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Francoise Benhamou A Economia da Cultura Prefiécio José Carlos Durand Grupo Focus / unicame Tradugao Geraldo Gerson de Souza eae bata ‘Titulo do original em francts: !Economie de la Culture. Copyright © Bditions La Découverte, Pars, 996, 2000, 2001, 2003, 2004 Editions La Découverte 9 bis, rue Abel Hovelacque 175039 Paris ~ France Diceitor reservados « protegidos pela Lei 9.610 dep de fevereiro de 1998. EE proibida a reprodugao total ou parcial sem autorizacio, por escrito, da editors Dados Internacionsis de Catalogacio na Publicaglo (CIP) (Camara Beaslaiea do Livro, SP Beas) Benhamou, Francoise ‘A economia ds cultura / Frangoise Benhamou; tradugio Geraldo Gerson de Souza. ~ Cota, SP: Atelié Editorial, 2007. Titulo original: “économie de la culture. Eibliografia ISBN 978-85-7480-357-. +, Cultura 2, Economia 3. Politica cultural L Titulo 07-1260 DD -298.47300 Indices para catéloge sistemnitico: Economia dacultura 328.47306 Direitos em lingua portuguesa reservados & ‘Areué Eorrontat Estrada da Aldeia de Carapicutba, (06709-300 = Granja Vianea - Cotia ~ SP “Telefax: (21) 4612-5656 sowwatulie comm br /atalieeditoriat@terra.com br Printed in Brazil 2007 Foi feito depésito legat Sumario Prefiicio ~ José Carlos Durand Introdugao eae arcane A delimitacio do campo da economia cultural ....... 1 Os consumes eo emprego. .. 2 Osconsumos 6... ceeeeeeeee Dados a ser vistos com cautela ... A Interpretacio dos dados. (Os mercados de trabalho . A importancia do emprego cultural: mito e realidade ..... Avida de artista, ou a aparente irractonalidade da escolha de uma carreira de risco IL O espetaculo ao vivo. . 1, Aoferta de espetéculos ao vivo & mercé da subvengio publica © modelo da “fatatidade dos custos as 8 -22, 27 38 +39 242, V As Politicas Culturais A tradicao intervencionista da Franga, como que saturada duran- te os anos em que Jack Lang foi o encarregado da politica cultural (2981-1986 e 1988-1993), passou a ser duramente criticada a partir do final da década de 1980: segundo alguns “o todo-cultural” ali- mentava a “derrota do pensamento” (Finkielkraut, 1987], segun. do outros, contribuia para a esterilizagao da criagao por meio do "Estado cultural” (Fumaroli, 1991] e para a onipoténcia de uma burocracia mais sensivel a seus ganhos que ao desenvolvimento harménico do setor (Frey & Pommerehne, 1989] 1. Le “tout-culturet” no original, Principio adotado pelo ministeo francés da cultura Jack Lang segundo 0 qual, para fins de protegdo de governo, cultura dever 1a inclu além dos géneros tradicionais afetos a0 ministério (artes eruditase pa mdnio histérico), géneros “menores" como moda ou gastronomia, abrangendo ainda compottamentos, representagbes, crencas, téenicas, tradigbes, costumes, ebdigos, eriagbes do espirito ete. (N. do'T} As POLITICAS CuLTURAlS 1 947 1. Os fundamentos econémicos das politicas culturais A economia politica de Pareto baseia-se na idéia de que a livre concorténcia nos mercados permite atingir 0 maximo de bem- estar coletivo. A legitimidade da intervengao piiblica em favor da cultura é produto, entao, das falhas do mercado, que resultam da natureza dos bens, indivisiveis ¢ coletivos ou mistos [Farchy & ‘Sagot Duvauroux, 1994; O'Hagan, 1998]. Os efeitos externos, em proveito de outras atividades ou das geragées futuras, se tradu- zem por um descompasso entre os beneficios sociais e os bene. ficios provenientes dos gastos feitos e justificam a intervengao na cultura, Pode-se também argumentar com o fato de que os gastos pi- blicos produzem um efeito multiplicador sobre a atividade eco- nomica. Na tradigao dos trabalhos de William Baumol séo in- vocados argumentos de economia industrial para conferir le- gitimidade & ajuda concedida aos setores em decadéncia ou as indistrias que esto iniciando, Por ultimo, as particularidades da demanda podem necessitar da intervengio publica, quer para reduzit as desigualdades sociais mediante a democratizacao do acesso & cultura, quer para limitar os fatores de incerteza por meio de regulamentades de protecdo, quer ainda para assegurar que as geragées faturas desfrutem de um patriménio conservado e enriquecido. Fathas de mercado na argumentacao liberal © bem cultural tem, de certo modo, carater de bem coletivo, no sentido que Paul Samuelson fr9s4] deu ao termo: seu const mo por parte de um individuo nao exclui o consumo da mesma. quantidade do mesmo bem por outro individuo (nio-tivalidade). 148 1 A ECONOMIA DA CULTURA Esse consumo ¢ indivisivel: seja quando vao ao cinema ou a0 tea- tro, seja na visita a um muscu, varias pessoas podem desfrutar do acesso a0 bem cultural, salvo em ¢aso de aglomeragao de piiblico € de saturagao da oferta, Portanto, 0 custo marginal do especta- dor ou do visitante adicional nulo e, mesmo que seja possivel a exclusao pelo prego, estabelece-se um pagamento fixo, livre do confronto entre a oferta ¢ a procura. Além disso, pode ser que 0 ofertante se encontre na impossibilidade de cobrar um preco pelo acesso a esse bem (principio da nao-exclusio). Nada impe. de que alguém deseje desfrutar de uma paisagem sem precisar desembolsar um preco, que representaria sua contribuicdo para 2 manuten¢ao desse patriménio. Somente o Estado, 20 repartir os custos entre os cidadaos por meio do imposto, pode reprimic © comportamento do “passageiro clandestino” (Buchanan), que deixa para outros a contrapartida financeira do prazer que obtém. de seu consume. Efeitos externos em beneficio de outras atividades? — Toda vez que individuos ou empresas tém sua atividade afetada pela existén- cia de um bem ou servigo cultural, aparecem efeitos externos positivos, sem que 0 produtor receba em troca um pagamento. Os efeitos externos podem ser privados, mediante @ promogio do turismo, por exemplo, ou pablicos, através da methora do ni- vel de civilizagao de uma nacio. © mercado, por ignorar esse efeitos externos positivos, tende naturalmente a manter a produ- do abaixo do nivel étimo. O papel do Estado &, entio, contri buir para o financiamento da produgio, se 0 agente que se bene- ficia com essas conseqiténcias nao o fizer. Assim, 0 espetéculo 20 vivo tem efeitos externos positives sobre os meios de comunica- 0, para os quais ele constitui terreno de experimentacao ou de promogao. E por isso que a indiistria do disco patrocina os festi- AS POLITICAS CULTURAIS | 129) vais, sem que se possa estimar se essa compensacao é proporcio- nal a seus efeitos industriais: foi seguindo essa dtica que a empre- sa Polygram financiou Woodstock. Um festival de miisica ou de teatro traz receitas para a cidade que 0 organiza. Esta, em troca, participa de seu financiamento. Na Franga, 0 investimento cultu- xal integra projetos de revitalizagio do tertitério: as renovagoes de elementos arquitetonicos de interesse artistico fazem parte de ‘uma politica de turismo destinada a atrair visitantes que possam permanecer alguns dias em regides um tanto isoladas. Os monu- mentos atraeim fluxos de turistas: Chenonceaux, propriedade da familia Meunier, recebe 945 mil visitantes por ano e emprega se- tenta pessoas na alta temporada. O Estado contribui para a ma- nutengao do castelo. O efeito multiplicador dos gastos culturais Em marco de 1992, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, anunciava que a prefeitura iria conceder bolsas a instituig&es cul- turais. Para convencer os contribuintes da legitimidade desses gastos, apoiou-se num estudo que mostra que o impacto econd- mico total da cultura teria chegado a 5s bilhdes de francos para a aglomeracdo nova-iorquina, incluindo as despesas com trans- porte, hotel, restaurante, relacionadas com as s las para lazeres culturais. Essa conclusio coincide com a de um relatério de 1983 da Port Authority, que calculava a importancia das artes para a cidade e para New Jersey. Uma brochura do Arts Council, datada de 2085, elogiava também os méritos da arte que oferece empre- 05, estimula o turismo ¢ incentiva as multinacionais a se insta- larem na Gra-Bretanha. Mais tarde, em 1988, John Myerscough foi encarregado de calcular 0 impacto econdmico das artes em Glasgow, Ipswich e no Merseyside. O efeito multiplicador, defini- 150 14 ECONOMIA OA CULTURA do como @ renda liquida produzida por libra gasta, variava entre 2,11 € 2,20. Em Quebec, a