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DURA

o
A N A DITA

P
MUS I C

CENSURADO
jr
comunicações
MORDAÇAelainegomes
Imagine não poder falar, ver ou ouvir.

Imagine alguém decidindo a


quanta informação você tem
direito, usando critérios que você
desconhece e não aprova.
Imagine perder o direito de
escolher o que é e o que não
é apropriado.

Não poder mais decidir.


Imagine ser proibido de fazer a
única coisa que você sabe fazer
para ganhar a vida.

Imagine ser expulso de seu país.


Imagine perder.
Imagine ter medo.

Imagine ter raiva e não poder


fazer nada.

Imagine calar e calar e calar...

Isso é censura.
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CONSELHO EDITORIAL REPÓRTERES E FOTOS DIRETOR COMERCIAL
Eduardo Rocha, Tânia Trajano Elaine Gomes e Ariane Mazza Caio Cassinelli
e Mirian D. Vaz Mano
FOTOS DE ARQUIVO JR comunicações
EDITORES-CHEFES Divulgação
Elaine de Almeida Gomes, POP
Alex Oliveira, Ariane Mazza, REVISÃO Uma publicação da
Cláudia Urbaniski, Vinicius Elaine Gomes e Cláudia Urbaniski JR Comunicações Ltda.
Gonçalves, e Marcos Roberto Redação: Rua Carlos Sampaio, 219
DIRETOR DE ARTE Bela Vista
PRODUÇÃO EDITORIAL Alex Oliveira PARA ASSINAR
Elaine Gomes e Alex Oliveira pop@revistapop.com.br

gal costa:
exuberância
é protestar
ÍNDICE
6 Os Festivais
Efervescência musical pura

10 poeta
Mesmo calado o peito resta a cuca

12 ZOMBETEIRO
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta

14 CONTESTADOR
Sobre a cabeça os aviões

16 DUAS CARAS
Só quem viu que pode conta

18 POLÊMICO
Com gente é diferente

20 CENSURADOS
O terror de uma sexta feira treze

28 RECEITA INDIGESTA
Paulo César Araújo e Zé Rodrix revelam quais receitas eram
rejeitadas pela ditadura

32 Bregas?
As vítimas da patrulha moral

34 CANTEMOS JUNTOS
Entrevistamos Ravel, autor de “Eu te amo meu Brasil”

.
OS S
FESTIVAI o Tapias Go m es , professor e
qu
d
e
ou
m
tor da FGV,
estava lá.
ta Maur lado de
POP entrevis istória dos festivais, do
ah
para contar
A platéia está cheia.  A primeira experiência de um Músicas de festivais: o
A maioria são estudantes universitá- Festival foi produzida pela Record, período mais fértil da MPB
rios. Todos aguardam ansiosamente em 1960, mas não foi um sucesso O cerco dos militares foi se fechando.
a decisão do jure. Quem irá ganhar? estrondoso. Na verdade, passou Os Atos Institucionais eram impostos
Sabiá ou Pra não dizer que não falei longe disso. Ainda não havia músi- e, cada um ao seu modo, iam asfi-
das flores. Chico Buarque ou Vandré? cos famosos na final e, diferente do xiando a liberdade do povo brasileiro.
Dois símbolos de resistência à Dita- prometido, não foi transmitido pela Universidades, jornais, músicas, livros,
dura Militar. O público já tinha decidi- televisão, só pelos rádios. pessoas, opiniões e até o pensar - tudo
do: Vandré é o favorito. Sua musica Na metade dos anos 60, Solano foi, gradativamente, proibido.
sintetiza o sentimento da nação, lutar Ribeiro, amadureceu a idéia dos “Foi uma época difícil, muitas coisas
pela liberdade, pelo fim do “Regime”. Festivais de Fleury. Ele queria trazer não podiam ser abordadas abertamen-
Mas o resultado não foi bem esse. a música universitária e os novos te”, lembra Mauro. “Essa postura foi se
“Era como um campeonato de futebol. compositores e intérpretes para a estendendo para a música”
Havia torcida organizada, o pessoal televisão, e conseguiu. Em 6 de abril O povo ansiava por liberdade. Todos
comparecia”, comenta Mauro sobre o de 1965, o Festival foi ao ar pela TV queriam falar, gritar, ouvir, opinar.
ambiente dos festivais. Lembra também Excelsior Rio. Queriam continuar vivendo os Anos
que “foi um período de mudanças, tanto Foi um sucesso. A campeã, foi Dourados. Esse sentimento foi dando
no Brasil quanto no mundo. Os padrões Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de força aos festivais, pois, diferente do
eram quebrados diariamente. E isso Moraes, interpretada por Elis Regina. resto do país, neles a opinião pública
acabou chegando no Brasil.” Mais que um sucesso, Arrastão era algo realmente importante. O
foi um divisor de águas. Um marco. anseio do público por uma postura de
Deste ponto em diante, Elis criou oposição aos militares foi sacado e
O Embrião cultural
algo que marcou para sempre a cantado por Geraldo Vandré. Com esse
Os Festivais da Música Popular
cultura dos Festivais: o termo “de- feeling, o cantor e compositor conse-
Brasileira (MPB) mudaram a história
fender uma música”. Não tinha mais guiu, facilmente, ganhar notoriedade e
do país. Eles foram o embrião do que
volta, nada mais seria como antes. ser campeão do II Festival da Excelsior
se tornaria a nata da produção cultu-
Os programas de auditório, aqueles com a música Porta Estandarte.
ral e intelectual dos anos seguintes. O
onde um cantor famoso ficava horas A Record não ficou atrás. Vendo o
formato era simples. Alguém inscre-
se apresentando, estavam acaba- sucesso dos festivais da Excelsior, fez
via uma música e se apresentava ao
dos. Surgia um novo tipo de produto também o seu II Festival, este com
público que, junto com o júri, decidia
de entretenimento, onde o público um charme a mais: a transmissão
qual era a melhor. Um contato direto
avaliava e decidia o que era melhor, nacional. Na final deu Vandré, com
entre o artista e o público.
onde a crítica era livre, sem medo. Disparada, contra A Banda, música de
A idéia de fazer os Festivais veio
Um produto que dava liberdade de Chico Buarque - até então, um jovem
da Itália, na cabeça de Tito Fleury.
decisão, algo que desaparecera pou- estudante de Arquitetura da Faculdade
O advogado e radialista, depois de
co a pouco do país desde o dia 31 de de Arquitetura e Urbanismo da Univer-
acompanhar o Festival de San Reno,
março de 1964, o dia da “revolução”. sidade de São Paulo (FAU-USP).
quis fazer algo semelhante no Brasil.

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Com a transmissão nacional, o Festival virou um
espetáculo. “Parecia uma final de campeonato de

S
Futebol”, diz Mauro. O assunto foi comentado por
cronistas dos principais veículos de comunicação.
Segundo o júri, A Banda ganhou, mas Chico não
gostou da idéia. Ele achava a musica de Vandré
superior a dele. No palco, chegou a ameaçar recu-
sar o prêmio, caso anunciassem sua vitória. Então,
depois de algumas negociações e muita confusão,
foi proposto o empate.
Ainda no ano de 66 foi criado mais um Festival,
o Festival Internacional da Canção (FIC), que foi
veiculado pela TV Rio. O FIC, na verdade, era
um festival ‘2 em 1’. Nele havia uma primeira fase
nacional e, depois, a música vencedora competia

“Era como um campeonato de


futebol. Havia torcida organizada,
o pessoal comparecia, foi um
período de mudanças, tanto no
Brasil quanto no mundo.”
com outras músicas de convidados internacionais.
A campeã da fase nacional do primeiro FIC, foi
Saveiros, de Dory Caymmi, interpretada por Nana
Caymmi, sua irmã. A música ficou em segundo
lugar na fase internacional.
Até o ano de 1967, as músicas ficavam conhe-
cidas pelos interpretes e não pelos autores. Era:
Arrastão da Elis, ou a música da Nana Caymmi.
Mas essa postura, e muitas outras coisas, muda-
ram com o III Festival da Record.

O trampolim da fama e do protesto


O III Festival da Record foi o principal trampolim
para grandes nomes da MPB, como Gilberto Gil
e Caetano Veloso que, junto com outra novidade
da época, Os Mutantes, criariam, mais tarde, em
68, um dos movimentos mais revolucionários do
Brasil: a Tropicália. Naquele ano de 67, esses
personagens mostravam o que estavam propostos
a fazer: abalar os alicerces da nação.
Desta vez o público foi o diferencial, no lado
bom e no ruim. A maioria era composta de estu-
dantes treinados na arte de decifrar mensagens.
Eram capazes de perceber as idéias sutis deixa-
das pelos compositores da nova MPB. Mas, como
sempre, existiam os preferidos. Neste caso, os
que falavam mais abertamente sobre o regime.
Foi neste Festival que aconteceu o incidente
com as vaias do público a Sérgio Ricardo. O com-
positor não conseguiu completar sua apresentação
de Beto bom de bola e, enfurecido, reclamou com
a platéia. Não contente, arrebentou o seu violão e
jogou os restos na galera.
Também em 67 a TV Globo fez o II FIC, que
trouxe para o grande público outro grande nome,
NA VANGUARDA
Milton Nascimento, que inscreveu três canções: DE KURT
Travessia, Morro Velho e Maria minha fé. Anos de- COBAIN, SÉRGIO
RICARDO
DESANCA O
PÚBLICO...
pois, este festival, curiosamente, ficou
conhecido como “festival de Traves-
dade Católica (TUCA), que tinham a
fama de ser os mais politizados entre
O público já tinha
sia”, a segunda colocada, e não como os que freqüentavam os Festivais, decidido: Vandré
“festival de Margarida”, a campeã. estavam irredutíveis. Para eles, não era o favorito. Sua
Pronto! Estava feito e consolidado:
agora existia uma estrita relação
existiam meias palavras. Queriam
oposição aberta contra o Governo musica sintetizava
entre o público, os compositores e Ditatorial. Ser talentoso não era o o sentimento
a mensagem que seria passada.
A insatisfação com os militares, a
bastante, era imprescindível a atitude.
Não perdoaram nem Caetano, Gil e
da nação, a luta
oposição a tudo que aquela ditadura os Mutantes, que não conseguiram pela liberdade,
significava, o descontentamento. nem terminar de defender a música o fim do regime.
Quanto mais explicita era a mensa-
gem, melhor a aceitação do público.
É proibido proibir. Então, em meio a
vaias, Caetano berrou e criticou a “Caminhando
Mas o sonho não era para sempre. platéia por sua postura. e cantando,
O teatro da Universidade Católica seguindo a
1968, o ano do Silencio.
O início do fim.
estava lotado. A platéia marcava
presença. Todos aguardavam an- canção...”. Mas o
“Nos jornais, não era incomum siosamente o desfecho do júri. Quem resultado não foi
aparecerem receitas de bolos ou po-
emas no lugar das matérias censura-
ganharia? Sabiá ou Pra não dizer que
não falei das flores? Chico Buarque ou
exatamente esse...
das”, diz Mauro. “Com a música não Vandré? Dois símbolos de resistência
foi diferente.” à Ditadura Militar. O público já tinha Vandré foi proibida de ser executada
Muitas coisas aconteceram neste decidido: Vandré era o favorito. Sua nas rádios e locais públicos, em todo
ano. Festivais de Samba, o AI-5, musica sintetizava o sentimento da o território nacional. Pra não dizer que
exílio de alguns, a proibição da nação, a luta pela liberdade, o fim do não falei das flores, virou o hino da
veiculação de músicas, o auge e a “Regime”. “Caminhando e cantando, resistência.
derrocada de toda uma Era, que teve seguindo a canção...”. Mas o resul- Na sexta-feira, 13 de dezembro de
como clímax a final entre Pra não dizer tado não foi esse. 1968, foi baixado o AI-5, a censura
que não falei das flores, de Vandré, Como aconteceu na vida real, na prévia. Os novos arquitetos da MPB
versus Sabiá, de Chico Buarque e redação da Realidade, na saída do foram exilados. Os Festivais perde-
Tom Jobim. Era o fim dos Festivais. elenco de Roda-Viva, nas ruas, nas ram a força e o interesse da popula-
Solano Ribeiro, o homem respon- universidades... Enfim, em todos os ção. O público já não se importava
sável por aprimorar os festivais, assu- lugares não aconteceu o que todos com os resultados, a mensagem
miu o comando da I Bienal do Samba, queriam. Em 1968, não foi Vandré não era mais para ele. O quinto e
da TV Record. Esse evento contou quem ganhou. O público vaiou tor- último Festival da Record teve como
com gigantes da antiga e da nova rencialmente. Não podia ser esse campeã Sinal fechado, de Paulinho
MPB: Baden Powell, Zé Kéti, Chico o resultado. Em meio a confusão, da Viola, que competiu com outras
Buarque, Ciro Monteiro, Paulinho Vandré disse a famosa frase: “A vida músicas que não deram trabalho para
da Viola, entre outros. Mas não foi o não se resume em Festivais”. a censura. A Tropicália explodiu mas,
centro das atenções. Sabiá ganhou e não só a fase na- com o exílio de Gil e Caetano, o mo-
O momento crucial da Era dos Fes- cional do III FIC, como também levou vimento terminou. E assim termina a
tivais foi o III FIC (TV Globo,1968). o troféu internacional do evento. Era dos Festivais, o período mais fértil
Os estudantes de Teatro da Universi- Em 23 de setembro, a música de da MPB. VINICIUS GONÇALVES

