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TRADUCOES INOCULAR PARA PROTEGER: A INOCULAGAO DA VA RIOLA E A IMAGEM DO CORPO* Georges Vigarello” Tradugdo; Denixe Berauzzi de Sant’Anna’™ Conta vel por uma “causa comum e geral, tal como a altera io ou epidemia? Doenga transmissivel “pelo contato”! ou doenga transmissi- Jo do ar, dos alimentos, etc.?” Numa época em que a varfola € a doenga mais virulenta da Europa. a medicina, contudo, nao a resolve, Buchan ainda pode empregar acidentalmente dois termos, “contagio” e “epide- mia”, num texto amplamente conhecido. imtimeras vezes reeditado ¢ traduzido no final do século XVII! A existéncia de um “veneno circulando no ar™ permanece uma das figuras banalizadas da varfola. Esta imagem nio & a tinica; ela se reforga, contudo, por meio da distin- presenga inabarcavel ¢ pouco localizivel do “veneno”, Nem as restrigdes, nem a 5 tomadas em relagio ao doente combatem a difusdo da doenga, apesar das tentativas sisi@ncia bem real do virus 0 torna comu- cia repetidas realizadas no final do século XVII ares nicavel pelo vento, pela chuva, pela agua, pelo comércio dos homens € por aquele dos objetos. Seu modo de propagagio permancce indecitravel. A contragao da doenga, ao con- rdrio da peste ou da lepra, ocorre, assim, em todos 0s grupos sociais, 0 que acentua ainda mais a sua imagem temfvel: 0 grande Dauphin morre de variola em 1711; neste mesmo ano, o imperador José T também morre desta doenga, ¢ em 1774 é a vez de Luis XV“ Aqui. pouco importa a causa: mesmo sc a visao do contagio ¢ lentamente suprimida Europa do século XVII. Buchan, entre outros, tende, em tiltima ins Ancia, a privile- gid-la: “O contagio é a via mais ordinaria pela qual se comunica a variota e, desde o instante em que esta doenga foi trazida para a Europa, nao se conseguiu ainda evitar a sua contaminagao™.’ O importante é que a varfola sugere um primciro gesto protector, mUILO teristico do século XVIII: a inoculagao. Ato este espeeffico ¢ desconcertante para as cara referéncias médicas do tempo: introduzir no sangue. por incis%o. o mal, com o objetivo de melhor proteger 0 corpo: provocar um efeito atroz para tornar inacessfvel a doenga a um, do Paulo, (25). dez. 2002 13 Proj. Historia, ser saudavel. evitando que ela seja epidémica ou contagiosa. Este ato se apdia sobre uma constatagado: os sujeitos acometidos pelo mal uma primeira vez no podem ser atacados: gunda. Em compen: tradicionais do corpo, aquclas de Hipdcrates ¢ de Galeno: segundo cles. uma substancia por ele uma si ‘Ao. este ato se choca com as representagdes mais “envencnada™ entrando em comunicagdo com os humores nao poderia deixar de desenca- Jo. Trata-se dear contusao. acelerando a contaminagao da docnga ¢ provocando a stta inv da imagem elissica das gangrenas ¢ das decomposigdes. Para os habitos. saberes ¢ sensi- bilidades do tempo daqueles médicos. a incisao praticada, da forma como cra prescrita no final do século XVIL. era “ilégic: Sem diivida. 6 preciso uma mudanga profunda 4 percepeao ¢ na representagaio do corpo para tornar accitdvel um gesto tao alarmante como este da inoculagdo do mal Certamente. ¢ preciso um deslocamento de outras l6gicas. como aquela do funcionamento cdo estado dos orgaos, para que a apreciagdo do contato seja modificada. A transformagao da delesa em relagdo As influéncias que tocam ¢ penctram no corpo pode levar a supor ¢ certamente mais extensas. deslocamento de representagie: Inocular A audacia de Lady Mary Wortley Montagu, no comego do século XVI. caracteriza claramente o novo gesto. Mulher do embaixador inglés do Império Otomano, esta viajante do Levante contessa, em 1717, algo