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Nacionalismo no centro e na periferia do capitalismo LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA NACIONALISMO é uma ideologia particularista em vee de universal, © jquando cle assume um cariter radical suas conseqiiéncias sio tecriveis — mais violentas do que as resultantes da radicalizagao das outras gran- des ideologias do capitalismo. Por isso ~ ¢ também porque nao interessa a0s pa- {ses ricos sua existéncia nos paises em desenvolvimento -, 0 nacionalismo é uma ideologia sempre sob suspeita. Entretanto, como 0 nacionalismo é a ideologia que legitima as nagdes, ¢ dado o fato que a sociedade moderna esta organizada territorialmente em estados-nacio, 0 nacionalismo é uma ideologia forte ¢ oni- presente, Outras ideologias so também importantes, mas como a competisio centre 05 estadas-nagio € 0 fator ccondmico ¢ politico mais abrangente no capi- talismo global, o nacionalismo, ainda que muitas vezes disfargado, negado, tem sempre um papel central. Durante a guerra fria, conflito ideolégico principal parecia ser entre li- beralismo ¢ socialismo; mas assim que a Unido Soviética entrou em colapso, ficou claro que mesmo o conflito entre os Estados Unidos e a Unio Soviética era 0 conffito de dois nacionalismos. Além disso, quando vemos a experiéncia mais extraordindria de engenharia politica da hist6ria (a construgio ds Unito Européia), podemos interpreté-la como uma negasao do nacionalismo ~ ¢ de fato o € na medida em que resultou da decisio da Franga ¢ da Alemanha de li- mitarem seus nacionalismos ¢ ndo mais fazerem guerra. Mas podemos também pensar a Unido Europtia como 0 proceso de criagio de uma “na¢o” mais, ampla, multiétnica ¢ multilingjista —a nago européia ~ por meio da formagio de um estado-nagio mais amplo, 10 mesmo tempo que se preserva 2 identida- de nacional dos sens varios componentes.! O nacionalismo continua, portanto, a ter um papel decisivo na vida politica da humanidade. Conforme observou Benedict Anderson (1991, p.3), “o ‘fim da cra do nacionalismo’, tio insistente- mente profetizada, nao esta sequer remotamente 2 vista. De fato, o sentimento de pertencimento a uma nacZo & 0 valor mais universalmente legitimado da vida politica do nosso tempo”. macionalismo ¢ fruto da revolugio capitalista que, além dele, deu ori- gem uma outra ideologia de origem burguesa,o liberalismo, ¢ a trésideologias ~ 0 socialismo, 0 eficientismo ¢ 0 ambientalismo — cujas origens sio, respectiva- mente, a classe trabalhadora, a classe média profissional ¢ as classes médias em eral. O liberalismo € a ideologia da liberdade de pensamento ¢ expressao ¢ da Estupos AVANCADOS 22 (62), 2008, m liberdade econdmica; é tanto o sistema de valores ¢ crengas que justfica os di- reitos civis quanto a tese no necessariamente radical do Jaisste-faire ou da mio invisivel. Originalmente, uma ideologia revolucionaria contra o Estado absoluto, ¢ 0 mercantilismo tornou-se depois uma das bases do conservadorismo moder- no. Nao obstante, © liberalismo continua a ser uma conquista fundamental da humanidade como afirmasao dos direitos civis ou do estado de direito. Ji o nacionalismo €a ideologia que une a nagio, € sentimento de destino, comum que garante a coesio necessiria 4 nago para que ela se assegure de um territério, organize um Estado e forme, assim, um estado-nacao. £ a ideologia da autonomia, da seguranga € do desenvolvimento econdmico nacional. A na- si0, por sua vez, 0 grupo social rezoavelmente homogéneo que partilha um destino comum € dispée ou tem condigdes de vir a constituir um estado-nagio ~a unidade politico territorial em que esté dividida politicamente a humanidade no capitalismo. O nacionalismo € uma ideologia originalmente burguesa, mas com uma conotagio popular, ja que s6 faz sentido quando capitalistas, traba- Ihadores ¢ classe profissional superam de alguma forma seus conflitos internos, partilham um destino comum e se solidarizam na competigio com as demais nagdes. (© socialismo, por sua vez, é a idcologia da justiga social. Marx 0 definiu como um modo de produc, mas essa forma de organizagao da sociedade nao se concretizou € nao ha perspectivas de que isso aconteza em um horizonte previsivel. Em compensagio, um grande néimero de valores socialistas visando 2 igualdade substantiva entre os seres humanos foi incorporado aos sistemas ju- ridicos dos estados-nago modernos, fazendo parte do patriménio comum das sociedades modernas. Ea ideologia dos direitos sociais que atendem primaria- mente is minorias ou aos oprimidos, aos pobres, aos trabalhadores, as mulheres, as minorias étnicas. © eficientismo ~ ou ideologia da eficiéncia, se preferirmos evitar esse ne- ologismo ~ é a ideologia da racionalidade instrumental, da definica0 do meio mais adequado ou menos custoso para se atingir o fim visado, da eficiéncia ou da produtividade, portanto. E uma ideologia originalmente tecnoburocritica ou. profissional que emergiu no inicio do século XX, a partir do momento em que as unidades fundamentais de produsdo deixaram de ser familiares para serem organizagdes burocriticas, € que uma nova classe de profissionais ou técnicos passou a desempenhar um papel decisivo na sociedade porque tem ou pretende ter 0 monopélio do novo fator estratégico de producio: o conhecimento tanto administrativo quanto técnico e comunicativo. Finalmente, o ambientalismo nasce no iiltimo quartel do século XX, quan- do a humanidade afinal se dé conta de que as sociedades industriais estavam destruindo a natureza. E originalmente uma idcologia das classes médias tanto bburguesas quanto profissionais, mas, como ocorreu com as outras quatro ideo- logias, € hoje partilhada em diferentes intensidades por todas as classes. m EsTubas AVANGADOS 22 (62), 2008 Essas cinco ideologias correspondem, sproximadamente, aos cinco gran- des objetivos politicos das sociedades modernas: a seguranga, a liberdade, a au- tonomia ¢ o desenvolvimento econdmico, a justia social, ¢ a protegao do meio ambiente. Quando essas ideologias se radicalizam, elas se transformam em fun- damentalismos antidemocraticos ¢ anti-humanos, Isso ¢ verdade em rela¢io a0 liberalismo que se transforma em neoliberalismo, ao socialismo que degenera em estatismo, ao eficientismo que reduz 0 progresso ao crescimento econd- mico, ¢ 20 ambientalismo que se transforma em recusa 20 progresso. Mas é especialmente verdade em relagio a0 nacionalismo que, quando radicalizado, define-se cm termos étnicos, deixa de sc definir como clemento da competigio internacional, se volta internamente contra os compatriotas de outras ragas ou religides, ¢ se transforma em racismo. Por isso, as sociedades democriticas do século XXI fazem compromissos entre seus objetivos politicos para, assim, evitar que as ideologias se radicalizem ¢ se pervertam. Por isso, em relagio a0 nacio- nalismo, é freqiiente se distinguir um nacionalismo étnico de um politico. Ainda que a nagio possa ter como uma de suas bases a mesma etnia, a radicalizasio nacionalista desse trago conflita frontalmente com os valores universais que as sociedades modemas desenvolveram ¢ acordaram na Deciaragao Universal dos Direitos Humanos de 1948. Liberalismo, nacionalismo e eficientismo, socialismo ¢ ambientalismo cor- respondem, respectivamente, aos objetivos de liberdade, seguranca ¢ desenvol- vimento econémico, justiga social ¢ protesio da natureza. Como esses cinco ‘bjetivos sao politicos, a socicdade busca alcangi-los por meio da politica ¢, por- tanto, do Estado. Como sio objetivos nem sempre cocrentes entre si, a politica, que é a arte do compromisso ¢ da persuasio, trata de combiné-los de maneira razoivel. As sociedades capitalistas ¢ democriticas mais avangadas sio sociedades nacionalistas, 0 que nao as impede de ser também liberais, sociais ¢ ambientalis- tas. Conforme observa Neil MacCormick (1999, p67), “existe um lugar impor- tante no mundo contemporinco para um nacionalismo liberal”, como também caiste um lugar para um nacionalismo social ¢ ambientalista, Nao faz sentido, portanto, definir nacionalismo como o fez Miroslav Hroch (2000, p.88): “na- cionalismo stricto senso & a visio que confere absoluta prioridade aos valores da nagio perante quaisquer outros valores ou interesses”. Essa é uma definicio do nacionalismo fundamentalista.? © nacionalismo & a forsa unificadora dos estados-nagdo modemos, ou seja, da unidade politico-territorial constituida de uma nagdo, de um Estado, ¢ de um territorio em que esté organizada a humanidade. No estado-nacao, pais ‘ou Estado Nacional, a nagio € a sociedade nacional, enquanto o Estado € 0 sis ‘tema constitucional-legal ¢ a organizacio que 0 garante. Nessa condicao, 0 Es- tado, dotado por definic2o do poder de coersio para garantir o império da lei, € instrumento institucional por exceléncia de agio coletiva da nagi0.