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OS CAMPEÕES
1. os
tropicalistas
em cena

2.. PLATÉIA DO
I Festival Nacional da MPB II FESTIVAL DA MPB III FIC (TV GLOBO, 1968)
IV FESTIVAL
(TV EXCELSIOR, 1965): (TV RECORD, 1967) DA MÚSICA
“Era assim: o que quisesse POPULAR
Intérpretes, como Elis, Nesta cena, a personagem que tivesse, tinha. Tinha
‘defendem suas musicas’, o BRASILEIRA DA
principal é a platéia, que arrebol? Tinha. Rouxinol? TV RECORD
público decidia e a história dão o apoio aos futuros tinha...” tudo foi um ensaio
começava a mudar tropicalistas: para esse “Festival Modelo” 3. NO DETALHE,
1º) “Arrastão” (Edu / Vinícius) Caetano, Gil e Cia. 1º) “Sabiá” (Chico Buarque / O CÉLEBRE
2º) “Valsa do amor que não 1º) “Ponteio” (Edu Lobo / Tom Jobim) VIOLÃO DE
vem” (Baden / Vinícius) Capinam) 2º) “Pra não dizer que não SÉRGIO
3º) “Eu só queria ser” (Vera 2º) “Domingo no parque” falei das flores” (Geraldo
RICARDO...
Brasil / Mirian Ribeiro) (Gilberto Gil) Vandré)
3º) “Roda viva” (Chico 3º) “Andança” (Paulinho
II Festival Nacional da MPB Buarque) Tapajós / Danilo Caymmi /
(TV EXCELSIOR, 1966) 4º) “Alegria, alegria” Edmundo Souto)
“E não cantava se não fosse (Caetano Veloso)
assim por dores e tristezas IV Festival da MPB
que bem sei,um dia ainda II FIC (REDE GLOBO, 1967) (TV RECORD, 1968)
vão findar” Ironia do destino ou não, Tentaram, mas não era a
1º) “Porta estandarte” (Geraldo nem sempre os primeiros mesma coisa, afinal “A
Vandré / Fernando Lona) são lembrados. Aqui está o vida não se resume em
2º ) “Inaê” (Vera Brasil / festival de Travessia e não de festivais”
Maricene Costa) Margarida 1º) “São, São Paulo meu
3º ) “Chora réu” (Luís Roberti 1º) “Margarida” (Gutemberg amor” (Tom Zé)
/ Adílson Godoy) Guarabira) 2º) “Memórias de Marta
2º) “Travessia” (Milton / Saré” (Edu Lobo /
II Festival da MPB CAETANO
Fernando Brant) Guarnieri) EM MAIS UM
(TV RECORD, 1966) 3º) “Carolina” (Chico 3º) “Divino, maravilhoso” DISCURSO
Empate mais que merecido. Buarque) (Caetano / Gil) INFLAMADO
Dividiram o prêmio, Vandré
com “a morte, o destino” I Bienal do Samba
e Chico “vendo a banda (TV RECORD, 1968)
passar” Solano Ribeiro, o arquiteto
1º) “A banda” (Chico dos Festivais, volta e
Buarque) e “Disparada” comanda a elite do Samba
(Geraldo Vandré / Theo de em uma mistura da nova e
Barros) da velha MPB
2º) “De amor ou paz” 1º) “Lapinha” (Baden / Paulo
(Adaulto Santos / Luís Carlos César Pinheiro)
Paraná) 2º) “Bom tempo” (Chico
3º) “Canção para Maria” Buarque)
(Paulinho da Viola / Capinam) 3º) “Pressentimento” (Elton
Medeiros / Hermínio Bello de
I Carvalho)
P

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ZOM
No meio de toda essa penumbra
que foi a ditadura militar, havia aqueles
que tinham coragem e disposição para
fazer o que era certo: Lutar pela liber-

BE
dade de expressão. A melhor forma de
lutar contra um sistema que obrigava
seus cidadãos ao silêncio,foi cantando.
Certamente uma das pessoas que
mais contribuiu com esse processo
foi Gilberto Gil. Nessa época,Gil era
um jovem de 26 anos,um universitário
cheio de idéias revolucionárias.Foi
cursando a faculdade de Administra-
ção que o cantor conheceu sua trupe:
Caetano Veloso, sua irmã Bethânia,
Gal Costa e Tom Zé.Todos jovens e
muito interessados pela música.
O preconceito racial na década de

TEI
A fusão de
irreverência e
inteligência pela
liberdade de idéias

RO
60 era forte,Gil não ligava e abusava.
Mantinha seus cabelos crespos com
um certo volume,tinha as costeletas
bem crescida,quase se juntando com
seu bigode e cavanhaque,ambos com-
pridos e pontudos.Suas largas vestes
eram bem coloridas que,de vez em
quando,eram completadas com diver-
sos colares,as sandalias complementa-
vam o vísual único e chamativo.Gilberto
se destacava em vários sentidos.
Baiano como é,Gilberto Gil não se
deixou calar fácil pela pressão da
ditadura militar. Assim como um mo-
leque birrento que bate o pé quando
ouve um não da mãe,Gil fez de sua
música um instrumento de conscien-
tização e protesto.O surgimento do
movimento tropicalista fez com que bem com o ritmo de samba.  um meio de protestar e ser levado a
o regime militar se visse ameaçado Gil voltou ao Brasil em 72, mas foi sério. A vivacidade que todo o jovem
pelas letras de contestação,era mais no ano seguinte que ele mostraria que apresenta se combinou com os ideais
lenha na fogueira de Gil. continuava o mesmo de sempre e que corretos enraizados no compositor.
A prisão, no fim de 68, não foi o sua prisão não o amedrontou. A músi- Sua voz era uma poderosa arma que
suficiente para conte-lo. O tempo de ca Cálice foi proibida de ser gravada e não tinha a intenção de ferir, apenas
reclusão fez com que suas idéias cantada por causa do jogo lingüístico atordoar,fazer barulho,acordar.Saben-
para novas composições trabalhas- que permitia uma dupla interpretação do muito bem do risco que corria,Gil
sem com força total.Gilberto Gil não com a palavra “Cale-se”.Desafiando a seguiu em frente,protestou e se saiu
era burro,longe disso,sabia que após censura,Gilberto Gil cantou a música bem,sorte que nem todos tiveram.
suas musicas tinham destino certo.Gil em uma show para estudantes em Um coisa era certa,Gilberto Gil não
deixou a música Aquele abraço, antes homenagem a Alexandre Vanucchi queria ficar na história,se pudesse
de partir para seu exílio na Inglaterra,a Leme,uma vítima do regime militar. gostaria que,essa em particular,fosse
irreverência da música casou muito Gilberto Gil encontrou na baderna esquecida. MARCOS ROBERTO

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CON
“Minha mãe me deu
ao mundo de maneira
TES
ta
singular me dizendo uma
sentença: pra eu sempre
pedir licença, mas nunca

DOR
deixar entrar”

