoficamen- te genérico que sempre se encontra na grandeza, E 0 elemento es- {ético no trabalho de Simmel que torna impossivel a total abso G40 de sua substincia sociolégica pela teoria sistemética e anGni- ma. E preciso voltar ao préprio Simmel para um insight real Como em Darwin e em Freud, serd sempre possivel derivar dire- tamente do homem algo de importancia que no pode ser deduzi- do de relatérios impessoais em teoria social. Isso conduz a outro fato importante. Nossa dependéncia dessas idéias ¢ seus criadores é similar & dependéncia do artista dos artistas que o precedem. Do mesmo modo que © romancista sempre sera capaz de aprender do estudo e re-estudo de Dos- toievski ou James — aprender um senso de desenvolvimento e for- ma, assim como retirar inspiragdo da fonte criativa - assim 0 so- cidlogo pode sempre aprender com a re-leitura de homens como Weber e Simmel. E esse elemento que separa a sociologia de algumas das ciéncias fisicas. Afinal, existe um limite para o que um jovem fi- sico pode aprender ainda que de um Newton. ‘Tendo alguém do- minado os pontos fundamentais do Principia, provavelmente ni Plural; Sociologia, US®,S.Paulo, 7: 111-130, 1° sem, 2000 Rs fem muito a ganhar enquanto fisico de re-leituras (embora o tives- se como historiador da cigncia), Quao diferente € a relagdo do so- cidlogo com Simmel ou Durkheim. Havera sempre alguma coisa a ganhar de uma leitura direta; algumna coisa informativa, amplia- dora ¢ criativa. E precisamente assim que o artista contemporineo retorna ao estudo da arquitetura medieval, do soneto Elisabetano ou das pinturas de Matisse. Essa é a esséncia da histéria da arte, ¢ do motivo porque a histéria da sociologia € tao diferente dat hist6- ria da ciéneia. Iv Que homens como Weber, Durkheim e Simmel alinham- se ma tradigiio cientifica € inquestionavel. Suas obras, por toda sua profunda sensibilidade artistica e intuigiio, nao pertencem mais histéria da arte do que as obras de Balzac ou Dickens pertencem a histéria da ciéncia social. A conelusio a que chegamos no 6 que ciéncia © arte ndo possuem diferengus. H4 diferengas reais, assim como as hé entre as artes ¢ entre as ciéncias'. Ninguém pede a Picasso para verificar uma de suas visdes através da repeticao do processo; e, de modo inverso, nés corretamente niio damos muita atengio a idéias cientificas para as quais ninguém aiém do préprio autor pode encontrar suporte na experiéneia. Como suge- ri, as idéias de Durkheim podem ser dependentes de processos de pensamento similares Aqueles do artista, mas nenhuma delas tei sobrevivido na sociologia ou se tornado frutffera para outros se nao fosse por critérios e modos de comunicagao que diferem dos da arte A conclusio, entio, nao é que ciéncia e arte so, ou deve- iam ser, similares. A conclusio mais simples, mas mais funda- mental, € que em ambas, arte e ciéncia, opera o mesmo tipo de imaginagio criativa. E tudo 0 que impede ou frustra essa imagi- nagio atinge a fonte da prépria disciplina. Infelizmente, € isso que esté acontecendo hoje em largas Areas da pesquisa e do ensi- no sociolégico. Trata-se de um fendmeno recorrente na Filosofia ena A sociologia como uma forma de arte Robert A Nisbet © O filésofo Charles Morris sugeriv que a maior diferenca & a seguinte: embor lutea cigacia como a are coununiquen- sv através do uso de iddias e represe tages que no S80 completamente esertiveis em termos da experigacia sensorial, a eigneia, tipicamente, busca aver comunicayses que possum ser identifieadas ou verificadas pelo aioe ngmero de individuos, enquante a arte tendo ainsistir que ead individvo tad 4 visdo original em algo exclusivo, sua prépria criagio. Provavelmenie existem também interes santes diferengss de papel ene artistas © Cicntistas. embora essa seja, até onde cu posso suber, uma rea de estudo relstiva- mente ago explorada, Marty! Lansdort vm anista,¢ Cyl S.Sntyth, um cients, ‘in umn artigo eonjunto no Bulletin of the Atom Svientists 6 cita, dizem; "Ein 1s contaios com arnigos humanistas nos wana nica diTerenga, Ne nas atitudes profissionsis = istas so ciumentos de suas tgias: os humanistas mo parecer se importa se alyuén se apeopria de suas 2s, mas fieam ulteyjados com 0 pli- {gio da forma”. Trata-se de um insight Importante, mas julgo que isso € mais feclevante para pintores e escultores, € possivelmente poctas, do que part roynancistaseescritores de poxas que so certamente Ho ciumentos de suas id8ias, fe tho reservadlos, quanlo os vientistas, talhas legais em toran de enreds 0 io desconhecidas. Uma diferenga fr aiient tistas © anisias merece iio critico, E tum velho estersipo de ce _gentemente cultivado em muitos sen ririos, que 0 ciemtista, simplesmente 126 Plurat; Sociologia, US, S. Paulo, 7: 111-130, 1° sem. 2000 ‘A sociologia como uma forma de arte Robert A.nisbet porque & civnlista © nd artista, est pr teondicionado a ter uma disposigde