surpreendente: a quase inexisténcia da variola &s mar gens de Bésforo, nas cidades do Mar Negro ou naquelas do arquipélago grego por ela intimcras vezes visitada, A febre cruptiva cujos efeitos sao catastroticos em Londres ouem Paris causava pouquissimas mortes naqucla regido. Para cla, a razao disto estava numa pritica ainda desconhecida para os curopeus: a inoculagao voluntéria da doenga durante anos de vida, a incisio na pele para a insereao do pus retirado das feridas da 40 do mal parece anddina, Um curto episédio de febre ocorre alguns dias mais tarde, seguido de uma 0s primeiros varfola, O procedimento parece simples ©, neste caso. preciso; a comunica erupgao breve € leve, antes que o inoculado fique definitivamente imune: a doenga nunca ocorre duas vezes, observagio geralmente reconhecida no século XVII lembrada aqui para fundamentar a inoculagao. A protegio é adquirida sem prejuizo: “Uma semana & suficiente para restabclecer 0 estado habitual” As cartas de Mary } sua amiga Sarah Chiswell sublinham 0 empirismo do procedi- mento, evocando até mesmo 0 scu Carater, em alguns casos, supersticiosos: os gregos nao costumavam efetuar quatro picadas para inocular o mal, “uma na fronte, uma em cada Id Proj. Historia, Sdo Paulo. (25), dez, 2002 brago, uma no peito”."" para melhor kembrar a forma da cruz? Mas a constatagao se impoe apos uma preservagao bem-sucedida, A tal ponto que. no dia 19 de maio de 1718, em Belgrado. Mary permitiu que uma velha grega, praticante “desta téenica desde muitos anos’! fiz s¢ uma inoculagdo em seu filho mais velho de seis anos. O resultado € posi- tivo, Mary leva scu segundo lilho para ser inoculado ¢ confessa um proselitismo totalmen- Ww inédito naqueles primeiros anos do século XVII; “Eu estou farta de patriotismo para (entar introduvir na Inglaterra esta leliz descoberta”. Em 1721 ¢ 1722, cla chega até mesmo a persuadir varios membros da Corte, inclusive a princesa de Galles, de inocular 0 mal em seus filhos A agao de Lady Montagu ¢ marcante, sobretudo porque a variola adquire um aspecto trégico no século XVIII. instalando-se no lugar da peste, esta definitivamente esquecida: 6 “fagelo da Europa’! wirma Buchan cm 1770, um dos maiores medos, se no o maior, do século XVIII. Os jornais de Mathieu Marais ou de Buvat o confirmam, desde a Regen- cia, evocando regularmente os atingides pelo mal com uma insisténcia crescente: “Todos os dias a varfola leva a euénr”. Buyat nota as “devastagdes” ocasionadas pela doenga dentro doe -m jutho de 1719, para se opor &s reito apressado nas frontciras da Espanha, reivindicagdes de Alberoni. Ele acrescenta, no mesmo dia, que as cifras sdo alarmantes para uma epidenia italiana: “Afirma-se gue em Turim, no Piemonte, a mesma doenga matou mais de quatro mil pessoas em muito pouco tempo™.'* Uma verificagdo nada exage- rada das cifras atesta uma mortalidade pela varfola de 18.5% em Dublin, entre 1715 ¢ 1746. ¢ de 14% em Besangon, em torno do mesmo periodo."® Tantas indicagdes contir- . Tantos medos tornam mam a existéncia de uma no onia, posterior aguela da pe ainda mais notavel a audacia da inoculagao sobre 0 rosto de uma parte daqueles que O trégico do mal esta nos tragos deixados conseguem permanecer vivos: a destiguragdo ocasionada pelas gretas, a vermelhidao da pele, a *bexiga” que deforma, O receio atravessa os séculos XVI e XVIIL o mal pod E a descrigado de Grimmelshaus poucos dias, arruinar para sempre a aparéneia e a beleza. apavorado com a transformagio detinitiva de seu aspecto fisico, apds um ataque de vartola numa cidade als gas ¢ de pequenos buracos, dando o aspeeto de um grande ralador. Meus olhos ficaram iciana, durante a Guerra dos Trinta Anos: “Mcu rosto ficou chcio de bexi- vermelhos ¢ ramelentos ymo os de um velho caquético”."” O ataque € tio profundo que, ao voltar da Baviera, Grimmelshausen nao ¢ reconhecido. provocando uma sucesso de obre Pélis- son, destigurado pelo mal ¢ considerado alguém que “abusou da permissfio que todos os dramas ¢ yiiiproquos. Mais cruel ainda é 0 que escreveu Madame de Sévign homens tém de serem feios”.