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publicação quadrimestral nº82 Setembro/Dezembro 2007

Edição da APEI Associação de Profissionais de Educação de Infância


Preço 5.10¤ (iva incluído)
publicação quadrimestral Equipa Redactorial: Elvira Cristina Silva (coord.), Edite Sanches,
nº82 Filipa Barros, Glicéria Gil, Henrique Santos, Isabel Gerardo, Rita Banza
Tiragem: 3500 exemplares e Cláudia Cardoso. Colaboradores Permanentes: Mafalda Milhões,
Editora e Proprietária: Associação Maria Isabel M. Soares, Mário Cordeiro, Rosário Leote e Sofia Esteves.
de Profissionais de Educação de Infância Revisão: Rui Teixeira.
Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, Piso 0. Design Gráfico: Metropolis . www.metropolis.pt
1070-023 LISBOA Impressão: Selegrafe, Lda. Preço por número: 5.10¤
Tel. 21 382 76 19/20 Fax. 21 382 76 21 Assinaturas: 1 ano: 16,50¤ (iva incluído), estrangeiro (1 ano) 20¤
E-mail. apei@mail.telepac.pt Nº de Registo: Direcção Geral da Comunicação Social 112028
Directora: Alexandra Marques Depósito legal: 12929/86.
(Presidente da APEI) Os artigos assinados não exprimem necessariamente o ponto de vista da Redacção.

4 Da Direcção
34 Artigo . Ana Rosa Trindade
“Profissão professor - cientista criativo”
5 À conversa com... Desenvolvimento Profissional e Educação Inclusiva
Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades
para Todos

8 Artigo . Isabel Maria Tomásio Correia 39 Convergências . Sofia Esteves


O Stress e a aprendizagem
Formação e Caminhos de Profissionalidade
na Educação de Infância
40 Ecos . Maria da Graça Corredoura Adão Pinto
_Sábados Temáticos – O porquê desta iniciativa?
14 Artigo . Luís Silva Pereira _Interacção com a família na creche e no jardim-de-infância:
Emoções, cultura e aprendizagem “De mãos dadas ou de costas voltadas”
_“Como Pais, o que fazemos?”
17 Fontes . Maria Isabel Mendonça Soares
Diferença não é ofensa 42 Diga de sua justiça, com justiça
18 Práticas . Ângela Balça 43 À Descoberta... . Rosário Leote
A promoção de uma educação literária em O que se sente ao misturar água e farinha?
contexto pré-escolar: o contributo indispensável
da literatura infantil
44 AS NOSSAS NOTÍCIAS
_Síntese IV Encontro “SER BEBÉ”
21 Investigação . Elvira Cristina Silva e Rui Martins _Conhecer a(s) infância(s) implica uma atenção, uma
Competências psicomotoras e capacidade “escuta”, uma busca para compreender o outro.
grafomotora em crianças de idade pré-escolar Esse exercício é o que nos deve guiar na “Avaliação”
_Conferência de Peter Moss Porto, 9 de Novembro
26 LEX - Legislação da Educação
49 Ler com os 5 sentidos . Mafalda Milhões
Em casa, na escola, no carro ou de barco a navegar
27 Formação e Contributos há sempre tempo para cantarolar
Centro de Formação da APEI 2006/2007
A Biblioteca Escolar
50 Prelo
_O Alfabeto dos Bichos
30 Bem Vistas as Coisas _As partidas do Sebastião
_Formar Leitores – Das teorias às Práticas
_O Mundo das Crianças – Pedacinhos de Vida na Vida
33 Vamos Falar de... Flávia Julião de um Professor
Por uma educação da sensibilidade _O Pequeno Ditador – Da criança mimada ao adolescente
agressivo
_Papá, diz-me porque não andam as zebras de patins?
: EDITORIAL
# 82
Alexandra Marques . Presidente da APEI

“Um mundo para as crianças é construído nos princípios da democracia, da igualdade, da não-discriminação, da paz e da justiça social.”

Relatório da Sessão Especial das Nações Unidas sobre a Criança

No final do Ano Europeu da Igualdade de para as crianças antes do ingresso na escola “generosas” e significativas (em termos de
Oportunidades para Todos, proponho-me obrigatória, independentemente do tipo de prioridade política e de investimento finan-
partilhar algumas reflexões sobre a Educa- estabelecimento, financiamento, horário de ceiro), elas têm de ser sistematicamente
ção de Infância em Portugal porque: está atendimento ou conteúdos programáticos.”. sustentadas, acompanhadas e reguladas
reconhecido que a Educação Pré-Escolar é À data do estudo, este organismo alertou pelo Estado e pela sociedade civil, de forma
a primeira etapa da Educação Básica numa as autoridades portuguesas para a fragili- a prosseguir os desígnios consagrados na
perspectiva de aprendizagem ao longo da dade das políticas educativas e recomendou Lei 5/97, de 10 de Fevereiro – Lei-Quadro da
vida, acredito que as respostas educativas que se fizessem investimentos diferenciados Educação Pré-Escolar."
para crianças dos 0 aos 6 anos podem de- para se reduzirem as desigualdades e esta- Neste momento, pode afirmar-se que a Edu-
sempenhar um papel fundamental na redu- belecer a igualdade de oportunidades. cação de Infância vive um momento que se
ção das desigualdades sociais e escolares, Efectivamente, as respostas educativas e a caracteriza, por um lado, pela ausência de
entendo que existem compromissos entre rede social de suporte às famílias no que políticas educativas sustentadas na capaci-
estados, a nível europeu e mundial, que Por- concerne ao atendimento de crianças dos 0 dade e coragem de pensar e agir respostas
tugal subscreveu e a que é necessário dar aos 6 anos, em Portugal, padece de enormes educativas e de cuidado para todas as crian-
resposta. debilidades, incoerências e insuficiências. A ças dos 0 aos 6 anos e, por outro lado, pela
A OCDE num estudo comparativo1 efectua- fragilidade de uma política educativa para a adiada discussão e reflexão alargada que
do em 2001, em 12 países europeus incluindo infância, que se vem agravando com maior conduza a uma alteração fundamental na
Portugal, veio afirmar que a educação e cui- incidência nos últimos anos, tem conduzido Lei de Bases do Sistema Educativo, de for-
dados para a infância com qualidade ofere- à instalação de um vazio. Os instrumentos ma a consagrar o direito à Educação desde
cem a possibilidade de motivar e preparar legais e conceptuais até foram criados, com o nascimento. Essa, sim, seria uma mudança
as crianças, desde os primeiros anos, para o Programa de Expansão e Desenvolvimento estrutural, na medida em que permitiria di-
um processo de aprendizagem ao longo da da Educação de Infância2 e os dados quan- minuir o desperdício de recursos, o desgaste
vida. titativos revelam que se caminhou para uma social e, em última análise, impediria que se
A OCDE considera que a educação e cuida- maior cobertura nacional, contudo, “Se as continuasse a comprometer o sucesso da
dos para a infância “inclui todos os contex- políticas para a Expansão e Desenvolvimen- Educação enquanto bem comum, ou seja,
tos que proporcionam cuidados e educação to da Educação de Infância, nomeadamente a pôr em causa a equidade e a promover
a partir de 1995, foram indiscutivelmente formas cada vez mais duras e precoces de
1 OCDE (2001). Starting Strong. Early Childhood Education
exclusão social.
and Care – Educations anda Skills. Paris:OCDE 2 O lema deste programa era “Um bom começo vale para a vida.”

3 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: EDITORIAL : DADIRECÇÃO

Num país em que, de acordo com o relatório tros equipamentos como bibliotecas, ludo- Estatuto de utilidade pública
do Starting Strong II, 67%3 da força de tra- tecas, parques e ginásios, teatro, cuidados No passado dia 28 de Setembro, por des-
balho é garantida pelas mulheres e que ape- de saúde, habitação condigna, segurança… pacho do Senhor Primeiro-Ministro José Só-
nas 14% destas estão a tempo parcial (contra Temos crianças que não são atendidas por crates1, foi atribuído à APEI o estatuto de
5,8% dos homens), a definição e aplicação serem portadoras de deficiências ou doenças utilidade pública.
de políticas mais articuladas, que apostem crónicas e o sistema não tem capacidade de O pedido foi apresentado pela actual Direc-
na participação e responsabilização das co- resposta nem em infra-estruturas nem em ção em Abril de 2006 e após um percurso
munidades, nomeadamente das famílias, de- recursos humanos e financeiros. Há crianças moroso, que envolveu a consulta de dife-
verão ser a garantia de que a Educação é um a quem é vedada uma continuidade educati- rentes entidades para darem parecer sobre
direito alcançado com equidade. va como passaporte para o sucesso das suas o papel da associação, chegámos a bom
Citando Sall e Ketelle (1996), a equidade aprendizagens. As famílias têm que se valer porto.
diz respeito “ao modo como os custos e as de soluções prestadas por entidades priva- Esta declaração reconhece o “relevante tra-
vantagens do investimento educativo são das, com custos normalmente pesados, têm balho de serviço à comunidade” desenvol-
distribuídos entre os diferentes grupos da que ver-se diariamente confrontadas com vido pela APEI na “partilha de informação
sociedade (…) um sistema educativo será tão horários de trabalho incompatíveis com os e a formação contínua dos profissionais de
mais equitativo quanto sejam reduzidas as horários escolares e com a exiguidade de educação de infância, ao estimular a divul-
disparidades entre os mais fortes e os mais respostas de apoio para os complementos gação de práticas educativas inovadoras,
fracos, entre os grupos favorecidos e des- para além do calendário escolar, a acrescer contribuindo assim para o desenvolvimen-
favorecidos.” Os mesmos autores alertam, a tudo isto existem outras situações como a to de uma educação de qualidade da po-
porém, que a equidade nunca poderá ser mobilidade docente, a falta de consolidação pulação e, consequentemente, do País, ao
entendida desligada da noção de justiça e de modelos de gestão e de avaliação do sis- organizar e participar em eventos na área
que deste binómio depende intrinsecamen- tema educativo… da educação e ao cooperar com as mais di-
te a qualidade de vida e o desenvolvimento No presente número dos CEI, procurámos versas entidades públicas e privadas através
humano. trazer aos nossos leitores contributos que da celebração de vários protocolos.”.
No estudo prospectivo realizado em 2000, permitam dar visibilidade à reflexão de outros A Direcção pretende, num gesto colectivo
sob a coordenação de Roberto Carneiro,4 profissionais sobre a aprendizagem mas tam- de alegria e realização, congregar todos os
foi reafirmada a necessidade de expandir e bém testemunhos da intervenção educativa. associados que ao longo de 26 anos con-
desenvolver a educação pré-escolar como Encontrará também elementos relativos à tribuíram com o seu trabalho, empenho e
“estratégia-chave para a promoção da qua- investigação e à formação contínua, muito profissionalismo para que a APEI possa ser
lidade da educação”. No relatório previa-se concretamente, decorrente do trabalho da hoje um veículo significativo de formação e
que em 2010 seria possível atingir uma taxa APEI. informação para os profissionais de Educa-
de cobertura na ordem dos 100%. As hipó- Saliento ainda alguns testemunhos sobre o ção de Infância, Parabéns a todos e votos
teses de evolução apresentadas eram as Ano Europeu para a Igualdade de Oportuni- de que este momento reforce os laços de
seguintes: dades para Todos. participação de todos e cada um dos asso-
• Idade 5 anos: cobertura a 100% em 2005 Finalmente, o caderno destacável nesta revis- ciados.
• Idade 4 anos: cobertura a 84% em 2005, ta em que poderão encontrar um documen-
100% em 2010 to, produto do questionamento e reflexão do Eleição dos Órgãos Sociais da APEI
• Idade 3 anos: cobertura a 79% em 2005; Grupo de Trabalho “Ética”, coordenado pela Recordamos que em Março de 2008 se de-
100% em 2010 associada Maria da Conceição Moita, que a verá realizar a Assembleia Geral Extraordiná-
Direcção da APEI apresenta para discussão ria para eleição dos Órgãos Sociais para o
Estes objectivos ainda não foram alcança- pública e para o qual todos poderão dar o triénio 2008-2011.
dos. Temos ainda um número apreciável de seu contributo. Posteriormente este será re- Convidamos todos os associados a partici-
crianças, dos 0 aos 6 anos, que não têm ferendado entre todos os associados. par, constituindo e apresentando à Mesa da
acesso a respostas educativas (creche e jar- A Direcção da APEI agradece a fidelidade e Assembleia listas eleitorais para esse efeito,
dim de infância), também não o têm a ou- interesse de todos os associados e assinan- de acordo com o art.º 17º dos Estatutos da
tes ao longo de 2007 e formula desde já os APEI.
3 79% das mulheres com filhos menores de 6 anos está seus mais sinceros votos de um excelente
empregada, e 70,8% das mulheres trabalhadoras têm filhos 1 Despacho 23469/2007 de 12 de Setembro, Diário da Repú-
menores de 3 anos
ano de 2008. blica, 2ª série – Nº 197.
4 O Futuro a Educação

4 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ÀCONVERSACOM
Respostas às questões colocadas pela APEI sobre o Ano Europeu
da Igualdade de Oportunidades para Todos para efeitos de publicação
nos Cadernos de Educação de Infância (CEI)

Questão 1. Considerando os objectivos traçados para o Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidade para Todos, designa-
damente sensibilizar para o direito à igualdade e alargar o debate sobre as formas de discriminação em diferentes áreas, como
analisa as acções realizadas?

Questão 2. No quadro nacional e europeu, que medidas entende serem fundamentais para garantir, a curto prazo, a igualdade
de oportunidades para todas as crianças dos 0 aos 6 anos?

Rui Marques
Alto Comissário
para a Imigraçãoe Diálogo Intercultural

Resposta 1. Em primeiro lugar, é importan-


te deixar claro que a sensibilização para a
igualdade de oportunidades, a prevenção
e combate à discriminação estão implícitas
aos objectivos que norteiam a intervenção
específica do ACIDI, pelo que se poderá
afirmar que a sua concretização se verifica
de forma transversal em todos os eixos do
plano de actividades do ACIDI. O sentido
de toda a nossa acção resume-se no nos-
so “lema” ACOLHER e INTEGRAR, cada vez
mais e melhor!
Procuramos pôr em prática, através de to-
dos os meios ao nosso dispor, o princípio da
igualdade de direitos e deveres entre cida-
dãos nacionais e estrangeiros, ancorando a
nossa intervenção num conhecimento e num
Maria de Lurdes Rodrigues Resposta 2. O caminho no sentido da igual- diagnóstico fundamentado da realidade.
Ministra da Educação dade de oportunidades implica a intervenção (www.oi.acidi.gov.pt)
em múltiplas áreas e medidas integradas. A Recordo que a missão do Alto Comissariado,
Resposta 1. As muitas acções que têm decor- área da educação é, naturalmente, central enquanto estrutura interdepartamental de
rido por todo o país são muito meritórias e nos primeiros anos de vida: a qualidade das apoio e consulta ao Governo em matérias
têm envolvido muitas instituições e pessoas. aprendizagens a que a criança tem acesso de imigração e minorias étnicas, consiste
O trabalho de divulgação de informação, de nos primeiros anos condiciona decisiva- justamente na contribuição substantiva para
abertura de espaços públicos de debate e de mente o seu desenvolvimento cognitivo e uma (melhor) integração e participação dos
sensibilização para a necessidade da defender está fortemente correlacionada com o seu imigrantes e minorias étnicas na sociedade
valores centrais da nossa sociedade são instru- desempenho escolar futuro. O caminho a portuguesa. Esta colaboração é, sempre
mentos a que o Estado deve apostar, porque percorrer é o do alargamento da provisão aqui, entendida numa perspectiva de par-
são formas de mobilização da sociedade civil pública de creches e de educação pré-es- ceria, com as estruturas representativas das
em torno de causas que devem merecem um colar, garantindo progressivamente a todas comunidades imigrantes: “na definição de
largo consenso público. Um pouco por todo as famílias e a todas as crianças a oportuni- políticas de integração social e de combate
o país, as escolas aderiram à iniciativa em co- dade de um acompanhamento de qualida- à exclusão e no acompanhamento da apli-
laboração com autarquias e organizações da de, facilitador das aprendizagens futuras, cação dos instrumentos legais de prevenção
sociedade civil, revelando uma notável abertu- quando as crianças entram na escolaridade e proibição das discriminações no exercício
ra à cooperação institucional e empenho em obrigatória. de direitos por motivos baseados na raça,
levar os espaços de debate, esclarecimento e cor, nacionalidade ou origem étnica”. (DL
sensibilização às crianças e jovens. 251/2002).

5 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ÀCONVERSACOM

A alteração orgânica ( DL 167/2007 de 3 de tituições que, na sociedade de acolhimento Resposta 2. Do ponto de vista do ACIDI, e
Maio) que transformou o ACIME em   Insti- interagem com as comunidades imigrantes, tendo em vista sobretudo as crianças des-
tuto Público, Alto Comissariado para a Imi- são dinamizadas acções de formação nas cendentes de imigrantes, que são as que
gração e Diálogo Intercultural – ACIDI- I.P., instituições que o requeiram, através do site se situam na esfera de acção do ACIDI, jul-
veio reforçar as funções de “...concepção, do ACIDI (www.acidi.gov.pt - Entreculturas/ go que valia a pena continuar a apostar na
execução e avaliação das  políticas públicas, Módulos de Formação). Ao abrigo deste pro- formação inicial e contínua dos agentes e
transversais e sectoriais, relevantes para a grama, a funcionar desde Abril de 2006, já educadores que estão em contacto com as
integração dos  imigrantes e das minorias se realizaram mais de 500 acções, nas quais crianças, sensibilizando-os e qualificando-os
étnicas...” atribuindo-lhe, ainda, responsabi- se destaca a participação expressiva de pro- para um trabalho pedagógico intercultural,
lidades mais  alargadas na promoção activa  fessores. O lançamento de dois novos sites, ou seja, que acolha a diversidade de todos
“do diálogo entre as diversas culturas, etnias (www.entreculturas.pt e www.entrekultu- os alunos e que esta, em vez de ser obstácu-
e  religiões.” ras.pt), direccionados respectivamente para lo ou problema, possa ser transformada em
Este exercício de uma política voluntária e in- formadores e para jovens constituem duas recurso da aprendizagem. (No site do ACIDI
tencionalmente orientada para a  implicação novas apostas que reforçam e enquadram www.entreculturas.gov.pt estão disponíveis
das comunidades imigrantes na definição de forma mais sistemática, instrumentos de para download duas brochuras que dão su-
das políticas que lhes dizem directamente apoio à aprendizagem intercultural. gestões neste domínio: “Uma Escola – Uma
respeito é um caminho longo e necessaria- - A Comissão para a Igualdade e Contra a sala de Aula Interculturais” e Um livro... Uma
mente lento e temos consciência do muito Discriminação Racial – CICDR (Lei n.º 134/99, História... Interculturais).
que há por fazer e que as (des)igualdades de de 28 de Agosto) um órgão independente,
partida são inúmeras e que os resultados só especializado na luta contra a discriminação O nosso lema “Acolher e integrar” também é
poderão verdadeiramente acontecer através racial que funciona junto do Alto-Comissa- válido para estas circunstâncias!
de um esforço e de uma cooperação institu- riado para a Imigração e Diálogo Intercultural
cional entre diversos sectores da sociedade e a que preside o Alto-Comissário, é a plata-
portuguesa. A expressão deste esforço é o forma mais directamente vocacionada para
Programa para a Integração de Imigrantes assegurar respostas mais concretas a formas Elza Pais
– P.I.I. (RCM 63-A/2007, de 7 de Março) que de discriminação étnico-racial ou qualquer Coordenadora da Estrutura de Missão do
envolve a actuação de 13 Ministérios e a con- expressão de xenofobia, nomeadamente nos Ano Europeu da Igualdade de Oportunida-
cretização de 122 medidas. domínios do trabalho, da saúde, da educa- des para Todos e Pres. da Comissão da Cida-
De uma forma mais concreta, poderei, no en- ção e da cidadania. Neste âmbito, realça-se dania e da Igualdade de Género
tanto, apontar algumas das actividades de- ainda a criação de um site (www.cicdr.pt)
senvolvidas pelo ACIDI, I.P. que se enquadram orientado especificamente para divulgar in- Resposta 1. A Estrutura de Missão do Ano
mais directamente nos objectivos do AEIO: formação útil a todos os cidadãos sobre a Europeu da Igualdade de Oportunidades para
- A institucionalização, por exemplo, de in- importância da luta contra o racismo e sobre Todos, criada pela Resolução de Conselho de
terfaces amigáveis e de resposta integra- os meios disponíveis para poderem denun- Ministros nº88/2006 de 6 de Julho, integra
da entre os imigrantes e a Administração, ciar situações de racismo e obterem todo o representantes de 7 instituições, a saber:
através dos Centros Nacionais de Apoio ao apoio necessário. Comissão para a Cidadania e a Igualdade de
Imigrante (CNAIs), em Lisboa e Porto, e dos, - Uma das contribuições do ACIDI no AEIO Género (CIG), Alto Comissariado para a Imi-
já 68, Centros Locais de Apoio ao Imigran- foi o lançamento, em colaboração com o Mi- gração e o Diálogo Inter-Cultural (ACIDI), Ins-
te (CLAIs), presentes em diversos pontos do nistério da Educação, do concurso “A minha tituto de Emprego e Formação Profissional
País. A linha SOS Imigrante, o Boletim de escola no combate à discriminação”. Este (IEFP), Instituto Português da Juventude (IPJ),
Informação mensal e os programas de tele- concurso, no qual foram convidados a par- Instituto de Segurança Social (ISS), Instituto
visão NÓS e de rádio “Gente com Nós” são ticipar as escolas dos 2.º, 3.º ciclos e ensino Nacional para a Reabilitação (INR) e Coor-
outros instrumentos fundamentais na facili- secundário, e que está em fase de análise denadora do Plano Nacional para a Inclusão
tação do acesso à informação por parte da de candidaturas, irá premiar acções levadas (PNAI). A mesma Resolução do Conselho de
comunidade imigrante. a cabo pelos alunos, dentro ou fora das es- Ministros atribuiu a Coordenação Nacional
- A educação e formação para a intercultu- colas, que privilegiem a informação ou a for- desta Estrutura à Senhora Presidente da CIG,
ralidade é outro dos eixos de acção em que mação contra a discriminação e o racismo e Dra. Elza Pais. A natureza da composição da
os ACIDI têm apostado de forma continuada. promovam o diálogo e cooperação entre as Estrutura de Missão garantiu, a priori, uma
Ao serviço da sensibilização de agentes e ins- diferentes pessoas e culturas. intervenção alargada por várias dimensões