* Enquanto nos sistemas pré-capitalistas avangados o Império era a unidade politico territo Estupos AVANCADOS 22 (62), 2008 173 rial, no capitalismo esse papel passa a ser exercido pelos estados-nagio que, hoje, cobrem todo o globo terrestre. Nos impérios, o Estado antigo tinha um tinico objetivo, a segurangas os outros quatro objetivos politicos surgem a partir da revoludo capitalista e da separagio. £ a partir dai que ocorre a separagio entre o pablico € o privado, entre © Estado € a sociedade nacional, essa essumindo ora a conotagio de nagao ora a de sociedade civil. Por isso, nagio € nacionalismo sio, respectivamente, uma forma de sociedade e uma ideologia do capitalismo; por isso que Ernest Gellner (1983), Bendict Anderson (1991) ¢ Anthony D. Smith (2003), ndo obstante suas diferentes linhagens tebricas, relacionam as nagées com a modernidade, ou seja, com a revolusio capitalista e 0 desenvolvimento econémico. $6 assim podemos explicar a forga ideol6gica do nacionalismo no capitalismo. Montserrat Guibernau (1997) oferece outras duas perspectivas para enten- der o nacionalismo ~ uma essencialista, segundo a qual 0 nacionalismo derivaria do cariter antigo ¢ imutavel da nago; a outra, psicolgica, que o relaciona com a necessidade de auto-identificagio, mas a primeira é simplesmente uma tese equivocada, enquanto a segunda, uma conseqiiéneia do nacionalismo € da constituigdo das nagdes. A necessidade de pertencer a grupos deriva do carter essencialmente social do ser humano, mas essa necessidade assumiu, durante séculos, formas que nada tém a ver com 0 fendmeno do nacionalismo. ‘Tanto a nagdo quanto a sociedade civil sio a sociedade politicamente or- ganizada que comega a surgir a partir da revolugio capitalista e da formago do Estado moderno. Enquanto a nacdo ¢ a forma por meio da qual as sociedades modernas se organizam politicamente para buscar o desenvolvimenta econdmi- co, a sociedade civil € a maneira pela qual se organizam para lograr a liberdade € a justiga social. Nos dois casos, a sociedade politicamente organizada se dis- gue do “povo” ~aqui emtendido como o conjunto de cidados com direitos guais -, porque tanto na nagdo quanto na sociedade civil os poderes individuais estio ponderados pela capacidade de organizacdo, pelo conhecimento € pelo capital. As nagdes, embora identificadas ou unificadas pelo nacionalismo, sio constituidas por classes sociais em relagio de conflito. Nas sociedades antigas, a tinica classe social capaz de se organizar era a oligarguia proprietiria de terras ¢ de armas, que se confundia com © proprio Estado, Entretanto, com o capitalismo ¢ o surgimento de uma nova classe rica € poderosa, mas sem 0 poder direto sobre o Estado, como foi a burguesia, se- parava-se sociedade do Estado, ao mesmo tempo que a sociedade, agora politi- camente organizada, assumia a forma de sociedade civil ou de nagio. Foi Hegel que se deu conta da separacio que estava ocorrendo entre sociedade ¢ Estado, € denominou a sociedade politicamente organizada de sociedade civil, ou, signi cativamente, sociedade burguesa. Ao mesmo tempo, uma outra expresso ~ nagdo era utilizada para idlen- tificar também a sociedade politicamente organizada, Enquanto a sociedade civil 174 EsTupos AVANGADOS 22 (62), 2008 € um conceito historicamente associado 20s objetivos universais de liberdade, justica e protesio da natureza, os objetivos politicos que a nagdo busca alcangar ‘sio a autonomia nacional ¢ o desenvolvimento econémico nacional. Para orga- nizar politicamente ¢ realizar esses objetivos, a nacio requer um Estado como seu instrumento de asio coletiva, ¢ precisa dominar um tertitério, de forma a poder assim se constituir em estado-na¢a0. Por isso, s6 existe realmente uma ‘nagéo quando um povo possui um Estado ou esta lutando por ele € tem possi- bilidade de obté-lo. ‘Nessa concepeio, o Estado é sempre a expressdo da sociedade; é a institui- io que a sociedade cria para que regule 0 comportamento de cada um, ¢ assim assegure a consecusio dos seus objetivos politicos. Se a sociedade é autoritéria, ‘com diferengas muito grandes de poderes entre a elite ¢ 0 povo, o Estado sera autoritério; na medida em que as diferensas na sociedade diminuem, também © Estado se democratiza. Quanto menores forem diferencas de poder derivado do dinheiro ¢ do conhecimento, ¢ quanto coesas forem tanto a nago quanto a sociedade civil, mais democratico € mais forte seré o Estado ~ mais capaz, por- tanto, de desempenhar seu papel de instrumento de ago coletiva da sociedade. ‘As cinco ideologias das sociedades modernas estio presentes em maior ou menor gra no sistema de valores ¢ erensas de cada cidadao, e mas respectivas instituigdes. Como os objetives politicos que clas buscam sto finais mas nem sempre compativeis, o que vemos nas sociedades ¢ nos seus estados ¢ um gran- de compromisso social. Cada sociedade busca uma combinacdo razoavel dos cinco objetivos ¢ suas respectivas ideologias. Essas combinacdes variam para os mesmos niveis de desenvolvimento econdmico ¢ tecnolégico, ¢ isso nos permite falar em modelos de capitalismo. Neste trabalho concentrarei minha atencio apenas no nacionalismo, e, naturalmente, na nasio. Nacionalismo, estado-nagao e desenvolvimento Nagdo ¢ nacionalismo ~ a primeira, uma forma de sociedade, a segunda, uma ideologia ~ sio duas realidades sociais complementares que surgem da re- volugio capitalista. Os nacionalistas geralmente buscam suas raizes nacionais ‘em tempos imemoriais — os alemaes, por exemplo, gostam de se identificar com a nago germinica, os franceses, com os antigos gauleses, mas hoje existe um ‘quase consenso entre 0s estudiosos do tema de que as nagOes cas revolugoes nia- cionais que levaram a formasao dos estados-nacao sao um fendmeno moderno (Hobsbawm, 1990; Hutchinson & Smith, 1994; Thiesse, 2001). Walker Connor (1994, p.154), estudando a formagio da nagio francesa — uma das mais antigas do mundo -, cita 0 estudo de Eugene Weber, segundo ‘0 qual “a maior parte da populagio rural e das pequenas cidades na Franga tio recentemente quanto em 1870 nao se viam como membros da nagio francesa, € muitos ainda nio faziam isso tio tarde quanto a Primeira Guerra Mundial”. Para ‘cada povo, a revolugao capitalista comera com a revolus0 comercial ¢ o surgi- mento da burguesia, ¢ se conclai com a Revolusdo Industrial que da origem ao Esupos AVANCADOS 22 (62), 2008 175 fenémeno do desenvolvimento econdmico, ou seja, do processo de acumulagio de capital e de incorporagio de progresso técnico, levando 20 aumento sustenta- do da renda per capita, Entre as duas revolugdes, ou em conjunto com a tlima, corre a revolugo nacional, ou seja,a formagao do estado-nasdo, ¢, portanto, a transformagio do povo originario em uma nagio. Depois da revolucao nacional, o nacionalismo continua essencial porque a competicio econémica entre as nagdes se torna crescentemente forte na medida ‘em que os mercados se abrem para essa competi¢io ~ um nacionalismo que se expressard entio em uma estratégia nacional de desenvolvimento, ou uma estra- tégia nacional de competisao: um conjunto de instituigdes, politicas, acordos ¢ praticas que criam oportunidades de investimento para os empresirios ¢ unem anagio. As nagdes no possuem necessariamente uma mesma Iingua, nem uma mesma religiio, nem mesmo uma etnia comum, mas tém sempre uma historia comum que garante ao grande grupo social uma razodvel homogeneidade cul- tural €, como Otto Bauer (1979) assinalou, por isso mesmo compartilham “um destino comum”.