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Quem o vê hoje

S
centrado, e saltitantes, Caetano foi lapidando o liberdade, sua petulância.
de cabelos grisalhos bem cortados, caminho que o tornaria famoso. Num As roupas coloridas, cabelos, trejeitos,
vestindo esporte fino ou, de vez em país em que tudo era proibido, ele apresentações: tudo era planejado. A
quando um terno, sentado em um ban- instigou, gritou e numa fusão de vaias idéia era chocar, desestruturar qualquer
quinho, cantando e tocando violão, não e guitarras elétricas sentenciou: É realidade conservadora. Homens de
imagina que ele já usou roupas espal- Proibido Proibir! Entre tomates, ovos e verdade tinham que ter cabelos curtos?
hafatosas, coloridas, despojadas, uma pedaços de madeira ele continuou: “São Os dele eram grandes, compridos e
juba indomada e foi um dos precursores a mesma juventude que vão sempre, despenteados. Homens não usam brin-
do movimento mais revolucionário da sempre, matar amanhã o velhote cos? Ele usava. Vestia-se com trapos,
música brasileira, a Tropicália. inimigo que morreu ontem! Vocês não às vezes apresentava-se sem camisa.
Caetano era uma criança diferente, estão entendendo nada, nada, nada, As músicas precisam ter formatos de
que adorava ouvir no rádio os ído- absolutamente nada”. Caetano era tempos específicos, 4x4, 8x8, uma
los da música popular. Quando sua contestador, inconformado. matemática lógica? Esqueça, ele as
irmã mais nova nasceu, Caetano Cantava prazeres simples e versos descompassou. Trouxe a guitarra para
determinou: ela vai se chamar Maria cheios de duplo sentido, como em a música brasileira, trouxe cores para a
Bethânia. E assim foi. Inspirado pela Alegria, Alegria: “sem lenço, sem docu- realidade tão negra imposta pelo regime
canção que dizia “Maria Bethânia, tu mento, nada no bolso ou nas mãos, eu militar, trouxe vida, rebeldia e atitude
és para mim, a senhora do engenho”, quero seguir vivendo, amor. Eu vou! Por para um país de pasmados. Caetaneou
na voz potente de Nelson Gonçalves, que não? (...) Por entre fotos e nomes, a história do Brasil.
o menino, então com quatro anos de sem livros e sem fuzil, sem fome sem Ontem, na Ditadura, escreveu uma
idade, nomeou sua irmã, que seria sua telefone, no coração do Brasil”. O que história de oposição e resistência.
companheira para todas as horas. poderia acontecer com alguém abusado Ontem, no exílio, provou que a distância
Caetano Veloso é um baiano atípico, como ele depois do AI-5? O exílio, é não o silenciaria. Ontem, ele mudou os
que, não se contentando com som- claro. Mas nem isso o segurou. De Lon- rumos da música e da cultura.
bra, rede e água fresca, arregaçou as dres escrevia para O Pasquim e continu- Hoje, bem vestido, um exemplo de
mangas, entrou e saiu da faculdade ava compondo. Tiraram-lhe o direito de avô bem vivido. Talvez não tenha mais
de filosofia - sem se formar -, e caiu no estar na sua terra, com seu povo. Sua energia para comandar um show tropi-
mundo da MPB para mudá-lo de uma liberdade lhe foi tirada. Mas ninguém calista, gritar e contestar. Mas, embora o
maneira irreversível. podia censurar seu pensamento, suas contexto seja outro, se Caetano resolver
Mais do que um crítico social, como idéias e ideais. Não se controla a abrir a boca, se algo lhe desagradar,
todos os “emepebistas” de sua época, fertilidade de sua criação. ele ainda pode incomodar e se erguer
ele foi além. Transgrediu as regras da Do outro lado do oceano, o povo contra nossa frágil República, contra a
censura, “da moral e dos bons costumes” esperava. Não por suas irreverentes passividade do povo. Se ele fez o que
e até da música tradicional. Trouxe, apresentações tropicalistas, nem fez na Ditadura, contestar a atualidade
junto com a elite musical de sua época, por suas roupas, muito menos pelos não seria nenhuma missão impos-
a alegria de ser brasileiro em tempos “caracóis dos seus cabelos”. Queriam sível. Afinal, o leão pode perder a juba,
difíceis em que amar o país e lutar pela suas idéias, sua voz. O jeito Caetano mas nunca perde a majestade. E, com
liberdade eram sentença de tortura e de dizer: “eu vim aqui pra acabar com certeza, o povo ainda ”gosta muito de te
morte nos porões escuros da Ditadura. isso”. A voz debochada de quem não ver, Leãozinho, caminhando sobre o sol”
Com apresentações alegres, coloridas tem medo de contestar. Queriam sua CLÁUDIA URBANISKI
DUAS
CARAS Wilson Simonal pode ser de Simonal estava no topo,comandar De inocente
considerado sortudo e azarado ao mes- um programa só seu, só servira para
mo tempo. Assim como sua carreira ex-
plodia em sucesso meteórico,foi como
deixá-lo em maior evidência.
Simonal não participou de nenhum
protesto contra a Ditadura Militar,
a vítima,
mais um que
a queda de um meteoro que Simonal
se chocou contra o chão.Isso graças nem era a favor. Ser alienado a esse
as acusações de delator que sofrera assunto não era coisa que agradava

sofreu sem
durante o período do Regime Militar. aos outros músicos que sofriam com
Sorriso inconfundível, Wilson Simonal a dura censura,a pose de Não é pro-
poderia passar fácil por algum cantor blema meu não era bem vista.O único

cometer
americano.O quartel do exercito foi seu protesto que o cantor se engajou,foi o
primeiro palco, mas logo passou para de combate a discriminação racial no
bailes e boates. Quando começou a mundo todo.Enquanto Martin Luther
cantar profissionalmente,foi encontrado
por Carlos Imperial,que percorria clubes
King e Malcon X pregavam a igualda-
de racial,Wilson Simonal escreveu a
música Tributo a Martin Luther King.
crime algum.
noturnos em busca de novos talentos.
Foi assim que ele acabou achando Mas a canção teve que ser proibi-
cantores como Roberto e Erasmo da de ser executada.O sucesso da o jornal O Pasquim publicou uma
Carlos,Tim Maia e...Wilson Simonal. canção e o teor revolucionário foram charge de Simonal, insinuando que
A primeira musica cantada por motivos mais do que suficientes para ele servira de delator. Nesse momento
Simonal foi Terezinha, nome de uma que fosse censurada. sua carreira estava sepultada para
namorada que virara sua mulher e mãe Como que da água para o vinho, sempre,principalmente quando o boato
de seus três filhos. A canção seguia o Simonal tinha mudado sua postura de ter denunciado Caetano Veloso e
ritmo de sucesso da época,o chacha- diante do sucesso estrondoso que Gilberto Gil se espalhou.
cha.Sucesso garantido. fizera. A simpatia que irradiava deu Rádios, gravadoras e o publico
Um novo ritmo musical chamado lugar a prepotência.Em diversas boicotavam o cantor, que agora, mal
Pilantragem, uma mistura de Rock, entrevistas,respondia suas perguntas conseguia encher uma casa de show.
Samba, Bossa Nova e Iê iê iê, surgiu em tom ríspido e mal educado.Os Seus discos eram um fracasso de
no cenário musical e Wilson Simonal repórteres já cultivavam uma certa vendas e não tinha nada que fizesse
era um dos que aderiram à novidade. antipatia pelo cantor. esse cenário mudar.
Era com a Pilantragem que o cantor se A má imagem pública veio como uma Toda essa repulsa fez com que Wil-
apresentava nos festivais de música. Ele bomba, anunciando o seu declínio. Na son Simonal sumisse abalado moral e
se apresentava nos mesmo palco de copa do mundo de 70,Wilson Simonal fisicamente, se entregou ao alcoolismo
nomes tão conhecidos como ele. No fim fazia shows no México e seu sucesso e adoeceu. No ano 2000 Simonal falece
das contas,sua popularidade crescente servia como propaganda que o governo e só três anos depois um documento
arrancava aplausos eufóricos da platéia. militar fazia do Brasil.Se Simonal fazia inocentando Simonal de qualquer
Em pouco tempo, o cantor ganhou sucesso,o seleção brasileira ia bem e acusação veio a público, já era tarde
um programa de TV só seu, era o o Brasil era o País dos Sonhos.Mesmo demais e a brilhante carreira de
“Show em Si... Monal”. Quem o dirigia alienado a tudo isso,o estigma de Pró- Wilson Simonal virou história.História
era Carlos Imperial,o mesmo que o Ditadura já o tinha contaminado. de alguém que virou vítima sem fazer
encontrara em uma boate. A Carreira Foi em 7 de setembro de 1971 que nada. MARCOS ROBERTO

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VANDRÉ

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O virginiano Geraldo Pedro- vence a segunda edição do mes-
sa de Araújo Dias, nascido em 12 de mo festival com Porta-Estandarte,
setembro de 1935, é o primeiro filho do sua composição em parceria com
casal José Vandregísilo e Maria Eugê- Fernando Lona, defendido por Tuca
nia. Ainda garoto, Vandré já demonstra- e Airto Moreira. Vandré tornou-se
va um gênio difícil, e foi internado pelo cada vez mais famoso no ambiente
pai no Colégio São José, em Nazaré da dos festivais. Sua música Disparada,
Mata, interior de Pernambuco. Sempre interpretada por Jair Rodrigues, em-
demonstrou interesse em cantar no pata em primeiro lugar com A Banda
rádio, tendo participado de diversos de Chico Buarque no Festival da TV
festivais de canto no colégio. Record. No ano de 1968 Caminhando
No começo da década de 50, (Pra Não Dizer que Não Falei de Flores)
mudou-se com a família para o Rio conquista o segundo lugar no festival
de Janeiro, onde conheceu pesso- da TV Globo, apesar de ser favorita
as ligadas ao meio artístico, como do público, perdendo para Sabiá. Em
o compositor Valdemar Henrique, 1967, a TV Record, de São Paulo,
Baden Powell e Luís Eça. Ingressou concedeu-lhe um programa, Dispara-
na faculdade de Direito da UFRJ (Uni- da, com direção de Roberto Santos.
versidade Federal do Rio de Janeiro). Com a promulgação do AI-5 e
E se ligou aos movimentos estudan- o acirramento da ditadura, se viu
tis, participou ativamente do Centro obrigado a deixar o país. Então,
Popular de Cultura da União Nacional seguiu para a Argélia, onde assistiu
dos Estudantes (UNE). ao Festival Pan-Africano, viajan-
Foi então, que Geraldo conheceu do depois para a então Republica
seu primeiro parceiro na música, Car- Federal da Alemanha, ocasião em
los Lyra. Passou então a se interessar que gravou alguns programas para
mais pela composição, abandonando a televisão da Baviera. Esteve na
a idéia de tornar-se cantor. Fez a letra Grécia, Áustria, Bulgária, cantando
da música de Carlos Lyra Quem qui- em povoados do interior. Gravou o
ser encontrar o amor, gravada em abril LP Das terras de Benvirá, lançado no
de 1961. Em 1962 apresentou-se no Brasil pela Philips em 1973, com Na
Juão Sebastião Bar, em São Paulo, terra como no céu, Canção primeira e
iniciando trabalhos com Luís Roberto, De América. Mais tarde compôs Fa-
Baden Powell e Vera Brasil. Nesse biana em homenagem à FAB (Força
mesmo ano gravou com Powell e Aérea Brasileira). Nos anos 90 foram
Vinícius, Samba em prelúdio. lançadas coletâneas com diversas
Em dezembro de 1964, gravou raridades de obras suas.
o seu primeiro LP, Geraldo Vandré, Muitos o consideram louco. Certa-
com as músicas Fica Mal com Deus e mente, ele não tem certas conven-
Menino das Laranjas. No ano seguinte ções sociais. Mas a verdade é, ele
(1965) defende Sonho de um Carna- é apenas um homem que buscou a
val, de Chico Buarque, no I Festival beleza pra tentar ser feliz.
de MPB da TV Excelsior. Em 1966, ARIANE MAZZA

“Sem beleza não existe


o homem feliz”
CENSU
20 www.revistapop.com.br
Como uma
sexta feira
13, em
dezembro
de 1968,
marcou a

URADOS
GERALDO VANDRÉ
EM PERFORMANCE
DE “CAMINHANDO
E CANTANDO” instituição
do AI-5 e a
morte da
liberdade de
expressão
no Brasil.
O regime militar no Brasil durou de 1964 “protesto de várias famílias cearenses” revoltadas com o uso
a 1985. Durante este período, foi instituído o AI-5 que da palavra boutique, a qual suspeitavam ter duplo sentido.
estabeleceu o fechamento do Congresso Nacional, das Esse era o tipo de informação e justificativa dos censores.
assembléias legislativas, e câmaras de vereadores.
Decretou a intervenção nos territórios, estados e municí- A morte, o destino, tudo estava fora de lugar
pios. Cassou mandatos eletivos e suspendeu os direitos Grandes manifestações surgiram com os Festivais de
políticos por dez anos de todos aqueles que se opunham Música, e repercutiram em todas as classes. O interesse e
à ditadura militar. A liberdade individual de todo o cidadão a mobilização pública, ultapassaram o âmbito universitário
brasileiro foi cancelada e todos os opositores ao regime e sensibilizaram pessoas de todas as áreas, que à medida
passaram a ser vigiados. que os fatos iam ocorrendo, faziam seus protestos pelo
Toda a forma de criação estava cerceada. Não apenas fim do regime militar.
a música, mas o teatro e os livros (bem como a mídia ge- Os festivais projetaram a música popular brasileira dos
ral) foram duramente vistoriados e avaliados por militares anos 1960 para a televisão, que se transformou num novo
de inteligência tacanha e capacidade de ponderação nula. veículo de divulgação da música.
A intervenç ão, na forma de censura prévia, dava aos mi- O tempo se encarregou de valorizar as músicas dessa
litares autoridade e poderes para vetar músicas e interrogar época e eternizá-las.
(além de prender, torturar e exilar) cantores e compositores. O primeiro grande momento da era dos festivais foi sem
O cantor e compositor Raul Seixas, numa apresentação dúvida o II Festival da Record de 1966, a disputa acirrada,
ao vivo em 1980, mencionou a existência de um “dicio- entre Disparada de Geraldo Vandré e Théo de Barros, e A
nário da censura”. Aos artistas, cabia criar dentro da Banda de Chico Buarque de Holanda, dividiu o público. O
impossibilidade. E muita coisa foi criada. resultado final foi o empate das duas canções, sendo que
a canção de Vandré anunciava uma tendência mais crítica
Dois pesos, nenhuma medida da desigualdade social. Esta seria a postura que marcaria
Havia duas censuras distintas, a perseguição política - di- a turma da elite, os engajados da MPB.
rigida aos músicos engajados, a elite da MPB, e a persegui-
ção moral- voltada aos cantores mais populares, os bregas.
Nos festivais de música popular, ou em suas apresen-
tações públicas. Nos discos, nas entrevistas e onde era COM A VIOLÊNCIA
A MÚSICA
possível, eles cantaram e contaram ao mundo e a todos
nós o que estava acontecendo nos “porões da ditadura”.
Gilberto Gil e Caetano Veloso, foram expatriados para a
europa e Chico Buarque de Hollanda acabou seguindo o
mesmo rumo, antes que fosse expulso.
O medo e a paranóia tomaram conta de todos. O cantor DE PROTESTO
SE TRANSFORMA NA
Wilson Simonal, foi (injustamente) acusado de ser infor-
mante dos militares, entregando os colegas que apoiavam