6 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


da vida social portuguesa na medida em que rantiu o sucesso e o ultrapassar de todas as exercidas pelos adultos são, sem dúvida, a
estas entidades têm como áreas de incidên- expectativas a esta iniciativa que contou com condição prévia determinante para o exer-
cia os públicos-alvo que os objectivos do o apoio de Governos Regionais, Governos Ci- cício de processos educativos, pedagógicos
Ano Europeu pretendem alcançar, ou seja, vis, Autarquias, ONG’s e Escolas por todo o e formativos que salvaguardem a igualdade
pessoas e grupos susceptíveis de discrimi- território nacional, tendo sido realizadas, até de oportunidades entre os membros mais
nação em razão do sexo, da origem étnica, ao momento, um conjunto de cerca de 260 jovens da nossa sociedade. É, por isso,
da idade, da deficiência, da orientação sexual acções que, entre Assembleias Municipais, fundamental a atenção à preservação des-
ou da religião. Além disso, garantem ainda a fóruns, festas, congressos, espectáculos, co- te princípio de acção no que respeita aos
transversalidade da divulgação da mensagem lóquios, mostras, seminários, exposições, de- cuidados a ter relativamente aos ambientes
promotora da igualdade de oportunidades, bates, concursos a prémios, ciclos de cinema, sócio-educativos bem como aos conteúdos
da não-discriminação e da valorização da di- etc., permitiram uma ampla promoção das dos seus programas de ocupação do tem-
versidade em termos de problemáticas que mensagens do Ano Europeu da Igualdade po das crianças, bem como a vigilância em
afectam toda a população, nomeadamente de Oportunidades para Todos, contribuindo relação ao exercício da violência social no
no que se refere às questões da igualdade seguramente para a sensibilização essencial meio envolvente em que as crianças se de-
de género e do acesso ao mercado de traba- à construção de uma sociedade mais justa senvolvem com particular atenção dedicada
lho. A Estrutura de Missão, responsável pela e mais coesa. à questão dos maus tratos infantis. A edu-
elaboração do Plano Nacional de Acção, pre- cação, a cultura, a afectividade, a protecção
tendeu com o tipo de eventos, campanhas Resposta 2. Antes de mais, a criação de social e a assistência psicossocial às crian-
e iniciativas nele contemplado fazer chegar condições sócio-culturais efectivamen- ças e às famílias em que se processa o seu
a todos os cidadãos a mensagem do Ano te promotoras da prática da igualdade de crescimento são dimensões centrais para o
Europeu, nomeadamente no que se refere oportunidades, sem discriminações e de sucesso da integração e inclusão social dos
à sensibilização pública para a questão dos forma equitativa, de modo a que a apren- mais novos. Nesse sentido, reiteramos a im-
Direitos, da Representação, do Reconheci- dizagem infantil tenha este princípio como portância do cumprimento do exercício dos
mento e do Respeito. Por isso, de forma a um dado adquirido, capaz de garantir às Direitos Humanos e dos Direitos das Crian-
concretizar esta intenção procedeu segundo crianças a sua apreensão de forma inte- ças no que respeita ao desenvolvimento da
uma lógica de territorialização descentraliza- riorizada. Neste contexto, urge chamar a sua personalidade e no acesso aos meios
da que permitiu à sociedade civil participar atenção para a necessidade da transversali- que o condicionam, designadamente os que
activamente na implementação desta inicia- dade da prática da igualdade de género que se referem às condições materiais de vida
tiva comunitária, criando, para o efeito, um percorre todas as temáticas susceptíveis de que, dada a heterogeneidade dos grupos
Plano Aberto em que foi possível tutelar e discriminar, nomeadamente em função da sócio-económicos, devem contudo atender,
apoiar por todo o país as actividades que as etnia, da idade, da deficiência, da orientação sem discriminação e em pleno exercício da
associações, escolas e autarquias pretende- sexual e da religião ou crença. Sabendo nós igualdade de oportunidades, à satisfação
ram desenvolver no âmbito da Igualdade de o papel fundamental que a imitação e a re- das necessidades básicas para um cresci-
Oportunidades, da Não-Discriminação e da produção comportamental têm na aprendi- mento saudável e integral das competências
Valorização da Diversidade. Neste sentido, zagem de aquisição de competências sociais e potencialidades de cada criança.
a forte adesão da sociedade portuguesa ga- das crianças, as práticas, atitudes e valores

7 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ARTIGO

Formação e Caminhos
1
de Profissionalidade
na Educação de Infância
Isabel Maria Tomásio Correia . itcorreia@gmail.com

“A formação é um fazer permanente (...) que singulares que vão surgindo no seu quoti- educadores. Deste modo, está a contribuir-
se refaz, constantemente, na acção. Para se diano, bem como a reflexividade das suas -se para o desenvolvimento profissional, na
ser, tem de se estar sendo”. práticas, permitem um caminhar para uma ideia de que este “é um processo vivencial
Paulo Freire, 1972 identidade profissional, através de processos não puramente individual, mas um processo
de socialização que Dubar (1997) designa por em contexto”, onde transparece uma preo-
A formação constrói-se “através de um tra- socialização secundária. Esta está directa- cupação “com os processos (levantamento
balho de reflexividade crítica sobre as práti- mente relacionada com a própria realidade de necessidades, participação dos profes-
cas e de (re)construção permanente de uma profissional e com a aquisição dos saberes sores na definição da acção), os conteúdos
identidade pessoal. Por isso é tão importante específicos dessa profissão. concretos aprendidos (novos conhecimen-
investir na pessoa e dar um estatuto ao sa- Spodek e Saracho (1998), ao abordarem os tos, novas competências), os contextos da
ber da experiência” (Nóvoa, 1992, p. 25). programas de formação dos Educadoress de aprendizagem (formação centrada na esco-
A este respeito, também Lesne e Mynvielle Infância, referem que estes devem compor- la), a relevância para as práticas (formação
(1990) consideram que a formação, enquan- tar áreas de conhecimentos gerais, amplos, centrada nas práticas) e o impacto na apren-
to processo organizado e intencional, corres- abrangentes, onde estejam presentes as dizagem dos alunos” (Joyce e Showers, 1988,
ponde a um processo contínuo e multiforme questões da linguagem e alfabetização, ma- cit., Oliveira-Formosinho, 2000b, p. 43).
de socialização coincidente com a trajectória temática, arte, educação física, saúde; co- Através desta definição é bem visível como
profissional individual. Assim, a produção nhecimentos profissionais, onde se incluem o desenvolvimento profissional é um proces-
das práticas profissionais remete para o pro- as áreas da história e filosofia da educação, so que decorre nos contextos profissionais,
cesso de socialização profissional vivido nos psicologia do desenvolvimento, pedagogia; na acção quotidiana, em que a pessoa do
contextos de trabalho, onde coincidem no conhecimentos curriculares, com o objectivo educador também tem um papel relevante,
espaço e no tempo, uma dinâmica formativa de aprenderem a planificar, organizar, imple- verificando-se, assim, uma interacção entre
e um processo de construção identitária. mentar e avaliar os programas a desenvolver o educador-pessoa e os contextos onde de-
Várias são as investigações que se têm rea- com as crianças; conhecimentos práticos, senvolve a sua acção.
lizado em Portugal, nos últimos anos, sobre considerados de extrema importância para O educador, no seu exercício profissional,
a formação de professores – Ana Benavente o desenvolvimento de uma intervenção de faz um grande investimento pessoal, tal
(1990), António Nóvoa (1988, 1991, 1992), Rui qualidade, sendo adquiridos através da ob- como afirma Nias (1991), “o professor é a
Canário (1992, 1994, 1995, 1997, 1999), Abílio servação e participação nos espaços edu- pessoa [assim como] uma parte importante
Amiguinho (1994) – no sentido de conside- cativos, entrosados com os conhecimentos da pessoa é o professor” (cit. Nóvoa, 1992,
rarem a profissão docente como uma pro- teóricos. p. 25), o que parece estar de acordo com a
fissão que se constrói no dia-a-dia, sendo o Todavia, estes autores consideram que a for- relação proposta por Dubar (1997) entre a
produto de um processo de formação contí- mação do Educador “não termina com o fim socialização primária e secundária, uma vez
nua, onde os factores pessoais e contextuais do curso (...), ela requer um contínuo desen- que considera que entre as duas se verifica
ocupam um lugar de destaque. volvimento profissional” (p. 36). As compe- uma dependência que não deve ser ignorada,
O sujeito, ao contactar diferentes grupos tências profissionais são adquiridas de forma atendendo a que “a socialização secundária
sociais ao mesmo tempo que se socializa, gradual, são como habilidades que se podem nunca apaga totalmente a identidade ‘geral’
torna-se identificável, uma vez que é na in- desenvolver através da experiência, da prá- construída no final da socialização primária”
teracção com os outros que interioriza pro- tica pedagógica quotidiana. Destaca-se, as- (p. 98).
gressivamente modos de ser, estar e pensar sim, a importância da formação contínua no Nesta sequência, é pertinente referir que é
dos membros de um grupo social. Neste desenvolvimento profissional do Educador. de extrema importância que o Educador ar-
sentido, o sujeito, ou porque se quer distin- A prática pedagógica na formação dos Edu- ticule as dimensões pessoais e profissionais,
guir do grupo ou, pelo contrário, manifesta o cadores ocupa um lugar de destaque, con- de modo a permitir apropriar-se dos seus
desejo de pertencer ao grupo, vai construin- sistindo este o elemento preponderante de processos de formação e atribuir-lhes um
do a sua identidade através de adaptações análise e reflexão. Neste sentido, está subja- sentido no seu percurso de vida porque, de
sucessivas. cente uma concepção de formação centrada facto, as preocupações e a compreensão das
No caso particular dos Educadores de In- na actividade quotidiana, nos contextos de situações, quer pessoais, quer profissionais,
fância, as adaptações sucessivas a situações trabalho, próxima dos problemas reais dos “podem ser pensadas como um processo

1 Este artigo integra-se numa investigação mais alargada realizada no âmbito do Mestrado em Ciências de Educação, na área de Formação de Adultos da Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação, Universidade de Lisboa, orientado pelo Professor Doutor Rui Canário.

8 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


dinâmico que tenha a ver [com as suas vi- cimento dentro da cultura da educação de neamente, contra a experiência” (Bourgeois
vências quotidianas] com a experiência do infância” (p. 113). e Nizet, 1997, cit. Canário, 1997b, p. 12). É de
professor, com os significados que lhe atri- Por último, o estádio de maturidade é atin- salientar que a “experiência corresponde a
bui, com as interpretações que faz e com as gido por algumas educadoras em três anos uma construção feita em contexto pelo pró-
oportunidades de formação que vivencia” de exercício profissional, por outras somente prio sujeito que articula e mobiliza lógicas de
(Oliveira-Formosinho, 2000b, p. 111). em cinco anos. O educador neste estádio já acção distintas” (Dubet, 1994, cit. Canário,
Katz (1977, 1995, cit. Oliveira-Formosinho, atingiu “um nível de confiança na sua com- 1997b, p. 12).
2000b, p. 111) realizou um estudo sobre a petência”, reflecte criticamente sobre a sua A formação vai-se construindo, num proces-
formação dos Educadoress de Infância e experiência profissional com pares e vários so de relação entre a teoria e a experiência,
considerou que poderia “aplicar o conceito especialistas, encaminhando-se as neces- entre o saber e o conhecimento que se en-
de desenvolvimento à formação contínua”, sidades de formação, desta forma, para a contra no âmago da identidade pessoal (Do-
e apresenta quatro estádios de desenvolvi- reflexão, quer em pequeno ou em grande minicé, 1986).
mento “ligados à sua experiência no decurso grupo, como é o caso da participação em O Educador guarda para si como saber de
do tempo, às necessidades profissionais que conferências, seminários ou frequência de referência tudo o que se relaciona com a ex-
se desenvolvem em cada fase de formação”: cursos de pós-graduação. periência e com a sua identidade, tal como
sobrevivência, consolidação, renovação e Verifica-se, assim, cada vez mais, uma neces- salienta Dominicé, (1990):
maturidade. sidade acentuada da formação de educado- “Devolver à experiência o lugar que merece
O estádio de sobrevivência corresponde ao res de infância se afastar da lógica tradicional na aprendizagem dos conhecimentos ne-
primeiro ano de prática pedagógica, onde do modelo escolar, caracterizando-se este, cessários à existência (pessoal, social e pro-
educador, ao deparar-se com a realidade, “em regra, pela organização de um conjunto fissional) passa pela constatação de que o
com a função a desempenhar, “pode desen- de acções pontuais de formação, dirigidas sujeito constrói o seu saber activamente ao
cadear sentimentos de falta de preparação à capacitação individual, sem a unidade e a longo do seu percurso de vida. Ninguém se
para a tarefa”, nomeadamente ansiedade e coerência que só uma visão estratégica lhe contenta em receber o saber, como se ele
insegurança. A autora considera que as ne- poderia dar” (Canário, 1999, p. 41), abdicando fosse trazido do exterior pelos que detêm os
cessidades de formação estão situadas no de se socorrer dos principais recursos da for- seus segredos formais. A noção de experi-
contexto e consistem em acções de apoio, mação: a personalidade e a experiência dos ência mobiliza uma pedagogia interactiva e
ajuda, “de suporte, compreensão, encoraja- respectivos profissionais. Existe, assim, um dialógica” (cit. Nóvoa, 1992, p. 25).
mento e guia” (p. 112). tempo e um espaço próprios para aprender Pensa-se que a formação dos educadores se
O estádio de consolidação situa-se no fim (formação) e um tempo e um espaço pró- encaminha para processos onde a reflexão
do primeiro ano de trabalho, onde será “ne- prios para agir (acção). sobre a prática é uma constante, na expec-
cessário consolidar as aquisições já feitas e O contexto surge como um espaço de apren- tativa de que a reflexão será um instrumento
identificar as tarefas e as competências”, a dizagem colectiva dos seus actores, deixa de de desenvolvimento do pensamento e da
fim de dar seguimento à sua intervenção. ser um lugar onde somente os alunos apren- acção. Como afirma Gómez (1992, p. 112),
As necessidades de formação continuam a dem e passa a ser o lugar onde também as “o pensamento prático do professor não
estar situadas no contexto, todavia já estão educadoras aprendem a sua profissão, ad- pode ser ensinado, mas pode ser aprendido.
orientadas “no sentido do diálogo, em torno quire um estatuto de relevo para o desenvol- Aprende-se fazendo e reflectindo na e sobre
de questões práticas”, com recurso e em in- vimento profissional das educadoras (Caná- a acção”.
teracção com outros profissionais. rio, 1997b). Esta aprendizagem corresponde A dimensão colectiva e social da reflexão
O estádio de renovação surge normalmente a um percurso pessoal e profissional, onde sobre as práticas assume-se assim como um
entre o terceiro e quarto anos de actividade; se articulam dimensões pessoais, profissio- estímulo ao desenvolvimento profissional,
a educadora começa a sentir o “peso” da ro- nais e organizacionais. como espaço de reflexão sobre a formação,
tina, começa a questionar-se sobre o que fa- Nesta lógica de formação em que o Edu- como espaço de trabalho sobre os próprios
zer, como fazer, com que materiais, com que cador deixa de ser uma “tábua rasa”, ele é saberes de que cada educador é portador.
técnicas, necessita de novas ideias, pelo que o principal recurso da sua formação, aten- Para tal, como diz Nóvoa (1992), é necessário
as necessidades de formação extravasam o dendo a que o saber profissional só pode investir positivamente nos saberes de que
contexto de trabalho, surge o recurso à tro- ser construído a partir da experiência e esta, o educador é portador, trabalhando-os do
ca de experiências, à partilha entre colegas, para ser “formadora, deverá passar pelo cri- ponto de vista conceptual e teórico.
quer em espaços formais como informais; vo da reflexão crítica, o que implica aceitar a Desta forma, a formação pode contribuir
surge a procura de “um caminho de cres- ideia de que a aprendizagem se faz, simulta- para uma nova imagem da profissionalidade