atividade de trés organismos culturais ~ uma orquestra, um museu ¢ um festival ~ teria gerado rendas da ordem de 1,5 a 3 vezes superiores aos gastos feitos {Colbert, apud Dupuis (é4.), 1990]. Finalmente, na Franga, em 1985, em contra~ partida a uma subvencdo de 13,5 milhdes de francos, o festival de Avignon teria gerado 25,5 milhOes de gastos (Pftieger, 1986]. Assim, alguns estudos de impacto dedicaram-se a avaliar as conseqiténcias econdmicas dos gastos culturais. Distinguem trés grandes categorias de fluxo: diretos (gastos locais, salirios, com pras feitas das instituigdes), indiretos (gastos efetuados pot todos aqueles que freqiientam o organismo cultural) ¢ induzidos (re- tornos positivos desses gastos a longo prazo). Quanto aos cus- tos, compreendem as subvengSes ¢ as ajudas in natura (cessdo de locais e de pessoal). Todos esses estudos mostram que 6 investi- mento cultural gera fluxos de renda multiplicados. Parece impor- sea conclusao: gastar com a cultura redunda em beneficio para 2 vida econdmica... (© valor de prestigio, de heranga, e 0 valor educativo “Soberbos palacios, magnificas casas de campo, grandes biblio- tecas, ricas colegées de esculturas, quadros e outras curiosidades da arte e da natureza sio freqiientemente o ornamento e a glé- ria ndo 56 da localidade que os possui, como também de todo o pais. Versailles embeleza e honra a Franca, como Stowe e Wilton © fazem com a Inglaterra” Assim dizia Adam Smith (La richesse des nations, livro I, cap. IIL, p. 182), j& enfatizando os efeitos ex- ternos, sem usar a expressio, dos investimentos culturais. “Entre seus efeitos externos, a producdo e o consumo de bens culturais exercem efeitos positivos sobre a sociedade, mediante a contri- AS POLITICAS CULTURANS £ 45% buigao que fazem a coesio social e & formagao dos homens” [Pi- ou}. Scitovsky [1972] julga que o dnico argumento de peso que pode justificar a ajuda piblica é este: educar a inclinagio estéti- ca dos homens, ¢ com isso eles experimentarao maior bem-estar. Tal efeito benéfico nem sempre é percebido pelos cidadaos; por tanto, os bens devem ser colocados “sob tutela’, e 0 Estado encar- rega-se de incentivar os cidadaos a produzi-los e a consumi-los: “As consideracdes que atribuem aos bens culturais 0 carter de bens sob tutela foram o argumento mais forte para justificar a in- tervengdo publica em favor da arte” [Throsby & Withers, 1979, P- 392]. Assim, a isengdo de impostos de que gozaim os museus norte-americanos € resultado da fungio educativa que exer- cem, Aligs, Lionel Robbins sublinhava que os efeitos positives da arte nao recaem apenas sobre aqueles que estio dispostos a pa- gar, mas também sobre uma comunidade mais ampla de homens [1963, Politics and Economics. Papers in Political Economy, p. 58]. © bem cultural € um “bem social irredutivel” [Throsby, 1994], cujos beneficios nio podem ser atribufdos a individuos precisos, A conservacao do patrimdnio, tanto quanto a edificagio de lum patriménio novo, através de construgdes de prestigio, das aquisigdes ou das encomendas de obras de arte, constituem a base dos legados para as geragbes futuras. Somente o Estado tem condicdes de proteger e financiar esses consumos de amanha. E esse também 0 argumento que rege a adocéo de regulamentos que disciplinam e limitam as exportagoes de obras de arte. As particularidades da oferta O investimento cultural, quando incorpora um alto grau de ino- vagio, comporta uma forte incerteza no tocante 20s resultados (cf. cap. IV). E a produgao cultural, pelo menos em certos seg- 482 1A ECONOMIA DA CULTURA mentos da oferta, raramente vem acompanhada de ganhos de produtividade (ef, cap. Il). Entao, o Estado substitui 0 mercado para apoiar os setores que, sem esse mand, estariam condenados 4 decadéncia. Em primeiro lugar, essa “sacudida” na oferta acon- tece no plano da criagio. Na Franga, dois mil ateliés pertencem ao Estado on a municipalidades. Além da possibilidade de tex acesso a tais ateliés, os artistas gozam de diversos tipos de apoic (bolsas, prémios, encomendas piiblicas...). Uma parte consider vel da arte contemporanea existe quase que exclusivamente em fungao dos museus, as tinicas vias de escoamento pata as obras gigantescas. Milhares de obras foram compradas por instituigdes piblicas, pelo FNAC (Fonds national dart contemporain) e pe- los FRAC (Fonds régionaux dart contemporain) criados, respec tivamente, em 4975 e em 1982 para promover a arte contempo- ranea. O auxilio & criagdo evita “a perda de talentos para outras, profissdes ou pafses” (Netzer, 1978, p. 158]. Outro objetivo da aju- da, quando se trata de obras particulares para reproducio em es- cala industrial, é obrigar empresas a assumir 6 risco de promover novos artistas e criadores. Tal é 0 sentido do auxilio seletivo, ou por projeto. Nas indiistrias do livro e do cinema, o ritmo fraco ¢ lento de difusio das obras mais inovadoras torna dificil sua produgdo em casos de falta de subvencao, de empréstimo ou de facilitagao do acesso a créditos. Na Franca, o auxilio automético, que libera © tomador de decisio da espinhosa tarefa de escolher, coexiste com subsidios seletivos, por meio dos quais comissdes de sele- 40 contemplam com soberania este ou aquele projeto. A aquisi- 0 pelo governo de livros ou discos é outra forma de apoio, alia fraca na Franga, onde as bibliotecas continuam bastante carentes de fandos para aquisicao. Paradoxalmente, a melhoria da rede de bibliotecas e o aumento do ntimero de livros retirados por em AS POLITICAS CULTURAIS 1 153 préstimo chega @ inquietar editores, que propdem a cobranga por livros emprestados de bibliotecas, a fim de néo penalizar a profissdo. Uma diretriz da comunidade européia de 1992, e um relatério entregue ao ministro francés da Cultura [Borzeix, cita- do em de Saint-Pulgent, 1999] preconizam o empréstimo pago. Na Gri-Bretanha, 0 Office of Arts and Librairies tem um sistema que remunera 0 escritor quando do empréstimo de suas obras em bibliotecas puiblicas. As formas de apoio evoluem conforme © ciclo do produto, avangando ao longo da cadeia produtiva até seu elo final (Dupin & Rouet, 1991], Na indtistria do livro a subvengéo se estende as livrarias; na do cinema, as salas de exibicao, o que atesta a evolu- so aqui descrita. A variagio da TVA (imposto sobre valor agre- gado) € parte dessa politica. Todavia, no tocante a bens ¢ servi- ‘908 culturais, a Unido Européia nao autoriza redugio de TVA, a do ser que se trate de livros e revistas, direitos autorais e direi- tos conexos, exposicdes ¢ eventos culturais, ingressos de cinema, museu, sala de concerto, teatro e para os servicos de televisio. (Os modos de formacao e de expressio da procura Um agente econdmico pode querer reservar-se a possibilidade de consumir um bem em momento futuro, Para essas demandas de opsio (Weisbrod, The Nonprofit Economy, Cambridge, 1988), 0 reco que o consumidor esté disposto a pagar é fungio da satis- facao esperada, levando em conta o nivel atual de sua informagéo €.0 fato de que nao pode ter certeza de que iré consumir 0 bem. 0 Estado assume o lugar do cidadao, como financiador do futuro » Dick Net zer [1992] presume que exista uma demanda de opcao pela vi- sitacdo a uma Veneza menos congestionada pelo turismo e pela para cidadaos potencialmente consumidores. Assi 154 | 4 ECONOMIA DA CULTURA poluicéo, e dai deduz a legitimidade da cobranca de um direito de ingresso na cidade. A dificuldade reside, entdo, em determinar © montante desse direito, a fim de otimizar as vantagens sociais liquidas que ele pode gerar. Resta provar, porém, que o Estado 4 melhor Arbitro do futuro que 0 cidadao. A conhecida propen- si do governo a protelar gastos com a manutengdo de prédios, quando nio se associam a despesas de prestigio, sugere que o de- bate continua aberto. Incerteza e intervengio publica As assimetrias de informagéo ajudam a alimentar incertezas quanto & qualidade dos produtos. A regulamentacao dos merca- dos de arte, 20 impor normas de garantia e de profissionalismo, protege o comprador, geralmente menos informado que o perito. Talvez esteja entre as vocagbes do Estado 0 encargo de estabele- cer um sistema de normas ¢ convengbes que sustente o valor dos produtos. © bem coletivo nao é tanto 0 bem cultural em si quan. to 0 conjunto das normas e valores, 0 capital de valores estéticos comuns que rege 0 reconhecimento do caréter cultural do bem. E assim que se pode interpretar o financiamento indireto da in- formacio via televisto publica, via recompensas oficiais etc. Em- bora o Estado nao seja o tinico agente dessa promogio, 6 sem dit- vida um de seus financiadores. 