ÚNICA FORMA
a esquerda. Acabou no esquecimento por nunca mais

DE ESBRAVEJAR
conseguir o mesmo espaço no cenário musical brasileiro.
Os irmãos Dom e Ravel, um dos maiores fenômenos da
música nacional, foram tachados de “colaboradores do Regi-
me” e tiveram a vida e a carreira modificadas para sempre.

Sexta feira 13
O dia D da censura no Brasil. As trevas da proibição
CONTRA O REGIME
apagam notícias e calam vozes para que a população
cega, não tome consciência do que acontece no país. Seguindo a canção
Com a violência e a truculência caminhando a passos Em setembro de 1968, o compositor Geraldo Vandré
largos e impunes, a música de protesto, cifrada e desafia- participou do terceiro festival internacional de canção com
dora se transforma na única bandeira cultural de acesso a música Pra não dizer que não falei de flores. A música
possível a um público perplexo e perdido. rapidamente foi proibida de ser veiculada e Vandré abriu a
Centenas de canções foram proibidas, outras tantas fila dos artistas perseguidos pela ditadura militar.
foram alteradas pelos próprios compositores para driblar Como uma moda adolescente que surge com força
a censura. Num jogo de mostra e esconde, os artistas sem que sua origem possa ser identificada, os artistas e a
tentavam (com algum sucesso) enganar censores dispos- censura imediatamente passaram e disputar as paradas
tos a coibir excessos, num verdadeiro festival de critérios de sucesso. Chico Buarque, que em suas letras deixava
equivocados, subjetivos e abusivos. claro seu descontentamento com o regime militar, é autor
O AI-5 foi o grande instrumento da mordaça, até can- de Apesar de você, canção que aparentemente trata da
ções que não tinham mensagens subliminares recebiam briga de um casal, com interpretação lógica e inconteste
as mais diversas interpretações por parte dos militares. de uma mensagem ao terceiro presidente militar Emílio
Foi o que aconteceu com Severina Xique Xique, do com- Garrastazu Médici. Após o sucesso, a música foi vetada com
positor Genival Lacerda, cuja proibição foi justificada pelo a suspeita de duplo sentido. Cálice, outra famosa canção de

22 www.revistapop.com.br
O PRIMEIRO DISCO: CAETANO E GIL NA GRAVAÇÃO DE “DOMINGO”

PROVA DO
Chico, também passou despercebida
pela censura, sendo vetada meses após
sua veiculação. Para driblar a censura,
Chico Buarque assinou músicas como
feitas na época, que os militares eram
extremamente racistas e achavam que
o título da canção era uma apologia
aos negros.
CRIME
Acorda amor e Jorge maravilha com o A divisão de censura de diversões
heterônimo Julinho da Adelaide. públicas, conhecida como DCDP, era
A caneta da censura não poupou nin- o órgão responsável pela censura pré-
guém. Artistas populares que ficaram ta- via de letras musicais. Uma censora
chados como bregas, também foram víti- de nome Odete Martins em entrevista
mas dos sensores. Como Chico Buarque, ao site censuramusical.com, explicou
Odair José também foi censurado. Com como era a sistemática da censura:
a diferença de que no caso dos cantores “era muito simples o negócio, eles
bregas, a patrulha era moral. Não só de mandavam de Brasília as ordens de
luta e resistência viviam os censurados, que tipo de mensagens a gente devia
de amor livre e sexo também. procurar nas músicas. Uma época
mandava prestar mais atenção na
Tacanhos e racistas política, ou nas drogas...”
Autor de grandes sucessos da Dois artistas muitos lembrados
música brasileira, Luiz Ayrão foi quando se fala em censura são os
outro que teve problemas com os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil,
militares, sua resposta descontraída que foram exilados e antes disso fica-
à canção Meu caro amigo, de Chico ram retidos em Salvador. A patrulha,
Buarque, incomodou a censura e a ora política, ora moral tinha seus alia-
música foi proibida. dos. Caetano compôs Deus e o Diabo
Um dos maiores sucessos de João que só foi liberada após negociações
Bosco e Aldir Blanc, Mestre sala dos e mudanças na letra original. Assim
mares foi gravada inicialmente com que a canção foi liberada, um conselho CARTA DE PASTORES
de pastores evangélicos enviou cartas EVANGÉLICOS PEDINDO
o nome de Almirante negro, mas os A CENSURA DE “DEUS
autores tiveram que mudar o nome, à Divisão de Censura de Brasília E O DIABO” DEVIDO AO
já que a palavra “negro” não era bem pedindo maior atenção nas letras que SEU CONTEÚDO
vista. Blanc conta em entrevistas liberavam. PROFANO
DÉCADAS DE
A hora chora de tristeza e dor
Gilberto Gil sofreu com os cortes das músicas Sonho mo-

CHUMBO
lhado e Tradição, ambas consideradas vulgares e impróprias.
Os irmãos Dom e Ravel ficaram eternamente associa-
dos ao governo militar, principalmente por músicas como
Eu te amo meu Brasil, adotada pelos militares e transfor-
mada em hino. Gravada pelo grupo Os Incríveis a canção
era tocada durante as subidas e descidas na rampa do
Palácio do Planalto. Ravel se defende da acusação
que a música tenha caráter ufanista intencional: “essa
mentira que se tornou pública, pelos maus jornalistas
da época que nos perseguem até hoje dizendo que nós
somos puxa- sacos do governo, fabricados pela ditadura
militar, se tornou verdade perante a opinião pública. Mas
eu não fiz música encomendada pra ninguém não”.
Ravel recorda os cortes dos censores, como foi o
caso da música Animais irracionais, censurada em 1974.
Além do veto dos militares, a dupla sofreu perseguição
das patrulhas políticas da esquerda.
Em 1977 os militares comemoravam o décimo terceiro
ano no poder, e foi quando Luiz Ayrão lançou o sam-
ba Treze anos, um dos mais contundentes protestos
contra o regime. Em depoimento ao historiador Paulo COM A VIOLÊNCIA, A REPRESSÃO CHEGAVA NO LIMITE
Cesar Araújo no livro Eu não sou cachorro não, o cantor
lembra: “quando reparei que eram treze anos, eu logo
pensei em fazer uma música sacaneando esses caras”. Anos 60
Treze anos foi vetada, mas aproveitando que o Congresso Com o gosto doce e a leveza da década anterior ainda
Nacional discutia a lei do divórcio, o compositor alterou o presentes, os anos 1960 foram o começo da elevação
título para O divórcio. E os militares aprovaram. da temperatura nas águas do mundo. O mundo construiu
Entre os artistas perseguidos, Jair Rodrigues foi um dos o muro de Berlin, matou J. F. Kennedy e Martin Luther
que jamais sofreram com a censura, por motivos subjetivos King. A primeira fatura da guerra do Vietnã veio alta e os
e os mesmos critérios ininteligíveis que sempre acompa- protestos começaram a pipocar. Os primeiros corações
nhavam os censores do Regime, ele era deixado em paz. foram transplantados e todos bateram mais forte quando
A partir de 1979, os ventos da anistia começam a soprar a Apollo 11 pousou em solo lunar. Nossa capital foi trans-
e algumas das canções vetadas são liberadas. Depois ferida para Brasília. Jânio foi eleito e se deselegeu. Os
disso, começam a voltar artistas, políticos e intelectuais. Beatles lançaram seu primeiro Lp e os militares brasileiros
A música amordaçada foi recuperando a voz e quem tomaram o poder.
fechasse os olhos seria capaz de ouvir os violinos da intro-
dução de Baby de Caetano Veloso: Baby, Baby, há quanto
tempo... ELAINE GOMES Anos 70
A década de 1970 inaugurou os microprocessado-
res e consagrou a TV a cores. No Chile chega ao fim o
curto governo de Salvador Allende, deposto em mais um
golpe dos militares. Os portugueses, ora pois, com sua

A PARTIR DE 79 revolução dos cravos, destituem os golpistas de farda;


enquanto os americanos voltam para casa derrotados

VENTOS
ao final da Guerra do Vietnã. Elvis morre e o sonho dos
Beatles acaba. Um Nixon exposto e envergonhado re-
nuncia à presidência nos Estados Unidos enquanto aqui,
Ernesto Geisel com suas quatro estrelas sobe a rampa

DAVOLTAM
ANISTIA
do planalto.