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docente e deve ter como eixo de referência o A profissão de educador de infância tem vin- grada às necessidades das crianças desde
desenvolvimento profissional na dupla pers- do a passar por momentos difíceis, tem-se os primeiros meses de vida até aos seis
pectiva do educador individual e do colectivo deparado com alguns obstáculos na afirma- anos” (p. 5);
docente, ou seja, as práticas e experiências ção social, é ainda considerada uma profis-
que individual e colectivamente os educado- são de baixo estatuto, contribuindo bastante - práticas pedagógicas que privilegiam os
res vão construindo nos seus contextos de para esta situação o facto de que as repre- espaços lúdicos e o jogo na aprendiza-
trabalho “contribuem para a emancipação sentações sociais das famílias e da socieda- gem das crianças, no envolvimento de
profissional, para a consolidação de uma pro- de, num sentido amplo, tendem a dar con- outros actores sociais no acto educativo,
fissão que é autónoma na produção dos seus tinuidade à ideia de que para trabalhar com na procura de soluções para a resolução
saberes e dos seus valores” (Nóvoa, 1992, p. crianças pequenas, “requer pouca actividade dos problemas locais, na preocupação em
27). Esta linha formativa tem como finalidade intelectual, rigor e credibilidade académica, proporcionar às crianças e famílias apren-
a aquisição e o enriquecimento profissional continuando-se a pensar que basta ‘gostar- dizagens que partam do real, do concreto
dos docentes, implicando a construção de -se de crianças’ e ser-se carinhoso para se e não do abstracto;
diferentes saberes: o saber, o saber-ser e o ser bom educador” (Portugal, 2000, p. 103).
saber-fazer. Estes saberes estarão alicerça- Sobressai uma imagem de maternalização - contextos de trabalho, muito diversifica-
dos quer nas “perspectivas sócio-educativas, enquanto nos professores dos outros níveis dos, desde atendimentos muito prolon-
psicopedagógicas e curriculares, quer nas de ensino sobressaem os saberes científicos gados, com um grande número de horas
perspectivas de desenvolvimento humano e e académicos. a funcionar, consistindo em “respostas de
de relação social” (Sarmento, 1999a, p. 3) e A intervenção do educador baseia-se na im- guarda e de educação extensivas” (p. 6),
correspondem a um processo de aprendiza- portância e valor da actividade lúdica como onde se procura servir crianças e famílias,
gem. suporte de desenvolvimento da criança; a a contextos cuja função é predominante-
Neste sentido, pensamos que é pertinente brincadeira e o jogo são os elementos cru- mente educativa;
reflectir sobre a singularidade da profissão ciais, diríamos estruturantes, da sua prática
do educador de infância, sobre o tipo de “re- pedagógica e como são “coisas” que qual- - públicos com que o educador trabalha
gras” baseadas num conjunto de saberes e quer um pode fazer, como são considerados – crianças e famílias –, que pelas suas
saberes-fazer adquiridos num determinado assuntos que não requerem saberes especí- características solicitam um investimen-
espaço e tempo de formação. ficos, provocam alguma indefinição quanto to complexo, onde a educadora tem de
às suas funções, dificultam a valorização e a “articular o seu saber profissional com as
A singularidade da profissionalidade dos afirmação da sua intervenção. expectativas e desejos das famílias, tem
Educadores de Infância O educador actua em contextos bastante de ser capaz de negociar quais os aspec-
A profissão docente é uma profissão que se diversificados e desempenha várias funções tos mais adequados ao desenvolvimento
vai construindo ao longo de uma vida, pro- que, segundo Saracho (1984, cit., Spodeck e integrado das crianças que devem ser
duto de um processo de formação e co-for- Saracho, 1998), se agrupam em seis dimen- valorizados, tendo em consideração os
mação, na qual os factores pessoais e con- sões: diagnosticar, desenvolver currículos, valores e cultura da comunidade em que
textuais em que se exerce ocupam um lugar organizar as aprendizagens, gerir as apren- está inserido” (idem);
de relevo, nalguns casos determinante. dizagens, aconselhar e tomar decisões. Os
Sacristán (1995) define profissionalidade papéis do educador também são vários, - representações sociais que o próprio edu-
como o “conjunto de comportamentos, identificados como afectivos, instrucionais cador tem do seu trabalho, a importância
conhecimentos, destrezas, atitudes e va- e relacionais, contendo cada um “elementos que atribuem à sua prática profissional,
lores que constituem a especificidade de de acção e tomada de decisões” (Spodeck e a diferenciação que fazem dos outros
ser professor” (p. 65). Está em permanente Saracho, 1998, p. 31). professores, recusando assumir funções
elaboração e para ser analisada terá de ser Cristina Figueira (1992) realizou um estudo “ensinantes”.
contextualizada de acordo com o “momento sobre a especificidade da profissão do edu-
histórico concreto e da realidade social que cador de infância e define essa especificida- Outro estudo sobre a especificidade da pro-
o conhecimento escolar pretende legitimar” de segundo cinco características, a saber: fissão do educador de infância é a investiga-
(idem). ção realizada por Júlia Oliveira-Formosinho
Katz (1993) considera que profissionalidade - funções amplas de atendimento à criança, (1998): o desenvolvimento profissional dos
se relaciona com o “crescimento em especi- que ultrapassam habitualmente as funções educadores de infância. Um estudo de caso.
ficidade, racionalidade e eficácia dos conhe- atribuídas aos professores dos outros níveis Ao reflectir sobre a especificidade da profis-
cimentos, competências, sentimentos e dis- de ensino. “O educador tende a colocar o são do educador, não se refere somente à
posições para aprender ligadas ao exercício ênfase nos processos de aprendizagem em situação portuguesa, mas também a outros
profissional dos educadores de infância” (cit. detrimento dos conteúdos de ensino, pro- contextos do mundo ocidental, onde apre-
Oliveira-Formosinho, 2000a, p. 153). curando responder de forma global e inte- senta cinco dimensões nas quais se “ancora”

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a singularidade da profissão do educador de de Educação de Infância se relaciona com a do papel da educadora de infância (...), a di-
infância, a saber: características da criança “intenção de contrapor uma posição que su- versidade de missões e ideologias, a vulnera-
pequena; características da educação pré- blinha o papel do educador como aquele que bilidade da criança, o foco na socialização, a
-escolar; características dos contextos de contribui para reforçar o que a criança tem relação com os pais, as questões éticas (...),
trabalho e da condição docente; caracterís- de único, recusando o papel preparatório das o currículo integrado”.
ticas do processo e das tarefas desempe- aprendizagens da escolaridade básica ligada
nhadas pelas educadoras; características da à designação pré-escolar” (Simões, 1995, cit. - Características do educador de infância
educadora de infância. Oliveira-Formosinho, p. 75).
Nesta dimensão, a autora reflecte sobre a
- Características da criança pequena - Características dos contextos de trabalho forma como foram construídas historica-
e da condição docente mente as características do educador, refe-
A autora reflecte sobre a forma como a rindo que as mesmas se alicerçam na ma-
criança aprende, como a criança se desen- A influência dos contextos organizacionais ternalização e na feminilização, uma vez que
volve, considerando que é segundo uma diversificados nas condições de trabalho e continua difundida na opinião pública a ideia
“forma holística”, apresentando-se como na condição docente é o que sobressai nes- de que a “acção da educadora de infância é
um “sujeito não sectorizável”, onde se ve- ta dimensão. Como refere a autora: “É sa- um prolongamento da acção materna (...). A
rifica uma dinâmica intensa entre o desen- bido que o contexto onde se trabalha serve feminilidade da profissão seria, assim, uma
volvimento afectivo, cognitivo e social (pp. para caracterizar a profissão, é importante consequência da maternalidade” (p. 81).
71-72). Focaliza a vulnerabilidade da criança para o bem-estar profissional (Bertram e A profissão de educador de infância neces-
pequena, referindo que “é um ser frágil, que Pascal, 1997a, 1997b) e para o prestígio do sita de criar um espaço de afirmação, visibi-
necessita de cuidados físicos e psicológicos profissional e da profissão” (p. 75). lidade e valorização, em suma necessita de
constantes” (p. 73), pelo que, segundo Katz dar a conhecer o seu saber profissional, isto
e Goffin (1990), Medina Revilla (1993), esta - Características do processo e das tarefas é, os seus conhecimentos, as suas compe-
característica contribui para diferenciar a desempenhadas pelas educadoras tências e as suas atitudes. Necessita de dar
profissão. Esta globalidade e vulnerabilidade a conhecer que é produtor de saberes perti-
da criança requer por parte do educador de O papel abrangente, a amplitude e singulari- nentes e significativos sobre a especificida-
infância um alargamento, uma maior abran- dade de tarefas, a dupla função – educativa de da Educação de Infância e que valoriza
gência do seu papel, a fim de nada ficar a e assistencial –, a importância das relações as abordagens ecológicas e sistémicas dos
descoberto, nada descurar, vindo reforçar a e interacções com crianças, famílias e outros fenómenos educativos em detrimento das
ideia acima referida de que “o papel do pro- profissionais, consistem nos aspectos mais perspectivas tecnocratas e mecanicistas da
fessor de crianças pequenas não só tem um relevantes desta dimensão. educação.
âmbito alargado como sofre de indefinição Segundo Bredekamp (1996, cit. Oliveira-For- As bases de construção do seu saber pro-
de fronteiras” (Katz e Goffin, 1990, cit. Oli- mosinho, 1998, p. 78), as tarefas do educa- fissional concedem um estatuto ao saber
veira-Formosinho, p. 72). dor podem agrupar-se em três áreas: emergente da prática pedagógica, ao saber
1. “cuidados da criança e do grupo – bem- da experiência, alicerçam-se no dia-a-dia a
- Características da educação pré-escolar -estar, higiene, segurança”; partir da reflexão sobre as práticas, sobre a
2. “educação entendida como socialização, acção, esperando-se respostas inovadoras,
Nesta dimensão, a autora analisa algumas como desenvolvimento, como instrução imaginativas, aos problemas que ocorrem
características gerais da educação pré-es- pré-académica”; nesse quotidiano (Vasconcelos, 1993) e pos-
colar, nomeadamente a diversidade de mo- 3. “animação infantil”. teriormente confrontadas e reflectidas com
delos curriculares, a menor presença do Es- as práticas de outros pares e com teoria da
tado, a indefinição terminológica. Considera Exige-se do educador uma grande amplitu- especialidade. Gostaríamos de salientar que
que “o desenvolvimento de vários modelos de e singularidade de tarefas; esta terá de neste conhecimento prático, nestes saberes
curriculares foi (...) uma resposta a esta es- articular o saber profissional com as expec- feitos da experiência, muitas vezes o edu-
pecificidade da educação de infância fomen- tativas, anseios, desejos das crianças, famí- cador implica-se afectivamente e isso não
tada pela menor presença do estado” (p. 74). lias e comunidade em geral; requer grande é suficiente para que sejam apropriados os
Em relação à indefinição terminológica para “capacitação pessoal e (...) profissional” (p. respectivos saberes; será necessário haver
este nível de ensino (educação pré-escolar, 79) para intervir junto de públicos com carac- reflexão, interpretação. Perrenoud (1993) re-
ensino pré-escolar, educação de infância, terísticas muito diferentes. fere a este respeito:
educação infantil, ensino pré-primário, entre Katz e Goffin (1990, cit. Oliveira-Formosinho, “Para que a experiência prática resulte numa
outras), a autora refere que as característi- 1998, p. 78) identificam sete elementos que verdadeira maestria profissional é preciso
cas específicas se reflectem na indefinição diferenciam os educadores dos outros pro- que o professor possa analisar a prática,
terminológica e que a opção pela designação fessores, nomeadamente: “âmbito alargado compreender como e porquê esta activida-

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de ou aquela intervenção foram bem ou mal obstante, a autora refere que a prática só por bais (...) com uma organização nem sempre
sucedidas, realizar outros ensaios e passar a si não é suficiente, esta deverá ser acompa- muito visível” (p. 85), originando práticas com
agir de forma diferente” (p. 130). nhada de “uma reflexão crítica partilhada quer um cariz muito pessoal “em que o pensamen-
Neste contexto, pensamos que é importante com pares, quer com as ciências da educação to pessoal de cada educadora de infância sur-
dar a conhecer o estudo realizado por Teresa e as ciências da especialidade” (p. 82). ge como uma marca distintiva” (idem).
Sarmento (1999b) sobre percursos identitários O saber integrado sustenta-se na integração O saber de tipo ético apresenta-se condicio-
de educadoras de infância em contextos dife- das teorias na prática, onde está subjacente nado pelas características da educadora, pelo
renciados, onde identifica três tipos de sabe- uma reflexão sobre a experiência, resultando seu “saber ser”, traduzindo-se, segundo Te-
res essenciais da profissão das educadoras de num processo de autoformação, onde se ar- resa Vasconcelos (1997, cit. Sarmento, 1999b,
infância e dá a conhecer onde se alicerçam: ticulam os diversos tipos de actuação, sendo p. 86), “pelo respeito enquanto educador,
saber prático quotidianamente construído, uma constante a “imprevisibilidade das situ- enquanto pessoa, [que] tem perante si mes-
saber integrado e saber de tipo ético. ações, a instantaneidade das respostas” (p. mo e perante os outros e é constantemente
O saber prático alicerça-se no dia-a-dia do 84), implicando um saber tácito para intervir (re)construído nas situações do quotidiano,
educador, onde este vivencia várias situações junto das crianças, famílias, comunidade... A nas interacções entre os diferentes actores
com cada criança e grupo e na sequência da autora evidencia na acção das educadoras sociais, em que os constantes dilemas éti-
sua acção directa poderão surgir oportunida- uma não padronização, considerando que “é cos e morais obrigam a tomadas de decisão
des de aquisição de saberes profissionais. Não integradora e direccionada para práticas glo- que se afirmam como novas aprendizagens,

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12 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


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portadores de vários recursos, onde estão DUBAR, C. (1997), A Socialização – construção das iden- histórias de vida. Dissertação de Doutoramento em Es-
presentes uma pluralidade de outros acto- tidades sociais e profissionais. Porto: Porto Editora. tudos da Criança. Instituto de Estudos da Criança. Braga:
res que poderão contribuir para práticas de ESTRELA, T. (1999), Ética e formação profissional dos Universidade do Minho.
educadores de infância. In: Cadernos de Educação de SPODEK. B., & SARACHO, O. (1998), Ensinando crianças
qualidade. Assim saiba o educador “definir as
Infância, 52, Lisboa: APEI, pp. 27-32. de três a oito anos. Porto Alegre: ArtMed.
relações de comunicação e troca que pode FREIRE, P., (1972), A pedagogia do oprimido. Brasil: Porto Alegre. VASCONCELOS, T. (1993), Que estás a fazer na minha
manter com aqueles que são os seus porta- FIGUEIRA, C. (1992), A construção da identidade profis- casa? – Educação Pré-escolar, Educadoras e Cultura de
dores, e (...) situar-se como um interlocutor sional dos educadores de infância e as Escolas Superio- Poder. Comunicação apresentada no 5.º Encontro Nacio-
res de Educação, pp. 1-27. (Doc. Policopiado). nal das Profissionais de Educação de Infância. Lisboa.
e um recurso para os outros actores em pre-
LESNE, M., Mynvielle (1990), Socialization et formation. VASCONCELOS, T. (1997), Ao Redor da Mesa Grande. A
sença” (Benavente et al., 1987, p. 111). Paris: Éditions Paideia. prática educativa de Ana. Porto: Porto Editora.

13 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ARTIGO

Emoções, cultura e aprendizagem1


Luís Silva Pereira . Professor Associado no Instituto Superior de Psicologia Aplicada

O que é uma emoção? O que é cultura? Em centrais da vida social do grupo e propõe (Pussetti, 2005). A autora esclarece (2007a e
que consiste a aprendizagem? (1984) que uma tarefa fundamental da An- 2007b) que em algumas culturas o conceito
O título deste artigo envolve conceitos que tropologia, seja a de mostrar como a cultura de “emoção” não se apresenta como uma
assumem ou assumiram particular relevân- determina a experiência psicológica dos indi- categoria autónoma, sendo assimilada a ou-
cia no debate científico, nomeadamente no víduos. Para a autora, que sustenta os seus tras parcelas de realidade e relacionada com
campo da filosofia, da psicologia, das neuro- argumentos em exemplos etnográficos e no outros aspectos da vivência quotidiana, e
ciências2, das ciências sociais. trabalho que efectuou com os Ilongot (1980 recorre a algumas pesquisas antropológicas,
A vivência das emoções é essencial nas nos- e 1984), o sentimento recebe a sua forma do as quais revelam, por exemplo, que muitas
sas vidas, porque determina o modo como pensamento e, por sua vez, o pensamento línguas africanas assimilam num único termo
sentimos e como nos relacionamos com o está cheio de sentidos emocionais. A visão “tristeza” e “raiva” (Leff 1973: 301), que em
outro. Na tradição intelectual do Ocidente, construtivista de Rosaldo não só chama a chinês é utilizada a mesma palavra para in-
as emoções estão associadas ao imprevisto, atenção para a relevância da cultura na vi- dicar “preocupação”, “tensão” e “ansiedade”
ao subjectivo, ao instintivo, ao animal. É fre- vência das emoções como não separa esta (Leff 1973: 322), que a expressão ilongot liget
quente ouvirmos dizer que “devemos usar a do mundo intelectual nem cria antagonismos significa ao mesmo tempo “raiva” e “inveja”
cabeça e não o coração”, opondo-se assim com ele. A autora considera que os senti- (Rosaldo M. 1980: 44-47).
o sentir ao saber, o sentimento ao conheci- mentos são práticas sociais, sustentadas nas Através do estudo do mundo afectivo ou
mento, o afecto à cognição. concepções de corpo e pessoa, culturalmen- emocional, a Antropologia das Emoções
Charles Darwin (1872), William James (1884) te definidas. pode ter acesso a aspectos da organização
e Sigmund Freud (1895)3 são os fundadores Lutz (1988), que fez pesquisa entre os Ifaluk, social relacionados com a vivência das hierar-
da pesquisa moderna na área das teorias afirma que o antropólogo só pode traduzir quias. A análise de como os seres humanos,
da emoção. O que é comum à visão destes “comunicações emocionais de um idioma, em diferentes contextos culturais, sentem e
autores é a tese das emoções como algo in- contexto, linguagem ou sócio-histórico expressam as suas emoções, bem como a
terno aos indivíduos, uma manifestação de modo de compreensão para outro” (p. 8, a das expectativas sociais quanto ao desem-
uma natureza humana ligada a uma genética tradução é minha), já que não existe um có- penho dos seus integrantes, pode ajudar a
hereditária e universal. digo universal nem uma gramática única das esclarecer como se constrói o mundo afecti-
Na abordagem das emoções esta é uma linha emoções. Em 1990, de parceria com Abu- vo individual em articulação com a socieda-
de fronteira, bem marcada, entre as teorias Lughod, Lutz defende que as emoções per- de, que transmite saberes e valores, educa e
universalistas ou inatistas4 e as teorias re- tencem à vida social, negando a primazia da condiciona o modo de sentir e de expressar
lativistas sociais5. As primeiras, consideram interioridade desses estados e instigando os emoções.
que as emoções são uma parte da natureza antropólogos a libertarem as emoções dos Na prática quotidiana do processo de trans-
humana universal – são inatas, genetica- estudos da psicobiologia, devendo eles abor- missão de valores, de saberes, que caracte-
mente determinadas, não cognitivas, invo- dá-las como construções socioculturais, bus- riza a vida em sociedade, apercebemo-nos
luntárias. As segundas, consideram que as cando entender a sua especificidade e evi- de que a regulação do mundo afectivo é es-
emoções adquirem sentido e valor graças a tando transferências para outras sociedades sencial para a convivência entre os seres hu-
um determinado contexto social e histórico de modelos interpretativos euro-americanos manos. Não há emoção ou sentimento não
que as classifica, interpreta e regula – são sobre o mundo afectivo ou emocional. tocado pela sociedade onde se expressa.
construídas socialmente e como tal variam Os antropólogos demonstram que outros Na transmissão da cultura6, no processo de
no tempo e no espaço. povos sentem emoções que nós não expe- aprendizagem7 que ela implica, as emoções
Antropologia das Emoções teve um grande rimentamos, sendo a inversa igualmente ver- assumem uma importância que nem sempre
desenvolvimento através dos trabalhos dos dadeira, e que o próprio conceito de emoção é reconhecida pelos intervenientes no pro-
construtivistas sociais, a partir de meados não é universal. Pussetti (2007a e 2007b), por cesso. A tendência maioritária na sociedade
dos anos 80 do século passado, especial- exemplo, refere a cólera como uma emoção ocidental é para centrar as atenções no sa-
mente nos Estados Unidos, onde avultam as desconhecida para os Utku e acrescenta que ber que é transmitido, nos vários elementos
pesquisas de Michelle Rosaldo (1980, 1984), a palavra “emoção” não tem equivalente nas que o compõem, na avaliação da prestação
de Catherine Lutz (1988, 1990) e de Lila Abu- línguas dos Papua da Nova Guiné (Hallpike, de quem aprende, na separação de quem
Lughod (1990). 1979; Poole, 1985), dos aborígenes australia- transmite e de quem recebe o saber (como
Rosaldo considera (1980) que uma aprecia- nos (Hiatt, 1978), dos Ifaluk da Micronésia se o processo de aprendizagem não envol-
ção das noções Ilongot do self e dos concei- (Lutz, 1986), dos Chewong da Malásia (Ho- vesse ambos, como se um professor que não
tos emocionais podem esclarecer aspectos well, 1981) e dos Bijagós da Guiné-Bissau aprende possa ensinar, como se os alunos