2. Formas de politica cultural Segundo estudo de Mark Schuster que toma por base os anos 1982-1983 [apud Girard (64.), 1988], 0s Estados Unidos sio 0 pais ocidental menos propenso a oferecer ajuda piblica direta a cul- AS POLITICAS CULTURAIS 1 155 tura. Ele a estima em trés délares per capita, contra 32 na Franga € 9,6 na Gré-Bretanha, Todavia, se incluido 0 financiamento in- direto, sob forma de deduces fiscais, a participago dos poderes pliblicos norte-americanos no financiamento & cultura sobe para 13 délares, enquanto a dos franceses permanece quase a mesma © pouco aumenta a dos ingleses, cujo Ministério da Cultura, na gestio Tony Blair, softia profundos e sistematicos cortes de orca- mento. Pode-se, pois, comparar 0 modelo anglo-saxao, pouco in- tervencionista, com 0 da Europa meridional, bem mais inclinado a recorrer & ajuda publica. A Franga, no entanto, é um caso partic cular: com seus dezesseis mil agentes, se se incluirem os estabe- lecimentos piiblicos, ¢ uma participagao que atinge 1% do orga mento do Estado, 0 inistério da Cultura francés nao tem equi- valente no mundo [ver Lacombe, 2004], A distincdo entre os dois modelos nao € s6 quantitativa: 0 primeiro modelo dé prioridade ao repasse de subvengées a dr. gos independentes, que se incumber de distribut-las as entida- des solicitantes, enquanto no segundo é um ministério que ad- inistra diretamente as subvengdes. Em uma versio intermedié- ria entre os dois modelos, diversos paises optaram por delegar ao plano subnacional a responsabilidade pela politica de cultura. Na Alemanha, a tradigio de descentralizagao faz dos Lander (esta- dos) 0 ambito privilegiado de definicao e exercicio dessa politica. Uma reuniso permanente dos ministros da cultura dos dezesseis Lander encarrega-se de coordenar as iniciativas. Todavia, a par- tir de 1998 esto sujeitos ao ministério encarregado da Cultura assuntos como direitos autorais, subsidio a0 cinema, politica fis- cal. Na Itélia, quatro niveis de governo pactitham responsabilida- des culturais; na Espanha, 17 comunidades aut6nomas intervém no que faz 0 governo central, que teoricamente é quem toma as, decisdes, mas que, na pritica, pouco decide. 186 | A ECONOMIA DA CULTURA A traqueza da intervencao publica nos paises anglo-saxbes Na Gra-Bretanha (Colli, 2992], 0 Council for Encouragement of Music and the Arts, 0 futuro Arts Council, criado em 1940 e pre- sidido por Keynes, tinha por objetivo inicial ajudar artistas viti- mas da crise econémica e induzir a populagao a se entreter com a.arte. A instituigao era mais uma resposta & situacdo de crise do que um meio para objetivos culturais. Hoje, uma constelagio de instituigdes distribui ajuda com grande autonomia de escolha. © National Heritage partilha com o ministério do Meio ambiente responsabilidade pelo patriménio, O cinema, assim como 0 se- tor editorial, o direito de autor a exportagao de obras de arte, depende do ministério da Industria; 0 rédio ¢ a televisao estao afetos a0 ministério do Interior. As prefeituras distribuem ava. ramente algum subsidio. Igual a0 que ocorre no estado de Mas- sachusetts [EUA], cujo governo repassa uma fracio das rendas da loteria aos conselhos culturais locais, conforme 0 ntimero de habitantes (Hero, em Girard (éd), 1988], uma parte das receitas da Loteria nacional na Gré-Bretanha vai para o Arts Council (375 milhdes de libras em 1998). Tao logo é fixada sua dotacio, que foi de 234 milhdes de li- bras em 2998, os Arts Councils nomeiam comissdes independen- tes para avaliar projetos. Tal dispositive tem o inconveniente de atribuir a “um punhado de homens influentes, recrutados na infi- ma minoria da populagao que habitualmente freqiienta a 6pera © poder “de conceder & 6pera recursos piiblicos considerdveis” (Colli, 1992, p. 9). A agio de governo em favor das artes nasceu de fato nos Es- tados Unidos s6 nos anos sessenta, com a criagéo em 1960 do New York State Council, com 50 mil délares de orgamento no primeiro ano. Em 196s, apés aspero debate, o presidente Johnson As pouiTics cuttunals 1157 ‘Ajuda piles & arte nos Estados Unidos “jaar ibs de cae Sees Le ‘vkcomdigemeeurGrbindion) ret nn Tal (hae de dae) dea -EE sce sett elt Aes fa Ea conseguiu a criagdo do National Endowment for the Arts (NEA) € do National Endowment for the Humanities. National Endowment for the Arts elabora lista das insti- tuigdes suscetiveis de receber sua subvencao, cabendo a cada uma encontrar um mecenas privado que entre com quantia no m{nimo igual & prometida pelo governo, sem o que esta nao seré concedida; em alguns casos, chega-se a pedir que consi- ga uma soma trés vezes maior (o chamado sistema das challen g¢ grants). Tal sistema estimula 0 apoio privado pot meio do apoio piblico, evitando que um substitua o outro [Cummings, em Benedict, 1991]. Na Gra-Bretanha, o Business Sponsorship Incentive Scheme completa, do mesmo modo, o empenho em- presarial em prol da cultura, entrando com uma libra para cada libra oferecida por uma firma em uma primeira acdo de mece- nato; a proporedo cai a uma libra por trés, nas iniciativas subse- qitentes da mesma empresa. A tradicao francesa de intervengéo Na Franga, a tradigio de apoio nasceu com o monarca Francis- co I, que era mecenas, protetor de artistas, colecionador e en- tusiasta do depésito legal"; ou como, tempos depois, Luis XIV, 2 Odeposito legal refere-se& obrigatoriedade imposta a editores de registrar 188 1 A ECONOMIA OA CULTURA que concedeu pensio a artistas ¢ escritores. Com a Revolugio de 1789 nfo houve ruptura no costume, salvo na vontade de li- gar a protecdo as artes e a oferta de instrugdo a todos. No sécu lo XIX, importantes encomendas de arte transformaram as cida- des, Em 1870, esbocou-se timida tentativa de criar um ministério para as questdes culturais, Criou-se um ministério efémero, mas suas atribuicdes logo passaram ao da Instrugao Publica, depois para o gabinete Gambetta. A Frente Popular confiou a Jean Zay & responsabilidade de dirigir a Instrugéo Publica e as Belas-Artes; com a adogéo do pagamento de férias ao trabalhador, a Frente Popular abriu caminho para a democratizacao da cultura no con- texto do lazer de massa. © Preambulo da Constituigao de 1946, retomado em 1958, estipula que a “nagdo garante acesso igual da crianga ¢ do adal- to & instrugio, & formagio profissional e & cultura’ A fandacao do Centre National de la Cinématographie, em 1946, ¢ 0 acesso de Jean Vilar & diregao do Théatre National Populaire, criado em 1920, dao, cada um a seu modo, nova dimensio a acdo cultural de governo: de um lado, ajudam-se as induistrias culturais; de outro, abre-se o teatro a um piiblico cada vez maior e a repertérios até entao inexplorados. Em 1959, André Malraux recupera atribui- ‘gées previamente dadas ao Ministério da Indiistria, no que tan- ge ao cinema, e a0 Ministério da Educacao Nacional, no que diz respeito as letras e artes, & arquitetura e aos Arquivos Nacionais. oficiaimente suas publicagbes, através do envio de um exemplar de cada novo ti tule 2 uma biblioteca central, com fnalidade de assegurar a formacio, conser vagio © a permanente atualizagio de uma bibliografia nacional. Indivetamente, cate registro também serve ao eeconhecimento de direitos auroras. Ao longo do tempo, bene cultursis em outros suportes ~ filmes, discos ete. ~ também foram incluidos na mesma obrigatoriedade. (N. do) AS pOLITICAS CULTURAIS 1 158 Malraux assume 0 cargo como ministro encarregado dos Negé- ios Culturais. “As grandes e concretas realizagdes do ministério Malraux devem-se ao aumento, nao do dinheiro, mas da convic- 80 e da coeréncia, através do impulso a uma politica de demo- cratizagdo da cultura inicieda na IV Repiiblica e de valorizacao ¢ manutengao do patrimdnio, encetada ainda mais cedo” [Ory, 2989, p. 59]. Em contrapartida, Malraux aumentou as encomen- das puiblicas, beneficiando artistas como Chagall, Masson e Mes siaen “na mais pura tradi¢ao da monarquia esclarecida” (ibid) E preciso citar as casas da cultura ~ “as catedrais do