Anos 80
Década de 1980, Maradona entrega a taça do mundo
A SOPRAR: para os argentinos. A Apple lança o Macintosh e o Brasil vê

LIBERDADE!
o nascimento do seu primeiro bebê de proveta. O cometa
Halley aparece nos céus iluminados pelos mísseis da Guerra
das Malvinas e o mesmo céu vê o nascimento da estrela
do Partido dos Trabalhadores. Nossa geografia muda com a
transformação de Rondônia, Amapá e Roraima em estados
e com a criação do estado do Tocantins. No cinema, vemos
ET e dançamos com Michael Jackson ao som de Thriller,
comemorando a queda do Muro de Berlim.
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TROPICALISTAS

RITA LEE, ARNALDO BAPTISTA E SÉRGIO DIAS : MUTANTES DO PASSADO

É o fim da ditadura no Brasil. O presidente, eleito por


voto indireto, morre antes de assumir deixando para o
vice a tarefa de promulgar a nova Constituição.Era o início
de uma carreira de sucesso para os baianos Caetano
Emanuel Viana Teles Veloso, Gilberto Passos Gil Moreira
e Maria da Graça Costa Penna Burgos, conhecida pelos
amigos como Gal. Em 1967, já inseridos no cenário
musical, Gil grava um disco solo e outro com Caetano.
Os discos revelam a criatividade dos dois e a grande
influência da Bossa Nova e do Samba Canção. Além
disso, surge a graciosidade da voz de Gal Costa.
Para eles não era o suficiente: a efervescência de
seus pensamentos e idéias e a vontade de encontrar A JOVEM GUARDA:
um novo sentido para sua música fez com que ambicio- MESCLAVA MÚSICA,
nassem uma nova estética musical. COMPORTAMENTO E
Inspirados pelo movimento Antropofágico da Semana de MODA: ALIENADOS?
Arte Moderna de 1922 – que pregava que era importan-
te deglutir a cultura exportada pelas potências mundiais
e depois misturá-las a elementos da cultura local –, os
baianos juntaram-se a músicos como Tom Zé, Mutantes,
o guitarrista Lenny Gordon, o maestro Rogério Duprat e o
poeta Torquato Neto para criarem o Tropicalismo.
Misturando guitarras elétricas e triângulos nordestinos
numa mesma canção, eram incontestavelmente inovado-
res. Mas, para alguns, isto era uma afronta, uma heresia.
Entre vaias e aplausos, a guitarra elétrica foi apresenta-
da no Festival de Música Popular Brasileira, 1967, na TV
Record. Entre as dez finalistas, Alegria, Alegria, de Cae-
tano e Domingo no Parque, de Gil, acompanhado pelos
Mutantes. Considerando o resultado como positivo – a
canção de Caetano ficou com a quarta colocação e a de
Gil foi a vice-campeã – os dois gravaram seus primeiros
discos tropicalistas. Ainda nesse impulso, Os Mutantes e
Gal fizeram o mesmo. Com arranjos de Rogério Duprat e
a colaboração de Lenny Gordon na guitarra, o Tropicalis-
mo era um sucesso. Mas não absoluto. Nesse mesmo
ano, artistas como Elis Regina, Edu Lobo e Geraldo
Vandré marcharam, junto com centenas de pessoas no
centro de São Paulo, contra a guitarra elétrica.
Em 1968 grava-se o antológico Tropicália - Panis et
Circenses, disco que eterniza a união entre todos os
artistas que aderiram ao movimento. JÁ ROBERTO CARLOS
Vê-se no Tropicalismo uma proposta de ruptura, mas OPTOU POR UM
que, ao mesmo tempo, reincorporava com aquilo que EMBATE INDIRETO
COM OS MILITARES.
rompia. Isso fica implícito nas roupas, nos cabelos, nas
SEU PROTESTO ERA
atitudes e na informalidade. LÚDICO
Mas, como tudo chega ao fim, Caetano e Gil foram
presos e exilados pela Ditadura Militar e, quando voltaram, a
Tropicália havia virado história. CLÁUDIA URBANISKI
O PRESIDENTE depende a Revolu- frustrados Presidente Tribunal gurança Na-

0A
DA REPÚBLICA restauração cionário, ex- os ideais su- da República de Contas, cional, e sem
FEDERATIVA da ordem ercido pelo periores da poderá será exer- as limitações
DO BRASIL interna e do Presidente Revolução, decretar o cida pelo do previstas
, ouvido o prestígio da República, preservando recesso do respectivo na Constitu-
Conselho de interna- ao convocar a ordem, a Congresso Estado, ição, poderá
Segurança cional da o Congresso segurança, Nacional, das estendendo suspender
Nacional, e nossa pátria” Nacio- a tranqüili- Assembléias sua ação às os direitos
(Preâmbulo nal para dis- dade, o de- Legislati- funções de políticos de
CONSID- do Ato Insti- cutir, votar e senvolvimen- vas e das auditoria, quaisquer ci-
ERANDO que tucional nº 1, promulgar a to econômico Câmaras de julgamento dadãos pelo
a Revolução de 9 de abril nova Consti- e cultural e Vereadores, das contas prazo de 10
brasileira de de 1964); tuição, esta- a harmonia por Ato Com- dos admin- anos e cas-
31 de março beleceu que política e plementar, istradores sar manda-
de 1964 teve, CONSID- esta, além de social do em estado e demais tos eletivos
conforme ERANDO que o representar País compro- de sitio ou responsáveis federais,
decorre dos Governo da “a institucio- metidos por fora dele, por bens estaduais e
Atos com os República, nalização processos só voltando e valores municipais.
quais se insti- respon- dos ideais e subversivos os mesmos públicos.
tucionalizou, sável pela princípios da e de guerra a funcionar Parágrafo
fundamentos execução Revolução”, revolu- quando con- Art 3º - O único - Aos
e propósitos daqueles deveria “as- cionária; vocados pelo Presidente membros dos
que visavam objetivos e segurar a Presidente da República, Legislativos
a dar ao País pela ordem continuidade CONSIDERAN- da República. no interesse federal, es-
um regime e segurança da obra revo- DO que todos nacional, taduais e mu-
que, aten- internas, não lucionária” esses fatos § 1º - Decreta- poderá dec- nicipais, que
dendo às só não pode (Ato Insti- perturba- do o recesso retar a inter- tiverem seus
exigências de permitir tucional nº dores, da parlamen- venção nos mandatos
um sistema que pessoas 4, de 7 de ordem são tar, o Poder Estados e Mu- cassados,
jurídico e ou grupos dezembro de contrários Executivo nicípios, sem não serão da-
político, as- anti-revolu- 1966); aos ideais correspon- as limitações dos substitu-
segurasse cionários e à consol- dente fica previstas na tos, deter-
autên- contra ela CONSIDERAN- idação do autorizado Constituição. minando-se
tica ordem trabalhem, DO, no entan- Movimento a legislar o quorum
democrática, tramem ou to, que atos de março de em todas as Parágrafo parlamentar
baseada na ajam, sob nitidamente 1964, obrig- matérias e único - Os in- em função
liberdade, pena de estar subversivos, ando os que exercer as terventores dos lugares
no respeito faltando a oriundos dos por ele se atribuições nos Estados efetivamente
à dignidade compromis- mais distin- respons- previstas e Municípios preenchidos.
da pessoa sos que as- tos setores abilizaram nas Constitu- serão no-
humana, no sumiu com o políticos e e juraram ições ou na meados pelo Art 5º - A
combate à povo brasil- culturais, defendê-lo, a Lei Orgânica Presidente suspensão
subversão e eiro, bem compro- adotarem as dos Municí- da República dos direitos
às ideologias como porque vam que os providências pios. e exercerão políticos,
contrárias o Poder instrumen- necessárias, todas as com base
às tradições Revolu- tos jurídi- que evitem § 2º - Durante funções e neste Ato,
de nosso cionário, ao cos, que a sua destru- o período de atribuições importa,
povo, na luta editar o Ato Revolução ição, recesso, os que caibam, simultanea-
contra a Institucional vitoriosa Senadores, respectiva- mente, em:
corrupção, nº 2, afirmou, outorgou à Resolve os Deputados mente, aos
buscando, categorica- Nação para editar o federais, Governa- I - cessação
deste modo, mente, que sua defesa, seguinte estaduais dores ou de privilégio
“os. meios in- “não se disse desenvolvi- e os Vere- Prefeitos, de foro por
dispensáveis que a Res- mento e bem- ATO INSTITU- adores só e gozarão prerrogativa
à obra de re- olução foi, estar de seu CIONAL perceberão a das prer- de função;
construção mas que é e povo, estão parte fixa de rogativas,
econômica, continuará” servindo de Art 1º - São seus subsí- vencimentos II - suspensão
financeira, e, portanto, meios para mantidas a dios. e vantagens do direito de
política e o processo combatê-la e Constituição fixados em votar e de
moral do revolu- destruí-la; de 24 de ja- § 3º - Em caso lei. ser votado
Brasil, de cionário em neiro de 1967 de recesso nas eleições
maneira a desenvolvi- CONSIDERAN- e as Constitu- da Câmara Art 4º - No sindicais;
poder en- mento não DO que, as- ições estad- Municipal, a interesse de
frentar, de pode ser sim, se torna uais, com as fiscalização preservar a III - proibição
modo direito detido; imperiosa modificações financeira Revolução, de atividades
e imediato, os a adoção constantes e orçamen- o Presidente ou manifes-
graves e ur- CONSIDERAN- de medidas deste Ato tária dos Mu- da República, tação sobre
gentes prob- DO que esse que im- Institucional. nicípios que ouvido o Con- assunto de
lemas de que mesmo Poder peçam sejam Art 2º - O não possuam selho de Se- natureza

26 www.revistapop.com.br
política; Presidente poderá, após popular. Soares

AI-5
da República investigação, Hélio Beltrão
IV - aplica- poderá medi- decretar Art 11 - Afonso A.
ção, quando ante decreto, o confisco Excluem-se Lima
necessária, demitir, de bens de de qualquer Carlos F. de
das seguintes remover, todos quan- apreciação Simas
medidas de aposentar tos tenham judicial
segurança: ou pôr em di- enriquecido, todos os atos
sponibilidade ilicitamente, praticados
a) liberdade quaisquer no exercício de acordo
vigiada; titulares das de cargo com este Ato
garantias ou função institucional
b) proibição referidas pública, e seus Atos
de freqüen- neste artigo, inclusive de Complemen-
tar deter- assim como autarquias, tares, bem
minados empregado empresas como os
lugares; de autar- públicas e respectivos
quias, empre- sociedades efeitos.
c) domicílio sas públicas de economia
determinado, ou socie- mista, sem Art 12 - O
dades de eco- prejuízo das presente Ato
§ 1º - o ato nomia mista, sanções pe- Institucio-
que decretar e demitir, nais cabíveis. nal entra em
a suspensão transferir vigor nesta
dos direitos para a Parágrafo data, revoga-
políticos reserva ou único - das as dis-
poderá fixar reformar Provada a posições em
restrições militares legitimidade contrário.
ou proi- ou membros da aquisição
bições rela- das polícias dos bens, Brasília, 13
tivamente ao militares, as- far-se-á sua de dezem-
exercício de segurados, restituição. bro de 1968;
quaisquer quando for 147º da
outros dire- o caso, os Art 9º - O Independên-
itos públicos vencimentos Presidente cia e 80º da
ou privados. e vantagens da República República.
proporcio- poderá
§ 2º - As nais ao tempo baixar Atos A. COSTA E
medidas de de serviço. Complemen- SILVA
segurança de tares para Luís Antônio
que trata o § 2º - O dis- a execução da Gama e
item IV deste posto neste deste Ato Silva
artigo serão artigo e seu Institucional, Augusto
aplicadas § 1º aplica- bem como Hamann
pelo Minis- se, também, adotar, se Rademaker
tro de Estado nos Estados, necessário Grünewald
da Justiça, Municípios, à defesa da Aurélio de
defesa a Distrito Revolução, Lyra Tavares
apreciação Federal e as medidas José de
de seu ato Territórios. previstas Magalhães
pelo Poder nas alíneas Pinto
Judiciário. Art 7º - O d e e do § 2º Antônio
Presidente do art. 152 da Delfim Netto
Art 6º - Ficam da República, Constituição. Mário David
suspensas em qualquer Andreazza
as garantias dos casos Art 10 - Fica Ivo Arzua
constitucion- previstos na suspensa Pereira
ais ou legais Constituição, a garantia Tarso Dutra
de: vitalicie- poderá de- de habeas Jarbas G. Pas-

ai-5
dade, mam- cretar o es- corpus , nos sarinho
ovibilidade e tado de sítio casos de Márcio de
estabilidade, e prorrogá- crimes políti- Souza e
bem como a lo, fixando cos, contra Mello
de exercício o respectivo a segurança Leonel

DECIFRE-0
em funções prazo. nacio- Miranda
por prazo nal, a ordem José Costa
certo. Art 8º - O econômica Cavalcanti
Presidente e social e Edmundo
§ 1º - O da República a economia de Macedo
CENSORES & BOLOS PROIBIDOS
Paulo Cesar de Araújo é jornalista, historiador e mestre em
Memória Social. Autor de Eu não sou cachorro não - música popular brasileira na
ditadura militar (livro que descreve a censura imposta aos artistas populares brasil-
eiros) e da polêmica, censurada e proibida biografia Roberto Carlos em detalhes.