* Ou o julgamento do cardeal de Bernis sobre Tournemine, um de scus antigos mestres de colégio: “o mais feio de seu século”. Proj. Historia. Sao Paulo. (25), dez, 2002 15 As logicas contraditérias As representagies que despertam a inoculagao voluntiria sao, assim, tao terriveis quanto perturbadoras. Os riscos parecem desmesurados. A introdugio deliberada do pus no corpo choca diretamente a visio tradicional das gangrenas ¢ de scus efeitos. Ela nao seria outra coisa set o desraziio, Como poderia corresponder a uma logica claramente A diivida se acentua em abril de 1722, apds a morie, na Inglaterra, do jovem William Spencer c do pajem do Lorde Os adver- ral das gangrenas avangando sobre os drgaos instrufda, “ao Génio de nosso povo ¢ de seu modo de pensar”? Bathurst, na véspera de sua inoculagdo: um duplo drama enrijece as oposigde sdrios da inoculagao lembram a visio an Segundo eles, somente uma decomposigao pode explicar a variola, somente a puriticagio dos humores € 0 nao-contato podem evitar seu comego. A insergao voluntaria ¢ s6 um gesto louco. jungao de um mal com outro mal, este comparével ao derramamento de um “barril de pélvora num canhao, para acender um fogaréu” 2! Mas. nada disso poderia ser univoco. Uma visio idéntica dos humores ¢ de sua de- composigao favoreceria, num sentido inyerso, a inoculagéio. Nao faltam vias para explicar. a sua mancira, a impossibilidade para um individuo de ser vitima duas vezes da variola. A doenga poderia ser congénita: ela provocaria a “expulsio — de uma vez por todas ~ da malerid peccans presente no interior do corpo desde o nascimento, desde 0 pecado origi- nal. Esta matCria seria langada para a superticie por meio da cbuligao dos humores ou, nos casos graves de “varfola negra hemorrigica”. pela “Fermentagdo coagulante” do sangue” A inoculagao poderia, assim, ajudar esta “expulsaio” definitiva: inocular seria purificar. © arcatsmo poderia, entio, servir A modernidade. Mas, por outro lado, como controlar 0 processo? Como limitar a ago do veneno uma vez que ele tenha sido introduzido? O peso da argumentacao negativa predomina, sublinhando os casos trigicos ¢ “apavo- rantes”: os ireze soldados francescs inoculados em Cremone, em torno de 1720, dos quai quatro viriam a morrer ap6s a operagdo. enquanto os outros s gGes incuraveis por um longo perfodo; ou aquelas mulheres gravidas, inoculadas na Nove Inglaterra, que rapidamente abortaram: ou, ainda, aquelas criangas para quem a inocula- vis ficaram com indisposi- (Go desencadvou um florescimento de males miltiplos: “raquitismo, pastulas, tumores em chaga: 5 Todos os exemplos contirmam o quanto a visao tradicional do mal é neces riamente polimortfa: a infecgao perde, assim, suas frontciras. tornando-se objeto de meta- morfoses, de deslocamentos insidiosos. de erros. As velhas referéncias pesam em definiti- vo pelo imobi As novas referéncias. porém, aquelas do respeito dos fatos. da ci¢ncia ¢ da constata- iso. Go, o prestigio da “experiéncia’” afirmada pelas Luzes, pesam do mesmo modo no sentido 16 Proj. Histévia. Sao Paulo, (25), dez, 2002 da descontianga ¢ da recusa da inoculagao. E na Inglarerra que a confrontagao ¢ avivada Ali, o debate precede amplamente aquele