e até lum deseo de ser superado pelo trabalho de estudanies © de outros. Mas esse cestere6tipo diz mais sobre 9 mundo ideal dda cigncin do que sobre os cicatistas reais. O desejo de autopreservayio € com certeza tie forte entre cientistas como ‘enire artistas, ¢ 8 evidSncia sugese que ‘em questdes como protesao de teorias pessoais, guards de dados e segredo de Fntengi0, no deve haver diferengas de apéis mit signifiativas Paixio pela auio-preservago pode estar Inais presente np pensamnento ciemifica ‘do que cin geral se supde. Marston Morse, no artigo citado acima, pensa desse modo no que concerne 8 matcmsti- 3. Ble cita a famosa rixa entee Poincaré seu jovem colega Lebesyue, superindo a similaridade do eonflivo € de seu ree tado com a revolta de Philipp Emanuel Bach camira o trabalho de seu pi Johann Scbastian. Em cada caso, as reagdes foram ditadas por instinios de ‘aulo-preservago que, como aponta 0 Professor Mors armen Va Isjosos para a posteridade, Em um poato a evidéncia & clara. Cien tistas dade muito ‘nai alto ~ emnhora no som competiivi= dade ~ do que anistas, Isso poderia pars cer seguir-se de ainplas diferungas de comexto, E altamente improvavel que qualquer coisa na historia da ane parega com 9 que Roben Merion enfatizoa em tus estudos sobre pricridad ma ciéncia fon o que Frederick Reif desereveu coma britica que prevalece entre 0s fisicus no uwligo "The competitive world of the pre sciontist", Science, 134 (december 15, 1961), pp, 1987-1982 Muito freqtientemente na histéria do pensamento encon- tramos técnicas, métodos e doutrinas transformando-se em insig- nificantes fortificagdes que escondem a visio das alturas do Olim- po. Quantos mudos, inglérios Simmels, quantos possiveis Coo- leys permanecem hoje enterrados em seqiiéncias de curriculos obrigatérios ¢ nas salas de computador, ocupando seus talentos nfo no desenvolvimento de idéias ¢ insights, mas na adaptagio de idéias triviais ou muito desgastadus para a linguagem da maquina ou na reprodugdo sem fim de estudos que, muitas vezes, niio de- veriam sequer ter sido feitos pela primeira vez? Tal servidilo é jus- tificuda pelo falso e espantoso argumento de que, assim, o “méto- do” da ciéncia pode ser ensinado ao estudante. Alguém poderia observar, cinicamente, que nao vé nenhum Simmel ou Durkheim caminhando no campus atualmente, Eu arrisco afirmar que tam- bém no haveria nenhum no tempo deles se alguns requisites cur- riculares € modas terminolégicas existissem entao. Chego agora a minhas observagdes finais. Enfatizei o ele- mento artistico na sociologia no porque en pense que o viliio é a maquina — pelo menos, ndo mais que o encarregado pela maquina que, por vezes, caminha como um cientista social. O perigo, se eu posso permitir-me a prerrogativa presidencial do sermao, nao & tecnolégico, € sociolégico; é a sistematizagiio e a dogmatizagiio que sempre ameagam penetrar nas células das disciplinas intelec- tuais, expulsando assim os elementos artisticos. Pois a batalha da arte € com a construgio de sistemas, nao com a cid: Et ncia. Nao co- nheco melhor modo de expressar isso do que na forma que Fran- cis Bacon escolheu ha trés séculos. Ou seja, na forma dos Idolos da Mente. Chamemo-los Idolos da Profissio. Ha, primeiro, vocés vaio lembrar, os fdolos da Tr tam-se de inclinagdes, perspectivas e modos de percepgiio que siio comuns a todos, eles sio inevitéveis mas, apesar disso, devem ser considerados. © mero fato de sermos socidlogos — em vez de bid- logos ou economistas — significa que ha certos modos de ver 0 mundo a nosso redor endémicos e unificadores . Eles sio valiosos € inevitiveis, mas nio definitivos Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7:111-130, 1° sem. 2000 ir Segundo, hi os Idolos da Caverna - aqueles que vém, nijoAsociologia como uma forma de arte do cardter da profissio como um todo, mas da pequena parte da *""ANsber profissdio em que cada um de nés vive, Aqui nés temos os idolos da especializagiio; a humana ¢ contudo perigosa tendéncia de re- duzir a riqueza € a variedade do todo As perspectivas e técnicas especializadas com as quais cada um de nés opera e que sempre ameagam tornar-se tao fixas € rigidas como as habilidades dos técnicos. Terceiro, temos os fdolos do Mercado - palavras, frases neologismos que se tornam substitutos das idéias. Quem entre nés, iio aprendeu sobre a vantagem ou desvantagem da hipnética fas- cinagio que a fraseologia exerce sobre as fundagdes, os comités de pesquisa e certos editores? E quem nio sabe da facilidade com que as palayras que transmitem 0 conceito tornam-se a prépria coisa — com a resultante inabilidade de ir além das palavras? Mas os maiores mais formidaveis dos idolos sao aqueles do Teatro. Aqui, Bacon faz referéncia a sistemas de pensamento, istemas que se tornam, como as burocracias, sua pr6pria razdo de ser; onde os objetivos originais sito