século XX" ~ tidas como instrumentos para a democratizacao e a descentra- lizagao da cultura A Franca continua adepta da crenca segundo a qual o gas- to cultural é responsabilidade do Estado, deixando que o sistema eleitoral legitime escolhas feitas em nome do cidadao. O Estado [governo central] destina perto de um por cento de seu orgamen- to a0 setor cultural, aproximando-se do patamar reivindicado por Jean Vilar em 1968. Em verdade, a quantia distribuida pelo poder piiblico é bem maior, uma vez agregadas as verbas dos entes sub rnacionais (as regides entram em 2001 com 242 milhdes de euros, 0s departamentos com 784 ¢ as municipalidades com 3 590). Dos demais ministérios, em 2000, vém 3,05 bilhoes de euros. A plu- ralidade das fontes reduz 0 risco de cortes de orgamento em ra- 240 de mudangas nas maiorias politicas. Identifica-se aumento espetacular do orgamento em 1982, de- pois que a esquerda ascendeu ao poder; as diminuigdes de 1987- 1988 ¢, depois, de 1994 acompanham as mudangas de maioria parlamentar. O aumento de 1996 resulta notadamente da inte- gragio da arquitetura as competéncias do Ministério da Cultura Em 2002, 0 orcamento chegou a 2,61 bilhdes de euros. Passou de 0138 para 1% do orgamento do Estado entre 1960 € 2002. 160 14 ECONOMIA OA CULTURA Lorgamento votado do Ministéro da Cultures (anities de enroncocrentereconstanes, bse 1980) arose Ewos Bares Euros Ba Bucs Anos tes” tanies Amo “tes” tantes_ Anes tes tamiee Todo ans —a050 WBS Caas TE toNG BOB CHONG wh 4544904) ta BB 697 230808 ee ee 98s 1056 7869 apt 384s 97M tsp 395 tots 1207 BMS 92 1975 eH 40D 24st HHOD 81467 pons 1904 80RD toa 3002 EHD TA "Fons MCC, elles aestons pated indice de precas INSEE. erties un amar expec de ements em 9, depos qe esque sible 0 poder: ot veteran Ose Distibuigso do orgamento do Ministiro da Cultrs, no de 2001 oo Pasrmbelorncuinds: a Anes pastces ve Patiménio musconrsfico sae Monumentos arquieturs vs30 Arquivos 236 Enaino eformacio 6 Desenvolvimenta cultural ¢espetsculo,icluindce 26 Cinema ¢audiovieul as “Teaco, expeticulos, mises dana 206s Desenvolvimento cltural,ngoa frances, as Pestol, meios cequipamentos dos servic etabeecimentos 3 Diversoe 4 ‘oral 00 AS POLITICAS CULTURAIS | 464 ‘As modalidades de intervengo dos poderes publicos © Estado dispée de uma série de recursos em matéria de acao, cuja escotha depende do grau de dependéncia do setor, das pres ‘ses internacionais e das tradigdes até entao prevalecentes. As politicas de regulamentagio. — Como 0 bem cultural nao é um produto como outro qualquer, adotam-se regulamentos que dis- ciplinam 0 sistema dos pregos ou 0 jogo da concorréncia. Em 1981, foi promulgada, na Franga, uma lei com o objetivo de pre- servar a densa rede de livrarias, necesséria a distribuicio dos titue os considerados diffceis, em nome do pluralismo da criagao lite- réria e da possibilidade de acesso de niimero maior de pessoas a pontos de vendas sittados harmoniosamente no territério nacio- nal, Essa lei estipula que 0 prego do livro novo vendido no varejo seja fixado pelo editor, qualquer que seja o canal de distribuigao. © varejista pode conceder no maximo 5% de desconto sobre esse reco. A concorréncia das redes de livrarias e hipermercados, cuja forga permitia oferecer descontos maiores, tendia a asfixiar as pequenas livrarias, incapazes de conceder as mesmas condi- des; ou entdo as grandes redes davam prioridade & venda de ti- tulos objeto de muita publicidade, que serviam de chamariz para @ compra de outros bens. Os pequenos livreiros nao podiam, en- to, aumentar sua margem nesse tipo de livro a fim de estabele- cer uma compensacio de lucros com livros de venda mais len- ta. Certamente as FNAC?, que combateram vigorosamente essa lei, dispunham de um acervo riquissimo; mas, deixando de lado 3. Trata-se agui da conhecida rede, hoje internacionalizada, de lojas de ic ‘ros, discos e equipamentos eletrOnicos, ¢ néo obviamente de Fonds national «art contemporain, presente neste livra com a mesma sigla,(N. do T) 18 1A ECONOMIA DA CULTURA umas poucas como as FNAC, quantas lojas grandes nao optaram por vender apenas uns poucos titulos? Tal regulamentacao esta ‘em vigor, em forma de lei, na Grécia, na Espanha ¢ em Port gal, Esta também, sob forma de acordo comercial, na Alemanha, na Austria, na Dinamarca, na Itélia, em Luxemburg ¢ na Ho- anda. Em compensagio, 0 Net Agreement Book britanico, ve- Tho de quase um século, foi revogado em 1995, 0 que levou, em dois anos, 20 fortalecimento das megalivrarias e das grandes re- des, em prejuizo dos livreiros independentes. Isso provocou uma reducao no preco dos livros mais vendidos, enquanto 0 das obras especializadas aumentou bastante. Em 1998, a Comissio Euro- péia questionou um acordo que estipulava respeito a0 prego fi- xado pelo editor na venda de liveos no espaco lingtifstico do ale- mio, e aconsethou que a protegio néo fosse para todos os titulos, ‘mas, sim, que se adotassem sistemas de protecao seletiva, acom- panhados por auxilios a0 escritor. Para proteger as criagdes audiovisnais nacionais, os paises membros da Unido Européia impuseram cotas a seus canais de televisio (cf. quadro infra, pp. 172-173). Na Franca, igualmente, desde 1996 uma lei obriga as radios nacionais de variedades a de- dicar 40% de seu tempo de emissio, entre 6:30h e 22:30 h, a obras musicais criadas ou interpretadas por autores ou artistas france- ses ou que cantem em francés. A metade delas, pelo menos, deve ser de novas produgdes, assim definidas as obras de artistas que jamais venderam dois dlbuns com, no minimo, cem mil c6pias. £ uma lel controversa, porque penaliza musicas produzidas na Franga mas que nao sio cantadas em francés, como as dos Gipsy Kings ou de Mory Kanté, e coloca o consumidor sob tutela. Veri- fica-se, no entanto, que a audiéncia de rédio nao diminuiu e que 2 parte da miisica popular francesa na venda de discos cresceu de 44:7% em 1993 para 62% em 2002 (SNEP). AS POLITICAS CULTURAIS 1 463 Subvengdes e taxas parafiscals. ~ Como se viu, as instituicoes sem fim comercial sio amplamente dependentes de recursos do go- verno. O cinema recebe uma ajuda particularmente grande, em- bora seu segmento comercial ¢ privado nao deva, em principio, depender do orcamento pitblico. Ha subvengées que lastreiam fundos de garantia para empréstimos bancarios. O IFCIC [Ins- titut pour le financement du cinéma e des industries culturelles}, criado em 1981, concede garantias, ao mesmo tempo em que par- ticipa da cobertura de riscos. Além disso, as taxas parafiscais sio meio eficaz de redistribuigao entre profissionais do cinema. As receitas da conta de apoio & indhstria cinematogréfica (448 mi- Ihdes de euros em 2002), administrada pelo Centre national de la cinématographie (CNC), provém basicamente de uma taxa sobre © faturamento dos canais de TV, e de outra sobre prego do in- gtesso em cinema; 0 restante sio receitas de uma taxa sobre vi- deogramas. O CNC concede ajuda automatica, ealeulada sobre resultados de bilheteria ¢ entendidas como investimento, e aju- da seletiva atribuida pela comissio de antecipagées sobre recei. tas. Em 2002, 63% das concessdes ao cinema eram automiaticas e 37%, seletivas. A antecipagio sobre a receita respeita um teto des- de maio de 1994. Assim, os oito milhGes de francos concedidos a La Reine Margot surpreenderam, visto que a média das anteci: pagdes para outros filmes fora de 2,4 milhdes. A partir de entao, cinco peritos (cujos nomes sito mantidos em segredo) distribuem antecipacdes sobre o orcamento do filme e nao sobre a receita, ¢ so reembolsaveis no inicio da filmagem. A distribuicdo e a exi- bigéo também recebem apoio, para fins de modernizagao ou de abertura de salas em zonas mal servidas. Muitos paises adotaram sistemas de apoio inspirados no modelo francés. © Centre National des Lettres (CNL) recebe do mesmo modo © produto de duas taxas: uma, de 0,20% sobre todos os exempla- 164 | A ECONOMIA DA CULTURA res vendidos em livraria, e uma outra, de 3% sobre a venda de qualquer material fotocopiado. © Centro redistribui tais fundos sob a forma de bolsas, empréstimos ou subvengGes para a edi- fo de livros de vendagem dificil, para tradugdes etc. A ceda ano, cerca de oitocentos titulos recebem ajuda, ou seja, perto de um novo titulo em cada trinta. No caso do espetéculo ao vivo, a