14 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


não ensinassem os professores a transmitir as suas diferentes capacidades adaptativas as 14.00 horas. Desde a sua fundação que
melhor o que querem ensinar) e pouco, de- ao sistema educativo. As assimetrias entre esta instituição contribuiu para a formação
masiado pouco, na componente afectiva que pares são sentidas pelos mais desfavoreci- escolar das pessoas do lugar e cercanias (e
está presente em qualquer relação humana dos na comparação e a angústia que provo- a decorrente fixação da população na zona),
(de tal forma que não existe um não-senti- ca a possibilidade de desaprovação por par- para além de funcionar, frequentemente,
mento) e que é essencial na transmissão de te do grupo e do professor é um fantasma como centro de actividades e de reunião das
conhecimentos. presente nas mentes dos alunos que mais a pessoas da comunidade e destas com outras
A escola é uma instituição de enorme rele- temem (em regra, aqueles que partem mais exteriores a ela.
vância nas sociedades industrializadas, com- atrasados relativamente à concorrência indi- As actividades dos residentes na comunidade
plexas, constituídas por um elevado número vidual). Na escola luta-se pelas notas, pelo Juana Viuda de Cuminao eram determinadas,
de indivíduos. As noções de hierarquia, che- aproveitamento escolar, pela aprovação do maioritariamente, pelo ciclo agrícola e eram
fia, subordinação e obediência são transmiti- grupo, pela atenção afectuosa do professor. atribuídas em função do sexo e da idade.
dos desde a infância. A relação de assimetria Nos casos de dificuldades sentidas pelo alu- Quando entravam na escola, com 6 anos, as
entre educador de infância e criança, ou, em no em casa, no seu meio social de origem, crianças já conheciam a generalidade das ta-
geral, entre professor e aluno, tem implica- e na escola (com o saber transmitido, com refas relacionadas com a vida da comunida-
ções diversas, quer pela diferença de idades, o docente e com o grupo que a tudo assis- de e já tinham participado em muitas delas.
de género e de experiência, quer devido a di- te), uma atitude positiva, de compreensão Aliás, parte importante dos problemas rela-
ferentes tipos de saber e de valores envolvi- e ajuda do professor, pode tornar-se numa cionados com o rendimento dos alunos das
dos na transmissão do conhecimento, na in- âncora (por vezes a única) de um mundo escolas rurais (mais baixo do que o verificado
teracção entre humanos e na aprendizagem afectivo ameaçado pela instabilidade e pela nas escolas das cidades) devia-se ao facto
ao longo do processo. No entanto, o mundo reprovação. de eles interromperem a frequência às aulas
afectivo e não só o racionalizado, expresso No trabalho de campo que fiz no Chile8 em devido à necessidade de ajuda nos campos
em programas, horários, teorias e práticas 1994 e 1995 e nas observações que efectuei por parte dos pais.
pedagógicas é de enorme importância no em 1998, 2002 e 2006, pude verificar como O futuro académico dos adolescentes de-
desenrolar do processo educativo. Quais as as diferenças entre a cultura chilena e a cul- pendia da vontade e da capacidade eco-
emoções adequadas e as formas de expres- tura mapuche, indígena, agravavam a situa- nómica dos familiares que decidiam se eles
são aceites, quem tem autoridade para as ção dos alunos com esta origem. interrompiam os estudos ou os prosseguiam
apreciar, aplaudir ou reprovar, são aspectos Os mapuche são cerca de 8% da população na cidade mais próxima, já que a escola da
quotidianos da convivência entre os profes- do Chile e perderam a sua independência em comunidade não prestava serviços no cha-
sores e os alunos. 1883. Integram a população mais pobre do mado ensino médio. Nessa situação, ou os
De facto, dentro de uma sala de aula desen- país e cerca de 60% emigrou das suas terras alunos tinham um notável aproveitamento
volvem-se situações em que os professores de origem para as cidades. escolar e conseguiam a isenção de paga-
podem ter acções benéficas para a aprendi- A comunidade Juana Viuda de Cuminao na mento de livros, de propinas e de alimenta-
zagem e o desenvolvimento emocional har- qual fiz trabalho de campo intensivo em 1995 ção num colégio interno, ou o grupo familiar
monioso dos alunos ou, pelo contrário, de situa-se no lugar de Colpanao, no sector Ma- tinha de pagar os encargos, situação que era
modo consciente ou inconsciente, podem quehue, departamento de Temuco, a cerca dificilmente suportada devido à extrema po-
desencadear bloqueios emocionais nos alu- de 18 quilómetros desta cidade, situada breza em que vivia a generalidade da popu-
nos, criando novos problemas ou agravando a 676 quilómetros a sul da capital do país, lação indígena.
outros cuja existência desconhecem. Santiago. Em 1995, a comunidade era com- A relação dos adultos com as crianças, suas
A diversidade de reacções das crianças ou posta por um total de 23 casas, habitadas em ou alheias, entre os mapuche que conhe-
dos adolescentes prende-se com a diversi- permanência por 95 pessoas, entre as quais ci, era de extrema atenção, protegendo e
dade dos meios familiares e sociais em que 21 estudantes residentes, os quais frequen- aconselhando, dando espaço de autonomia
vivem, bem como com a própria diversidade tavam a escola da comunidade, 12 rapazes e e compartilhando as brincadeiras, demons-
psíquica dos seres humanos. O sistema edu- 9 raparigas, entre os 6 e os 13 anos. Em ida- trando compreensão pelo mundo da criança
cativo é um só para todos (se excluirmos a de pré-escolar, isto é, com menos de 6 anos, e um assinalável respeito mútuo.
especificidade de algum ensino especial) e o existiam 13 crianças, 10 do sexo masculino, 3 Era deste mundo protegido que alguns jo-
professor, frequentemente, não sabe como do sexo feminino. vens de 14 anos partiam para a cidade para
lidar com um comportamento que julga como A escola existente na comunidade foi funda- prosseguirem os seus estudos. O processo
estranho ou inadequado. Não é submetendo da em 1973 e ministrava, desde 1978, o ensi- de aprendizagem, faseado e diversificado
indistintamente todos os alunos às mesmas no básico completo. Foram cinquenta e sete segundo o sexo e a idade, do mundo circun-
condições adaptativas que se conseguirão os alunos inscritos e que assistiram às aulas dante e das pessoas que o habitavam sofria
bons resultados. Pelo contrário, pode-se, as- em 1994 (o ano lectivo tem início em Março um corte decisivo com a continuação da vida
sim, agravar as diferenças e afastar alunos e finda em Dezembro), vinte e um dos quais, estudantil em Temuco. O afastamento físico
que se sentem mais discriminados pela artifi- como indiquei acima, viviam na comunidade. implicava a imersão em distintas condições
cial homogeneização dos processos. Cinco docentes e uma cozinheira cuidavam de vida daquelas que os jovens tinham co-
Na escola reflectem-se as diferenças sociais, da educação e da alimentação dos alunos, nhecido até então. Nos colégios internos
económicas, culturais dos alunos, bem como que permaneciam na escola entre as 8.30 e da cidade, mistos ou não, onde os jovens

15 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ARTIGO
mapuche viviam durante a semana (a maio- gressiva mas assinalável sobre os jovens ma- 6 Aqui, com a acepção de conjunto de valores que norteiam
o pensamento e a acção de um agrupamento humano (v.,
ria deles regressava à comunidade aos fins- puche, o que contribuía para os desenten- para aprofundar aspectos relacionados com o debate em
de-semana), os colegas, os professores, as dimentos entre gerações. Enquanto que os torno da noção de cultura, Cuche, 1996).
matérias de estudo e a disciplina diária eram mais velhos tinham uma atitude de descon- 7 Aqui, no sentido geral de aquisição de propriedades ou
novidades às quais eles tinham de se adap- fiança (baseada na experiência pessoal e em saberes que não são inatos no ser humano envolvido no
tar, sendo que na sala de aula os huinca9
processo (v., a propósito da aprendizagem na escola, Freire,
factos históricos de guerra e discriminação) 1978).
eram maioria. Na cidade e na escola, ser do relativamente à sociedade maioritária e aos 8 V. Silva Pereira, 2000a; na página web desta revista: 1997a,
campo e ser mapuche era um duplo despres- seus efeitos sobre as gerações mais novas, 1997b, 1998, 2000b, 2001 e 2002.
tígio e essa atitude generalizada por parte os que integravam estas últimas oscilavam 9 Em língua mapuche: “não mapuche”, “estrangeiro” e,
também, “ladrão”.
dos huinca feria particularmente os jovens nas suas convicções e aspiravam a ser acei-
mapuche quando provinham de professores tes e a integrar-se no grupo dos colegas de
e de colegas. escola, apesar das dificuldades (entre elas, as
BIBLIOGRAFIA
Na escola, o contacto com a cultura huinca práticas discriminatórias que sofriam).
ABU-LUGHOD, Lila e LUTZ, Catherine (orgs.). 1990. Lan-
era mais íntimo e reiterado do que acontecia O exemplo da cultura mapuche serve, neste guage and the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge
quando o jovem habitava na sua comunida- contexto, para recordar que o exótico não é, University Press.
de de origem. A discriminação e o precon- necessariamente, uma realidade distante e ARMON-JONES, C. 1986. “The thesis of constructionism”,
in Harré R. (org.) The Social Constructionism of Emotions,
ceito eram sentidos diariamente, a afirma- que o facto de Portugal nos últimos 20 anos
Oxford: Basic Blackwell, pp.32-56.
ção da identidade era assumida em nome ter passado de ser um país de emigrantes CUCHE, Denys. 1996/2003. A Noção de Cultura nas Ciências
individual, já que a família, os amigos, os para também ser um país de imigrantes traz Sociais. Lisboa. Fim de Século.
vizinhos e as referências vivenciais estavam novos desafios aos docentes que lidam com DIRVEN, R., e NIEMEIER, S. 1997. The Language of Emotions,
Philadelphia, Benjamins Publishing Company, Amsterdam.
na comunidade. Para romper o processo de alunos de diferentes origens e culturas, o que FREIRE, Paulo. 1978. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz
empobrecimento da população indígena, os vem elevar o grau de exigência no seu desem- e Terra.
jovens viam-se obrigados a entrar na corrida penho profissional e humano, desenvolvendo HALLPIKE, C. 1979. The Foundation of Primitive Thought.
aos lugares, aos bancos de escola, aos pos- a sua sensibilidade para lidar com a diversida- Oxford, Clarendon Press.
HIATT, L.R. 1978. “Classification of the Emotions”, in Hiarr,
tos de emprego. de de comportamentos dos seus alunos. L.R., Australian Aborigenal Concepts. Canberra, Australian
A entrada numa lógica alheia leva, frequen- Como é óbvio, a escola não se pode substi- Institute of Aborigenal Studies, Humanities Press, Princeton.
temente, a questionar a própria. Na compa- tuir à família nem resolver problemas sociais, HOWELL, S. 1981. “Rules not Words”, in Heelas P. e Lock A.
(org.) Indigenous Psychologies. The Anthropology of the Self.
ração da vida na cidade com a vida no cam- no entanto, os profissionais que nelas traba-
London, New York, Academic Press. (pp. 133-144).
po, esta aparecia aos olhos de alguns jovens lham devem estar cientes de que as relações LEFF, J. 1973. “Culture and the differentiation of emotional
mapuche como sinónimo de pobreza, atraso sociais são cada vez mais complexas e diver- states”, British Journal of Psychiatry 123: 299-306.
e imobilismo. A existência, na cidade, de sas, de que o envolvimento afectivo positivo LUTZ, Catherine. 1986. “Emotion, Thought and Estrange-
ment: Emotion as a Cultural Category”, in Cultural Anthro-
água corrente, de electricidade e de muitos é determinante na aprendizagem e que o
pology, 1, 3, pp. 278-309.
produtos que aparentemente “embelezam” conhecimento das origens e das dificuldades LUTZ, Catherine. 1988. Unnatural Emotions: everyday senti-
as pessoas e a vida, determinavam que os dos alunos, bem como a capacidade para os ments on a Micronesian atoll and their challenge to Western
jovens mapuche estivessem divididos entre a ajudar a superar dificuldades emocionais e theory. Chicago: University of Chicago Press.
LUTZ, Catherine. 1990. “Engendered emotion: gender, po-
sua identidade indígena (com fortes laços ao de aprendizagem (e quantas vezes é difícil wer, and the rhetoric of emotional control in American Dis-
mundo rural mapuche) e o desejo de serem distinguir umas de outras, de tal modo se course”, in L. Abu-Lughod e C. Lutz (orgs.) – Language and
aceites e amados pelas pessoas que passa- implicam mutuamente), passa pela capacida- the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge University
ram a fazer parte do seu novo quotidiano, de de lidar com o diverso e de compreender Press, pp. 69-91.
POOLE F. J. P. 1985. “Coming into Social Being: Cultural
entre o campo e a família (nos fins-de-sema- as motivações e o fundo das atitudes dos Images of Infans in Bimin-Kuskusmin Folk Psichology”, in
na e nas férias) e o grupo de colegas da ci- alunos. White G. e Kirkpatrick J. (org) Person, Self and Experience:
dade e da escola, entre as ideias e costumes Exploring Pacific Ethnopsychologies. Berkeley-Los Angeles,
University of California Press. (pp. 183-244).
dos ancestrais e os dos que tinham a mesma
PUSSETTI, Chiara. 2005. Poetica delle Emozioni. I Bijagó di Bu-
idade e, frequentemente, os mesmos sonhos 1 Agradeço o convite para escrever este artigo e para parti- baque (Guinea Bissau), Roma, Bari, Edizioni Laterza.
e anseios. Os jovens mapuche eram o centro cipar no XII Encontro Nacional da APEI - Associação de Pro- IDEM. 2007a. «Emoções migrantes: os limites das aborda-
das atenções e das expectativas dos pais, fissionais de Educação de Infância -, formulado pela Dra. gens biologistas e construcionistas», in Psiquiatria Transcul-
Alexandra Marques. tural, APPPT. Lisboa, n.º 4.
colegas e professores.
2 V., na página web desta revista, uma resumida bibliogra- IDEM. 2007b. «Psicologias Indígenas: da antropologia das
A distância entre as gerações manifestava-se fia complementar sobre os contributos da psicologia e das emoções à etnopsiquiatria», in Lechner Elsa (eds.) Antropolo-
com a ida para a cidade dos jovens mapu- neurociências para o debate do tema. gia, Saúde e Transculturalidade. Lisboa. ICS/UL.
che. As dificuldades de comunicação com os 3 Idem. ROSALDO, Michelle. 1980. Knowledge and Passion: Ilongot
4 Ekman (1980a, 1980b), Plutchik (1984), Izard (1971), Frijda Notions of Self & Social Life. Cambridge: Cambridge Univer-
parentes marcavam-se neste período de vida sity Press.
(1986), Damásio (1999), respectivamente, consideram, enu-
dos mais novos. A maior liberalidade dos cos- merando-as e distinguindo-as, que existem seis, oito, onze, ROSALDO, Michelle. 1984. “Toward an Anthropology of Self
tumes no mundo chileno e a pressão exerci- dezassete e cinco emoções básicas, primárias ou universais. and Feeling”, in R. Shweder e R. LeVine (orgs.) - Culture The-
da por valores relacionados com os hábitos V. página web desta revista. ory - Essays on Mind, Self, and Emotion - Cambridge, Cam-
5 V. página web desta revista: Rosaldo (1980, 1984), Ar- bridge University Press.
consumistas dos chilenos, particularmente SILVA PEREIRA, Luís. 2000a. Médico, Xamã ou Ervanária?
mon-Jones (1986), Lutz (1988), Abu-Lughold e Lutz (1990),
os que têm como público-alvo a juventude, Devisch (1990), Heelas (1996), Lynch (1990), Reddy (2001), Doença e Ritual entre os Mapuche do Sul do Chile. Lisboa:
desencadeava uma força de atracção pro- Pussetti (2005). Instituto Superior de Psicologia Aplicada.

16 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: FONTES Maria Isabel Mendonça Soares

Diferença não é ofensa

O povo português é tido por acolhedor, afável ou de trapo, nas costas de alguém, apupan- Também este final foi modificado:
e com uma facilidade invejável de se adaptar do-o: “Larga o rabo que não é teu! É do filho “Que vem nesta armada
a culturas diferentes da sua, conservando po- do Judeu!”, reflecte a crença de que os judeus Com a barba de molho
rém a própria identidade. Oiçamo-lo falar por- nasciam com cauda que lhes seria cortada, E a calça queimada.”
tuguês com sotaque anglo-saxão, francês ou deixando no entanto esse vestígio infamante. “Duro como a cabeça de preto”, “O trabalho
sul-americano; vemo-lo como saboreia com Evidente deturpação do rito da circuncisão. é bom para o preto”, e “Ovelha negra da fa-
um misto de alegria e saudade uma comida Menos agressiva a reacção face aos mouros. mília” são outras tantas expressões negati-
que lhe traz a recordação da infância perdida Ainda que na tradição oral as mouras encan- vas e injuriosas do vocabulário popular.
no tempo e no espaço. tadas fossem guardiãs de tesouros fabulosos “- Truz, Truz!
Logo no alvorecer da nacionalidade, termi- a conceder àqueles que viessem a merecê-los, - Quem é?
nados no século XIII os combates pela re- o seu convívio seria perigoso, pois que, seduzi- - É o preto da Guiné
conquista, viveram em pacífica coexistência dos pelos encantos delas, poderiam perder “os - Charuto na boca
comunidades de cristãos, judeus e mouros, santos óleos do baptismo”. Assim ressuscitava - Chinelo no pé.”
ainda que residindo em bairros distintos, não a ameaça do velho inimigo inicial: o infiel. Aqui faz-se a caricatura do negro que pre-
por discriminação mas para salvaguarda de Nem Camões escaparia ao preconceito em “Os sume de senhor, fumando charuto, mas re-
seus usos, tradições e práticas religiosas. Lusíadas”, tratando-o de “torpe ismaelita”, logo velando a sua origem pelo calçado modesto.
Os judeus gozavam de prestigio social e inte- na dedicatória a D. Sebastião; e na voz do Ve- Pior ainda a versão que acrescenta: “Lava a
lectual, já que era uma classe economicamen- lho do Restelo (“vox populi”, decerto) classifica cara com chulé”.
te desafogada que se dedicava ao comércio, o Islamismo como “do Arábio a lei maldita”. É Estas injúrias culminam no conto “As Três Ci-
já porque exerciam actividades científicas, também “mouro pérfido”, o piloto traidor. dras do Amor”. Nele, a preta que vai à fonte,
como a medicina, a astronomia, a cartografia; Mas com os Descobrimentos, novos “diferentes” ao ver a imagem da bela menina reflectida
lembremos os nomes conceituados de Mes- entram na sociedade portuguesa, estes agora na água, e julgando ser a sua, quebra a can-
tre Guedelha, astrónomo do rei D. Duarte, numa situação de escravatura: são os africanos. tarinha numa manifestação de libertação da
Mestre José Vizinho e Mestre Abraão Zacuto, E com eles um preconceito de superioridade que escravatura. Depois, enfeitiçando a menina,
o criador do Almanaque Perpétuo, e sabemos vai manifestar-se em numerosas locuções, e até toma o seu lugar no coração do príncipe.
que entre a “equipa” que, com o Infante D. infelizmente nas lengalengas infantis: O pior é que no final, quando descoberto o
Henrique, preparou os Descobrimentos, se “Tenho uma preta / dentro de uma gaveta / embuste, é a menina (a “boazinha” da história,
contavam muitos judeus e árabes. Dou-lhe um osso, diz que é grosso / Dou-lhe pasme-se!) quem lhe dita a sentença de morte:
Aos mouros deviam os habitantes de Lisboa um pau, diz que é mau / Dou-lhe chouriço. “Quero que da pele se faça um tambor, e dos
o abastecimento dos produtos hortícolas, – Isso! Isso!” ossos uma escada para eu descer ao jardim!”.
cultivados nas almoinhas (as hortas) dos ar- De onde se infere um tratamento desumano: Sem comentários.
redores da cidade. a preta, está prisioneira, e a alimentação que
É só no século XVI que toda esta harmoniosa se lhe dá é imprópria. As normas da ética profissional impõem aos
convivência se quebra em consequência de António Torrado corrigiu-a pedagogicamente educadores o respeito incondicional pela
interesses políticos e da perversão da doutri- do seguinte modo: cultura das crianças que lhes são confiadas,
na de Cristo, dando origem a perseguições, “Tenho um macaco/Dentro de um saco... etc.” pelo que a eliminação total de qualquer for-
expulsões e massacres. Uma outra bem conhecida, diálogo entre ma de expressão que possa ofendê-las será
Terá sido a partir dessa época que entraram ama e serva: do mais elementar cuidado.
na linguagem portuguesa termos pejorativos, - Maria Coca! Com as famílias é possível informarem-se de
como “judiar”, isto é, fazer judiarias, ou seja, - Senhora chama? dietas prescritas pela sua religião que dese-
atormentar, causar danos físicos ou psicoló- - Acender o lume! jam eventualmente verem observadas pelos
gicos, numa evidente culpabilização dos ju- Fazer a cama! filhos, (ex.: a carne de porco proibida aos
deus pelos sofrimentos de Cristo, ou chamar - Não posso lá ir muçulmanos; o coelho, às testemunhas de
a alguém judeu como sinónimo de avarento. Estou ocupada Jeová; o uso de carne e lacticínios na mesma
Se inadvertidamente alguém pisava outro, A fazer biscoitos refeição interdito aos Judeus).
logo ouvia o remoque irritado: - “Ai! O de E marmelada Há um provérbio africano que diz: “O rio fica
baixo é meu, o de cima é do Judeu!”. Para o Senhor Capitão grande graças à contribuição dos pequenos
Até um jogo carnavalesco que consistia em Que vem nesta armada riachos.”
colocar sub-repticiamente uma tira de papel Com pretos e pretas para o servir.