* As nagdes sio construgdes sociais, porque se constituem ¢ se reconstituem permanentemente por meio da histéria, dos mitos e dos simbolos que Ihes servem de identificagao. O fato de as nagdes se definirem essencialmen- te pela posse compartilhada de um destino comum significa que so uma forma pela qual as sociedades se organizam politicamente: por meio do nacionalismo, a sociedade define sua propria identidade ¢ esté voltada para objetivos. O na- cionalismo € essa auto-reflexto, ou, como propés Alvaro Vicira Pinto (1960, p.307), € “a consciéncia auténtica da realidade nacional”. £ a maneira como a ago se vé ¢ define dois objetivos fundamentais: autonomia ¢ desenvolvimento econdmico. Com esse objetivo, embora a mesma religifo nao seja um requisite das nagdes, muitas vezes o nacionalismo, no processo de construir € consolidar 0 estado-nasio, usa religido como instrumento de cocsio social ¢ fortalecimento de legitimidade. O primeiro estado-nasio a surgir na hist6ria foi a Inglaterra, €, nfo por acaso, Henrique VIII foi pioneiro nessa prética ao criar a [greja An- glicana, Embora nos paises ticos a reacio antagdnica a eles que ocorre hoje no Oriente Médio seja identificada com o fandamentalismo religioso, como é 0 caso do Ini, na verdade € uma manifestagio do nacionalismo usando a religito como forma de legitimas3o ~ t2o nacionalista como foi ¢ €a construgio de Israel igualmente usando a religito.* Por sua vez, movimentos politicos na América Latina considerados de esquerda, como na Bolivia de Morales, sio principal- mente expressdes do nacionalismo ~ do esforco de obter coesio da nagio e de construgao de um Estado que Ihes sirva de instrumento de desenvolvimento. Existe uma relagio de miituo reforgamento entre najdo, Estado ¢ estado- hago, a primeira uma forma de socicdade; o segundo, 2 instituigao principal dessa sociedade; ¢ © terceiro, a unidade politico-territorial propria do capita- 176 Estupos AVANGADOS 22 (62),2008 lismo. © Estado expressa a nagio, mas essa s6 existe se 0 proprio Estado se constitui e, além de regular a prépria nagio, logra controlar de forma soberana um territ6rio para assim se constituir em estado-naga0. A nagdo s6 merece esse nome quando € uma sociedade que, além de partilhar um destino comum, é suficientemente coesa ¢ forte para lograr autonomia, dotar-se de um Estado de um territ6rio, e assim constituir um estado-nacio. Essas trés realidades sociais que nascem da revolucio capitalista esto, entretanto, intrinsecamente relacionadas com 0 objetivo do desenvolvimento ‘econémico, porque, na medida em que as sociedades capitalistas se definem pela acumulagzo de capital e pela incorporacao de progresso técnico por empre~ sas em constante competisao, essas sociedades s20 intrinsecamente dinémicas €, portanto, palco necessirio ao desenvolvimento econémico. Por sua vez, 0 capi- talismo & um tipo de organizacio da sociedade cuja legitimidade ndo depende da tradigio ou da forca, mas da capacidade de produzir maior bem-estar. Finalmente, 0 desenvolvimento econdmico é condigio da independéncia nadioual. B por leo que as:naeSes; que dio uma dae duis formes: de sociede de capitalista politicamente organizada, esto sempre voltadas para sua propria seguranga ou autonomia € para o desenvolvimento econdmico. As sociedades modemas, entretanto, tém outros objetivos politicos, como a liberdade, a justi- 2 social e a defesa da natureza: quando sio esses os objetivos, nao falamos em nagio, mas em sociedade civil. A rigor, € a mesma sociedade, mas as formas de interagdo € os pesos dos diversos atores (que sempre dependem do capital, do conhecimento e da capacidade de organizacio de cada um de seus membros) variam conforme essa sociedade se organize como nasio, ¢ busque a autonomia € 0 desenvolvimento, ou como sociedade civil, ¢ lute pela liberdade, justiga desenvolvimento auto-sustentavel. Conforme Ernest Gellner (1983), que foi o mais notével analista do nacio- nalismo, 2 historia da humanidade esti dividida em trés fases ~ pré-agriria, agréria letrada, e industrial -, €0 nacionalismo é a ideologia fundamental da terceira fase. Nas sociedades industriais, que estou denominando capitalista, os estados-nacio sio a forma de organizacio politico-territorial que substitui o Império. Enquanto nas sociedades pré-capitalistas mais avangadas, que Gellner chama de sociedades agririas letradas, os impérios clissicos sc limitavam a dominar as sociedades vi Zinhas e submeté-las a0 pagamento de impostos, nao interferindo na forma de produgio, nas sociedades industria 0s estados-nagio esto voltados inicialmente para a industrializagio ou para o desenvolvimento econdmico, e, para isso, preci- sam estabelecer cédigos de comunicacao entre todos os seus membros que per- mitam alcangar uma produtividade crescente. Por isso, uma mesma lingua é uma quate-necessidade, ¢ a educasao piblica, uma necessidade absoluta, porque é ela que define os simbolos de comunicagio social comuns ¢ permite 0 aprendizado de formas cada vez mais avangadas de produgio. O nacionalismo, nesse contexto, “significa a impoxigao de uma alta cultura em uma sociedade onde predomina- ESTUDOS AVANGADOS 22 (62), 2008 7 vam baixas culturas na maioria, se no na totalidade, da populacio. Significa a difusdo de um idioma para comunicagio tecnolégica mediatizado pela escola ¢ burocraticamente supervisionado” (Gellner, 1983, p.57}.. © nacionalismo, portanto, produto ¢ instrumento da revolugdo capita- lista ou da modemizagio. Nesse processo em que € essencial um razodvel grau de coesao social e de legitimidade politica, 0 papel do nacionalismo € garantir a autonomia ¢ 0 desenvolvimento econdmico nacional. © nacionalismo é a ideo- logia do estado-nagao que, por sua vez, é a forma de unidade politico- territorial propria do capitalismo. Durante a revolusio comercial, a burguesia no se or- ganizou em estados-nagio mas em cidades-estado, a partir das quais realizava 0 comércio de longa distincia, caracterizado por pequeno volume, risco elevado € altas margens de lucro monopolista. Essa forma de comércio foi efetiva para que a acumulagio originéria de capital se realizasse, mas era insuficiente para que a Revolugio Industrial ocorresse. Para isso, exam necessirias economias de escala, incompativeis com 0 co- mércio de longa distancia, mas possiveis desde que se formassem os grandes estados-nagio. As revolugdes nacionais ocorrem entdo, um pouco antes das res- pectivas revoluOes industriais, para dar origem aos primeiros estados-nagio ple- nos: a Inglaterra ¢ a Franca.