re- distribuigao da renda € feita por uma taxa parafiscal sobre o pre- 0 do bilhete, de 3,5% para os espeticulos dramaticos e de 1.75% para os outros espetaculos. (© mecenato substitui a subvencéo? — Os incentivos fiscais mos- tram todo seu alcance nos dispositivos que regulam 0 mecenato [Rigaud, 1995}. Em principio restritos a doagbes sem contrapar- tida, esses dispositivos so aplicados amplamente, uma vex que mecenato sem contrapartida, mesmo limitando-se a ganhos de imagem, poderia ser interpretado como desvio de lucros por par- te da empresa. As dedugoes fiscais costumam ser limitadas a um teto, exceto na Itélia; mas, mesmo Id, s6 para financiar bens pa- trimoniais expressamente indicados. Elas estimulam o dispéndio privado. A andlise econémica vincula a amplitude dessas doagoes a seu preco [Don Fullerton, em Feldstein, 1991]: quanto maior € © nivel de renda, maior a queda do custo da fllantropia, em ter~ mos relativos, sendo a deducio fiscal aplicada sobre fragbes da renda sujeitas a uma taxa crescente de imposto. Em 1986, quan- do o presidente Reagan impés uma reforma fiscal que reduzia 0 imposto sobre os lucros das empresas, 0 “custo” das doacies au- mentou eo montante do mecenato caiu. © tamanho das fortunas particulares tem influéncia sobre 0 volume do mecenato. Grandes familias, ao darem um pouco de sua fortuna, ligam seu nome a uma parte da heranca cultural na~ cional. £0 caso, entre as mais célebres, da Fundagao Getty, culo AS POLITICAS CULTURAIS | 165 ativo eleva-se a quatro bilhoes de délares e que nao para de en- riquecer seus acervos gracas a um dispositivo estatutario que lhe impoe gastar em compras de obras de arte pelo menos 4.25% de sua dotacdo, durante trés em cada quatro anos. oagbes das empresas norte-amevicanas em favor da arte Aner ‘Montante (ier de alae) 1991 soon on Foi: Hoan & Gy 2003 AAFRC Teast x Psy. 2004 © peso do mecenato no financiamento da cultura nao é re- cente, Inimeros museus ingleses, entre os quais a National Gal- lery, de Londres, ¢ quase todos os museus norte-americanos nas ceram gracas a0 mecenato privado. Seré preciso lembrar 0 papel dos Médici em Florenca, ¢ dos Fugger com relacio a Diirer? O mecenato privado € muito desigual de um pais para outro; ele- vado nos Estados Unidos, mas, a0 contrério, muito pouco desen- volvido na Franga, onde, em 2000, seu montante nao passava de 198 milhées de euros (ADMICAL ~ Association pour le Dévelo- ppement du Mécenat Industriel et Commercial). Na Inglaterra, pafs de tradigao liberal, esse esforgo & maior do que na Franca: 103,4 milhées de libras em 1998 [Arts Councils UK, 2000]. Na Alemanha e na Itélia, as instituigbes de poupanca e de previdéncia sao obrigadas a destinar parte de seus recursos 2 acio cultural, A de Turim dedicou, em 1986, 11 bilhdes de litas a diversas ages em favor do patriménio. Qual € 2 influencia da fonte do financiamento sobre a distri 166 | A CCONOMIA OA CLLTURA buigdo do auxilio © sobre a estratégia da instituigao? Para Paul DiMaggio [1986], a necessidade de a empresa justificar despe- sas com mecenato leva-a a preferir agdes de grande visibilidade € pouco arrojadas no tocante & inovacio. E também a uma certa 10” Robert Abirached critica vigo- rosamente o destino das doacées: “O grosso do dinheiro vai para indiferenga ao “mérito artis ‘05 mais ricos e famosos, para os mais favorecidos pela midia, e para as regides mais aquinhoadas” [2992, p. 105]. Em Washing- ton, uma exposi¢ao dedicada a Francis Bacon e considerada insu- ficientemente midiética néo encontrou mecenas [Tobelem, 1990]. As vezes, 0 mecenato é economicamente ineficaz, Nos Estados Unidos, as instituigdes sem fins lucrativos nao esto sujeitas ao stituigdes que sao proprietérias de seus edificios. Além de nao se justificar em ter- mos de eficacia ¢ eqiiidade, tal vantagem desencadeia um exces- so de investimento imobilidrio (Feld et al., 1983). Diversos outros tipos de incentivo fiscal foram desenvolvidos nos Estados Unidos {Schuster, em DiMaggio, 1986}, assim como na Franga: as SOFICA [Sociétés pour le financement du cinéma et de Faudiovisuel), criadas em 1985, atraem o dinheiro dos particula- res para a industria cinematografica, por meio de vantagens fiscais (aliés muito contestadas). A protegao do patrimonio passa por uma série de dedugdes, 0 que permite ao proprietétio manter seus bens. imposto predial, 0 que confere vantagem a: Na Gra-Bretanha, aprovou-se uma lei para aliviar os encargos dos proprietérios ¢ a dissuadi-los de vender suas propriedades, sem que las sejam transferidas a0 dominio piblico. A conditional exemption concede isengio de impostos sobre a transferéncia de capital a0 in- dividuo que receba, como doagio ou heranga, uma obra de arte de Interesse nacional; pela private treaty sale, 0 governo € autorizado a conceder uma soma suplementar a0 vendedor quando este cede a um museu um bern protegido; a acceptance in lieu permite o pa- AS pouiricas cuLruRats | 167, gamento de determinados impostos com obras de arte. Segundo a andlise de Paul DiMaggio acima citada, 0 inconveniente dessas me- didas fiscais ¢ a falta de controle de sua aplicagio e a dificuldade de prever seu: montante, Portanto, nao poderiam ser substitutos, mes- ‘mo indiretos, da subvencao publica. 3. Criticas as politicas culturais A critica as politicas culturais gira em torno de trés temas: em primeiro lugar, a ineficiéncia das instituicdes ou das regulamen- tagdes em comparagéo com o jogo do mercado. Em outros ter mos, nfo € porque existam diversas falhas de mercado que se deva recorrer a intervencao pablica, um mecanismo ainda me- nos eficiente. Em segundo lugar, a superavaliago dos efeitos ex- ternos positives e, por tltimo, os efeitos anti-redistributivos das, subvengdes concedidas. Rendas e excesso de protesiio Freqiientemente, as instituig6es culturais sio monopélios em seu segmento de mercado, Museus, teatros ¢ orquestras partilham tal condigio, 0 que thes confere, pelo menos em teoria, um alto grau de liberdade no tocante & fixacao do preco. Todavia, essa tentagio inflacionéria € inibida em funco da forma da curva de demanda. Segundo © pensamento liberal, a regulamentacao protetora favorece a captacdo de renda por parte de certos ofertantes. Para William Grampp [2989], isso € caracteristica sistemética da inter vencao piiblica, 0 que acaba se traduzindo na fixagao de prego em nivel superior ao que resultaria do livre jogo da concorréncia. De- vido & qualidade de "bem tutelar” atribuida ao bem cultural, os sbes & exportagio de obras de arte Uma lei de 1935 introduziu a possibilidade de incluir objetos méveis ‘entre monumentos histéricos, para fins de tombamento, desde que apresentem interesse pablico "do ponto de vista da historia, da arte, da ciéncia e da técnica’: Com ela veio a proibigio, ainda em vigor, de ex- portar objetos tombados. Outra lei, de 32 de dezembro de 1992, com- pleta 0 dispositivo ao enquadrar as obras de arte em trés categorias: os bens de livre circulagao, os bens sujeltos & permissio de exportacao, ou seja, aqueles cujo valor ultrapassa os limites estabelecidos para sexs _genero: pintura, livro, desenho ete,, ou ainda o¢ que ultrapassem cer- to limite de antigiidade. Finalmente, tesouros nacionais classificados como monumentos hist6ricos, ou que pertengam a érgios de governo ‘cujas colegbes sto inaliendveis. Um certificado de exportac: vale por cinco anos: se recusada a exportagio, a recusa vale por trés anos ¢ no é renovivel. Além desse prazo, a administraao deve comprar, suspen- der a recusa ou tombar. A recusa ndo pode ser contestada se 0 bem foi importado hé menos de cinco anos. benefici posigao legitima. A proibigao de conceder desconto superior a 5% ‘os dessa renda partilham o sentimento de ocupar ume sobre 0 prego dos livros pode ser interpretada como uma rends “gerada pelos livreiros mais eficientes, de montante igual & dite. renga entre 0 prego imposto € o custo marginal dessas livrarias” [Messerlin, 1085). Pela lei, os clubes do livro gozam de um regime especial, que os autoriza a praticar descontos somente nove meses apés 0 langamento da obra. Trata-se de uma fonte de monopoli zagao que incide sobre 0 segundo ciclo de vida do produto, e que gera rendas cuja expresso é a rentabilidade relativa dessa via de escoamento. No campo do restauro de monumentos