17 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: PRÁTICAS
A promoção de uma educação literária em contexto pré-escolar:
o contributo indispensável da literatura infantil
Ângela Balça . Universidade de Évora - Departamento de Pedagogia e Educação

1 – Neste texto, a partir de um olhar lan- Na realidade, para estas faixas etárias, o cri- Muito embora concordemos com esta afir-
çado por alguns artigos e estudos (Veloso, tério da estética literária parece-nos muito mação, acreditamos que há todo um traba-
2002; Brito, 2006), onde se faz referência importante, mas o critério da estética plástica lho a desenvolver com o livro de literatura
às bibliotecas presentes nas salas de jar- não o será menos, na medida em que os livros infantil, que possibilitará à criança fazer lei-
dim de infância, pretendemos problema- têm uma componente icónica muitas vezes turas plurais em redor do texto literário ou
tizar e deixar algumas pistas de trabalho superior à componente verbal. Podemos, cer- seja preencher os “espaços em branco” (Eco,
que possam contribuir para a promoção de tamente, definir muitos livros literários, para 1993) deixados pelo texto literário, levando a
uma educação literária junto das crianças estas idades, como artextos (Agra e Roig, criança a “falar dos textos com as suas pró-
que frequentam a educação pré-escolar. 2006), na medida em que, nestes livros, exis- prias palavras”,
Tendo como pano de fundo um trabalho te um casamento, um diálogo íntimo entre o «Fazer com que o aluno aprenda a falar dos
pensado para as crianças do 1.º ciclo do código verbal e o código icónico, e só a leitura textos com as suas próprias palavras, procu-
ensino básico (Balça, 2007), queremos conjunta de ambos os textos possibilitará o rar que os descubra pela sua própria reescrita,
apresentar agora uma proposta desen- acesso pleno ao significado da obra. parecem-me condições de possibilidade para
volvida para as crianças que frequentam a Nestas orientações curriculares podemos en- conhecer a literatura. Condições privilegiadas
educação pré-escolar. contrar ainda notas sobre os materiais de lei- para aceder à palavra poética por via da com-
A promoção de uma educação literária tura que devem estar ao alcance das crianças. plementaridade entre a autêntica emoção e a
junto das crianças tem sempre como re- Assim, a primeira referência é para a literatu- verdadeira cognição.». (Pereira, 2005:144)
curso pedagógico privilegiado o texto de ra infantil, quer em prosa quer em poesia. A Assim, no ponto seguinte, a partir da leitura
literatura infantil, designadamente o livro chamada de atenção neste documento para de um texto de literatura infantil, propomos
de literatura infantil. Só conseguiremos a literatura infantil afigura-se-nos capital, um conjunto de actividades que permitam
formar crianças leitoras literárias através para a promoção de uma educação literária, às crianças efectuar múltiplas leituras desse
da leitura de livros de literatura infantil, desde estas idades mais precoces. texto literário, proporcionadas pelo código
com os quais muitas vezes elas contactam Mas apesar da referência explícita, neste do- verbal e pelo código icónico.
unicamente no jardim de infância. cumento orientador, à literatura infantil, al- Este conjunto de actividades tem como fio
O desenvolvimento de uma educação literá- guns olhares (Veloso, 2002) e estudos (Brito, condutor um modelo de leitura do texto ver-
ria visa formar a criança como leitora literá- 2006) dão-nos conta da pobreza do acervo bal e do texto icónico. Para a leitura do texto
ria, capaz de apreciar a Literatura, sabendo bibliográfico de determinadas salas de jardim verbal, atendemos a um modelo de leitura cen-
interpretar, valorizar e activar os seus inter- de infância, nomeadamente no que diz res- trado na literatura (Azevedo, 2006), que prevê
textos, contribuindo para o desenvolvimento peito ao livro literário. um momento de pré-leitura, outro de leitura
da sua competência literária. Ora só os livros literários encerram uma di- e ainda um terceiro momento de pós-leitura.
Assim, nas Orientações Curriculares para mensão estético-literária capaz de potenciar Estas diversas etapas têm como objectivos,
a Educação Pré-Escolar encontramos, na o desenvolvimento de uma educação literá- entre outros, motivar a criança para a leitura,
área de conteúdo “Área de Expressão e ria, uma vez que a leitura da obra literária atiçar a sua curiosidade em redor da história
Comunicação”, no “Domínio da linguagem consente a participação do leitor na constru- encerrada no livro, mobilizar as suas referên-
oral e abordagem à escrita”, algumas reco- ção do sentido de texto. cias intertextuais e permitir uma experiência
mendações sobre a leitura e o livro. Gosta- Para além da presença, maior ou menor, de afectiva, uma relação de prazer entre o leitor e
ríamos de salientar que as recomendações textos de literatura infantil nas bibliotecas o texto, relação esta que possibilita o diálogo
apresentadas apontam para o contacto das salas de jardim de infância, ao alcance e entre o texto e a criança leitora, permitindo-lhe
das crianças com o livro, considerando-se à disposição das crianças, há ainda a consi- ser indagadora e construtora de sentidos.
que é através do convívio com os livros derar, na promoção de uma educação literá- De igual modo, para a leitura do texto icónico
que as crianças (também) contactam com ria, o trabalho com o livro literário. observámos o modelo de Durand (Colomer e
o código escrito, descobrem o prazer da De acordo com o estudo de Brito (2006), os Duran, 2001), que apresenta três etapas, o
leitura e desenvolvem a sua sensibilidade educadores de infância referiram que o “pro- reconhecimento, a identificação e a imagi-
estética. longamento didáctico”, ou seja a realização nação. Através deste modelo, a criança ob-
Neste sentido aconselha-se algum cuida- de actividades depois da narração da história serva e reconhece um determinado objecto
do na selecção dos livros que se põem à e que estejam relacionadas com ela, ocorria, na imagem, identifica-se com ele e projecta
disposição das crianças, devendo-se seguir na maior parte dos casos, esporadicamente, sobre a imagem uma série de circunstâncias,
dois critérios, o de estética literária e o de porque, na perspectiva dos inquiridos, a his- que lhe permitirá activar e actualizar os seus
estética plástica. tória pode ser só para ouvir e reflectir. conhecimentos intericónicos.

18 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


2 - As actividades, que vamos propor em se- PRÉ-LEITURA
guida, partem da leitura de um livro de lite-
ratura infantil em particular e constituem-se Actividade n.º 1 – Um modelo de leitura
como um itinerário de leitura possível, aberto centrado na literatura (Azevedo, 2006) pres-
e não definitivo. supõe um trabalho prévio com as crianças
Pensamos que muitas destas propostas po- sobre os aspectos paratextuais do livro. Esse
derão ser planeadas para o trabalho com trabalho deve começar por ajudar as crianças
qualquer livro de literatura infantil. No entan- a adquirir e a fixar vocabulário específico, re-
to, o educador de infância terá de conhecer ferente a estes aspectos paratextuais, como
profundamente os livros que vai trabalhar e por exemplo: capa, contracapa, lombada, pá-
as suas crianças, para que possa ajustar as gina de rosto, badanas, autor, ilustrador, edi-
actividades, não só às crianças mas também tor, colecção, data de edição, entre outros.
ao texto em presença.
Consideramos ainda que estas propostas de Actividade n.º 2 - Com base na capa e na
actividades potenciam na criança o desenvol- página de rosto do livro (título e ilustração),
vimento de competências no âmbito da língua pedimos às crianças uma proposta de ante-
materna, nomeadamente o progressivo domí- cipação da história encerrada no livro (que
nio das competências do modo oral e a emer- história contará este livro?).
gência das competências do modo escrito. Esta actividade pode ser desenvolvida em
grande grupo, escrevendo o educador de in-
PROPOSTA DE ACTIVIDADES fância a proposta de antecipação da história,
narrada pelas crianças.
Título – A festa de anos
Autor – Luísa Ducla Soares Actividade n.º 3 - Com base na contraca-
Ilustrador - Chico pa do livro, tendo como ponto de partida o
Editor – Editora Civilização texto e a ilustração nela presentes, lançamos
Data de Edição - 2004 às crianças uma pergunta sobre os possíveis
temas abordados no livro: “Qual será o tema
deste livro?”,
«A avestruz fazia anos. Resolveu dar uma
festa, convidar os amigos. Cada amigo com
os seus gostos, aparentemente inconciliá- LEITURA
veis. Mas a amizade tudo ultrapassa. Ah!
Como é bom ter amigos!» (Soares, 2004: Actividade n.º 7 - Leitura parcial do código
contracapa) escrito.
O educador de infância e as crianças poderão
fazer um debate de ideias, perante a eventu- Actividade n.º 8 – As perguntas de expec-
al variedade de respostas a esta pergunta. tativa, formuladas pelo educador de infância
ou pela própria criança leitora, sobre o de-
Actividade n.º 4 - Numa primeira fase, pe- senrolar da acção da narrativa, contribuem
dimos às crianças que observem cuidado- para espevitar a curiosidade e o interesse do
samente as ilustrações do livro. Após esta leitor pela narrativa (Matias, 2004).
observação atenta, o educador de infância Deste modo, o educador de infância pode
pode promover um debate de ideias, entre o lançar às crianças algumas perguntas de ex-
grande grupo, lançando a pergunta: “ O que pectativa, após uma leitura parcial do texto,
te sugere esta(s) imagem (imagens)?”. para que elas possam prever os aconteci-
mentos seguintes, como por exemplo:
Actividade n.º 5 - Com base numa ilustração - Que iguarias farão parte do lanche de ani-
do livro, pedimos às crianças que descrevam a versário da avestruz Catrapus?
imagem. No final, as crianças poderão inven- - Quem serão os convidados da festa de
tar ainda uma legenda para esta ilustração. anos da avestruz Catrapus?
- Que presentes de aniversário receberá a
Actividade n.º 6 - Com base nas ilustrações avestruz Catrapus?
do livro, pedimos às crianças que desenhem
uma história, levando-as posteriormente à Actividade n.º 9 - Leitura total do código
explicitação verbal do seu desenho. escrito.

19 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: PRÁTICAS
Actividade n.º 10 - Reconto do código es- Actividade n.º 13 - A exploração de textos Actividade n.º 17 - Outra possibilidade,
crito – Através do desenho, a criança pode pode ser também motivada pela resposta que propomos, será o educador de infância,
recontar a história, utilizando as ilustrações do leitor a perguntas de expectativa, deixa- em grande grupo, escrever uma história,
do livro, para a auxiliar nesta actividade. O das em aberto pelo desenlace da narrativa, narrada pelas crianças, na qual a avestruz
educador de infância poderá escrever, com como por exemplo: detesta os seus presentes de aniversário e
a criança, o seu reconto da história. “Cansada mas feliz, pôs-se então a chocar o é muito mal educada para os seus convida-
ovo de chocolate. Que bicho nasceu de lá? dos. Como seria esta festa de anos?
Actividade n.º 11 - Tendo em conta o texto És capaz de adivinhar?” (Soares, 2004)
icónico e o texto escrito, podemos lançar às Partindo da ilustração e destas frases finais, Actividade n.º 18 - Como actividade de
crianças algumas hipóteses sobre a intriga, a criança, através de uma técnica de ex- expressão escrita, o educador de infância e
nomeadamente sobre a organização da se- pressão plástica, pode dar resposta a esta as crianças poderão manter um caderno de
quência narrativa, através do jogo “O que é pergunta de expectativa, inventando/cons- crítica literária que lhes permitirá emitir e
que aconteceu primeiro na história?”, dando truindo um bicho ou um ser que possa estar partilhar opiniões e emoções acerca dos li-
como exemplos: dentro do ovo de chocolate. Posteriormen- vros que vão sendo lidos na sala, podendo
- A avestruz Catrapus recebeu os seus con- te, podemos levar as crianças à explicitação mesmo fazer referências ou aconselhar os
vidados; verbal das suas opções na construção deste amigos sobre outros livros que já leram e que
- A avestruz Catrapus perguntou se os seus ser. de algum modo poderão estar relacionados
convidados queriam lanchar. uns com os outros, promovendo não só o
Actividade n.º 14 - Após a leitura do texto activar dos intertextos da criança mas tam-
Actividade n.º 12 - Após a leitura do texto escrito e do texto icónico, podemos pedir bém o desenvolvimento da sua competência
escrito e do texto icónico, podemos pedir às crianças que nos contem qual foi a sua literária.
às crianças que, através de uma técnica de parte preferida da história. Depois poderão,
expressão plástica, dêem vida à sua perso- através do desenho, transmitir-nos essa
nagem favorita, levando-as posteriormente parte preferida da história.
à explicitação verbal das suas opções, na NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
construção da personagem. Actividade n.º 15 - Tendo em conta o texto AGRA PARDIÑAS, María Jesús e ROIG RECHOU, Blanca-
icónico e o texto verbal, podemos inven- Ana (2006) «Artextos: los álbumes infantiles», A Criança, a
tar outro título para a história, através do Língua, o Imaginário e o Texto Literário. Centro e Margens
“Jogo do título”. Neste caso, o educador de na Literatura para Crianças e Jovens. Actas do II Congresso
Internacional, Braga: Universidade do Minho, Instituto de
infância avançará algumas hipóteses que as Estudos da Criança (versão digital).
crianças aceitarão ou não, consoante o títu- AZEVEDO, Fernando (2006) Literatura infantil e leitores. Da
lo se relacione ou não com a história: teoria às práticas, Braga: Instituto de Estudos da Criança,
Universidade do Minho.
- Acham que o título desta história poderia
BALÇA, Ângela (2007) «Da leitura à escrita na sala de aula:
ser “Um dia de anos no campo?” Porquê? um percurso palmilhado com a literatura infantil», Formar
- Acham que o título desta história pode- leitores. Das teorias às práticas, Lidel, pp.131-148.
ria ser “Um dia de anos com os amigos?” BRITO, Ana Luísa (2006) «A literatura para a infância na
prática pedagógica dos educadores», A Criança, a Língua, o
Porquê?
Imaginário e o Texto Literário. Centro e Margens na Literatu-
ra para Crianças e Jovens. Actas do II Congresso Internacio-
PÓS-LEITURA nal, Braga: Universidade do Minho, Instituto de Estudos da
Criança (versão digital).
COLOMER, Teresa e DURAN, Teresa (2001) «La literatura en
Actividade n.º 16 - O reconto da história la etapa de educación infantil» Didáctica de la lengua en la
pode ser proposto com a introdução de no- educación infantil, Madrid: Editorial Síntesis, pp. 213-249.
vos elementos ou a alteração de dados da ECO, Umberto (1993) Leitura do texto literário. Lector in fa-
narrativa original, nomeadamente nalgumas bula. Lisboa: Presença
MATIAS, Ana Cristina (2004) “Resistir à reprodução de leitu-
categorias da narrativa, como o espaço, as ras alheias” II Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa
personagens ou o tempo. de Didáctica da Língua e da Literatura – Didáctica e Utopia:
Assim, através do desenho, as crianças po- Resistências, Universidade do Algarve, (texto inédito).
PEREIRA, Luísa Álvares (2005) “Se a literatura nos ensina,
derão:
como poderemos (não) ensiná-la?”, O Português nas escolas.
1 – recontar a história num novo espaço (na Ensaios sobre a língua e a literatura no ensino secundário.
lua, no fundo do mar); Coimbra: Livraria Almedina, pp. 133-145.
2 – recontar a história introduzindo novas SILVA, M. Isabel & Núcleo de Educação Pré-Escolar (1997) Orien-
tações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Ministério da
personagens (um adulto, um peixe);
Educação, Departamento da Educação Básica, Gabinete para a
3 - recontar a história num novo tempo (a Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar.
intriga desenrolar-se-á à noite). VELOSO, Rui Marques (2002) «“Curtir” literatura infantil no
Posteriormente, podemos levar as crianças jardim de infância», Leitura, Literatura Infantil e Ilustração.
Braga: Centro de Estudos da Criança, Instituto de Estudos da
à explicitação verbal do seu desenho. Criança, Universidade do Minho, pp.107-115.