deslocados, deixando apenas 08 objetivos da sobrevivéncia sistematica ¢ da automanutengio. Essa parece ser a marca de todos os sistemas cujo grau de suces- so inicial leva rapidamente a uma conclusdo quase ritualistica. Todos nés rimos do professor dos classicos que viu em Antigona “uma verdadeira casa do tesouro de peculiaridades gramaticais”. E para os estudantes desse professor os clissicos estavam real- mente mortos. Mas por que nao rimos também do professor de so- ciologia que introduz seus estudantes, nao no rico e infinitamente diversificado campo da experigncia social e cultural, mas na de- sinteressante e potencialmente alienante aniilise de sistemas € me- todologias da moda? Afinal, ndo é parte da atual atragzo que as cién- cias naturais exercem sobre o estudante brilhante a certeza de que ele sera introduzido imediatamente nos materiais ¢ problemas da ciéncia, ¢ nao nas locugdes de sistemas? Sistemas tornam-se facil- mente burocracias do espirito, sujeitos JamentagSes insignificantes. 128 Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7:111-130,19 sem. 2000 ‘A sociologia como uma forma de arte olsen A, Nisbet A arte abomina sistemas, ¢ assim procede tudo o que é criativo. A histéria € 0 cemitério dos sistemas e & precisamente por isso que Simmel e Cooley e Summer mantém-se atuais © va- liosos para nés hoje e porque poucos léem Spencer ou Ward, Com qual freqiiéncia os construtores de sistemas produzem estudantes que tivos e vidveis? O sistema mata, o insight di vida. O que resta hoje do nominalismo, do realismo, do sensacionalismo, do pragmatismo, ¢ de todos os outros sistemas que uma vez des- filaram nas terras da Europa? Mortos, todos mortos. Blake escre- veu: Deus vive nos detalhes. Acrescento a isso que ele vive nos insights, nas intuigdes, nas imaginagdes do artista, Eu niio poderia concluir melhor do que com um excerto final de Marston Morse. “O cientista criativo vive no ‘primitivismo da légica’ onde a razio € 0 servigal e nio 0 mestre. Eu evito monumentos que sio friamente legiveis. Prefiro o mundo onde as imagens viram suas faces em todas as diregdes, como as mascaras de Picasso. Ba hora antes do raiar do dia, quando a ciéncia vira-se para dentro de seu préprio ventre e espera. Eu sinto muito que nao haja entre nds si- nal ou linguagem sendo através dos espelhos da necessidade. Eu sou agradecido aos poetas que suspeitam da zona do crepdsculo. Quanto mais eu estudo as inter-relagdes entre as artes, mais fico convencido de que todo homem é, em parte, um artista. Certamente como um artista ele modela sua propria vida € movi menta € atinge outras vidas. Eu acredito que € somente como ar- tista que 0 homem conhece a realidade. A realidade é 0 que ele ama, € se seu amor se perde isso 6 0 seu infortinio” *. w Abstract: Sociology, as any other science, is also an art form, Distinguishable by their ways of expression, science and art have substantial alfinities: both operate -with the same type of ereative imagination and both search for truth and beauty. ‘To support this central idea, Robert Nisbet looks at the European seientists- artists of the 17th and 18th centusies, the pioneering character of art in the expression of socio-cultural transformations. and the statements of contempo- rary scientists about the ereative process in science, ‘The historical distinction between a methodical, purely rational and empiri- Plural; Sociologia, US.S.Paulo, 7:111-130, 1° sem, 2000 (29 ‘eal science. that is eapable of discovering the truth, and an eccentric and inspired A sociologia como uma forma de arte ar, that is strictly directed by beauty, is @ product of post Double Revolution — Robert A Msber modernity; the first is linked to the association between science and technology and the latter is related tothe romantic rejection ofthe industrial world. This dis- tinction generates ornamental art and applied seience governed by rules of ser= vice that characterize the 20th century, with deep effects on sociological work. Based on the central thesis of his The sociological tradition (1966), Nisbet confronts humanistic and romantic affinities of classical sociology with the pre~ dominance of empiricism and methodological formalism of scientitiist sociolo~ sy which expands from the USA. Like other critical sociotogists, since the end ‘of the 50's, Nisbet makes use of classical sociology to analyze and reject scien- Lificist perspectives. Thus. this is a fundamental text for the comprehension of the historical development of the discipline and for the understanding of one of the most important tendencies that struggle, within it, to detine the patterns of sociological education and production throughout its history. Uniterms; science, art, classical sociology, comtemporary sociology. 130 Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7: 111-130, 1° sem. 2000

Anda mungkin juga menyukai