SICO Zé Rodrix é cantor, compositor, publicitário e escritor. Fez parte dos


grupos: Momento Quatro; Som Imaginário; Sá, Rodrix e Guarabyra e Joelho de
Porco. Autor de grandes sucessos da música nacional como Casa no Campo,
gravada por Elis Regina e Soy latino americano, entre muitos outros.

Paulo César e Zé Rodrix receberam a POP na Casa Mario de Andrade, em


São Paulo. ELAINE GOMES

Porque um livro sobre a


censura na música brega?
Paulo César Araújo - Quando come-
alguma coisa aqui, outra ali... Odair
José, por exemplo, fez, em 1973,
uma canção chamada Em qualquer
cei a me aprofundar nas pesquisas lugar, que falava apenas isso: “em
sobre a censura musical no regime qualquer lugar, na minha cama,
militar, já havia bastante escrita dentro do meu carro, debaixo do
sobre a elite da MPB e artistas como chuveiro é bom sempre em qualquer
Chico, Milton, Gonzaguinha. Sobre lugar”. Os censores, é claro, se es-
os bregas e a censura moral desse candalizaram. A canção foi vetada e
período pouco se falava. ele tentou conversar, modificar, mas
não teve jeito: a canção foi banida.
Como era a patrulha moral,
paralela à política? Zé Rodrix teve letras proibidas
PCA - Todos foram muito censura- por atentarem contra a moral
dos, principalmente o Odair José. E e os bons costumes. As
basicamente pela questão moral. Al- músicas eram Velha Questão
gumas vezes por questões políticas, e Somos o que você quiser e
mas principalmente por questões Abaixo a cueca. Você já estava
morais. Esses artistas foram vítimas esperando esse veto?
disso. Odair José foi com certeza o Zé Rodrix - Sabíamos de todos
mais censurado entre os cantores e os vetos. O problema é que nós
compositores da época da ditadu- estávamos vivendo uma situação
ra. Várias canções foram vetadas, em que não havia mais motivo, não
justamente porque ele enfatizava o havia mais substância para impor a
sexo, a cama, a pílula, temas que ditadura em moldes políticos. Ainda
nesse período eram considerados existiam pequenos grupos políticos
pelos militares como obscenidades. que faziam muito barulho, mas o
Falar de sexo, de prostituição... Era grande inimigo da ditadura passou
um atentado violento ao pudor! a ser o comportamento, a revolução
sexual, a liberação dos costumes. A
A lógica da censura moral coisa mais importante é que a gente
em relação à política seja livre de preconceito ideológi-
era semelhante? Aquele co, político ou religioso para poder
enfrentamento, as tentativas viver. Nesta época era impossível,
de burlar os censores, era tudo eram tempos de “Brasil, ame-o ou
igual? deixe-o”. Ou você se comportava
PCA - Era sim. Da primeira vez que desse jeito ou era melhor ir embora.
ele fez uma canção e foi proibida, A gente brincava muito com a frase:
ele continuou fazendo as músicas, “o último a sair, apague a luz do
ele continuou provocando, as mú- aeroporto.
sicas continuaram sendo proibidas,
mais ou menos o que acontecia com Qual era o sentimento de ter
o pessoal da MPB que nem sabia que submeter toda e qualquer
que era proibido falar de política e composição aos censores?
protesto, mas eles tentavam mudar ZR - Acho que cada um cumpria o
seu papel. Nós compúnha-
mos e eles censuravam.
Eu nunca pratiquei auto-
censura e não me preocu-
pava. Eu mandava para
a gravadora, que enviava
para a censura, que dava
seu parecer. Eu enfrentei
problemas com a censura
até 1982, quando nós fize-
mos o disco Saqueando a
cidade com o grupo Joelho
de Porco. Nós tivemos
duas canções censura-
das, inclusive a música
título do disco. Na época,
havia aqueles saques de
supermercados e eles
acharam que a gente tava
apoiando. E olha que isso
foi já no tempo de abertura.
Eu não tive problemas com
a censura. A censura é que
teve problemas comigo.
ZÉ RODRIX MUSICOU UMA RECEITA DE BOLO
Censuraram uma série de
incomodou nessa letra? O rádio (algumas vezes eles
canções, não tinha como
disco está pronto, vai ser proibiam a música de ser
escapar.
lançado”. Ele disse que tocada em qualquer lugar,
o General nem levantou outras vezes, só não podia
Era comum essa os olhos e disse simples- tocar no rádio!). O grande
negociação dos mente que a canção foi problema foi a palavra
músicos com os tirada e arquivada. O Odair “tortura”. Os militares não
censores? mudou uma palavra ou admitiam que falassem a
PCA - Era sim, não tinha outra e mandou outra vez palavra “tortura” e pelo
outra saída, até por que,
quando uma canção era
pra outros censores e eles
aprovaram achando que
visto nem “amor”... (risos).
Várias
vetada, o compositor era
chamado pra se explicar.
era outra música. Ele tem o
maior orgulho de ter enga-
Torturar podia, o que
não podia era falar a
canções
O Chico tentava, os outros
cantores também tenta-
nado o general! palavra...
PCA - Eles tinham umas
foram
vam, era muito comum.
O Odair fez uma canção
Com o cantor Waldick
Soriano a patrulha
implicâncias específicas
até interessantes, por-
vetadas
porque
chamada A primeira noite era dupla, tanto moral que retinham coisas sem
de um homem, que falava como política, não é importância e liberavam
enfatizavam
da ansiedade que envolve
isso? outras por pura ignorância.
o jovem no seu primeiro
PCA - Com ele era sim, e é O Agnaldo Timóteo, por
o sexo,
relacionamento sexual. A
curioso porque aí a questão exemplo, resolve em 1975,
censura proibiu, ele recor-
política atravessa a questão fazer uma música cha-
reu e marcou (através de
um executivo da gravadora)
moral ou faz uma associa-
ção política onde apenas
mada Galeria do amor e
eles liberaram! Ele estava a pílula...
um encontro com o Gal.
Golbery do Couto e Silva
(chefe do Serviço Nacional
era uma canção românti-
ca. Talvez uma das mais
falando da Galeria Alasca,
um ponto de encontro gay Acima de
de Informação). Ele costu-
mava receber os artistas.
lindas canções de Waldick
seja Tortura de amor, uma
no Rio de Janeiro. Tudo
bem que 75 já era um tudo,
Quando a novela Roque
Santeiro foi proibida, ele
canção composta em 1962
que, naquele ano, fez um
período de abertura, mas a
censura moral continuou. sofríamos
recebeu parte do elenco.
Receber ele recebia, mas
sucesso relativo. Em 1964
ele regravou essa canção
Ele fala, na música que
“na galeria é assim, onde uma censura
não adiantava nada... Mas
o Odair foi e, chegando
num disco comemorativo e
aí veio a ordem da Polícia
quem é gente como a
gente se entende, onde se moral”
lá, disse: “General, o que
Federal proibindo a exe-
cução. Não podia tocar no
pode amar livremente”. Ele
me disse: “olha Paulo, eu paulo césar
chegava de viagem parava o carro e observações bem bacanas... que para nós era muito interessante,
ia pra Galeria Alasca. Se eu colocas- ZR - A grande vantagem que eu vi no a gente dizia assim: “olha , cada um
se que a Galeria Alasca é assim, que livro do Paulo, foi que ele teve cora- na sua função: a gente compõe, eles
as pessoas de lá são assim e assim gem de destroçar todos os mitos da censuram, a gente compõe, eles
... fatalmente a música ia ser proibida” época. O livro acabou com histórias censuram...”.
Eu perguntei se ele não tinha receio e que eram totalmente ilusórias. Eu
ele me disse que se houvesse proble- acho que a gente precisa, antes de Era um jogo assim descarado?
ma, ele daria porrada... Na verdade, tudo, se livrar de alguns mitos. Um Os militares, os censores
por um lado você conseguia driblar a deles, por exemplo, quando o grande tinham consciência disso?
censura, não havia lógica. Algumas mestre fala no DIP (Departamento ZR - É lógico que tinham, era bem
vezes passava e outras não! O Zé de Imprensa e Propaganda, órgão assim. Mas aí a gente viu que não
tem uma história ótima sobre essas responsável pela censura), a gente dava, e começamos a usar truques.
implicâncias. tem que reconhecer que homens hoje Por exemplo, tem uma canção que
considerados gênios da raça, os me- se chama Pássaro que originalmen-
PAULO C. ARAÚJO DESTRINCHOU “OS BREGAS”
te chamava O tocador e estava no
nosso segundo disco (Terra, de Sá
Rodrix e Guarabyra), e aí a censura
proibiu. Quando a gente quis gravar
no disco seguinte, mudamos o nome
pra Pássaro e colocamos que seria
gravada pelo Tonico e Tinoco e eles
aprovaram! Pra eles o problema era o
conjunto de informações, daí bastava
fazer determinadas manobras.

Mas as manobras nem sempre


funcionavam...
ZR - O problema é que eles defen-
diam uma moral que não era modifi-
cada, que era a mesma sei lá desde
quando. Eu tenho uma letra que eu
fiz com o Paulo Coelho que eles
riscaram de caneta vermelha: “fere a
moral e bons costumes da família bra-
sileira”! O mais importante é perceber
que todos fomos censurados, todos!
A censura não caiu especificamente
em cima de alguns que, de deter-
minada maneira, se privilegiaram
disso. A censura caiu sobre todos e
os verdadeiramente censurados são
aqueles que nunca puderam gravas
suas canções. Tem um camarada
chamado Sirlan que ganhou um fes-
tival. Ele fez um disco, era o começo
da carreira dele, o disco foi todo cen-
Que história? lhores compositores que o país teve, surado, vetado de ponta a ponta. O
ZR - Olha, eu tava cansado de ser cen- foram comprados pelo DIP para fazer cara enlouqueceu, se meteu no meio
surado, tava de saco cheio desse jogui- músicas em homenagem ao ditador do mundo e nunca mais apareceu.
nho deles e um dia peguei um caderno da época, que era o Getúlio Vargas e
de receitas da minha avó e musiquei um que não abria mão disso. Ele queria Não dava vontade de desistir, de
bolo que ela sempre fazia. A letra era só: ser elogiado, queria lançar a idéia de
deixar pra lá?
tanto de açúcar, tanto de farinha, bate, que o Brasil era um país fenomenal
ZR - Olha, o Taiguara morreu com
assa... Mandei e eles vetaram! Vetaram e maravilhoso, você não podia falar
274 canções censuradas que nunca
o bolo da minha avó! Proibiram uma o contrário. Na ditadura de Getúlio, a
vieram ao público. Este é o cara
receita de família!!!! (risos) polícia chegava, dava porrada e não
censurado, estes são verdadeiramen-
queria nem saber. te censurados, porque a sua carreira
Zé Rodrix, antes da entrevista nós Os caras usam critérios estúpidos, foi interrompida. Eu tenho um amigo
estávamos falando da importância porque eles eram completamente que é advogado que diz assim “vocês
do livro Eu não sou cachorro desesperados, nós, no meio dos são muito bobos, você deviam agora
não, do Paulo, você fez umas compositores, tínhamos uma prática meter a boca... o Governo não está