20 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: INVESTIGAÇÃO
Competências psicomotoras e capacidade grafomotora
em crianças de idade pré-escolar1
Elvira Cristina Silva . Educadora de Infância - Mestre em Educação Especial
Rui Martins . Professor Associado da Faculdade de Motricidade Humana / Universidade Técnica de Lisboa

Resumo: O presente artigo centra-se num estudo desenvolvido com o ob- Enquadramento Conceptual
jectivo de identificar a relação entre algumas competências psicomotoras e Ao longo da história da civilização humana, a conceptualização e a prá-
a capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar. Procurou-se tica da psicomotricidade sofreram evoluções, resultantes de mudanças
também comparar os valores das variáveis dependentes em função do filosóficas na abordagem à noção de corpo. O contributo de várias
género e idade. Como conclusões principais do estudo destacam-se os influências conceptuais, nomeadamente da fenomenologia, psicaná-
seguintes aspectos: 1) a idade, ou seja, o factor desenvolvimental parece in- lise, neuropsicologia e pedagogia provocaram também mudanças na
fluenciar o desempenho, em ambas as componentes; 2) o género feminino conceptualização da psicomotricidade, resultando no seu reconheci-
Silva, Elvira Cristina; Martins, Rui (2007) "Competências psicomotoras e capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar", «Cadernos de Educação de Infância» 82: pp. 21-26

evidencia melhores desempenhos na maioria das variáveis dependentes e 3) mento, como um meio de interacção integrada entre o mundo interno
na correlação entre as variáveis de estudo na totalidade da amostra, todas do indivíduo e o mundo que o rodeia. A definição psicológica que foi
se relacionam entre si, o que sugere que as competências na componente atribuída ao movimento, explicando-o como uma síntese das expe-
grafomotora estão relacionadas com as competências psicomotoras. riências vividas de cada sujeito e da sua história, permite relacionar
Palavras-chave: psicomotricidade, grafomotricidade, pré-escolar, a actividade psíquica e actividade motora. Em termos metodológi-
desenvolvimento. cos, a educação psicomotora é assim encarada como uma forma de
promoção de aprendizagem e de adaptação ao mundo exterior, num
Introdução processo onde motricidade e psiquismo são indissociáveis. Martins
“ A aprendizagem escolar nunca parte do zero. (2001), refere a psicomotricidade como “uma prática de mediação
Toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história.” corporal que permite à criança reencontrar o prazer sensório-motor
(Vygotsky, 1977) através do movimento e da regulação tónica, possibilitando depois
a apropriação dos processos simbólicos, com forte acentuação da
A escrita, na medida em que representa uma forma de expressão da componente lúdica” (p. 34).
linguagem que pressupõe uma comunicação simbólica através de si- Também Sánchez, Martinez e Peñalver (2003) definem a psicomotri-
nais gráficos convencionais, ela constitui uma actividade psicomotora, cidade como um meio que facilita a compreensão do sentido profun-
integrando aspectos gnósicos e práxicos numa perspectiva sistémica do da expressividade motora na criança, sendo esta expressividade
de relações ao nível motor, perceptivo e simbólico, e envolvendo uma a forma única, original e individual de ser e estar no espaço, como
fase da planificação e uma fase de execução. consequência do funcionamento psíquico da criança.
A grafomotricidade constitui o processo expressivo da escrita que “A aprendizagem da leitura e da escrita deve assentar numa adequada
possibilita efectuar um registo gráfico, a partir de um suporte postural estruturação do esquema corporal, que por sua vez se relaciona com a
estável, combinando os movimentos do braço, mão e dedos em liga- orientação espacio-temporal “ (Torres & Fernandez, 2002)
ção com aspectos espacio-temporais e visuo-quinestésicos. Em termos práxicos, o desenvolvimento psicomotor depende da matu-
Este estudo teve como principal objectivo o estudo da relação entre ração (exteriorização do desenvolvimento através do comportamento
algumas componentes psicomotoras e grafomotoras em crianças de e entendida em termos ontogenéticos), e da mielinização do Sistema
idade pré-escolar. Nervoso Central. É um processo contínuo numa sequência de etapas,
Do ponto de vista conceptual, embora o âmbito deste estudo visasse de ritmo variável, num número quase ilimitado de padrões de desen-
os aspectos psicomotores, obviamente considera-se a abordagem de volvimento. Os diferentes perfis de desenvolvimento dependem das
outras variáveis importantes do ponto de vista da avaliação ecológica, competências nas diferentes áreas e na interacção entre essas compe-
como é o caso dos factores sociais afectivo, emocionais e cognitivos tências. Em termos posturais evolui-se numa orientação céfalo-caudal
que podem reflectir-se no insucesso escolar, no que se refere à escrita, e próximo-distal, o que se traduz numa diferenciação progressiva que
porém se abrange todas as variáveis num estudo tornaria difícil o gerir evolui da motricidade global à motricidade fina.
de toda a informação pelo que se considera este estudo uma parte da Para Alston e Taylor (1987), escrever é uma actividade complexa, pois
realidade, como uma visão parcial de um universo observado. exige a integração de habilidades verbais, perceptivas e motoras. Para
Como refere Fonseca (1999): a escrita se tornar um meio de expressão, é necessário ter-se apreen-
A praxia não pode ser entendida como sinónimo de movimen- dido a estrutura da linguagem escrita, bem como os mecanismos para
to reflexo ou automático, mas sim de sistemas de movimentos representar as formas adequadas no papel.
coordenados em função de uma intenção ou de um resultado a Os referidos autores apresentam um modelo conceptual que permite
obter, o que pressupõe a emergência da aprendizagem e da função uma visão sistémica da sequência e estrutura dos processos envolvidos
simbólica, pois são sistemas de movimentos que nascem no pen- na aprendizagem da escrita. Deste modo, o sistema da escrita envolve
samento, na medida em que estão interiorizados antes de serem a elaboração e conjugação adequada da pontuação, o conhecimento
expressos em acções e uma vez que servem para fixar a informação 1 Artigo publicado nas revistas “A psicomotricidade” (2005) n.º 5, da Associação Portuguesa
e suportar a função cognitiva (p. 410). de Psicomotricidade e Ricerche e Studi in Psicomotricitá, Anno XIV n. 3, Deciembre 2006

21 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: INVESTIGAÇÃO

dos numerais e das letras (maiúsculas e minúsculas) que compõem o Uma das razões primordiais do interesse desta temática surge na
alfabeto. As letras maiúsculas parecem ser mais fáceis de aprender, sequência da constatação de que, frequentemente, parece existir
porque as formas da maior parte das letras são baseadas em círculos, por parte dos profissionais (nomeadamente de alguns educadores
partes de círculos e linhas rectas, podendo ser feitas com vários traços de infância e professores do 1.º Ciclo do ensino básico), uma pre-
separados. É frequente, crianças com 3 ou 4 anos, serem normalmente ocupação centrada exclusivamente no treino gráfico. A actividade
capazes de desenhar o círculo e a cruz. pedagógica é realizada com recurso a meios centrados no treino de
Uma vez apreendidos, os movimento ligados a estes padrões gráficos grafismos visando desenvolver a motricidade fina, em detrimento de
Silva, Elvira Cristina; Martins, Rui (2007) "Competências psicomotoras e capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar", «Cadernos de Educação de Infância» 82: pp. 21-26

tornam-se automáticos e depois de estabilizados, tornam-se resisten- uma intervenção psicomotora mais global, orientada para pré-requi-
tes à mudança (Alston e Taylor, 1987). sitos desenvolvimentais, ligados por exemplo à regulação tónica, ao
Os mesmos autores referem que os elementos ligados à caligrafia, controlo postural, à lateralidade, à noção de corpo, à estruturação
associados aos processos subjacentes à codificação da escrita, são espacial e temporal e à coordenação práxica de movimentos globais
factores essenciais para a integração perceptiva e para o processa- e finos.
mento verbal, necessários para a produção da escrita. Inclui-se aqui Embora frequentemente se encontre em alguma literatura, referência
a rechamada da forma das letras, a relação de cada uma com a linha à relação entre os aspectos psicomotores e grafomotores, quer na
de base, os padrões de movimento para produzir cada letra (porque perspectiva genética como na patológica, as investigações realizadas
até evoluir para a escrita automática é exigido um esforço cognitivo são escassas, e mais ainda no âmbito da idade pré-escolar. Assim, a
para a representação das letras) e, por fim, a capacidade para exercer identificação precoce de dificuldades nestes pré-requisitos desenvol-
a autocrítica. vimentais é particularmente pertinente na faixa etária estudada, uma
A escrita, para os mesmos autores, representa uma tarefa psicomotora vez que a competência grafomotora é utilizada em todo o percurso
complexa que assentando na estabilidade postural, envolve o controlo escolar da criança.
e coordenação de todos os músculos do membro superior, na depen- Alston e Taylor (1987) referem também que poucas investigações
dência da orientação visual, exigindo uma coordenação simultânea do têm sido realizadas sobre como deve ser o ensino ou a reeduca-
polegar e dedos da mão que escreve, assim como a abdução e adução ção da componente grafomotora, apelando para a necessidade de
da articulação do pulso para a transcrição das letras e o deslocamento identificar os elementos envolvidos na evolução dos progressos in-
ao longo da linha base. dividuais das crianças. Nesta perspectiva, revela-se fundamental a
Alston e Taylor (1987) apresentam um modelo para a compreensão dos identificação precoce das dificuldades grafomotoras e psicomotoras
processos envolvidos na aprendizagem da componente grafomotora na idade do pré-escolar, na medida em que esta fase constitui um
da escrita, e referem que o insucesso na aprendizagem pode ser devi- momento de transição para o 1.º Ciclo, colocando à prova a capaci-
do a uma dificuldade num ou mais dos seguintes processos: dade grafomotora da criança, nomeadamente através da escrita num
• integração de capacidades visuais, auditivas e tácteis. contexto mais formal.
• integração da coordenação motora global e fina. São diversos os autores que referem a importância da expressão
• lateralidade e direccionalidade gráfica no desenvolvimento da criança, como contributo para o seu
• sequencialização auditiva (a existência de problemas perceptivos desenvolvimento global, para a construção da sua personalidade
auditivos dificultará a memorização de um conjunto de nomes e e do seu carácter, tornando-se deste modo fundamental detectar
sons das letras.) precocemente dificuldades, pois habilidades motoras adquiridas são
• memória (rechamada de nomes, sons de letras e padrões de movi- resistentes à mudança.
mento); as capacidades sequenciais, visuais, auditivas e motoras; Ajuriaguerra, Auzias e Denner (1988) referem a importância do de-
a lateralidade e a direccionalidade são factores que fazem parte da senvolvimento perceptivo-motor para a aprendizagem escolar e,
memória, condição necessária para a formação das letras. em especial, para o desenvolvimento da escrita. Torres & Fernández
• expectativas do professor, sendo fundamental que este utilize pa- (2002) referem também que dificuldades na área psicomotora podem
drões de escrita aceitáveis e métodos de ensino que influenciam a comprometer a aprendizagem escolar.
atitude dos alunos. Boscaini (1998) salienta que se pode avaliar o nível psicomotor da
• auto-avaliação do aluno (comparação da letra escrita com o mo- criança através da tipologia do seu traçado e da sua atitude corporal.
delo), estando implícita a capacidade de conhecimento crítico que Realça ainda o mesmo autor (2003), preconizando as ideias de Ajuria-
deve ser estimulado. guerra, o papel da vivência corporal no desenvolvimento, salientando
É neste quadro conceptual que se insere o estudo efectuado, no qual ainda que “tanto as funções motoras como as psíquicas apresentam
se pretendeu observar e reflectir, numa perspectiva desenvolvimental, como denominador comum o corpo” e que o aparecimento de diver-
sobre a interdependência entre os factores da capacidade grafomoto- sas problemáticas está dependente da qualidade de vivência corporal
ra e algumas competências psicomotoras. (Boscaini, 2003, p22).

22 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


Estas afirmações remetem-nos para a importância da avaliação psico- Instrumentos de Avaliação
motora como um referencial importante no desenvolvimento global Os instrumentos de avaliação, utilizados para a obtenção dos dados
da criança, dado que os pré-requisitos envolvidos na competência relativos ao objecto de estudo foram os seguintes:
grafomotora (de realização e execução da praxia fina) podem ser iden- A nível das competências da área Psicomotora:
tificados precocemente pelo nível de competência psicomotora. • Teste de Proficiência Motora de Bruininks – Oseretsky (1978), para
Este estudo insere-se, numa conceptualização de escola inclusiva, a avaliação das variáveis equilíbrio e coordenação bilateral.
encarando, neste âmbito, a intencionalidade de intervenção psico- • Test ABC Movement - Teste de Avaliação do Movimento nas
Silva, Elvira Cristina; Martins, Rui (2007) "Competências psicomotoras e capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar", «Cadernos de Educação de Infância» 82: pp. 21-26

motora mais no sentido preventivo do que remediativo. Crianças - Assessment Batery for Children – Compiled by Sheila E.
Henderson and David A. Sugden (1992), para a avaliação da vari-
Metodologia ável Qualidade do Movimento, nomeadamente destreza manual,
O presente estudo, como já foi referido, visa particularmente os aspec- capacidades manipulativas, equilíbrio estático e dinâmico.
tos psicomotores, sem desvalorizar a importância de factores sociais, A nível das competências da área Grafomotora:
afectivos, emocionais e cognitivos que podem também constituir fac- • VMI – Teste de Desenvolvimento da Integração Visuo-Motora (De-
tores condicionantes do sucesso ou insucesso na aprendizagem da velopmental Test of Visual-Motor Integration) - Beery, k.E. (1989),
escrita. Considerando-se primordial a importância da maturidade psico- para a avaliação visuo- motora.
motora da criança, para poder realizar a aprendizagem do acto gráfico, • Teste da representação corporal – Desenho de uma pessoa - Draw
esta opinião não esgota, contudo, o interesse de tomar como objecto A Person – A Quantitative Scoring System - Jack A. Naglieri (1988),
de estudo outras áreas relevantes para este problema, pelo que a rea- para a variável de representação do corpo.
lidade avaliada neste âmbito deve ser considerada apenas como uma Para tratamento dos dados utilizou-se a estatística descritiva (tabelas
das perspectivas possíveis de abordagem desta área de estudo. de frequência e parâmetros de tendência de dispersão: média e limites
Recorreu-se nesta investigação a um diverso número de variáveis, rela- de variação), bem como a estatística inferencial a nível correlacional e
tivas às componentes psicomotoras e às componentes grafomotoras e comparacional, com a probabilidade de erro de p = 0,05.
correspondentes aos itens dos diversos instrumentos de avaliação.
Apresentação dos Resultados
Amostra Atendendo ao número de elementos da amostra e às variáveis intro-
A investigação decorreu em Jardins-de-infância da rede pública de uma ci- duzidas, a apreciação dos resultados implicou uma análise cuidadosa
dade do distrito de Lisboa. De um total de 264 crianças (assumindo-se co- de tipo descritivo, a nível quantitativo. Apresentam-se de seguida as
mo factor de exclusão a existência de deficiências sensoriais ou motoras, interpretações globais dos resultados dos dados obtidos, nomeada-
a atipicidade comportamental e a existência de problemas emocionais), mente a correlação entre as variáveis dependentes na totalidade da
foi seleccionada uma amostra total de 120 crianças de ambos os géneros, amostra e a comparação entre variáveis dependentes e independentes
subdivididas por três grupos etários: 30 crianças dos 4,5 aos 5 anos; 40 por grupos etários e entre os géneros.
crianças dos 5 aos 5,5 anos e 50 crianças dos 5,5 aos 6 anos, constituin-
do-se assim a idade e o género como variáveis independentes. Correlação entre variáveis no total da amostra
Com base nos pressupostos anteriormente enunciados, foram deline- Visuo Motora Des. Fig. Humana Equilíbrio Coord. Bilateral
ados os seguintes objectivos de estudo: Qualidade do Movimento
• Comparar os resultados obtidos nas variáveis do âmbito psicomo- 0,8
tor e grafomotor, entre os grupos das várias faixas etárias. 0,6
• Comparar os resultados obtidos nas variáveis do âmbito psicomo-
0,4
tor e grafomotor entre os dois géneros, quer nos diversos grupos
das várias faixas etárias, quer na totalidade da amostra. 0,2
• Correlacionar os resultados obtidos nas diversas variáveis de estudo, nos 0
diversos grupos das várias faixas etárias, e na totalidade da amostra. -0,2
Os instrumentos utilizados, na recolha dos dados, permitiram avaliar -0,4
a amostra nas seguintes variáveis dependentes:
-0,6
a) No âmbito das competências psicomotoras: Equilíbrio; Coordena- Visuo Des. Fig. Equilíbrio Coord. Qualidade
ção Bilateral e Qualidade do movimento (Destreza manual, Capa- Motora Humana Bilateral do Movimento
cidades manipulativas, Equilíbrio estático e dinâmico) Variáveis
b) No âmbito da componente grafomotora: Representação do corpo Gráfico 1. Estatística referente à correlação entre as variáveis
(desenho da figura humana) e Integração Visuo Motora. dependentes na totalidade da amostra

23 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: INVESTIGAÇÃO

Da leitura do gráfico deve-se ter em conta que em função do valor do mais o seu valor se aproxima do zero, assim é visível que crianças mais
n da amostra (120), o valor de referência para o grau de significância velhas apresentam valores mais baixos nessa variável, o que se traduz
é 0,19, o que significa que só as correlações com este valor absoluto por melhor desempenho.
ou acima dele são significativas em termos estatísticos. De salientar Em relação ao factor idade, este confirma a existência de diferenças
também que a variável Qualidade do Movimento é cotada com valores significativas entre as crianças dos vários grupos etários a nível do perfil
inversos, ou seja, quanto mais próximo do valor zero (0), melhor o de execução motora e do desempenho gráfico, confirmando a impor-
desempenho, o que significa que os valores negativos correspondem tância da experiência acrescida como referem os estudos de Ajuriaguer-
Silva, Elvira Cristina; Martins, Rui (2007) "Competências psicomotoras e capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar", «Cadernos de Educação de Infância» 82: pp. 21-26

à correlação com a referida variável. ra, Auzias e Denner (1988) e Silva (1998) que referem existir diferenças
Quer da leitura do gráfico como desta figura é possível afirmar que em alguns meses de idade, traduzidas em melhor desempenho.
de facto os perfis de execução psicomotora das crianças observadas
neste estudo se correlacionam com os pré-requisitos da componente Comparação entre Géneros
gráfica. De salientar a importância do desenvolvimento psicomotor No que se refere ao factor género, verificam-se diferenças signifi-
para as aprendizagens e de modo particular para o desenvolvimento cativas na maioria das variáveis, onde o género feminino evidenciou
da praxia fina. As variáveis do âmbito psicomotor correlacionam-se melhores resultados, resultados defendidos também por Ajuriaguerra,
deste modo na sua totalidade com as variáveis da componente gráfica, Auzias e Denner (1988), que afirmam que o género feminino se carac-
indicadores sobre a eficiência e realização motora. teriza por uma melhor capacidade de imobilização postural, controlo
Os resultados principais obtidos neste estudo permitem afirmar que os e coordenação das actividades digitais finas. Os resultados obtidos
aspectos globais somagnósicos que foram avaliados na variável Quali- situam-se na linha das investigações de G. Presscott (1955 cit Conde-
dade do Movimento, bem como as variáveis Equilíbrio e Coordenação marin et al, 1986) e das conclusões de Ajuriaguerra, Auzias e Denner
Bilateral, se correlacionam com a noção do corpo, representada na (1988), que afirmam que a execução gráfica do género feminino é
variável desenho da figura humana e que por sua vez se correlacionam constantemente melhor que a do género masculino.
com a praxia fina, avaliada na variável (Integração visuo motora).
Conclusões
Comparação das variáveis entre as diferentes faixas etárias Espera-se que este estudo constitua um contributo para a for-
A observação do gráfico sugere que na maioria dos casos o factor mação e informação dos profissionais envolvidos nesta área de
idade é preponderante, ou seja, o desempenho melhora com a idade, estudo, possibilitando novas interrogações, atitudes e propostas
tendo em conta o factor maturação e experiência acrescida. de actuação relevantes para o desenvolvimento da criança dado
Tal como no gráfico anterior, este gráfico mostra também como o fac- que esta área de estudo tem sido negligenciada, particularmente
tor maturação influencia o desempenho, ou seja, crianças mais velhas, na idade do pré-escolar.
supostamente com maior número de experiência vividas, reflectem No âmbito das suas implicações práticas, considera-se fundamental
melhor desempenho. De referir que a variável Qualidade do Movi- que no jardim-de-infância a intervenção nesta área seja realizada de
mento é cotada inversamente, ou seja, quanto melhor desempenho forma a promover actividades que envolvam uma ligação progressiva

VM Fig Hum Equi CoordBil QualMov


50
45
40
35
30
Equilíbrio 25
Desenho da figura humana 20
15
Coordenação bilateral 10
Integração visuo motora 5
0
4,5 -5 anos 5- 5,5 anos 5,5 - 6 anos
Qualidade do movimento Género Masculino

Figura 1. Correlação entre as variáveis - Totalidade da amostra Gráfico 2. Comparação entre os diferentes grupos etários
– Género Masculino