‘ Sio essencialmente essas economias de escala que esto por tris da associacio entre o monarca ¢ a burguesia na constituigo dos estados-nagio. Ao monarca interessava ver seu poder amplisdo; & burguesia, a possibilidade de amplier decisivamente seu comércio e passar para o estigio da grande inddstria. Nao € por acaso, portanto, que estado-nagio € nacionalismo est2o intrinsecamente identificados com o desenvolvimento capitalista. Embora tenha sido originalmente uma ideologia da burguesia, por ser ela a principal interessada na formacio do estado-nagio ou Estado Nacional, 0 na- cionalismo no podia ser apenas isso. Uma ideologia dominante s6 faz sentido se, de um lado, amplia seu Ambito de influéncia e justifica o sistema de poder vigente, e, de outro, atende também a interesses dos dominados. O nacionalis- mo, ao ter como azo de ser a unio da sociedade nacional, 6 faz. sentido se tiver também um carater popular. S6 assim poderia solidarizar a nagdo tanto na defesa do territério nacional - o patriotismo significando a disposicio de mor- rer pela patria ~ quanto na competicio econdmica com as demais nagdes. Para isso, © nacionalismo precisava afirmar a possibilidade de ganhos miituos para ccapitalistas e trabalhadores, que s¢ originam do aumento da produtividade, do desenvolvimento econdmico, portanto, Para 0s socialistas revoluciondrios do século XIX, como Marx ¢ Engels, 0 nacionalismo era inaceitavel exatamente porque afirmava essa solidariedade que cles, diante da grande exploracio que entio existia, negavam. E por isso, eram internacionalistas. Ao mesmo tempo que negavam que os trabathadores pu- dessem partilhar 0s ganhos do desenvolvimento econémico pelo aumento dos salirios em proporg20 a0 aumento da produtividade, afirmavam a possibilidade 178 Estupos AVANGADOS 22 (62), 2008 utépica de uma revolucio socialista mundial. A histéria, entretanto, j& comesando a mostrar 0 que seria evidente mais tarde: que havia a possil dessa partilha; que no capitalismo, no processo de desenvolvimento ccondmico, 65 salirios tendem a crescer proporcionalmente ao aumento da produtividade. Esse crescimento relativamente equilibrado, entretanto, nao se dé naturalmente: depende da demanda ativa dos socialistas. Provavelmente por isso os socialistas = ou seja, aqueles que dio um peso importante para a justiga social ~ so tam- bém nacionalistas ¢ antiimperialistas. Nio basta para eles lutar contra a desigual- dade dentro de seu préprio pais; precisam também lutar contra as desigualdades centre as nagbes ~ algo que se logra pela coesio dessas, por seu nacionalismo, ¢, em conseqiiéncia, por sua cepacidade de acordar uma estratégia nacional de desenvolvimento. Nacionalismo do centro e da periferia O nacionalismo nos paises centrais tem como contrapartida 0 internacio- nalismo; j4 nos pafses periféricos ou em desenvolvimento, a contrapartida do nacionalismo ¢ 0 cosmopolitismo ou a mentalidade colonial.” O nacionalismo €a ideologia daqueles que reconhecem a relagio de competigao existente entre (05 estados-nagio, definem como obrigagao de seu governo defender o interesse nacional, ou seja, o interesse do trabalho, do conhecimento e do capital nacio- nal, acreditam que 0 desenvolvimento econémico deve ser alcangado por meio de investimentos financiados pela poupanca interna, ¢ julgam que as decisdes governamentais voltadas para o interesse nacional devem ser tomadas de acordo. com critérios nacionais. Esse conceito de nacionalismo é vélide tanto para os cidadaos dos paises em desenvolvimento ou periféricos quanto para o3 paises ricos ou centrais. Helio Jaguaribe (1958, p.21), pensando nos paises periféricos, define 0 nacionalismo como “o prop6sito configurador e preservador de uma naciona- lidade historicamente possivel, experimentada como necesséria por seus mem- bros, mais ainda no constitufda politicamente”. J4 a mentalidade colonial ou dependente do cosmopolita implica a existéncia do complexo de inferioridade colonial, 0 sentimento de inferioridade e, em conseqiiéncia, a aceitagio como “natural” da subordinago da nacio. Para ele, a dependéncia de seu pais é inevi- tivel ¢ talvez: nem mesmo seja prejudicial. Ele subestima a competisz0 entre as nagoes € a hegemonia ideol6gica do centro, acredita que o pais nao tem recursos para financiar seu desenvolvimento necessita recorrer & poupanga externa para crescer; supde que a politica do confidence building scja essencial para que o pais ‘possa contar com essas poupancas, ¢ entende que o governo nao deve distinguir © capital nacional do estrangeiro. J4 nos paises ricos, quem tem esses pontos de vista em relagio aos paises em desenvolvimento no & cosmopolita, mas globa- lista ou imperialista, porque eles atendem 20s interesses de dominagio imperial; ‘ou entio é um internacionalista ut6pico quando sua posicio de esquerda 0 leva a rejeitar o nacionalismo porque quer um mundo solidario ¢ justo; uma terceira EsTUDOS AVANGADOS 22 (62), 2008 79 posiclo €a dos que sto claramente antiimperialstas porque véem de forma cri- tica as ages imperiais de seu pafs. Entretanto, 20 contririo do que acontece nos paises periféricos, mesmo aqucles que rejeitam as agdes imperialistas de seu pats sao nacionalistas porque estdo identificados com sua naydo. Embora as elites dos paises ricos sejam fortemente nacionalistas na medi- da em que nao tém diivida que é dever de seu governo defender o trabalho, 0 conhecimento € 0 capital nacionais, elas com freqiiéncia disfargam seu proprio nacionalismo ao condenar essa ideologia como violenta e assim poder acentuar a interdependéncia e a cooperagao entre 0s povos. Essa é uma retérica inconscien- te mas efetiva de dominagao — é uma forma por meio da qual essas elites neutra- lizam a resisténcia das nagdes em desenvolvimento a exploragio, ou entao, em lum estigio mais avangado, sua capacidade de competigio industrial. As nagdes dos paises desenvolvidos sio coesas, praticamente niio havendo entre seus ci- dadtios quem no seja nacionalista, de forma que essa expresso deixa de ser distintiva, podendo, assim, ser usada com um sentido pejorativo para terceiros paises. O nacionalismo é, dessa forma, retoricamente relacionado com o popu- lismo econémico, e seus defensores identificados com o atraso, com a resisténcia A modernidade. E se houver resistencia a essa visio negativa, acrescenta-se uma distinglo: uma coisa seria o nacionalismo, que é mau, outra coisa, 0 patriotismo, que é bom. Esta condenagio do nacionalismo nos paises ricos é reforgada pela lem- branga de suas proprias experiéncias internas ~ pelos momentos em que, no passado, © nacionalismo foi expressio do anti-semitismo, € hoje se expressa na reagio contra a imigracdo. Entendido nesses termos 0 nacionalismo € mero ra- cismo. E preciso, entretanto, observar que nao é desse tipo de nacionalismo que estou filando, nao apenas porque é radical, mas também porque esse é um na- cionalismo étnico voltado contra concidadios ou coabitantes 20s quais se recusa cidadania, E esse nacionalismo que leva, por exemplo, Pierre Birnbaum (1993) a falar com indignagao nio do nazismo — expressio limite do nacionalismo étnico =, mas do dio que separaria “duas Frangas”: uma Franga republicana € racional a outra, conservadora e nacionalista, Embora saiba que essa perversio do na- cionalismo esté sempre rondando cada sociedade nacional, nao ¢ definitivamen- te desse tipo de nacionalismo que estou falando neste trabalho. Partha Chatterjee (1993), para quem 0 nacionalismo anticolonial é uma categoria fundamental, resumiu nos seguintes termos a sorte da ideologia na- cionalista ap6s a Segunda Guerra Mundial. Nos anos 1950 ¢ 1960, © naciona- lismo era visto de forma positiva como parte das lutas anticolonialistas, mas, na medida em que se passava a pensar na modernizagio dos paises em termos de desenvolvimento econdmico, 0 nacionalismo jé comecava a ser relegado a uma posigio secundéria. Nos anos 1970, 0 nacionalismo j& havia sido transformado em um problema de politica émica. Mais recentemente, © nacionalismo passou a ser nos paises ricos ¢ mesmo nos paises em desenvolvimento subordinados 10 Estupes AVANGADOS 22 (62) 2008 ideclogicamente como “uma forga escura, elementar, imprevisfvel, que ameaga a vida ordeira ¢ calma da vida civilizada”. O resultado dessa operacio ideolégica de “acusar™ 0s outros de serem nacionalistas ¢ 0 enfraquecimento da capacidade de resisténcia eventualmente existente nos paises explorados €/ou concorrentes. £ uma forma, entre muitas, por meio da qual a hegemonia ideolbgica dos paises ricos altera 0 sentido das palavras ¢ exerce a dominacio. © nacionalismo é, portanto, implicito