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pagando indenizações pra todo mun- desafetos. Era assim mesmo? vingança muito forte. Pra mim não
do? Eu acho que todos os cantores ZR - Foi um movimento terrível em faz o menor sentido. A ditadura já
que foram censurados deviam entrar que essa censura, a da moral e dos passou. A censura foi um momento
com um processo, alegando danos bons costumes, teve toda a colabo- ridículo da nossa vida nacional e, se
morais e lucros cessantes. Você ração das pessoas que deveriam ter conseguirmos rir desta época, nós
podia dizer: olha censuraram minha lutado contra ela. Foram os movimen- vamos vencê-lo. A gente precisa
canção (é uma esculhambação você tos contra o Wilson Simonal, Tony começar a rir destes momentos. E rir
ficar penalizando o Brasil) eu tava Tornado e Erlon Chaves. Foram coisas mesmo para que eles percam valor.
indo muito bem, minha música tava rigorosamente movidas contra a moral A censura é profundamente triste.
muito boa, eu ia ficar milionário com e os bons costumes. Ela fica impregnada nas pessoas que
essa canção, mas o governo me A sociedade brasileira tinha imensa difi- tentam refazer sua vida de uma forma
impediu de ficar milionário, e agora eu culdade de ver negros em posições de que não é mais possível e acabam
quero minha indenização”. Isso ainda destaque, casados com loiras, levando agindo exatamente como os censo-
vai acontecer! (risos). uma vida legal e com importância res, porque elas ficam te impondo um
social. Era assim que a banda tocava. comportamento da mesma forma que
Como era o sentimento de Esses são três casos emblemáticos, os censores impuseram a elas. Ou
mandar mensagens cifradas pra porque os próprios movimentos de es- seja, totalmente ridículo.
população que não sabia nem querda, as pessoas que deveriam estar
entendia bem o que acontecia? lutando contra isso, ficaram rigorosa-
ZR - A população estava a favor, a mente a favor da censura.
população queria o golpe, estava
apoiando o golpe. Só em 1966 é que A imprensa também?
as pessoas começaram a se desagra- ZR - Eu me recordo da campanha
dar, aí veio o AI-5 em 1968 e a ver- escrota e torpe que o Pasquim fez
dadeira face do regime ficou exposta. contra o Simonal. Era uma coisa pes-
Mas de 1964 até 1966 o Golpe era soal. Sei disso, pois quando foi com-
aplaudido pela população brasileira provado que o Simonal não tinha feito

Um dia
não há o que dizer contra isso. O povo nada – e que nada daquilo era ver-
brasileiro gostava do Golpe. A censura dade – logo após a morte dele, foram

peguei um
existia e existe até hoje porque parte entrevistar várias pessoas e quando
da sociedade apóia o dever da censu- perguntaram para o Jaguar, ele disse:

caderno de
ra . Um exemplo era o Chacrinha que “era dedo duro sim e para mim não
era censurado e que muitas vezes se vai deixar de ser porque nunca gostei
pegava dizendo “como que a censura
receitas da
deste crioulo”. A relação era essa. Eu
deixou a capa dessa revista com a me recordo que o Pasquim era muito
Gal Costa ?”, ou seja: o Chacrinha era
minha avó
engraçado. Por exemplo, a música
censurado, e pedia censura. tema do jornal era País Tropical, mas

e musiquei
só cantada pelo Jorge Bem. Quando
Você falou que hoje ainda existe era cantada pelo Simonal era uma
merda. Quando Erlon Chaves dançou
um bolo que
censura.
ZR - Existe censura sim, não era só e beijou as loiras no palco, na saída
ele foi preso e ficou três meses desa-
ela sempre
naquela época, hoje se fala muito:
“como deixam essa música de funk parecido, tomando porrada e os caras
dizendo: “Aí negão, vai aprender o
fazia.
tocar nas rádios, isso é uma ofensa
pra família brasileira, uma baixaria”. teu lugar”. Tony Tornado, quando co-
É exatamente a mesma coisa, o meçou namorar a Arlete Salles, uma
mesmo blá blá blá, conversa fiada
de gente que não sabe reconhecer
loira, foi um escândalo.
Mandei
o respeito essencial e não permite
que ninguém pense diferente dele.
Pra finalizar eu gostaria de
saber se você acha que seu
e eles
Este continua sendo o verdadeiro
motivo de ainda haver censura no
trabalho ficou prejudicado pela
censura.
vetaram!
Brasil, é a incapacidade de aceitar
o diferente, um homem que pensa
ZR - Eu sempre tive a visão que cada
um cumpre seu papel: eu sou criador
Vetaram
diferente de mim precisa ser calado. e vou criando. Não pode uma canção,
eu crio outra, se corta um verso, eu
o bolo da
Muitos registros dizem que a
postura de patrulha ideológica
escrevo outro, como naquela músi-
ca do Paulo César Pinheiro. Agora,
minha avó!”
acabava escondendo sentimen-
tos de racismo e homofobia. A
esse movimento todo de pedidos de
reparação (que músicos e artistas
zé rodrix
própria esquerda perseguia seus vêm fazendo) tem uma coisa de
BREGAS
Sempre tratada como “musica de alienação e
conteúdo ufanista”, a música conhecida como
brega tem mais a dizer do que o dizem dela
A intensa produção de música
popular cafona durante a ditadura militar é
“EU NÃO SOU quase sempre esquecida nos livros, artigos e
CACHORRO NÃO”...
estudos que se propõem a relatar a história
NOS ANOS 60,
MODERNO ERA musical da época. Mas por que esses artistas
SER BREGA que eram tão ouvidos e aclamados pelo povo,
que compunham músicas para as classes
“menos favorecidas”, que vendiam milhares
de discos e que eram parte integrante da
história foram esquecidos por ela?

Alienação política? Talvez...


1968, ano do Ato Institucional Número 5:
estava instalado um regime de controle e
censura de qualquer manifestação contrária
à ordem dominante. A MPB se ergue contra
o cerceamento da liberdade, seus artistas
fazem manifestos abertos contra o regime
e, com isso, passam a ser perseguidos e
censurados. Ainda assim, esforçam-se para
protestar. Utilizando metáforas em suas can-
ções, alguns desses artistas tornam-se ícones
da resistência ao regime militar. Canções
engajadas, politizadas e de protesto: isso era
a Música Popular Brasileira.
À margem das questões políticas e das
implicações práticas da decretação do AI-5,
artistas como Odair José (que logo se tornaria
o maior ídolo da musica brega) e Benito
di Paula (um dos nomes mais populares
do cenário artístico brasileiro dos anos 70)
assistiram com distanciamento a confusão
política daqueles dias de dezembro de 1968.
Enquanto vários intelectuais e representantes
da MPB, como Chico Buarque, Edu Lobo e
Vinícius de Morais, participavam da Passeata
dos Cem Mil no Rio de Janeiro (movimento
que precedeu a decretação do AI-5), Odair
estava num estúdio, trabalhando, preocupan-
do-se com sua vida pessoal, correndo atrás
S
A música
brega não
lutou contra
ninguém. Se
sofreu com
a censura,
foi por conta
do caráter
moral de suas
canções.

do seu trabalho. “Chico Buarque tinha histórias de empregadas domésti- Eu te amo meu Brasil, em 1970, os
a casa dele, o pai dele, então era mui- cas, pedreiros, padeiros, lixeiros, militares transformaram-na num
to fácil pra ele participar da passeata. açougueiros e trabalhadores, além hino apologético do governo militar.
Mas eu não tinha aqui. Nem pai, nem de outras tantas pessoas marginali- É incontestável o caráter ufanista
mãe, nem casa pra morar. Precisava zadas, que encontravam nas canções dessa canção, mas é um erro afirmar
batalhar a minha vida” bregas um olhar voltado para si. Daí o que foram eles os únicos artistas a
O sambista Benito di Paula também enorme sucesso do brega entre esse produzir músicas com esse conteúdo.
estava se dedicando ao trabalho, seguimento social, os ‘menos favo- Pelo contrário. Antes mesmo de Eu te
tentando conquistar o seu espaço. recidos’. Mas ao falar nesses temas, amo meu Brasil ser escrita por Dom,
Outros importantes representantes os artistas não tinham a intenção de em 1969, Wilson Simonal alcançava
da música que ficou conhecida como contestar nada, nem ninguém, mas o auge do sucesso com a canção País
brega, sequer tomaram conhecimento sim trazer à luz essa realidade tão Tropical, composição de Jorge Benjor.
dos acontecimentos políticos. É o caso próxima e ao mesmo tempo tão des- Embora tenha causado grande polêmi-
de Wando, Agnaldo Timóteo, Dom e conhecida. Essa realidade que fora ca entre a esquerda brasileira, Benjor
Ravel, Waldik Soriano e Nelson Ned. vivida por muitos deles. conseguiu sair ileso enquanto Dom e
Importante é entender o abismo Os temas principais desse gênero Ravel conquistaram um estigma que
social que separava esses artistas da musical eram as drogas, o homos- os acompanharia por toda a vida.
questão política. Basta, para isso, dizer sexualismo, o sexo e o amor. Tudo
que o movimento da MPB contava com dito de forma direta e inofensiva. Não Enfim...
universitários e intelectuais da classe havia como fazer oposição ao regime A música brega não lutou contra
média. Estudantes de Marx, Weber e militar já que os ídolos bregas não ti- ninguém Se sofreu com a censura,
outros importantes nomes de sociolo- nham qualquer entendimento político. foi por conta do caráter moral de suas
gia, política, filosofia, etc. Já o movi- Nem oposição, nem apoio. canções. As músicas não eram ve-
mento brega era composto por artistas Acontece que os militares se apro- tadas por subversão, mas por conter
que, em sua maioria, trabalharam veitavam da ingenuidade das letras e insinuações pornográficas. O poder
durante a infância, migraram de suas faziam tocar, incansavelmente, essa ditatorial nunca se sentiu ameaçado
cidades natais em busca de melhores música ‘sem conteúdo’ nas rádios. por esse segmento da música.
oportunidades, foram recebidos com Dessa forma o alcance das canções A música brega não apoiou nin-
discriminação e passaram os mais era enorme e o povo as consumia guém O ufanismo nas canções era
diversos apuros na “cidade grande”. vorazmente. ingênuo, não tinha a intenção de
Dá para considerar seu distancia- Enquanto isso, a MPB sofria com legitimar os dogmas da ditadura. Os
mento político como alienação?\ a censura, com a extradição e tortura artistas pregavam o amor e conta-
de seus representantes. A classe vam, em suas músicas, as histórias
Ingenuidade dos artistas, média, os ‘engajados’, abominavam que o povo queria ouvir. Não se que-
sagacidade dos milicos o gênero brega e taxavam-no de alie- ria alienar ninguém, apenas entreter
Temática recorrente na música nante, já que, contextualmente, não e falar de coisas agradáveis, já que a
brega, o sofrimento, a discriminação era música de protesto. realidade nem sempre o era.
e a exclusão social recontavam as Quando Dom e Ravel lançaram CLAUDIA URBANISKI
CANTE Um relato da
perseguição
e patrulha
que a
esquerda
impôs aos
irmãos Dom
& Ravel

34 www.revistapop.com.br
JUN
EMOS
Eduardo Gomes de Farias é um homem
calmo, sereno e desconhecido que vive com a esposa
Rejane numa casinha branca, cheia de árvores e passarin-
hos. O cantor e compositor Ravel é um homem ressentido
e amedrontado pelas imposições da direita e as patrulhas
da esquerda no período da ditadura.Eduardo e Ravel são
diferentes em muitos aspectos, mas são a mesma pessoa.
Conseguir falar com ele não foi muito fácil. Há muitos anos
ele não recebe a imprensa, nem gosta de falar do passado.
O nome artístico Ravel foi dado por um professor de mú-
sica que achou que um exercício de violão que ele fez em
aula ficou igual ao bolero de Maurice Ravel. Dom ganhou
esse nome, por que “tinha o jeitão de padre”.
Dom & Ravel eram músicos de sucesso e enorme popular-
idade. A vida e a carreira iam muito bem, obrigada até que
a canção Eu te amo meu Brasil caiu no gosto dos Militares.
Esse foi o começo do fim. ELAINE GOMES

NTOS!
Como foi sua infância?
Eu nasci no norte. Meus pais eram
separados e meu pai era vendedor
ambulante. Ele comprava coisas na
Rua da Alfândega e vendia de porta
em porta na periferia do Rio.
Eu era pequenininho e ia com ele.
Acordava cedo e seis da manhã, já
estava na estrada. Eu acompanhei
meu pai até os dez anos, depois disso
ele progrediu e montou uma alfaiata-
ria e lojas de roupas. Mais tarde ele
vendeu tudo e veio pra São Paulo e
eu fui morar com a minha mãe. Dom
morava com ela.