que tera lugar nos demais paises, acentuado, sem dUvida. pelo propagandismo de Lady Montagu, mas também pela primeira modemnidade das instituigdes sociais ¢ de pesquisadores britanicos. Textos médicos se multiplicam para denunciar os métodos “4 ietrado’ de Circassi praticados somente por algumas mulheres ignorantes de um povo 48 obscuras curandeiras arulhentos Os médicos sao os mai: ara rejeitar es: dizem defender a ‘inaptas” diante de qualquer competéncia médica. Eles citneia, rejeitando a ilusdo do empirismo. Dizem combater os remédios das mulheres, as priticas dos charlataes, as erenga s. O que torna 0 confronto ainda mais complexo: esses médicas podem exaltar o imobilismo em nome das Luz es. as préticas conservadoras em nome da radio, E contra esse argumento “cientffico” que deve lutar a nova tendéncia E contra um saber constituido, diferente do saber popular, que cla deverd se impor. Poténcia ¢ impoténcia do saber A resposta dos inoculadores nao é diretamente tedrica. Buchan 0 diz em seu Médecine domestique: “O semimento gue exponho aqui nao € o resultado da teoria, mas unicamente da observagao” 7 O recenseamento estatistico serve pela primeira vez, como referencia, tendo como tinica constatag’o os sucessos ¢ os fracassos. Jurin inaugura esse calculo bem. particular em 1725, Uma pesquisa profunda entre os inoculadores, associada ao recensea- statistica mento de “extratos mortudrios durante 42 anos” . 0 conduz a primeira avaliagao da prevengio médica ¢ a seu uso militante: a décima quarta parte do género humano morre de variola”, enquanto, segundo as testemunhas mais pessimistas. “de cingiienta individuos, apenas um niorre por inoculagdo"2* A conclusio parece evidente: a insergao do mal den- uo da pele aumenta “objetivamente’ a analise concisa. Incontestavelmente, o livro de Jurin marca uma época. Ele revoluciona argu- as chances ¢ os a vida, As cifras recenseadas sio precisa mento preventivo ¢ cnuncia, pela primeira vez, em termos percentua riscos de vida 's de 17, Darmon bem mostrou, eles chegam a provocar 0 esquecimento da indicagao estatistica.” Os acidentes ingles desconfiangas. Como Pierre acentuam, cntretanto. Dai vem 0 quase desaparecimento da pratica por varios anos ¢ 0 julgamento pessimista de Montesquicu: “Um homem que nao comparece (A inoculagao) aparece mais do que cem. E preciso saber caleular”** O brusco crescimento epidémico de 1738 renova, contudo. o interesse pelo renasci- mento da exploragdo estatistica, A inoculagdo ganha terreno primeiramente na Inglaterra, Proj, Historia, Sao Paulo, (25), dez. 2002 17 provocando recenseamentos mais crediveis que aqueles do passado. A pratica € mesmo refinada: s¢ja na escolha dos locais do corpo para a inoculagio, seja no afinamento da inc! Jo praticada, Nenhum acidente, por exemplo, ocorreu nas mil inoculagdes reivindica- das em 1752 por Ramby.*! nem naquelas reivindicadas. em 1767, por Daniel Sutton. cujo igiuo Essex para acolher os inoculados.* Os fatos defendem o novo método: sucesso foi tamanho que e» stahelecimento de novos abrigos em suas duas casas de Nao inoculamos esta doenga aos que no a possuem, pois apenas aqueles que sie suscepti veis a ela a contraem apés a inoculagdo: todas as experigncias comprovam este fate... E por meio de uma incisio e de uma Jeve picada, (o individuo) estard livre para sempre das inquie~ lagdes e dos terrores continuos que vivem agueles que nunca contrairam a doengs Muito Ientamente. a inoculagio se instala na Franga na segunda metade do sécule XVII, revelando seu atraso em relagao A Inglaterra, mas dando lugar a algumas tentativas

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