nos pafses centrais, enquanto nos paises periféricas, se nao for explicito, facilmente derivars para 0 cosmopolitis- mo. Quando © cosmopolistismo se torna dominante, como foi no Brasil entre 1822 € 1930, ¢ como voltou a sé-lo a partir do inicio dos anos 1990, a nagio se enfaquece, € 0 pais se define melhor como uma semicolénia do que como nagio. Além de ter origem na hegemonia ideol6gica das poténcias imperiais, ‘© cosmopolitismo é resultado da tentacio a que esto submetidas as elites dos paises em desenvolvimento de se associarem as elites dos paises centrais em vez de fazerem um pacto nacional com seu proprio povo. Nos paises ricos, no obstante os conflitos de classe estejam sempre pre- sentes, as elites no tém alternativa politica senao estabelecer alguma alianga com 0 restante da sociedade porque a nagio hes é necessiria. J& nos paises peri- {fericos, ainda quea nagio também seja necessiria para que haja desenvolvimento econdmico, € comum acontecer que suas elites se sintam mais seguras em se as- sociar com as elites nos paises dominantes, dessa forma confirmando a tese ra cal de que “o capital nio reconhece fronteiras” — uma tese pretendidamente de esquerda e na verdade falsa, mas que favorece a dominasio imperial. Conforme Jembra Istvan Mészros (1987, p.15), “a dominacao colonial é tradicionalmente inseparivel da vontade de submissio da classe dominante local” ‘Nacionalismo ¢ imperialismo nacionalismo é inevitavel nas relagbes entre as nagdes ~ nas relagdes i ternacionais — porque, se uma nag2o decidir utopicamente nao sé-lo, a outra nio seguiré o conselho e se beneficiaré da ingenuidade da primeira. Nao é por outra razio que, nas relagbes internacionais, é dominante a teoria realista que parte do pressuposto da defesa dos interesses nacionais pelos participantes do jogo internacional. O nacionalismo € uma ideologia podcrosa que esta presente tanto nas relagdes entre estados-nagdo semelhantes que competem entre si quanto nas relagdes entre os paises do centro ¢ os da periferia. No caso das relagoes entre estados-nagio iguais, sio nacionalismos que ora se chocam ora cooperam. J na relagdo entre desiguais, entre o centro ea periferia, o imperialismo do mais forte Ginevitivel, ¢ ser tanto mais forte quanto mais fraco for o nacionalismo antiim- perialista do mais frzco. HA diversas teorias historicas de imperialismo que nio 0 caso aqui de resenhar (ef. Lawrence, 2005). Basta aqui entendermos que 0 imperialismo € uma condigio necessiria nio simplesmente da relagio de forsas centre os estados-nagio, mas da relago de avango atraso entre esses estaddos. Os estados-nagao ricos ¢ poderosos nao submetem 20 imperialismo os paises ricos ¢ ESTUDOS AVANGADOS 22 (62), 2008, 181 pequenos porque os interesses méituos de solidariedade sio fortes. J4 em relagio aos paises de renda média ¢ aos paises pobres, a relacio imperial é inevitével, mudando o tipo de relago na medida em que muda a relagio de forgas. Em uma primeira fase, quando o nivel de desenvolvimento € muito baixo 1a periferia, s4o relagoes essencialmente de exploragio, mas mais tarde, a medida que esses paises se industrializam, transformam-se também em relagdes de com- peti¢ao, Entre os ricos a competicio ¢ dura, mas eles tém algo muito importante em comum — 0 salério médio elevado — que produz. imediatamente uma solida- riedade em relagdo & periferia que tem a vantagem competitiva dos salérios bai- x08. E por isso que, embora os pafses ricos ¢ pequenos nao scjam imperialistas, € razoivel identificar 0 centro imperial com os pases ricos e a periferia com os paises em desenvolvimento: grandes ou pequenos, os paises centrais véem como uma ameaga a concorréncia dos produtos baratos da periferia e, cada vez mais, dos imigrantes pobres. Quando as forsas sio dispares, as relagdes imperialistas por parte dos paises ricos sio inevitaveis, independendo da vontade deste ou daquele governante; sio Wo inevitéveis como as relagOes imperialistas entre os pafses de renda média © 05 paises pobres vizinhos.® A capacidade de resisténcia dos paises periféricos, entretanto, no depende apenas do nivel de desenvolvimento econdmico; varia também por razdes culturais. Os paises asiiticos dinamicos, por exemplo, quan- do lograram sua independéncia, apés a Segunda Guerra Mundial, revelaram um, nacionalismo muito mais forte do que © dos latino-americanos cuja indepen- déncia ocorren quase 150 anos antes. Muitas slo as raz3es para isso, mas 0 fato de as elites latino-americanas terem ou suporem ter a mesma raga curopéia dos dominadores, enquanto as clites asifticas tém claramente uma raga diferente, contribui para que as elites da América Latina se associem mais facilmente com as elites centrais do que com as da Asia. Além disso, © nivel mais elevado das civilizagdes asiéticas existentes antes de serem submetidas a0 jugo colonial em relacio As sociedades indigenas exis- tentes na América Latina antes de 1500 no pode ser ignorado. Enquanto 0 ‘Ocidente s6 logrou submeter ao imperialismo a Asia entre 1800 € 1950, a do- ‘minagio imperial foi muito mais longa e mais profunda na América Latina. Na Asia, uma excesio sio as Filipinas, que, como do tinham uma civilizago im- Portante, foram colonizadas desde 1571, primeiro pela Espanha e depois pelos Estados Unidos, permanecendo sob jugo imperial até 1946, Provavelmente por isso, suas elites, como acontece com as latino-americanas, esperam se identificar racialmente com as elites do Ocidente (Constantino, 1978). Nao é, portanto, por acaso que sua taxa de crescimento per capita desde 1950 tenha sido muito inferior & de seus vizinhos dinamicos.” Na relacdo império-coldnia ou centro-periferia, existe uma questio de grau de dominac30. Quanto maior for a desproporgio de poder entre o império ea colbnia, mais brutal sera a exploragio, e mais ficil ser para o império lograr a co- 12 Estupos AVANCADOS 22 (62), 2008 aboragio das elites locais, Por isso, na medida em que um pais periférico se desen- volve e aumenta seu poder em relagio 20 centro, 0 império tem que mudar suas estratégias de dominagio. O desequilibrio de forgas pode ser total, como vimos ina destruigdo das civlizagdes indigenas nas Américas pelos curopeus ¢ por seus descendentes; pode ser parcial, como passou a ocorrer na relacio entre poténcias imperiais e a América Latina depois que os paises latino-americanos se tornaram formalmente independentes no inicio do século XIX; e foi ainda mais parcial a partir dos anos 1990, quando esses paises, depois de sessenta anos de razoivel au- tonomia, voltarama se subordinar 208 paises centrais. Neste iiltimo caso, 0 uso di- reto da forsa perde importincia, ¢ a dominasao ideol6gica se torna fundamental. As forgas armadas dos paises centrais cedlem lugar a suas universidades, 20 seu cinema, is suas associagdes de empresérios. Agora o fundamental € cooptar as elites intelectuais cujos interesses no colidem diretamente com os interesses do centro, para, em seguida, poderem dominar as elites empresariais que, essas sim, tém algo a ganhar, mas muito a perder. Entre os intelectuais, os economis- tas descmpenham um papel idcolbgico estratégico, © € por essa razio que os paises centrais atribucm grande prioridade a tarefa de atrai-los para fazerem seus estudos de doutorado em suas universidades. Enquanto, nas formas mais brutais de imperialismo, o objetivo & apenas 0 saque e a escraviza¢0 dos dominados, € nos imperialismos formalmente consti- tuidos é a cobranga de impostos dos pafses dominados, no caso do imperialismo sobre estados-nagio semicoloniais, como foi o imperialismo sobre 1 América Latina depois de sua independéncia, as formas de exploragio so mais sofistica- das, Durante muito tempo, o liberalismo econdmico foi uma arma poderosa por meio da qual se procurava evitar que os paises periféricos se industrializassem. O livro de Ha-Joon Chang (2002), Chutando a escada, € 