24 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


entre aquisições sensório-motoras, perceptivo-motoras, simbólicas e “Muitas dificuldades e muitos problemas de aprendizagem de leitura,
conceptuais, o que é possível através de uma pedagogia criativa que escrita e cálculo, emergem exactamente porque não se desenvolveram
faça apelo à resolução de problemas. Os educadores devem possi- a tempo os pré-requisitos das competências fundamentais da apren-
bilitar à criança consciencializar as vivências do seu próprio corpo, dizagem” (Fonseca 1999)
as quais constituem o alicerce de todo o processo que evolui para o A educação de infância é contemplada na Lei–Quadro da Educação
plano representativo, no qual se suportam as aquisições das apren- Pré-Escolar como a primeira etapa da educação básica no processo
dizagens escolares posteriores. Através da actividade corporal e de de educação ao longo da vida, remetendo assim por excelência para
Silva, Elvira Cristina; Martins, Rui (2007) "Competências psicomotoras e capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar", «Cadernos de Educação de Infância» 82: pp. 21-26

forma lúdica, a criança adquire os alicerces sensório-motores e per- o jardim-de-infância uma função formativa, que deve ter sempre em
ceptivo-motores que estão na base dos comportamentos exigidos conta a personalidade da criança, respeitando de forma integrada o
para as aprendizagens escolares, nomeadamente a componente gra- seu desenvolvimento motor e psíquico.
fomotora da escrita, evitando desse modo dificuldades nesta área do Face à constante preocupação, nas nossas escolas, com as diversas
desenvolvimento. dificuldades de aprendizagem, a psicomotricidade deve ser encarada
A intervenção psicomotora é contemplada nas Orientações Curricula- no contexto tanto educativo como social, nomeadamente na faixa
res para a Educação de Infância do Ministério da Educação (1997) onde etária do pré-escolar, como meio de integração escolar e preventiva
refere: “a exploração de diferentes formas de movimento permite das dificuldades de aprendizagem.
ainda tomar consciência dos diferentes segmentos do corpo, das suas A capacidade de aprendizagem de cada criança depende também do
possibilidades e limitações, facilitando a progressiva interiorização educador como mediador de oportunidades e da adequação ao estímulo,
do esquema corporal e também a tomada de consciência do corpo mas também das motivações e capacidades das crianças, o que exige em
em relação ao exterior” (p.58), constituindo assim “um meio facili- termos desenvolvimentais a possibilidade de experimentar actividades
tador da compreensão no sentido da expressividade motora única, que desenvolvam competências psicomotoras numa atmosfera lúdica.
original e individual de ser e estar no espaço como consequência do Espera-se que a presente investigação possa contribuir para o apro-
funcionamento psíquico da criança”. (Sanchez, Martinez e Penalver fundamento do conhecimento nesta área de estudo, que tem sido ne-
2003). Deste modo, a psicomotricidade deve ser encarada como uma gligenciada, ainda mais na idade do pré-escolar, pelo que não existem
educação corporal básica e um meio de expressão, opinião também muitos dados com os quais analisar os resultados obtidos e pelo que,
sublinhada por (Fonseca 2003), quando afirma que “é (…) pela sua devido à sua complexidade, envolve, por vezes, intervenções pouco
actividade psicomotora total, que a criança aprende vários tipos de claras e objectivas.
participação e realização social, e se apropria de tarefas lúdicas, es- Como recomendações para trabalhos futuros, destaca-se a necessi-
colares, culturais, etc.” dade de aumentar a amplitude da amostra, nomeadamente nas dife-
O conhecimento global do corpo e das suas partes representa um rentes faixas etárias, bem como a extensão a outras variáveis de es-
suporte fundamental para o acto de escrever, permitindo mecanismos tudo, o que permitirá dar continuidade a resultados mais específicos
sensoriais de “feed back” que monitorizam os movimentos. (Alston e na população considerada.
Taylor, 1987).

VM Fig Hum Equi CoordBil QualMov


80 VM Fig Hum Equi CoordBil QualMov
70 80
70
60
60
50 50
40 40
30 30
20 20
10
10
0
4,5-5 anos 4,5-5 anos 5-5,5 anos 5-5,5 anos 5,5-6 anos 5,5-6 anos
0
4,5 -5 anos 5- 5,5 anos 5,5 - 6 anos Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino
Género Feminino Variáveis

Gráfico 3. Comparação entre os diferentes grupos etários Gráfico 4. Comparação entre géneros nas diferentes faixas etárias
– Género Feminino

25 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: INVESTIGAÇÃO : LEX- LEGISLAÇÃODAEDUCAÇÃO

BIBLIOGRAFIA: Decreto-Lei n.º 15/2007 de 19 de Janeiro de 2007


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Viveiros de Castro. prejudica as actividades lectivas, mas contribui efectivamente
Silva, Elvira Cristina; Martins, Rui (2007) "Competências psicomotoras e capacidade grafomotora em crianças de idade pré-escolar", «Cadernos de Educação de Infância» 82: pp. 21-26

Boscaini, F. (2003). O desenvolvimento psicocorporal e o papel da Psicomotricidade. A Psico- para a aquisição e desenvolvimento de competências científicas e
motricidade, Vol. 1, n.º 2, 20 - 26. pedagógicas que sejam relevantes para o trabalho dos docentes
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Minnesota: American Guidance Service.
e particularmente para a sua a actividade lectiva.
Condemarin, M. & colaboradores (1986). Maturidade escolar. Manual de avaliação e desenvol- Contempla ainda e um regime transitório de integração na nova
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dizagem. (2.ª ed.). Lisboa: Âncora Editores.
Fonseca, V. (2003). O Corpo da Cultura: da evolução corporal à evolução cultural. A Psicomo-
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Para a regulamentação do Estatuto da Carreira Docente, o Conse-
Instrumental e o Relacional in Fonseca, V. & Martins, R.(Ed.), Progressos em psicomotricidade. lho de Ministros aprovou o projecto de decreto regulamentar que
Cruz Quebrada: Faculdade de Motricidade Humana (pp.29-40). define os mecanismos indispensáveis para a aplicação do novo
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Ministério da Educação.
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novos instrumentos que virão a ser utilizados para avaliação de
poration Harcourt Brace Jovanovich. Inc. desempenho dos educadores de infância (o Dec. Regulamentar e
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– uma prática preventiva e educativa. Porto Alegre: Artmed. no.sapo.pt)
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grau de criatividade e organização perceptivo-motora em crianças em idade escolar com e
sem actividades de tempos livres. Monografia não publicada, com vista à obtenção de diploma Despacho n.º 12 591/2006 de 16 de Junho de 2006
de estudos superiores especializados. Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich, Definição das orientações relativas às actividades de enriqueci-
Lisboa.
mento curricular
Silva, E.C. (2005). Estudo da relação entre algumas competências psicomotoras e a capaci-
dade grafomotora em crianças de idade pré-escolar. Monografia não publicada, com vista O presente despacho aplica-se aos estabelecimentos de educa-
à obtenção de Grau de Mestre em Educação Especial. Faculdade de Motricidade Humana / ção e ensino público nos quais funcione a educação pré-escolar e
Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. o 1.º Ciclo do ensino básico e define as normas a observar no pe-
Torres, R. & Fernández, P. (2002). Dislexia, disortografía e disgrafía. Amadora: McGraawHill.
Vygotsky, L.S., & Luria, A. R. & Leontiev (1977). Psicologia e Pedagogia I. Lisboa: Editorial
ríodo de funcionamento dos respectivos estabelecimentos bem
Estampa.
como na oferta das actividades de animação e de apoio à família
e de enriquecimento curricular.
1) Artigo publicado nas revistas “A psicomotricidade” (2005) n.º 5, da Associação Portuguesa
de Psicomotricidade e Ricerche e Studi in Psicomotricitá, Anno XIV n. 3, Deciembre 2006 Circular n.º 17/DSDC/DEPEB/2007 (Direcção-Geral da Inovação
e Desenvolvimento Curricular)
A Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular
em articulação com as Direcções Regionais de Educação e com
a Inspecção-Geral de Educação, concebeu o documento “Gestão
do Currículo na Educação Pré-Escolar - Contributos para a sua
Operacionalização”.
Este documento integra princípios sobre a organização curricular,
procedimentos a ter em conta na avaliação na Educação Pré-
Escolar, bem como questões relacionadas com a organização e
gestão da componente de apoio à família e a articulação entre a
Educação Pré-Escolar e o 1.º Ciclo do Ensino Básico.

26 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: FORMAÇÃOECONTRIBUTOS
CENTRO DE FORMAÇÃO DA APEI Acções de Formação Executadas - 2006/2007

ANO LECTIVO 2006/2007


2006/2007 Não Financ. 2006/2007 Financ.

32%
Isabel Maria Tomásio Correia . Directora do Centro de Formação da APEI 68%

Um olhar sobre a dinâmica formativa Como nos é dado a conhecer através dos
Quem escolheu ser professor [leia-se profissio- gráficos, o Plano foi constituído por acções Acções Não Financiadas - % de acreditação
nal de educação], escolheu a mais impossível, de formação financiadas pelo programa
mas também a mais necessária, de todas as PRODEP III e por acções não financiadas; Não Financiadas Não Financiadas
profissões. E sabe que não vale a pena acreditar incluiu acções acreditadas pelo Conselho Acreditadas Não Acreditadas
que podemos tudo, que podemos tudo trans- Científico Pedagógico da Formação Contí- 0% 20% 40% 60% 80% 100%
formar. Não podemos. Mas podemos alguma nua – CCPFC e por acções não acreditadas.
coisa. E esta alguma coisa é, muitas vezes, “a Constatamos que a maior percentagem de Acções Financiadas - programa PRODEP III
coisa decisiva” na vida das nossas crianças... acções executadas recai sobre formação não n.º Formandos assoc. não assoc.
António Nóvoa, 2007 financiada pelo PRODEP III e não acreditada
pelo CCPFC, o que nos leva a inferir que os 50
Concluído que está mais um ano lectivo formandos que frequentaram as acções de 40
(2006/2007), pretende-se com o presente formação não tiveram necessidade de crédi- 30
documento lançar um olhar sobre a dinâmica tos para progressão na carreira. 20
formativa promovida pelo Centro de Forma- O Centro de Formação tem âmbito nacional, pelo 10
ção da APEI. Impõe-se fazer o balanço do que tem vindo a desenvolver esforços, no senti- 0
Norte Centro L VT Alentejo
trabalho desenvolvido, bem como dos resul- do de dinamizar formação em todas as regiões.
tados alcançados, com base, essencialmen- Constata-se que os formandos não associados Acções não financiadas (dist. p/região e n.º formandos)
te, em dados recolhidos nos inquéritos que o têm uma maior representatividade, o que muito Lisboa V. Tejo Centro Algarve
Centro de Formação usualmente utiliza para nos apraz, pois é um indicador de que estamos 60
recolha de informação. Aproveitamos tam- a conseguir ir ao encontro de novos públicos, e
40
bém esta oportunidade para permitir a todos por conseguinte a “captar” novos Associados.
os Associados e leitores um olhar estatístico A formação realizada abrangeu todos os níveis 20
sobre os dados da formação realizada. de educação e ensino (Educação Pré-escolar,
0
Números são números. Muitas vezes é ne- 1.º, 2.º, 3.º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Se-
P.Socor.

LGP

Exp.Oral

Mat

G.Confl.

Aval.

sim

não
cessário ler para além deles, desocultando, cundário) levando a que um número cada vez
através de indicadores vários, o que verdadei- maior e mais diversificado de profissionais se Designação das acções Associado
ramente nos interessa. Tentaremos, sempre identifiquem e frequentem as acções propos-
que possível, fazer esse exercício, sendo cer- tas pelo Centro de Formação da APEI. Ateliers (acções de curta duração) 2007
to que nos é difícil manter o distanciamento A formação realizada também abrangeu Pes-
Atelier 01 A Atelier 2 Atelier 4 Atelier 5
necessário, por sermos actores interessados soal Não Docente (Auxiliares de Acção Educa-
20
e comprometidos no próprio processo. tiva), que com grande empenho da Direcção
16
Antes de mais, poderá referir-se que, no essen- da Associação, teve possibilidade de frequen-
cial, o plano no período em análise foi executa- tar formação neste Centro. Pena que os cortes 12
do na sua quase totalidade, sendo convenien- financeiros não tenham permitindo dinamizar 8
te (re)lembrar que a planificação da formação acções financiadas junto deste público. 4
é feita por ano civil e não por ano lectivo. Não Regozija-nos registar a consolidação da ima- 0
obstante, no início de um novo ano escolar, gem deste Centro de Formação junto do Pes-
Educadores

1º ciclo

sim

não
o.funções

estudante

consideramos pertinente dar a conhecer a di- soal Docente e que se tem vindo a alargar, de
nâmica formativa no ano transacto. forma crescente ao Pessoal Não Docente. Público Alvo Associado
Colocámos ao alcance dos profissionais de Gostaríamos ainda de salientar o elevado grau
educação uma oferta formativa diversificada, de satisfação final dos formandos, o reconhe- Aux. de Acção Educativa Região (Lisboa e Vale do Tejo)
tendo a mesma sido validada e reconhecida cimento do elevado potencial de aplicabilidade Não Associado
Associado
pelo número significativo de profissionais dos conteúdos da formação na actividade de
25
Nº de formandos

que aderiram. cada participante e do seu possível contributo 20


Os quadros e gráficos a seguir apresentados para a melhoria da qualidade da intervenção 15
traduzem a globalidade da actividade forma- educativa, nos contextos de trabalho onde os 10
tiva desenvolvida entre Setembro de 2006 e formandos desenvolvem a sua acção. 5
0
Agosto de 2007. 1os Socorros Quem conta… Desenvolvimento

27 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: FORMAÇÃOECONTRIBUTOS

A Biblioteca Escolar
Carlos Guardado da Silva

O presente artigo consiste numa breve reflexão e em simultâneo num testemunho do “vivido” Com a reforma geral dos programas e as
pelo Dr. Carlos Guardado, formador no centro de formação da APEI, na área das bibliotecas novas concepções e práticas pedagógicas
escolares. pós-25 de Abril, as BE adquiriram uma nova
Dinamizou duas acções de formação; “O Papel e Função da Biblioteca Escolar” na modalidade importância, multiplicando-se as referências
de curso, 25 horas, na Escola Superior de Educação de Leiria, ao longo dos meses de Março às mesmas, sobretudo a partir da Lei de Ba-
e Abril de 2007 e “Organização e Gestão de Bibliotecas Escolares”, na modalidade de oficina, ses do Sistema Educativo, de 1986.
50 horas, na Escola Básica 2, 3 D. João II nas Caldas da Rainha, ao longo dos meses de Abril, Mas as BE encontravam-se ultrapassadas, e já
Maio e Junho de 2007. não respondiam às necessidades das Comu-
nidades Educativas que visavam servir, quer
porque a sociedade mudou, quer porque o
próprio conceito de Biblioteca, e especifica-
mente da BE, mudou, alterando-se, conse-
quentemente, as necessidades e as expec-
tativas dos seus utilizadores, com destaque
para os alunos.

A Rede de Bibliotecas Escolares


No início de 1996, com a criação do Grupo
de Trabalho (Despacho Conjunto n.º 06/ME/
MC/96, de 09 de Jan.) para a avaliação do
estado das BE em Portugal, foi elaborado, no
prazo de três meses, o Relatório Rede de Bi-
bliotecas Escolares, propondo medidas para
a definição dos princípios e das bases das BE,
das linhas de orientação técnica e funcional,
assim como para o lançamento do Programa
Rede de Bibliotecas Escolares.
No que diz respeito aos princípios e bases das
BE, apontava-se para a necessidade de criar e
transformar as BE, num processo aberto e en-
dógeno, com novas técnicas e métodos de ges-
tão e organização, integrando-as no Processo
Educativo. Reconhecia-se à BE (e continua-se
O papel As origens a reconhecer!) um papel de motor de inovação
A Biblioteca Escolar (BE) adquiriu, nos últimos A sua origem remonta, pelo menos, ao século organizacional, com reflexos claramente positi-
anos, um papel e uma função centrais no pro- XIX, com a criação das bibliotecas nos no- vos na qualidade pedagógica total das escolas,
cesso de ensino-aprendizagem, contribuindo, vos liceus de Passos Manuel, Pedro Nunes e agora integradas em agrupamentos.
determinantemente, para o alcance de níveis Camões, em Lisboa, e do Liceu Nacional de Quanto às linhas de orientação técnica e
de excelência do ensino em Portugal. Braga. Trataram-se, porém, de actos isolados, funcional, estas debruçavam-se sobre os
O seu papel é, porém, distinto do das bibliote- conhecendo as BE um novo impulso, já na dé- Recursos Humanos, as instalações e os equi-
cas escolares tradicionais. De facto, parece-nos cada de 40 do século XX, com a criação de bi- pamentos, os recursos de informação, assim
possível efectuar uma abordagem às BE, tendo bliotecas em todos os liceus, mas ausentes das como o funcionamento e a dinamização.
por marco cronológico o ano de 1996 – um escolas técnicas. Todavia, para além das biblio- O Relatório Rede de Bibliotecas Escolares pro-
tempo antes e um tempo após a criação da tecas dos liceus mais antigos e de algumas em punha, também, a criação de uma estrutura
Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) – procu- capitais de distrito, com colecções mais ricas e coordenadora responsável pela elaboração e
rando avaliar o seu contributo efectivo para o melhor instaladas, as demais bibliotecas redu- execução do Programa de Instalação da Rede de
processo do ensino aprendizagem nos diversos ziam-se ao espaço de um(ns) armário(s) com Bibliotecas Escolares - Gabinete Coordenador da
estabelecimentos de ensino e, mais recente- livros, sem qualquer organização técnica e, na Rede de Bibliotecas Escolares – criado em 1996
mente, nos agrupamentos de escolas. maior parte das vezes, sem utilização. (Despacho Conjunto n.º 184/ME/MC/96).