histéricos, © monopélio regional exercido pelos arquitetos credenciados e por empresas autorizadas provoca excesso de custos. A proibigzo de AS POLITICS CUETURAIS 1-168 expottar obras tombadas desvaloriza-as no mercado e permite 20 comprador pagar preco inferior ao que resultatia do livre jogo da concorréncia, etc. [Benhamou, em Peacock, 1998]. ‘Muito economista se surpreende com o fato de que o declt- nio de certos setores, incapazes de gerar ganhos de produtivida de, possa por si sé justificar a intervencao do Estado. “No final das contas, mesmo que se prove que 05 custos aumentam ¢ que a produgéo diminui, nao se justifica a subvencao governamental. © governo nao tem de subvencionar qualquer bem que se torne caro ou obsoleto; eis af a razdo para procurar outra justificativa para o caréter particular da arte” [Peacock, 1991, p. 69]. Como William Grampp secamente escreveu: "O calgado feito a mao torna-se cada vez mais caro com o passat do tempo, mas isso no basta para ser subvencionado” {2989, p. 262). © excesso de regras e protecoes sem diivida enfraquece 0 vi- gor dos mereados. © liberalismo anglo-saxdo estimulou o desen- volvimento do mercado de arte, enquanto, na Franga, um pesado sistema fiscal e uma defini¢ao restritiva da profissio de leilociro, mais os limites a exportagio, possibilitaram com certeza a pro- te¢ao do patriménio nacional, mas ao prego de manter apitico 0 mercado, A protegio de que goza a indiistria audiovisual é, sob esse ponto de vista, criticada vivamente, Para George Stigler ag7a], regulamentagoes resultam do triunfo do interesse estreito do produtor sobre o interesse difuso dos consumidores, Burocratizacao das instituigSes e desvio de rota dos orcamentos ‘Segundo Netzer {1978], a concessio de subvengoes anuais auto- miticas por critérios definidos de antemdo nio deve ser por tem- po indeterminado, sob pena de se voltar contra seus beneficis- rios. Maior seletividade é necesséria, apesar dos riscos ai envolvi- dos, pois a busca crescente de subsidios pode levar as instituigoes a dar prioridade a programagoes que agradem mais aos que ad- ministram os bens tutelados do que ao piblico. Para Frey e Pom- merehne [1989], 0 contexto institucional no qual se produzem os bens e servicos culturais é determinante, Os autores mostram di- versos 108 de ineficiéncia das instituigdes pablicas, como mu- seus, teatros ou entidades da area do espeticulo ao vivo. Os aé- ministradores racionais operam sua propria fungao de utilidade ¢ procuram maximizar os lucros simbélicos e as remuneragies diretas de que podem desfrutar; o conservador de museu tende a aplicar uma estratégia de qualidade maxima’, que dé preferén- cia As mostras mais eruditas, na Ansia de captar a admirago dos ares, e mostra pouco interesse em atrair segmentos de piblico menos informados [Benhamou, 1997]. As regulamentagdes de governo disciplinam rigidamente as relagdes de trabalho, levando os museus a manter inadequados hordrios de abertura a0 publico e proibindo 0 necessario ajus- te do ritmo de trabalho as necessidades da oferta de espetic los, Prova disso, sem nenhuma diivida, foi a dificuldade que teve a Opera de Paris de negociar um novo acordo coletivo. Até as mais bem intencionadas regulamentagées limitam a capacidade de sintonia das instituigoes com 0 mercado. Em conseqiténcia, Alan Peacock (1991] propée que se substitua o clientelismo por uma competitividade maior entre instituiges privadas ou priva- tizadas na disputa por verbas pablicas. Com base nisso, criticou- se 0 sistema alemdo de amparo a indiistria cinematogréfica. Os 4+ Surqualité, no original. A autora refere-se 4 tendéncia dos ditigentes cul- ‘urais publicos e privados de dar preferéncia &realizagio de eventos mals earos, cercados de formulas de sucesso, como fator de prestigio profssional « de garan tia de piblico. (N. do T) Uiberalisma ou cotas? © caso do audiovisual Desde 1989, com a aplicagao da diretriz ‘Televisions sans Frontieres, a Franga impée aos canais de televisio cotas de difusio de so% de obras smatograficas européias, das quais 40% de obras de cexpressio original francesa. Nas negociagses da Rodada Uruguai (1993-1998), a adogao do principio de “excegao cultural” garantiu a manutencio de cotas e do audiovisuais ¢ subsidio ao cinema. Sem isso, ele estaria sujeito ao prinelpio de trata mento similar entre produto nacional e estrangeiro. Contrésios & pro- tego, os norte-americanos reclamaram multo que a parcela de mer- cado que detinham os obrigava a financiar o sistema francés, através da taxa cobrada sobre o prego do ingresso erh cinema. © brago-de-ferro entre livre-cambistas e protecionistas foi reto- mado trés vezes, em 998 € em 1999. Um acordo multilateral sobre 0 investimento (AMI, negociado entre vinte e nove paises, estabeleceu igualdade de tratamento aos investideres; mas, sob presslo de v: lobbies, esti por enquanto abandonade. Depois veio 0 projeto de cria. ‘¢do de uma zona de livre-comércio entre Europa e Estados Unidos. Ele visava sobretudo liberalizar o setor de servigos, os mercados pitblicos © propriedade intelectual, mas foi, por sua vez, rejeitado sob pressio de varios paises europeus. Finalmente, as negociagbes da Organizacio ‘Mundial do Comércio (OMC), em Seattle, no final de 1999, no conse- guiram alterar a lista de setores sujeitos a maior abertura. Apesar da protegi Unidos é de 3%, enquanto a do norte-americano na Europa varia entre 52.€ 92% do mercado, conforme o pais. © déficit comercial da Europa para com 0s Estados Unidos, no item dos programas audiovisuais, foi 1 participagio do filme europeu: nos Estados de 6 bilhdes de délares em 1998, 0 que significowalta de 42,6% em rela- ‘¢80.a.3993. Segundo 0 Observatério Europeu do Audiovisual, em 2000 0 défict subiu a 8,2 bilhdes, Os programas norte-americanos, amorti- zados em seu mercado interno, so vendidos a prego baixo na Europa © 208 poucos expulsam das telas o filme nacional. Ora,a preferéncia do consumidor pela iversidade nao é satisfeita necessariamente por sua simples disposicio a pagar. Isso coloca a necessidade de regras au- 472 | A ECONOMIA BA CULTURA xilios, toda ver que o mercado nio seja bastante vasto para amortizat 08 custos fixes de produgio: a produgio local, certamente desejada, nio é rentével (Lancaster, 1980]. A cota da ao produtor focal a garan- ta de um mercado cativo. No entanto, segundo René Bonnell [3996], por isso mesino o produtor aumenta indevidamente sua renda a0 au- ‘mentar injustificadamente seus custos. Apesar da aplicaglo bastante rigorosa das cotas de exibigio, a partir da imposigao da lei adotada ‘em 1992, a participagao do cinema francés no conjunto dos filmes exi- bidos na TV francesa esti em baica. Sua fatia caiu de 57.9% pars 35% entre 1998 € 2002, em proveito do filme norte-americano. Os exibi- dores além disso fazem macicas reexibigSes. Os imensos gastas com direitos fazem das reexibigoes algo indispensivel para a amortizacéo do investimnento. Os blockbusters chegaram a pagar em torno de 2,1 milhdes de euros por Jurassic Park, ou de 3,96 milhées por Le Pla- card). Em 1995, de 755 filmes, 200 foram exibidos pela primeira vex através de canais abertos de TV. Some-se a isso a prioridade dada a exibigio de co-produgoes: 60% da producdo cinematogréfica francesa dos anos 1983-1992 jamais foi exibida nos canais abertos em 1995, que preferem programar as produgées de suas filiais (fonte: CNC/CSA), Um risco suplementar inerente & politica das cotas de exibicio &a es- pecializagao da producéo nacional em filmes de pequeno custo e qua- lidade desigual. E o que afirmam certos economistas, ao sustentar im- plicitamente a hipétese de que a qualidade & fancio dos servigos in- corporados a08 bens, © que tas servigos dependem do tamanho do investimento. Pode-se enfim argumentar que © desenvolvimento tecnotégico torna os dispositivos de protegao em parte obsoletos. Ademais, os pafses membros da Uniso aplicam desigualmenteo sistema de cotas, uma vez quea diretriz politica apenas diz “sempre que possivel’ E por Jss0 que as cotas de divulgacio so substitu(das progressivamente por obrigagdes de exibigao, Na Franga, os canais desde entao deve con- sagrar parte de seu faturamento a encomenda de obras de expressio original francesa ou européia, ot ainda & aquisigdo de direitos de exi- bigdo de obras cinematograficas