0 melhor resumo até hoje escrito sobre como 0 liberalismo comercial foi usado pelos paises ricos como forma imperialista de dominscio. Mais recentemente, depois que essa industrializagio se tornou inevitivel, surgiram novas formas de exploragao ¢ de neutralizagio do desenvolvimento dos paises periféricos. O novo imperialismo tem como instrumento principal nio a globalizagao comercial, como muitos pensam ainda, mas a globalizacio, financeira® A globalizasio comercial é uma oportunidade que muitos paises de renda média esto aproveitando para crescer usando sua mio-de-obra barata; ja globalizagio financeira s6 interessa aos paises ricos. A idéia central é abrir a conta de capitais dos pases periféricos, ao mesmo tempo que sio convencidos de que “ndo tém mais recursos para financiar seu desenvolvimento”, ¢, portan- to, “s6 poderio crescer com poupanga externa” — ou seja, com déficits em conta corrente € endividamento externo crescente, O resultado € que os paises que aceitam 0 conselho perdem controle de sua taxa de cimbio, essa se aprecia, € 0 ‘que temos nio é crescimento mas uma elevada substituisao de poupanga interna por externa endividamento externo. EsTupos AVANGADOS 22 (62), 2008 183, ‘Na verdade, a politica de crescimento com poupanga externa apenas re- forca a tendéncia A sobreapreciag2o da taxa de cimbio que existe nos paises em desenvolvimento, principalmente naqueles ricos em recursos naturais que sio Vitimas da doenga holandesa. Se 0s pafses no se dio conta dessa tendéncia ¢ ‘ratam de neutralizar a doenga holandesa ¢, mais amplamente, administrar sua taxa de cambio, ficam condenados a taxas de crescimento inferiores. £ isso que ‘corre com 05 paises latino-americanos € africanos, com excegdo do Chile ¢ es- pecialmente da Argentina nos iltimos cinco anos. Jé os pafses asiticos dindmi- cos, que rejeitam a ortodoxia convencional ¢ conservam sua soberania nacional, mo catch-up, ese tornam grandes competidores cerescem aceleradamente, te dos palses centrais. Quando o nacionalismo se sobrepde ao cosmopolitisme, como aconteceu nos anos 1930 em muitos paises da América Latina, 0 pals adquire ou readquire © seu carter de nagio ¢ passa a ter condigdes de competir internacionalmente. Realiza, assim, a vocagio ou © papel dos estados-nagio no capitalismo que é competir. [sso nao significa que os estados-nago no possam também cooperar. Aligs, eles cooperam porque s6 assim é possivel estabelecer as regras da comy tisdo. As Nagdes Unidas e as demais agéncias mutilaterais sZ0 0 resultado mais significativo dessa cooperagio ~ o que nao significa que essas instituigdes sejam neutras. Algumas delas, especialmente 0 Fundo Monetério Internacional ¢ 0 Banco Mundial, que sao controlados por acionistas, acabam funcionando como agentes dos paises ricos, como se viu na crise da divida externa dos anos 1980, quando adotaram uma agio claramente enviesada em favor dos pafses ricos, € como também ocorreu nos anos 1990, quando essas agéncias foram transforma- das em instrumentos da globaliza¢io financeira e da estratégia de crescimento com poupanga externa, A cconomia brasileira cresce hoje de forma muito lenta, a taxas muito infe- riores as dos demais pafses em desenvolvimento, especialmente em comparagi0 com os paises asidticos dindmicos. De acordo com a explicag4o neoliberal, é a “falta de reformas” ¢ 0 populismo de nossos politicos que explicam esse fracasso do Brasil em se desenvolver. Jé a minhe convic¢do é a de que essa quase-estag- ago tem uma causa politica fundamental e uma causa econdmica decorrente. A causa politica é a perda da idéia de nagao que atingiu os brasileiros, é 0 grave enfraquecimento da nagio ocorrido a partir do final dos anos 1960 ¢ acclerado no final dos anos 1980; a causa econdmica é a aceitagao do Brasil, a partir do int- cio dos anos 1990, da “estratégia” proposta por nossos concorrentes do Norte, a ortodoxia convencional; ¢, principalmente, sua politica de abertura financeira € crescimento com poupanga externa que nos levou a perder o controle de nossa taxa de cimbio (Bresser-Pereira, 2007). As nagdes nfo tendem a se fortalecer, mas passam por ciclos de maior ou. menor coesio. E isso que explica a célebre frase de Ernest Renan (1993, p.55) para quem “a nagio é um plebiscito de todos os dias”. Se nd houver por parte 184 EsTupos AVANCADOS 22 (62), 2008 Ernest Renan (1823-1892) dos seus membros um compromisso constantemente renovado, se sett nacio: nalismo nio estiver sendo sempre reafirmado, a nag3o perde coesio € pode no limite desaparecer. No caso do Brasil, o nacionalismo foi uma ideologia domi nante entre 1930 ¢ 1960, ¢ esse fato foi essencial para que nesse periodo ocor- ressem concomitantemente 26 revoludes nacional e industrial brasileieas, Em 1964, entretanto, depois de uma grave crise econdmica e politica, os dois grupos nacionalistas que haviam liderado 0 desenvolvimento anterior — a burguesia in dustrial ¢ a burocracia pablica -, atemorizados pela radicalizagao politica causa da pela Revolugao Cubana de 1959, instalaram um regime auto Ainda que essas duas classes continuassem nacionalistas, nos vinte seguiram © nacionalismo perdeu legitimidade junto aos setores democriticos da sociedade brasileira. A teoria da dependéncia que se formou aps 0 golpe millitar de 1964 ¢ se tornou dominante a partir do inicio dos anos 1970 teve um itario no Brasil 10s que se papel decisive em minar 0 nacionalismo, 20 afimar de maneira peremptdria a impossibilidade de cxisténcia de ma burguesia nacional no Brasil, ¢ ao accitar 4 associagdo ou submissio ao Norte como uma forma de desenvolvimento sem burguesia nacional. EsTUbos AVANGADOS 22 (62), 2008 185 Como uma espécie de desmentido pritico a teoria da dependéncia, no final dos anos 1970 formou-se um novo ¢ grande pacto politico nacional ¢ popular juntando empresérios, trabalhadores € classes médias que promoveu a transigio democritica de 1984. O novo regime que se estabeleceu em 1985, entretanto, nio se revelou capaz de enfrentar a crise da divida externa dos anos 1980 que se transformava em crise fiscal do Estado ¢ em crise de alta inflagio inercial. Esse fracasso, somado A teoria da dependéncia, enfraqueceu ainda mais a na¢io bra- sileira, que, a partir do inicio dos anos 1990, nao foi capaz-de resistir 4 onda ne- liberal e, mais amplamente, & hegemonia ideolégica dos Estados Unidos que, depois do colapso da Unio Soviética, parccis irresistivel. Em conseqtiéncia, des- de 1991 0 Brasil adoxa fielmente os preceitos da ortodoxia convencional e cresce de mancira insatisfatoria, Desde entio, houve apenas um grande momento da politica ccondmica competente que foi 0 Plano Real (1994) - uma estratégia de estabilizacdo da alta inflacio baseada em uma teoria nacional, desenvolvida prin- cipalmente por economistas brasileiros, a teoria da inflacZo inercial, totalmente estranha 3s propostas que ento nos fazia a ortodoxia convencional. ‘Nacionalismo e particularismo Apenas o nacionalismo entre as cinco grandes ideologias contemporineas €uma ideologia particularista. Conforme Barbosa Lima Sobrinho (1963, p.11), enquanto o patriotismo € 0 nativismo, que em parte se confundem com o nacio- nalismo, podem ignorar os conflitos de interesses, “a substancia do nacionalis- mo € um antagonismo de interesses ou de ideais”. As outras idcologias que sur- ‘gem com 0 capitalismo sao ideologies universais que podem ser compartilhadas igualmente por toda a humanidade. Mesmo dentro de uma perspectiva ut6pica, ‘© mundo nao poderia viver sem as quatro outras ideologias, mas sobreviveria sem 0 nacionalismo, j4 que todos os homens seriam irmaos. Por isso, 0 grio de utopia que existe em cada um de nds resiste a0 nacionalismo. Enquanto as pro- postas de organizasio econémica e politica do liberalismo e do socialismo estio abertas para a humanidade, a do nacionalismo esté limitada a cada nasdo. Os liberais percebem