Branca, triste,
se destaca dos demais passageiros, que
entretanto não a percebem. Passou a
roleta ainda agora. Pela janela do ônibus,
desdobram-se partes da cidade em que
nunca pisou – sua beleza de vida: o olhar,
a imaginação que guarda atrás daquele
muro bichinhos na grama e gotículas nas
folhas da madrugada, e nessa praça um
namoro ao entardecer – ela mesma
talvez.
Homem vivo algum se deleitara sob esse
vestido e o que morreu permanecerá
morto, independente de seu remorso ou
amor. Portanto apenas ali ainda persistia
o beijo no acamado, e um pouco mais
que isso à guisa de um maior conforto.
Derramou muitas lágrimas depois, é bem
verdade, na perseguição de um rastro de
sonho naquela face em que brilharam
virtudes que nem as feições meigas nem
a enfermidade poderiam dar a ele.
Levaram aquela tarde pelos anos
seguintes e não parecia haver tempo que
pudesse esmaecer os seus efeitos. Enfim
ele tornou um homem respeitável e, se
estivesse vivo, decerto teria esquecido. A
família passou a ser reconhecida por
causa dele, de sua capacidade no
trabalho e nas tramas dos negócios, mas
ninguém de fato deixara de lembrar que
o pai vinha da roça de cana e na cidade
até a aposentaria foi lixeiro. Ela ao
contrário ignora-lhe a riqueza e admira a
força de pais que possibilitou que ele
estudasse, e quanto a ele, o que
realmente significa alguma coisa era o
lençol branco de uma enfermidade cujo
desdobramento bem poderia, sim, não a
morte, mas ter sido ali no banco dessa
praça, e mais tarde entre os muros dessa
casa, com domingos na grama sob a
árvore. Encosta o nariz no vidro,
contemplando a cena.