Sua família nunca teve nenhu-


ma ligação com os militares?
Houve quem dissesse que vocês
eram filhos do general Cordei-
ro de Faria (braço direito do presidente
Castello Branco).
Não, nenhuma. Essa história de que
somos parentes de militares é mais
uma mentira. A história de Dom e
Ravel é uma história de vida muito
complicada. A pobreza é dura e é
essa a realidade do Brasil. Essa é
minha origem, no sentido de presen-
ciar situações de extrema dificuldade
das pessoas na periferia. Meu irmão
teve uma vida privilegiada, porque a
educação que ele recebeu foi muito
boa. Dom teve uma educação com-
pletamente diferente da minha.

Como começou a carreira


musical de vocês?
Meu irmão tinha outra dupla Dim &
essa história Dom, mas o companheiro dele foi
fazer faculdade no interior e largou a
de que somos música. Dom me convidou e eu fui.
Não tinha nem idéia do que seria uma
parentes de carreira musical, não tinha noção de
nada disso não... Meu irmão foi me
militares é mais ensinando, tendo paciência comigo.
Ele tocava bem violão e falava cinco
uma mentira. idiomas, ele era muito esforçado. Era
uma dessas pessoas que nascem
A história de predestinadas.
Dom e Ravel é Você acha que tudo que aconte-
uma história ceu com vocês foi algum tipo de
predestinação?
de vida muito Eu já pensei muito nisso... Nós fomos
perseguidos pela esquerda e pela
complicada” direito, uma coisa única na época da
ditadura militar. Isso nunca aconte-
ceu com nenhum artista. No início da
carreira, quando começamos a bater
na porta das gravadoras e nada. Aí
eduardo gomes nós começamos a grudar nos artistas,
de faria, o “RAVEL”
RECEBEU A POP EM
36 www.revistapop.com.br SUA CASA
mas logo percebemos que não daria que cantavam e veneravam suas
certo. Havia a panelinha da Jovem cidades, seus países, usavam ban-
Guarda, a dos músicos baianos, e deiras nos shows... Nós pensamos
quem estava de fora, estava fora da em fazer a mesma coisa, aí fizemos
jogada. Eles não queriam saber de um apanhado das belezas naturais
ajudar ninguém, artista brasileiro é do país, as praias, a mulher brasile-
muito desunido. Dom era visioná- ira, o futebol e o carnaval. Nós
rio, assinava revistas americanas reunimos tudo isso em Eu te amo
especializada em música, e nessas meu Brasil. Fazíamos músicas de
revistas estava tudo que acontecia mensagem social construtiva. Nós
nos Estados Unidos naquela década. queríamos ajudar o nosso povo
Então nós começamos a compor com as letras, para alertar as auto-
músicas pra todos os artistas. Nós ridades do governo e os políticos.
compusemos pros Demônios da
Garoa, Sérgio Reis, Wanderléia, An- Como começou a história dos
tônio Marcos, Vanusa, Os Incríveis... militares com Eu te amo meu
Fizemos muito sucesso, mas depois a Brasil?
perseguição foi brava. O Governo usava nossas músi-
cas sem nem pedir, o Governo
Antes dos problemas com os usou umas três, quatro músicas
militares e com a esquerda, nossas, sem pedir, nós fazíamos
vocês fizeram muito sucesso e shows obrigados, eu dividi palco
muito dinheiro... com a Elis Regina, mas o saco de
Um dia, estávamos no estúdio selecio- pancadas era Dom e Ravel. Eles
nando as músicas que seriam gravadas, paravam aqueles carros verdes
quando o diretor da gravadora chegou, enormes na porta de casa, tocavam
ouviu e adorou! Ele fechou contrato com a campainha e a gente ia tocar nas A DUPLA DOM & RAVEl: INJUSTIÇADOS
a gente na hora. Ele percebeu a nossa EXPOEX (exposições de material do
simplicidade e nossa vida mudou. Nós exército) na marra, sem cachê, sem era fã da dupla Dom e Ravel, estava
morávamos numa quitinete na Tabatin- aviso, sem nada. apanhando de gente que ia ao show
guera, e no dia seguinte mandaram a só pra isso, e era no Brasil inteiro. Era
gente voltar pra assinar o contrato com a gente da esquerda, que a esquerda
Em que momento vocês perce-
gravadora. Nós fomos e assim que che- mandava pra estragar nossos shows.
beram que os militares tinham
gamos, nos deram um cheque que deu Quando isso começou, eu chamei o
adotado sua música?
pra comprar um apartamento cinemato- meu irmão e disse que a gente preci-
O Governo começou com aque-
gráfico, e ainda ganhamos dois carros. sava fazer alguma coisa. Vamos fazer
las propagandas: “Brasil ame-o ou
E isso era só um adiantamento, mas o uma música falando da violência,
deixe-o” e “Eu te amo meu Brasil” e
negócio é o seguinte, o sucesso nosso tentando alertar as autoridades do
vários outros slogans dessa natu-
foi tão grande que o Governo usou a país, aí eu fiz Animais Irracionais.
reza. Aí a gente sentiu que tava en-
música Eu te amo meu Brasil. crencado, mas não tinha o que fazer.
Quem ia lá bater na porta dos caras e
Vocês gravaram essa música dizer que eles podiam ou não podiam
depois dos Incríveis? fazer as coisas?
Nós gravamos depois de três meses,
porque a Globo não queria gravar com Qual foi a primeira mentira que
Os Incríveis, porque era uma mão contaram sobre vocês, depois
de obra muito grande levar todos pra que o Governo começou a usar
gravar. Eram cinco passagens de avião,
cinco estadias... Eu e o Dom éramos
sua música?
Inventaram que eu era filho de inventaram
que eu era filho
dois, saía muito mais barato. Além disso, General,e que eu era um artista en-
nós tínhamos uma banda aqui e uma no gajado da direita, que eu fazia música
Rio, a gente não tinha despesa, encomendada pro Governo.Nem eu
fiz, nem eles pediram. Aí quando a de General,
Como foi a composição dessa
música?
violência começou a freqüentar os
nossos shows, o pau começou a e que eu era
um artista
Lembra quando eu disse que o Dom comer. O Governo usou nossas mú-
assinava revistas estrangeiras? A sicas e daí nós começamos a sofrer e

engajado da
gente procurava o que fazia sucesso observar a violência chegando perto
lá fora e queria fazer aqui. A�������
Ingla- da gente. Nós estamos cantando e

direita”
terra tinha os Beatles, os Estados aquele público que estava ali, que
Unidos tinham os Rolling Stones
a dupla no auge

Foi a vez da direita não gostar... ditadura, como se eu fosse uma pessoa câncer no estômago é mágoa. Você
Quando você gravava uma música, ela que fazia música encomendada pelo não sabe o que é ser perseguido a
ia pro departamento de censura da polí- governo... Isso é uma imagem que a vida inteira ... Essa é a regra do jogo,
cia federal, e essa foi proibida. Me cha- esquerda criou, a esquerda política criou é muito duro.
maram, eu fui até lá e fiquei esperando, contra mim e do outro lado os militares
sentado em uma cadeira, em um prédio não confiavam em mim por causa das Como você perdeu a visão?
bem grande cheio de mármore. Primeiro músicas e mensagens que contrariavam Foi glaucoma. Há três anos eu estou
veio um camarada e perguntou se eu os interesses políticos deles, eu sempre totalmente cego. Imagine o que é um
era o Ravel, da dupla Dom e Ravel, e disse que a violência tava aí, que a cidadão pegar o seu carro, ir pra casa,
eu respondi que era. Depois de quase violência tava acontecendo e que não estacionar na garagem, abraçar sua
uma hora, a censora Dalva apareceu e era possível ninguém ter consciência família, tomar banho, jantar com todo
perguntou : “sabe por que o senhor está disso. Eu, que já era perseguido pela mundo, dormir e acordar na escuridão.
aqui?” aí eu respondi: “sei, recebi uma esquerda, comecei a ser perseguido É muito difícil conviver com isso, tá tudo
intimação porque a minha música foi pela direita. O disco foi proibido, nós esquisito pra mim.
censurada” e ela disse que sim de um não podíamos nos apresentar em lugar
jeito muito agressivo e perguntou porque nenhum. Isso foi em 1974, só prejuízo, Você chegou a sofrer alguma
eu tinha feito a letra e o que eu queria di- eu não podia me apresentar, me tiraram agressão física?
zer com aquela letra e fui respondendo... o direito de trabalhar... Aqui mesmo no Tremembé já tentaram
Fiquei lá me justificando, de repente ela me matar, já invadiram minha casa,
me mandou calar a boca e ponto final. A O peso da patrulha política era tentaram matar a minha família.O que
música ficou proibida de tocar no rádio o mesmo da ideológica? não levaram, destruíram. Perdi muitos
e na televisão no Brasil inteiro. Eu sai de Era, e olha, isso não mudou. Ficou papéis importantes, isso foi em 1982.
lá super deprimido, a gravadora disse pior. Hoje você é vigiado dia e noite, O que falta no Brasil é solidariedade,
que teria que recolher o disco e aí pron- grampeiam até o telefone do ministro aqui nesse país você não pode mostrar
to, começou a situação complicada. do supremo tribunal federal. A coisa fraqueza, o Brasil é um individualismo
aqui degringolou, por esses e por total. Aqui o que todo mundo quer
Como era essa situação outros motivos que eu parei com a é achar um saco de pancadas, um
complicada? minha carreira, eu não quero mais me cristo pra crucificar. Você sabe o que
Chegou uma hora que a gente parou de expor ... Eu não quero acabar como é ser perseguido pela esquerda e
fazer o shows por causa dessa violên- eu meu irmão, que morreu de tanta pela direita?
cia e de tudo que a gente agüentava mágoa. Dom morreu dia primeiro Foi por todos esses motivos que eu
pela imagem errada criada a nosso de dezembro de 2000, de câncer no abandonei a carreira, e nunca mais dei
respeito. Como se a gente fosse cria da estômago. Qualquer um sabe que nenhuma entrevista.

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