essa contradizao, mas na pritica nao rejeitam © nacionalismo porque percebem que esse, ao promoyer a coesdo nacional, também legitima a dominagao burguesa. Ja os socialistas revoluciondrios, coerentes com 0 ele- ‘mento ut6pico de sua visio do mundo, rejeitam o nacionalismo, esperam fazer a revolugio socialista em um prazo relativamente curto e So internacionalistas, supondo que os trabalhadores dos paises ricos se solidarizario com os trabalha- ores dos paises em desenvolvimento. Ernest Gellner, conforme salientou Roman Szporluk (1988, p.27), criticou essa tese da solidariedade que viu como um mito: “0 nacionalismo ¢ ndo o mar- xismo, disse Gellner, esta mais bem equipado para dar conta das caracteristicas conseqiiéncias politicas e sociais da industrializagio”. J4 para os reformistas ou social-democratas, a perspectiva pode ser muito diferente: 0 nacionalismo pode ser uma bandeira importante, porque, de um lado, eles véem o desenvolvimento 186 EsTUDOS AVANGADOS 22 (62), 2008 econdmico €, portanto, a revolugio nacional ¢ burguesa, como uma condigio para. cria¢o de sociedades mais justas, ¢, de outro, porque o nacionalismo per- mite unir a nagio na sua luta antiimperialista. Mas muitos, como Michael Lowy (2003, p.259), preferem distinguir nacionalismo de “movimentos nacionais de emancipasdo” ¢ afirmar que, “enquanto os movimentos nacionais sio cmanci- patorios, 0 nacionalismo € com frequéncia uma ‘falsa solugao™. particularismo do nacionalismo esta em contradi¢do com as aspiragdes ut6picas de cooperacio e solidariedade universais, mas é coerente com 2 aspira- io de justiga em Ambito global. Conforme David Miller (1995; 2000, p.177) demonstrou em seus trabalhos, 0 aacionalismo ¢ a autodeterminacio dos povos € uma condig2o para que haja justiga global. Mais especificamente, ele afirma ‘que a justiga global pode ser resumida em trés capiculos: “a obrigagao de respei- to a0s direitos humanos basicos em imbito global; a obrigacio de nao explorar individuos ¢ comunidades vulneriveis; ¢ a obrigacao de garantir a todas as co- munidades politicas a oportunidade de alcangar autodeterminagio”. Além disso, 6 nacionalismo & coerente com a légica da sociedade em que viveros. Nas sociedades pré-capitalistas, dependendo de seu grau de desenvolvi- ‘mento, os individuos estavam organizados em familias tribos ou entio em fami- lias ¢ impérios; no capitalismo liberal, estavam organizados em familias, empresas familiares e estados-nacao; jé no capitalismo tecnoburocratico de hoje, cles estto estruturados em familias, organizagdes ¢ estados-na¢do. O papel social que se espera de cada individuo é que se solidarize — que “vista a camisa” da sua familia, das organizagdes empresariais ¢ associativas de que participa, ¢ de seu estado- nagio, Espera-se que também ele coopere porque, embora a légiea da atuacio, esses trés tipos de sistema social seja a da competicio, é também da cooperacio. Essa é necesséria no minimo para que possam ser estabelecidas as regras da com petigao. Mas, em qualquer hip6tese, € racional para o individuo se solidarizar com sua familia, suas organizagoes € seu estado-nagio. O nacionalismo nao é outra coisa senio essa solidariedade bisica do cidaddo com sua patria ou nasio. No capitalismo da globalizagio, mais do que em qualquer outro momento do desenvolvimento capitalista, o nacionalismo e a capacidade dos paises de de- finirem informalmente uma estratégia nacional de desenvolvimento ou de com- petigdo sio essenciais para que 0 desenvolvimento econdmico se concretize ¢ © catch-up ocorra. Esse fato, entretanto, no é suficiente para levar os cidadaos dos paises em desenvolvimento ~ mesmo aqueles que ndo contam com a revolusio socialista ~ a resistirem ao particularismo nacionalista. Além de ter contra si o bombardeio sofrido pelo pensamento hegeménico vindo do Norte, 0 naciona- lismo tem também contra si uma historia terrivel de violencias. Quando o nacio- znalismo se torna radical, é ainda mais terrivel do que o liberalismo ou 0 socialis- mo: no limite, leva a guerra ¢ a0 genoeidio. Esse fato torna mais ficil ao Norte, cujo nacionalismo nio esté em jogo, o trabalho de deslegitimar 0 nacionalismo do Sul. O nacionalismo dos paises periftricos, porém, resiste ao assalto. EsTupos AVANCADOS 22 (62), 2008, 187 Nao obstante, 0 nacionalismo sobrevive nos paises em desenvolvimento. Leyla Perrone-Moysés (2007) publicou recentemente um belo livro cujo titulo, Vira c mexe, nacionalismo, é uma frase de Mério de Andrade, Ainda que a notavel ensaista nao tena simpatia pelo nacionalismo, o que ela esté assinalando com esse titulo €a capacidade de sobrevivéncia do nacionalismo: apesar de constantemen- te sob 0 fogo da critica hegemnica ¢ da universalista, o nacionalismo resiste, vira ‘e mexe, reaparece. A partir da perspectiva universalista, Perrone-Moisés (2007, p15) afirma algo que the parece um paradoxo: “No mundo atual, globalizado pela economia ¢ pela informagio, ocorre a0 mesmo tempo um enfraquecimento do estado-nagio ¢ um recrudescimento dos nacionalismos. Quanto mais o capi- tal ea informagio desconhecem fronteiras, mais essas s40 reforgadas para e contra 0s individuos”. Com isso, ela esta criticando 0 nacionalismo dos paises ricos que fecham suas fronteiras para a imigragio dos pobres do resto do mundo, ao mes- ‘mo tempo que a globalizagao torna-se dominante em todo o mundo. Nio hi, porém, contradigo nesse aumento dos nacionalismos no qua dro da globalizacio. Essa, ao ser conseqiitncia da abertura geral dos mercados, implicou aumento extraordindrio do nfvel de competisio econdmica entre os estados-nagio, ¢ tornou ainda mais necessiria a capacidade dos estados-nagio de formular estratégias nacionais de competicio. Em outras palavras, tornou ainda mais necessério que paises hoje caracterizados por serem democriticos, liberais, socizis, ¢ voltados para a protegio da natureza, sejam também nacionalistas ‘A teoria da democracia moderna tem como um dos scus pilares a protesio dos direitos das minorias — em primeiro lugar, da propria minoria capitalista, mas também das minorias étnicas ¢ culturais. Dentro de cada estado-nagio, cabe respectiva constituigio garanti-los. A sociedade internacional, porém, nao tem uma constituicio, nem um Estado para garantir 0 documento que mais se apro- xima a uma constituigio mundial: a Declarac3o Universal dos Direitos Huma- nos. Nio resta, portanto, alternativa is nagdes seno se identificarem como tal, € defenderem seus interesses; a alternativa de um Estado mundial nio existe. Du- rante trés séculos, desde pelo menos os tratados de Vestfilia, os estados-nagio em formacdo estavam preocupados em definir suas fronteiras, ¢ se ameagavam com guerras no quadro da diplomacia do equilibrio de poderes; desde o fim da guerra fria, a politica internacional tende a substituir a ameaca de guerra nas relagées internacionais entre os grandes paises para fazer frente a0 acirramento, da competisio econémica entre as nagdes que &a prépria globalizago (Bresser- Pereira, 2003). ‘No seio das nagdes, hd hoje uma critica crescente ao particularismo multi- culcuturalista. O aumento constante das migragBes internacionais para os paises ricos levou inicialmente a0 multiculturalismo, mas, mais recentemente, voltou- sea afirmar a necessidade da integragdo nacional. Em vez da tese politica do re- conhecimento do outro de caréter multiculturalista que aumenta as identidades € 05 confltos, a proposta € a de que © reconhecimento seja identificado com 188 Estupos AVANGADOS 22 (62), 2008 6 direito a participagio igual dos grupos minoritirios (cf. Fraser, 2007). Essa proposta faz sentido no quadro de um estado-nagio demoeritico onde o sujeito (0 ator portador de dircitos de que nos fala Alain Touraine (2005, 2007) uma realidade: € um cidadao reconhecido pela sociedade € pela lei. Nao o faz, porém, ‘no quadro mundial onde nao existe um Estado