originais. AS POLITICAS CULTURAIS 1473 filmes norte-americanos continuam aumentando sua fatia (80%) no mercado alemao, mesmo com a ajuda substancial de cerca de 600 milhdes de marcos em 1994. E que esta contempla “a re- dagao de roteiros que nao sao filmados, e filmes que ou nao sao Gistribuidos, ou sio mostrados fagazmente em salas vazias” (Le Monde, 11 de junho de 1994), tudo porque 0 subsidio havia sido distribufdo em escala regional e segundo interesses locais, sem levar na devida conta critérios estéticos ou profissionais. Sobre o sistema francés de ajuda, René Bonnell diz. 0 mesmo, isto é, que se tornou “o seguro-satide da produgio” [1989, p. 574] ‘Segundo levantamento do CSA (Conseil supérieur de Paudio- visuel), a inflagio de custos da produgao cinematografica é man. tida pela intervencao do Estado. Com efeito, a conta de apoio permite a0 produtor obter uma ajuda automstica que o leva a au- mentar 0 custo da producao. Sendo obrigado a fornecer aporte financeiro de pelo menos 15% do custo previsto da obra, a fim de conseguir a ajuda piiblica, ele superestima 0 orcamento de modo a tornar quase ficticia sua participagao (Rapport Cluzel, 1988] Acrescente-se ainda que os mecanismos de concessao de ver- bas também acentuam a concentracao geografica de seus resulta- dos. Embora 0 caso francés seja bem conhecido, ele no é abso- lutamente excepcional, pois Londres recebe 80% da ajuda & mi sica e 40% do apoio britdnico ao teatro [Peacock, 1994]. Estancamento da criagdo? Em 1989, uma exposi¢ao de fotografias de Serrano e Mapplethor- pe, subsidiada pelo NEA/National Endowment for the Arts, pro- vocou escindalo, pois nela aparecia um crucifixo mergulhado em trina. O 6rgao ficou abalado e denegrido pela reagéo moraliza- dora que s¢ seguiu. Em 1999, a exposicio “Sensation’, no Museu 374 1A ECONOMIA DA CULTURA de Brooklyn, suscitou idéntica polémica. Mas é de todo mods impossivel acusar 0 governo americano de oferecer recursos em excesso para suas institui¢des culturais. Afinal, 0 orgamento da instituigao subiu, em 1994, para 167,4 milhdes de délares, 0 que, aliés, ndo passou de 68 centavos de délar por cidadio norte-ame- icano, mas caiu, em termos relativos, a 50% de seu nivel real de 1981. Entretanto, isso pouco importa aos que contestam a agio do Estado: a ajuda publica, para eles, est sendo concedida a artistas, imorais e incapazes. Talvez devessem lembrar-se de que este tum velho argumento que custou muito infortinio aos melhores artistas de seu tempo... Segundo Michel Schneider [1993], um Estado democrético do pode aspirar a clarividéncia em matéria de escolha artistic. iy fabrica no dia-a-dia a notoriedade de midia, entre os imperatives lido entre 0 gosto, as vezes ditatorial, da gente mundana que do Audimat$ ou as escothas por uma administragio piiblica sem competéncia para fazé-las, o Estado esta fadado ao erro. O autor, ex-diretor do departamento de Miisica no Ministério da Cultu- +14, propbe suprimir o ministério em proveito de um sistema de dedugdes fiscais ao investimento privado. Dominique Bozo, num relatério ao ministro acerca das encomendas feitas pelo gover- no [1988], lembra que a arte contemporanea é um terreno dificil, pois é terreno de experimentacao; diante dela, 0 Estado, que esti calejado por ertos passados, tende a inverter seu comportamen- to tradicional e a comprar afoitamente os mais loucos disparates da criagio contemporinea. Para mostrar até que ponto erros ¢ falta de discernimento marcam a histéria das compras piiblicas de arte contemporanea basta evocar alguns fatos. Por exemple, 5: Instrumente de mensuragio de audiéncia de TV; por extensio, a propria ‘mensuragio e suas instincias. Equivalente 20 Ibope no Brasil. (N. do) AS POLITICAS CULTURAIS | 175 a recusa do Louvre a expor 0 Olympia, de Manet: as hesitagées dos conservadores oficiais em aceitar 0 legado Caillebotte; as la- cunas deixadas em colegdes piblicas pelas aquisigdes de gover- no, como se vé no fato de nenhum museu francés ter comprado Matisse ou Picasso antes da Segunda Guerra Mundial, Somente doagées de colecionadores esclarecidos conseguiram preencher tais lacunas (“Lart et VEtat’; Le Monde, maio de 1993). Muitos er ticos das aquisig&es paiblicas apontam um emergente conformis- mo artistico do Estado, que estaria mesmo na raiz de uma “crise da arte contemporanea”: © melhor sinal disso & que se tem hoje, dado seu formato, obras que na verdade foram criadas quase ex- clusivamente para museus [ef. especialmente Clair, 1997; Dagen, 1997; Michaud, 1997; Heinich, 1908]. © Estado deve ajudar so- mente autores ¢ obras com “notoriedade jé estabelecida” [Frey & Pommerehne, 1993, p. 47} O estimulo a criagao ¢ tarefa dificil, uma vez que se divide en- tre a necessidade de escolher e © perigo de acabar constituindo uma arte oficial, Michel Schneider vé na anarquia resultante da ma gestio e no arbitrio burocrético do ministério da cultura a origem da mercantilizacao da arte. Outros, como ele, lamentam as con- fusbes de género que levam a aplaudir com 0 mesmo entusiasmo ingénuo o rap € 0 cléssico, a literatura popular e Proust, os espeté- culos de alto nivel e as festas populares. Enfim, as confusdes que, acreditando celebrar a cultura do povo, apenas glorificariam mer- cadorias produzidas por multinacionais sedentas de lucro. Mas € de perguntar: sera que os que criticam o poder pablico, fastigando 0 falso brilho das politicas culturais, ndo estariam sendo sensiveis, apenas a seus ruidos, esquecendo os efeitos positives da presenga do governo, por menores que sejam? 116 1 A ECONOMIA DA CULTURA A superestimativa dos efeitos externos e a avaliacio impossivel Estudos de impacto dio pouca importancia aos efeitos de substi- tuicdo ou de eviecao: convergir recursos para uma regio vem em detrimento das demais, ¢ o gasto que decido fazer aqui se com- pensa no gasto que deixo de fazer acold {Benhamou, 1999]. Além disso, nada prova que um uso alternativo do dinheiro putblico nao poderia produzir melhores efeitos externos [Peacock, 1994] E constante a tendéncia @ legitimar a politica cultural nos efeitos induzidos pelo investimento péblico. O argumento dos responsaveis culturais para conseguir verba pablica ganha feigio econdmica, Pois um diretor de museu no chegou a declarar re- centemente que: “Quando no ha mais agricultura nem indis- tria, deve-se fazer 0 patriménio cultural dar frutos” (Le Monde, » de fevereiro de 1903)? Cuidado que pode haver ai uma terrivel armadilha contra 0 proprio subsidio puiblico! Jamais se provard que a despesa cultu- ral gera retornos acima dela; mas, apresentando-se isso como pa- rametro de modernidade cultural, condena-se & morte certa todo projeto incapaz de gerar contrapartidas de custo prazo, posto que € exercicio complexo avaliar uma ago governamental. Em 1976, Mark Blaug e K. King, em artigo que provocou viru- Ienta polémica, perguntavam... “se o Arts Council sabia o que fa- zia’, Aconselharam ento uma andlise de custo-eficiéncia a fim de melhor avaliar 0 efeito das subvengdes ("Does the Arts Council know What it's Doing? Encounter, setembro, 6-16). Com efeito, um relatério enviado ao Conselho da Europa [Chalendar & Bré- bisson, 1987] mostrou que nenhum pais europeu tinha idéia do custo indireto das vantagens fiscais concedidas ao mecenato. Os economistas sabem muito bem 0 quio dificil é avaliar com obje- tividade a regulagio que protege um ramo de atividade. Dois grandes obstéculos limitam a avaliacio dos efeitos da lei que estabeleceu o prego tinico do livro. A lei deveria ajudar a profissio a manter ativa a criagdo literéria e fomentar a com. pra de livros; deveria também contribuir para manter abertas livrarias de qualidade. Com relagéo ao primeiro ponto, trata-se de medir valor estético, questio completamente fora da algada do economista; quanto ao niimero de exemplares impressos, de habito usado’ como termometro da atividade editorial quando se quer avaliar os efeitos da lei, hé sempre o inconveniente de negli- genciar a parcela importante dos livros que acabam virando pa- Ecalle [x998)). Além dis- 50, a avaliagdo requer comparagio com 0 que teria ocorrido na pel reciclado (cerca de 6% da produgic auséncia de lei, mantido igual todo o restante. Aliés, alguns es- tudos concluiram haver efeito positivo para a livraria, ainda que de curto prazo e contemplando aquelas melhor abastecidas [Ar- chambault et al, 1986). Outra questdo é a dos critérios de avaliagao: como o governo se divide em subvencionar instituigées com freqiiéncia mais de elite, como a 6peta, ou outras de audiéncia muito maior, 0 crité- rio de eficécia da agdo de governo deve ser afinal o tamanho da audiéncia, ou a qualidade, sendo esta sempre subjetiva, contest- vel, datada? A ineficiéncia redistributiva Augustin Girard, por longos anos diretor do servigo de estudos pesquisas do Ministério da Cultura, observava, em 1982, que 0 di- ferencial nas possibilidades de acesso de um executivo e um ope- rério era de 1 para 2 com relagao ao livro, de 1 para 1,2 no tocante & TV e de 1 para 10 com respeito & épera, alias a atividade mais subvencionada entre as trés (Le Monde, 8 de dezembro de 1982). 