mundial para garantir direitos. A critica forte que, por exemplo, Zygmunt Bauman (2005) faz 2 um identitarismo que ganhou forcas no mundo contemporineo nao faz essa necesséria distingao. Enquanto no plano intemo das democracias modernas € possivel aos grupos se identificarem como sujeitos sem negar os valores universais das sociedades ‘em que vivem porque esses valores sio garantidos pelas institui¢io, 0 quadro é diverso em Ambito mundial, Neste nivel, ainda que existam valores universais, nao existe lei para garanti-los, nele é @ identidade nacional que permite ao grupo nacional reunir forgas para garantir seus valores ¢ interesses. Quando essas si0 ‘de competigdo, 0s nacionalismos sto menos duros e a cooperagio internacional mais viva do que quando sio relagdes de exploragzo, mas nos dois casos nio ha alternativa ao nacionalismo, j4 que © principio dominante nas relaydes interna cionais nio ¢ 0 da cooperacio. Em sintese, 0 nacionalismo é uma das cinco grandes ideologias que nasce~ ram com 0 capitalismo, Como as demais ideologias, tem legitimidade demoers- tica se rejeitar critérios étnicos ¢ se for adotada com moderagdo, sem fundamen- talismos. Usado de forma radical, o nacionalismo € terrivel, como sao também terriveis as radicalizagdes das demais ideologias ¢ sua transformagio em funda- ‘mentalismos que transformam o socialismo em estatismo, 0 liberalismo em ne- oliberalismo, 0 eficientismo em dominagao tecnoburocritica, ¢ 0 ambientalismo em rejei¢io da ciéncia e da tecnologia. © nacionalismo préprio a sociedades democriticas é um nacionalismo liberal, eficientista, socialista ¢ ambientalista, compativel com o grau de desenvolvimento econémico € politico que as soci dades modernas alcangaram; é um nacionalismo moderado que rejeita a guerra, respeita as demais nages © promove a cooperasao internacional nos problemas que transcendem as fronteiras nacionais do aquecimento global, das docngas contagiosas, da droga ¢ do crime organizado. Em um mundo altamente compe- titivo, 0 nacionalismo € essencial para que um pais possa formular sua estratégia nacional de desenvolvimento econémico e, se for pais em desenvolvimento, al- cangar gradualmente os niveis de vida dos paises ricos, mas deve ser combinado com os outros grandes objetivos politicos das sociedades modernas € com os direitos das outras nagdes, Nous 1. A Unio Européia nfo é sinda um pais, mas jé tem uma constituig0, muitas leis, uma politica comercial, um orfamento, uma bandeira ¢ uma moeda comin. 2.0 historiador dos movimentos nacionais na Europa Oriental sabe disso ¢ define 0 que ‘ormalmente se denomina como nacionalismo de “movimento nacional” ~ “os esfor- EsTuDos AVANCADOS 22 (62), 2008 189 «90s organizados de conquistar todos os atributos de uma nag3o plena” (Hroch, 2000, 87-8), Fssa distingio, entretanto, nio € razoive. 3 Observe-se, portanto, que distingo estado-nasio de Estado; 0 primeiroé uma unidade poliico-territorial, o segundo, uma insituisdo. Porso, entrctanto, usar a expression estados”, no plural para significar estados-nagd0; no singular, € sempre a instituigio que, segundo Weber, tem 0 monopéiio da violéncia legitima, porque define a lei, €a propria lei, € a garante com poder para tanto, 4 Anthony Smich (1994, p.148) € geralmente visto como um estudioso cuja definigio nacionalismo envolve a mesma etnia. Na verdade, 0 que ele mostra € que as etnias sio normaimente a origem das nagdes (ndo significando que se mantenham assim), € que a transigio da condigio de etnia para a de nagio € “dificil de problematica”; cla ‘corre quando um grupo nacional lider logra criar um Estado e, em seguida, realizar a “incorporagio burocratica” dos grupos sociais em volta. § Robert Pape (2008), estudando 375 casos de ataques suicidas no Oriente Médio, condluia que em 95% dos c3s0s a motivagio foi principalmente nacionalista; apenas ‘nos 5% restantes foi religiosa. 6 Nio considero Portugal ¢ Espanha como os primeiros estados-nagio porque neles a Revolugio Industrial que completaria a revolugio capitalista s6 ocorreu muito mais tarde. 7 Uso essa expresso “cosmopolitismo”, usada originalmente por Helio Jaguaribe (1962), para evitar a expressio mais agressiva “entreguismo”. 8 Basta ver as relagdes do Brasil com a Bolivia 9 Enquanto a renda per capita média de Coréia, Taiwan, Tailindia, Malis e Indonésia cresceu nove vezes (1011%) entre 1950 e 2003, 2 renda per enpita das Filipinas cres- ceu apenas 136%: pouco mais de duas vezes 10 David Harvey (2003) escreveu um bom livro com 0 titulo O nove imperialismo, onde salienta que a forma principal desse imperialismo é a hegemonia idcologica; nto se dé conta, porém, de que 0 contetido do imperialismo mudou da abertura comercial para a abertura financeira, Referencias bibliograficas ANDERSON, B. 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Rasu@o~ Neste trabalho, inicialmente, argumento que o nacionalismo ¢ uma das ide~ ogias das sociedades modernas conjuntamente com o liberalismo, o socialismo, 0 cficientismo e o ambientalismo. Em seguida, na primeira segio, defino a nagZo como a forma de sociedade politicamente organizada que nasce com a revolucio capitalista € leva i formagio dos estados-nacdo, ¢ o nacionalismo como a ideologia correspondente: seu objetivo é a autonomia ¢ 0 desenvolvimento econdmico nacional. Na segunda se- ‘, distingo 0 nacionalismo dos paises centrais daquele dos pafses periféricos; enquanto nos primeiros 0 nacionalismo é implicito, nos perifécicos ou ¢ explicito ou entio deriva ara 0 cosmopolitismo. Na terceira, argumento que, embora o imperialismo seja ine- vitdvel entre pafses fortes e fracos, ele mudaré de caracteristicas na medida em que essa relagio de forgas se modificar grages a0 nacionalismo dos dominados. Ainda nessa se¢30, faco uma breve referéncia ao Brasil. Finalmente, volto as ideologias do capitalismo para ‘mostrar que, 20 contrério das demais, o nacionalismo € uma ideologia particularista - 0 que aumenta a resisténcia a cla ¢ faclitaa tarefa de dominacio dos paises centrais. Nao obstante, 0 nacionalismo nao morre porque € um principio organizador da sociedade copitalista Pazarnas-c1tave: Idzologia, Nas30, Nacionalismo, Globalizasio. Assmacr ~ In this work I show that nationalism, together with liberalism, socialism, cfficientism and the environmentalism, is one of the ideologies of the modem societies. In the first section, I define nation as the form of society politically organized that is born with the Capitalist Revolution and leads to the formation of the nation-state, and nationalism as the corresponding ideology: ts objective isthe autonomy and the natio- nal economic development. In the second section, | distinguish the nationalism of the central countries from that one of the peripheral counties; while inthe first the natio- nalism is implicit, in the peripherals is explicit or then turn to the cosmopolitism. In the third section I argument that the imperialism, even being inevitable between strong and 192 Estupos AVANGADOS 22 (62), 2008 week countries, will change its characteristics when this relation of forces is modified as a consequence of the nationalism of the dominated ones. Still in this section, I make one brief reference to Brazil. Finally, I come back to the ideologies of the capitalism to show that, differently from the others, the nationalism isa particularist ideology, which increases the resistance to it and facilitates the task of domination of the central cou ties. Yet, the nationalism does not disappear because itis an organizer principle of the capitalist society. Kerwonps: Ideology, Nation, Nationalism, Globalization. Luiz Carles Breser Pereira € professor emérito da Fundagio Getélio Vargas, Si0 Pau- lo, @—Icbresser@uol.com.br Recebido em 26.11.2007 e aceito em 30.11.2007. EsTUupos AVANCADOS 22 (62), 2008 193

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