178 | & ECONOMIA BA CULTURA Levando em conta o carter muito desigual do consumo de cult ra, a politica cultural acarreta um efeito antidistributivo. Michael (O'Hare {apud Hendon, 1980] censura © governo por subvencio: nar compositores de misicas com infima probabilidade de serem escutadas; pior ainda, considera que, quanto mais aumenta 0 vo- lume de subvenges, mais diminui essa probabilidade. Um estu- do norte-americano atenua, porém, esse julgamento, indicando que existe um efeito redisteibutivo, das familias mais ricas em fa- vor das familias de renda média mas de nivel elevado de educa- Go. Em contcapartida, os menos abastados pagam pouco, mas nao desfrutam praticamente da vida cultural (Feld et al., 983] “Muitos pesquisadores sugerem, a partir dai, uma volta ao sis tema antigo, © voucher ou cheque-cultura, que permite que se obtenham redugées de preco ou entradas gratuitas junto a ofer- tantes concorrentes. Diversas experiéncias foram feitas, na Broad- way, em Ontario etc. O voucher subvenciona 0 consumidor € nao mais o produtor, ¢ as preferéncias podem ser expressas nun mer- cado de livee concorréncia. Mas, supondo abolidos os obstéculos a esse tipo de politica, como a revende de ingressos no mercado negto, a distribuicdo de vouchers pode desencadear um excesso de demanda em relagao & oferta e uma alta dos pregos {Peacock, 2994]. Uma experiéncia realizada em Minneapolis, na década de 1970, teve de ser abandonada porque a freqiténcia concentrou-se em poucos espeticulos, em prejuiizo da maioria das instituicoes culturais. E 0s obstaculos & freqiiéncia as atividades culturais no sto somente de ordem financeira. William Grampp [1989] con- ta uma experiencia tentada pelo Arts Council: consistia em dis- tribuir a cidadaos pobres entradas de teatro a precos reduzidos. Cinco mil ingressos foram procurados ja no primeiro més, 95% dos quais por estudantes. Gordon Tullock [1964] questiona o argumento da redistribui- As pouiricas cucrunais 1179 ‘do entre geracées: por que privilegiar 0 consumo das geracdes futuras quando parcelas imensas da populagio atual nao tm acesso cultura, mais ainda se se aceita a hipétese de que as ri- ‘quezas aumentam com 0 tempo? Se a tal argumento se acrescen- tar ode que existe uma propensio desigual ao consumo de cul- tura conforme a classe social a que pertence o individuo, o gasto em beneficio do consumo cultural das geragées futuras equiva Je a responsabilizar as geragdes atuais pelo consumo cultural das categorias mais ricas de amanha [Peacock, 1994]. Democracia direta, urna solugdo para a ineficiéncia? A democracia direta é um meio eficaz de revelar os desejos dos cidadaos e, portanto, de estimar a demanda privada em matéria de politica cultural. Na Basiléi em 1967, um referendo aprovou a compra, pela cidade, de dois quadros de Picasso, dente uma colecdo inteira emprestada ao museu, e da qual 0 proprietario ia se desfazer por problemas financeiros (Frey & Pommerchne, 2993]. Mas a pratica do referendo, @ priori muito democratica, nega que os segmentos pouco inclinados ao consumo cultural se- jam desfavoraveis a esse tipo de uso do dinheiro pibblico. As son- dagens da disposigao dos cidadaos a pagar tm mostrado que, a0 contratio do que se pensa, ela geralmente se coaduna com o nivel do gasto pitblico efetivo [Morrison & West, 1986). Tal interpreta- 80 € confirmada por diversos levantamentos [Throsby & Whi ters, 1986], mesmo quando consultam categorias sociais a priori refratarias ao consumo cultural. Nao € essa a opinide de William Grampp [1989], inimigo en- carnigado da intervengao publica. Em sua opinigo, a falta de pro- testo do cidadgo norte-americano contra os gastos do governo com cultura resulta da insignificancia da despesa per capita, 0 180 1 & ECONOMIA OA CULTURA que nao estimula & revolta. Em suma, é 0 tamanho ¢ a dispersio dos contribuintes perante o restrito grupo dos beneficiérios que explicariam a tolerancia. E estranho que, para censurar 0 exces- so de gastos em beneficio da arte, se recorra justamente a um argumento que postula sua exigitidade, Quantos cidadios fran ceses poderiam reclamar do quanto cada um paga, via governos subnacionais, & vida artistica: 28 francos apenas para as regioes admi istrativas; 91 francos para os departamentos e 884 francos para as municipalidades acima de dez mil habitantes (exceto Pe- ris) em 1996? Seriam antes as escolhas feitas do que as quantias gastas 0 que poderia provocar eventual discussio. Aligs, justificar a qualquer custo o gasto cultural pelo retorno econdmico que possa proporcionar nao equivaleria a endosser um arrogante economicismo? Deixando um pouco de lado a ideo- logia liberal e sua insisténcia no ataque a eficacia econdmica do investimento artistico, nao seria o caso de, com apoio em Pierte Bourdieu, “considerar o fato de que a falta de cultura ver acom- panhada no mais das vezes da ‘falta do sentimento dessa falta” [Heinich, em Moulin (ed.), 1986]? © perigo da retracio do po- der piblico sem outra razio sendo a de abrir espago ao mercado aparece ai cruelmente, pois alimenta a indiferenca pela vida cul- tural e 0 autocentramento egoista. Ninguém duvida do bom fun- damento da critica a onipoténcia de um Estado tentado a dirigir a crigcdo, a gerar rendas com a cultura e a administrar clientelas. Mas & possivel reconhecer isso ¢ ao mesmo tempo aceitar que a intervencao de governo impede que se empobreca a vida cultu- ra] quando abandoneda ao imperativo da rentabilidade, ¢ aceitar também que 0 mecenato seja apenas uma transferéncia pontual de responsabilidade ¢ nao transformagio profunda das condigoes de financiamento cultura. Em resumo, 0 retorno econdmico que a vida cultural dé &.co- As pOLITICAS CULTURAIS 1 481 munidade nem sempre cobre a despesa. Sem ditvida, a impor- tancia dessa despesa deve ser medida por um padrio diferente de sua dimensio exclusivamente econémica, pelo menos em seu sentido estrito. £ lamentével que, justo no momento em que o economista aprende a levar em conta a dimensao qualitativa da- guilo que mede, ele se restrinja a calcular apenas as conseqiién: cias comerciais do investimento cultural. O que é melhor: ficar se queixando do custo da vida cultural, que, apesar de tudo, conti- hua modesto, ou encaré-lo como sinal de que a nacao é adulta e préspera? 182 A ECONOMIA DA CULTURA Conclusao Mare Fumaroli [1991] atribui a André Malraux a paternidade des- sa espécie de “religiéo moderna” que ¢ a politica cultural. Tama- rho investimento simbélico tem-se mostrado relevante no debate quanto 20 futuro da legislacao que hoje protege nossas inctistrias audiovisuais. Roger Planchon exclamou em Le Monde, a 29 de ju- tho de 1993: “Para nossas nagées, para nossa Europa, o cinema nao 6 apenas uma indiistria nacional, mas um mével de luta espiitual @, junto com as demais artes, seu mével de luta mais importante” Essa religido hoje se liga & economia, ela mesma feita religiao. Des- saalianca, certamente antinatural, pode vir 0 pior ou o melhor, se- gundo se use a ciéncia econémica para dizer 0 que tem a dizer, ¢ somente isso, ou entio se comece a exigir da cultura que produza “resultados positivos” para que mereca ser financiada. A pesquisa no esté isenta desse risco: por querer a qualquer custo defender uma especificidade, ela corre 0 risco de meter economie da cultura num gueto. Longe disso, fomos progressi- vamente descobrindo um campo heterogéneo, cujos pontos em concwusio | 183

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