28 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


O Gabinete encomendou, então, dois estudos investimento do país nas BE. Todavia, é ainda Em ambos os cursos, construíram-se mate-
sobre a formação dos professores responsá- necessário estender o programa a todo o ter- riais e instrumentos de suporte à organiza-
veis pelas BE, um da autoria de Rui Canário e ritório nacional, quando sabemos que o mes- ção, gestão, dinamização e comunicação da
Jorge Pais de Sousa – Formação especializa- mo não abrange as regiões autónomas, que informação das BE, tendo ocorrido a aplica-
da de professores responsáveis de bibliotecas existem alguns municípios sem qualquer escola ção autónoma dos mesmos, no contexto da
escolares – e outro elaborado pela Associa- integrada na RBE, assim como não abrange acção real dos formandos. Simultaneamente,
ção portuguesa de Bibliotecários Arquivistas ainda os Jardins de Infância, quando sabemos criaram-se dinâmicas de socialização das ex-
e Documentalistas (BAD) – Técnico-adjunto que é precisamente nas crianças em idade até periências, de implementação de mudança de
de Biblioteca e Documentação nas escolas aos seis anos (para não recuarmos ao período práticas profissionais, apoiadas em materiais
do ensino básico e secundário: pessoal não da maternidade!) que se adquire a faculdade adequados, produzidos pelos formandos em
docente. Em causa estava a formação dos de ler e se devem fomentar os hábitos de leitu- cada curso ou facultados para este efeito.
recursos humanos, talvez os recursos mais ra. O caminho a percorrer é igualmente longo, Os cursos de formação integraram a apre-
importantes para o funcionamento de uma apostando-se, cada vez mais, na elevação dos sentação do projecto desenvolvido individu-
BE, na medida em que eles são o verdadeiro padrões de qualidade dos serviços prestados, almente ou em grupo, ajustado à realidade
centro da qualidade na BE. numa maior integração das BE nos Projectos de intervenção, seguido de debate e refle-
Desde então, implementou-se o Programa da Educativos dos Agrupamentos de Escolas, na xão alargados sobre os resultados obtidos.
RBE, permitindo às BE, através da apresen- avaliação das BE e na qualificação dos recursos Elaboraram-se projectos de intervenção da
tação de candidaturas pelos diversos esta- humanos que integram ou deverão integrar as BE enquanto centro de dinamização cultu-
belecimentos de ensino e agrupamentos de equipas das mesmas. ral da Escola/Jardim de Infância, permitindo
escolas, a obtenção de apoio financeiro para a realização de propostas de protocolos e
obras de adaptação e/ou melhoria dos espa- A Formação parcerias com instituições nacionais e locais,
ços, a aquisição de mobiliário, equipamento A qualificação dos recursos humanos tem a realização de projectos de animação, a de-
informático e multimédia, e a aquisição, enri- recebido um idêntico apoio, nomeadamente finição de planos e de políticas de animação
quecimento e actualização da colecção. através da formação contínua oferecida aos e marketing, a elaboração de estudos acerca
A chegada da Internet às escolas contribuiu, colaboradores das equipas – docentes e não- das necessidades de informação/promoção
igualmente, para diversificar os serviços que docentes – tendo alguns centros de forma- de planos culturais e de intervenção ao nível
as BE ofereciam, nomeadamente a pesquisa ção disponibilizado diversos cursos dirigidos da promoção da leitura, do livro e da litera-
remota, a informação on-line, a oferta de aos profissionais das BE, complementando cia, a produção de instrumentos de difusão
serviços de referência Ask A (Pergunte ao a formação que alguns professores fizeram, da informação, a produção de instrumentos
bibliotecário), assim como, e de forma mais fruto de iniciativa individual, frequentando de dinamização e de animação, a produção
notória, aumentar consideravelmente a co- cursos de especialização em Ciências da Do- de materiais de marketing e de divulgação
lecção da BE. cumentação e da Informação – variante de dos projectos de dinamização das BE, as-
Biblioteca e Documentação, em instituições sim como a criação de diversos projectos,
O futuro de ensino superior. visando a implantação, organização e gestão
Feito este percurso, existe um reconheci- Objecto de candidatura em 2006, a APEI tem das BE. Os trabalhos desenvolvidos tiveram
mento crescente, por parte da comunidade uma intervenção nesta área, desde o início do como objectivo a implantação de uma nova
educativa (alunos, professores, não docen- ano, preferencialmente dirigida aos Jardins BE, biblioteca de Jardim de Infância ou a me-
tes, pais, encarregados de educação, eleitos de Infância e escolas do 1.º ciclo, mas não lhoria da existente, pensando sempre que «a
e comunidades locais), das funções informa- exclusivamente, tendo promovido diversos sociedade que investe na biblioteca escolar
tiva, cultural, educativa e recreativa da BE. cursos no âmbito da gestão e organização investe no seu próprio futuro» (Declaração
Testemunham-no os crescentes índices de de Bibliotecas Escolares e das Bibliotecas de Política da IASL sobre BE, 1993).
frequência das mesmas pelos alunos, os nú- Sala de Actividades / Jardins de Infância, não
meros relativos ao empréstimo domiciliário, contemplados pela RBE.
colocando as BE, na maioria das vezes, quer Em Leiria, teve lugar o curso sobre o papel BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA
no centro quer como o motor de importantes e a função da Biblioteca Escolar, nos meses CALIXTO, José António – A Biblioteca Escolar e a Sociedade
projectos educativos de escola. de Março e Abril, na Escola Superior de Leiria. da Informação. Lisboa: Caminho, 1996.
FUENTES ROMERO, Juan José – La Biblioteca Escolar. Ma-
Ao atingirmos, no final de 2007, cerca de 1880 Nas Caldas da Rainha, o curso organização e
drid: Arco, 2006.
escolas integradas na RBE, o balanço é clara- gestão da Bibiblioteca Escolar, entre Abril e PESSOA, Ana Maria – A Biblioteca Escolar. Porto: Campo das
mente positivo, testemunhando um verdadeiro Junho, que teve lugar na ANAE. Letras, 1994.

29 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


:BEMVISTASASCOISAS
Metas de desenvolvimento do milénio
Com os direitos de 65 milhões de meninas desatendidos e as Metas de Desenvolvimento do Milénio em perigo, uma mudança faz-se claramen-
te necessária. Mas ela é necessária em muitos níveis e não será obtida somente por meio de um maior número de matrículas. Para se eliminar
com êxito as barreiras que impedem as meninas de ter acesso à educação e conseguir concluir os estudos, as sociedades inevitavelmente terão
de lidar com factores fundamentais para a qualidade de vida de toda a comunidade. A educação de meninas está tão intrinsecamente ligada
a outros aspectos do desenvolvimento humano que fazer dela uma prioridade é também efectuar mudanças numa outra gama de frentes,
desde a saúde e o status da mulher até cuidados na primeira infância; desde nutrição, água e saneamento até capacitação comunitária; desde
a redução do trabalho infantil, e outras formas de exploração, até a resolução pacífica de conflitos.
Milhões de crianças dependem de nossas acções. Ter mais 65 milhões de meninas na escola, ao lado de milhões de meninos – cada um
aprendendo, crescendo e prosperando – dará novo fôlego ao desenvolvimento e ajudará a criar um mundo mais saudável, mais justo e mais
democrático, pelo qual lutamos há décadas.

Até 2015
1 Diminuir a extrema pobreza e a fome pela metade.
O número de pessoas que vive com menos de um dólar por dia e que tem fome deve diminuir pela metade.

2 Todas as crianças frequentarão a escola.


Todas as meninas e meninos receberão educação.

3 As meninas e as mulheres terão educação e garantias.


Mulheres e meninas não poderão ser discriminadas e sua autonomia será garantida. As meninas terão as mesmas chances de educa-
ção que os meninos. A desigualdade na educação entre meninos e meninas deve desaparecer por completo antes de 2005.

4 A mortalidade infantil diminuirá em dois terços.


Todos os anos 11 milhões de crianças menores de cinco anos morrem vítimas principalmente de doenças comuns fáceis de serem
curadas, como a diarreia e a gripe.

5 A mortalidade materna diminuirá em três quartos.


Muitas mães morrem de parto nos países pobres.

6 O HIV/AIDS e a malária serão combatidos. Aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo são portadoras do HIV/AIDS.

7 O mundo garantirá um desenvolvimento sustentável.


Todos os países trabalharão para um desenvolvimento sustentável, isto é, que o meio ambiente suporte. O desperdício dos recursos da
natureza diminuirá e o meio ambiente será protegido. Até 2015, a metade de um bilhão de pessoas que hoje não possui água potável
terá acesso à água potável.

8 Uma parceria justa pelo desenvolvimento será estabelecida.


Haverá uma cooperação entre países pobres e ricos. Todos os países ricos aumentarão suas contribuições em no mínimo 0,7 por cento. Leis
de comércio justas que dão vantagens aos países mais pobres serão estabelecidas. Os países pobres com grandes dívidas serão ajudados.

Para mais informação: www.unicef.org, http://www.ipad.mne.gov.pt, www.undp.org

...e porque a fotografia é um óptimo instrumento de trabalho, que deve ser potencializado, os Cadernos de Educação de Infância
organizam este espaço dedicado à divulgação de trabalhos fotográficos dos associados e de outros interessados.
Envie-nos o seu contributo para APEI - Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, piso 0, 1070-023 Lisboa

30 Cadernos de Educação de Infância nº82


nº77 .Dez/07
Mar/06
:BEMVISTASASCOISAS

...e porque a fotografia é um óptimo instrumento de trabalho, que deve ser potencializado, os Cadernos de Educação de Infância
organizam este espaço dedicado à divulgação de trabalhos fotográficos dos associados e de outros interessados.
Envie-nos o seu contributo para APEI - Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, piso 0, 1070-023 Lisboa

31 Cadernos de Educação de Infância nº82


nº77 .Dez/07
Mar/06
APEI FICHA DE ASSINANTE E ASSOCIADO
A Associação dos Profissionais de Educação de
Infância (APEI) foi criada em 1981. Desde o seu ASSINANTE CEI E / OU INFÂNCIA NA EUROPA (REVISTA EUROPEIA)
início que se tem constituído como um espaço Nome Completo
de encontro congregador dos profissionais de Morada
educação de infância em todo o país, contribuin- C.P. Localidade Concelho
do para a dignificação deste grupo profissional. Distrito Telefone Telefax
Através das suas acções e iniciativas, a APEI é Telemóvel E-mail
um importante centro de formação e informa- pago por transferência Bancária
ção. Enquanto associação profissional, a APEI À Gerência do Banco Balcão/Dependência de
tem como fins: promover a informação e for- Agradeço que, até notificação em contrário, procedam à liquidação, por débito na minha conta bancária abaixo indicada, dos valores apresentados
mação contínua dos seus associados; estimular pela Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), referente à Assinatura da revista Cadernos de Educação de Infância.
o desenvolvimento de práticas pedagógicas, as- Nome:
sim como a sua divulgação; desenvolver acções Morada:
conjuntas com associações similares ou que C.P. Localidade
exerçam actividades no campo da educação, NIB
sejam nacionais, estrangeiras ou internacionais; Assinatura (igual à de cliente bancário)
colaborar com entidades oficiais ou particulares,
pago por cheque nº , no valor de euros sobre o Banco que junto envio.
na promoção da Educação de Infância, esfor- Os dados recolhidos são processados automaticamente e destinam-se a ser utilizados apenas para processamento interno da APEI. O seu acesso e respectiva rectificação é garantido a todos os interesados
çando-se por participar, como parceiros sociais,
na política nacional de educação e defender os
ASSOCIADO
interesses dos associados, no âmbito da sua ac-
tividade profissional, com exclusão das reivindi- Nome Completo
cações de natureza especificamente sindical. Morada
C.P. Localidade Concelho
Distrito Tel. Fax Tlm.
Condições Gerais
E-mail Cont. nº
BI nº de __ /__ /__ Arq. Ident. de Data Nascimento __ /__ /__
Associados
Podem ser associados efectivos da APEI todas Categoria: Educador de Infância Ano de Formação
as pessoas singulares que forem “... educado- Escola de Formação
Outro Qual?
res de infância ou outros profissionais ligados à
educação de infância, estes últimos requerendo Actividades relevantes no âmbito da Educação de Infância
deliberação favorável da Direcção.” - ponto 2 do Habilitações: Bacharelato Licenciatura Outro?
Artº 4º do II Capítulo dos Estatutos da Associa-
ção dos Profissionais de Educação de Infância. Entidade Empregadora: Ministério Qual?
Através do correcto preenchimento da ficha de Ensino Particular e Cooperativo IPSS Privado Outro
inscrição (em anexo) poderá constituir-se como
Função que Exerce: Trabalho Directo com Crianças Coordenação/Direcção
Associado da APEI.
Apoio Educativo Técnico Pedagógico
Ser associado da APEI implica receber gratuita- Formação Investigação
mente os CEI e a Revista Europeia, toda a in- Outra
formação disponibilizada pela APEI (InformAPEI,
promoções, legislação, etc.), poder participar nos Local onde Exerce: Creche Apoio a Amas Jardim de Infância
ATL Biblioteca Ludoteca
Encontros Nacionais e Regionais, poder frequen-
Internato Museu Outras
tar acções de formação no âmbito do seu Centro
de Formação, bem como beneficiar de descontos Morada
e promoções que a APEI estabelece com parcei-
ros científicos e comerciais, entre outras. COMO TOMOU CONHECIMENTO DA APEI? A preencher pelos serviços
O pagamento da quota de associado (de 11¤ / Por outro associado Pela revista CEI Data de admissão/recepção:
trimestre no ano 2007) é efectuado por Débito Em encontros profissionais Era assinante da revista
em Conta Bancária (deliberação da Assembleia Por divulgação na escola de formação Através da Delegação APEI Quem angariou?
Geral Ordinária de Janeiro de 1999), a partir do Em acções do Centro de Formação Norte
trimestre em que é feita a sua inscrição. Em outras actividades Centro Via de recepção:
Na página web Sul
Assinantes
A APEI publica 2 revistas: os CEI (3 números/ano) À Gerência do Banco Balcão/Dependência de
e a Infância na Europa (2 números/ano). A assi- Agradeço que, até notificação em contrário, procedam à liquidação, por débito na minha conta bancária abaixo indicada, dos valores
natura (inclui portes do correio) pode ser simples apresentados pela Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), de acordo com o aprovado na Assembleia Geral de
(CEI ou IE) ou conjunta (CEI + IE). Associados, a cada dia 30, dos meses de Março, Junho, Setembro e Dezembro.
O custo da assinatura simples dos CEI é de
A debitar na conta de
16,50¤ (Portugal) e 20,00¤ (estrangeiro) e a da
Morada
IE é de 13,50¤ (Portugal) e 20,00¤ (estrangeiro). C.P. Localidade
A assinatura conjunta das duas revistas custa NIB
28,00¤ (Portugal) e 33,00¤ (estrangeiro).
O pagamento por transferência bancária é re- Assinatura (igual à de cliente bancário)
novável automaticamente, salvo se o assinante
comunicar expressamente a anulação da assi- ESPAÇO RESERVADO AOS SERVIÇOS. NÃO ESCREVER ESPAÇO DESTINADO AO BANCO
natura junto da sua instituição bancária.
Associado nº Confirmamos número de conta e assinatura
Para mais informações contacte:
Confirmamos tomada de nota destas instruções
APEI - Departamento de Associados
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Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, Piso 0
1070-023 LISBOA Pela APEI Por:
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E-mail. apei@mail.telepac.pt Os dados recolhidos são processados automaticamente e destinam-se a ser utilizados apenas para processamento interno da APEI. O seu
Nota: Poderá fotocopiar esta página da Revista e enviar a fotocópia acesso e respectiva rectificação é garantido a todos os interessados, devidamente reconhecidos para tal.
devidamente preenchida
: VAMOSFALARDE...

Por uma educação da sensibilidade


Flávia Julião . Gerente de Educação Básica e Inclusão da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte de 2001 a 2005

Um dos desafios postos para a educação infan- acontecimento entre acontecimentos, constru- o processo de conhecimento do ser humano,
til é a elaboração de projetos pedagógicos que ção cultural entre construções. principalmente na infância, período de consti-
contemplem a formação integral das crianças Um exemplo é o engatinhar, quase sempre tuição da função simbólica.
com as quais actuamos. Para contribuir nesse visto como uma preparação para o andar. Mas A música, por exemplo, é uma das formas de
debate, proponho aqui uma reflexão sobre a para a autora esse é um acontecimento em que expressão artística que mais une os indivíduos.
educação da sensibilidade, o que implica co- a criança constrói um novo lugar no mundo, no A cantiga de ninar é algo comum a muitos seres
locar a criança no centro de todas as acções qual, nas suas relações espaciais, se produz um humanos em várias culturas. Ser embalado é
educativas, sendo em torno da sua realidade, determinado olhar e uma consciência dos es- uma das primeiras experiências de movimento
da sua cultura e das suas necessidades que paços sociais. que a criança vivencia, e a cantiga contém rit-
deve ser pensado as acções pedagógicas. Ver a infância como acontecimento é percebê-la mos que o indivíduo conhecerá e reconhecerá a
Ao enfatizar a criança no projecto educativo, construindo uma cultura própria, a cultura in- vida toda. Um outro exemplo são as artes plás-
parte-se de uma determinada compreensão fantil, ou seja, é reconhecer a complexidade e as ticas: pintar um quadro, desenhar ou esculpir
sobre a infância, que não se reduz a um dado especificidades das suas manifestações. Picasso, funciona como elemento organizador do real,
da natureza, mas sim como uma construção o pintor espanhol, já afirmava: “Levei 20 anos como forma de narrar o quotidiano e socializar
histórica e cultural. A criança deixa de ser vis- para pintar como Rafael e toda uma vida para essa narrativa com os outros indivíduos.
ta como um dado universal, se constituindo pintar como criança”. Ele aponta a complexidade É necessário ressaltar as implicações directas
como uma criação sociocultural. Não existe plástica da pintura infantil, que é uma das refe- dessas considerações para a educação infantil.
infância, mas infâncias. rências para a arte moderna. Reconhecer a cul- A arte deve ser vista como um recurso educa-
A infância como uma construção cultural foi, tura da criança é reconhecer que o infantil não é tivo para a construção do saber e, como tal,
e é, influenciada por uma determinada leitura a mesma coisa do infantilizado. O que queremos deve ser utilizada. Não deve ser reduzida a uma
que se produziu sobre o tema. A teoria dos sugerir é a necessidade de superar uma perspec- forma lúdica de preencher lacunas ou tempos
estágios do desenvolvimento cognitivo, de um tiva etapista e infantilizadora da infância, apre- vagos, numa perspectiva muito comum de ins-
lado, contribuiu para conhecermos as diferen- endendo a criança como sujeito social, produtor trumentalizar a arte. O fazer artístico na insti-
tes fases do conhecimento. Mas, por outro e produto da cultura, que na singularidade da tuição educacional tem muito a contribuir para
lado, veio reforçar uma concepção etapista, ou sua experiência constrói uma cultura própria. a constituição e o exercício de procedimentos
seja, colocou o desenvolvimento humano numa Mas qual seria a singularidade dessa cultura? O cognitivos que estão ligados à construção do
forma universal, como se qualquer criança, em conhecimento existente sobre a infância nos conhecimento. É uma situação de interacção
qualquer lugar, passasse pelas diferentes eta- mostra várias características da cultura infantil. entre o indivíduo e o objecto de conhecimento
pas ao mesmo tempo e da mesma forma. Há Entre elas, podemos citar: a imitação como uma culturalmente acumulado (LIMA, 2003). Desta
uma tendência em vê-la vivendo um período no operação complexa, que é fundamental para a forma, a música, a dança ou a história da arte
qual deveríamos intervir para fazê-la chegar a introjecção da realidade; a imaginação, que é deveriam ser trabalhadas com as crianças des-
um outro posterior. Essa concepção traz o ris- o mecanismo básico de apreensão do mundo; de cedo, constituindo um dos conteúdos do
co de compreendermos a criança sob o ângulo a repetição, que permite à criança experimen- currículo. Acreditamos, assim, num processo
das etapas, não valorizando o momento real, tar suas emoções e elaborar suas vivências ou educativo que trabalhe a totalidade da criança,
concreto, no qual ela está situada. mesmo o grupo de pares por meio do qual vai tendo na educação da sensibilidade uma das
Com isso, não enxergamos a criança como aprendendo a arte de viver colectivamente, en- suas principais estratégias.
sujeito real, com demandas e necessidades tre outras características. Para finalizar, é importante lembrar, com Nilton
próprias do seu tempo. É necessário ques- Nesse contexto, investir na educação das sen- Fischer, que as propostas pedagógicas deve-
tionar essa ideia da criança como um ser que sibilidades é um dos desafios para os educa- riam conter uma única frase: “toda criança de-
já traz em si o futuro adulto, futuro esse que dores infantis. OSTROWER (1986) nos diz que verá ser feliz na escola!” E o que faz uma crian-
vai chegar a partir de uma continuidade de todo ser humano nasce com um potencial de ça feliz na escola é deixá-la brincar, desenhar,
estágios já pré-definidos e traçados. sensibilidade que precisa ser desenvolvido. En- cantar, pintar, esculpir ou dançar. Acredito que
Sugerimos aqui uma outra ideia a partir das tendemos, assim, que a sensibilidade é a porta deve ser essa uma das tarefas dos profissionais
reflexões de GOUVÊA (2003). NO seu texto, de entrada das sensações, ou seja, é através que actuam com a educação infantil.
a autora nos fala da necessidade de conside- dos diferentes sentidos, como o tacto ou a
rarmos a infância como um acontecimento, visão, que estabelecemos relações com o mun- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ou seja, “como vivências descontínuas, que do. Educar para a sensibilidade significa desen- GOUVÊA, Maria Cristina Soares. Infância: entre a anteriorida-
marcam rupturas, que não se sucedem, mas volver a capacidade da criança de apreender o de e a alteridade. Belo Horizonte: UFMG, 2003 (mimeo)
LIMA, Elvira Souza. A criança pequena e suas linguagens. São
se confrontam”. Sugere pensar a infância não mundo que a rodeia. Para isso, um dos meios
Paulo: Sobradinho,2003 (Coleção Criança Pequena).
como degraus de uma escada cujo ápice seria mais importantes é a arte. LIMA (2003) nos OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Pe-
o adulto, mas como camada entre camadas, lembra que a arte tem uma relação íntima com trópolis: Vozes,1986. 5ª edição

33 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ARTIGO

“Profissão professor - cientista criativo”


Desenvolvimento Profissional e Educação Inclusiva
Ana Rosa Trindade . anarosa.trindade@gmail.com

“A escola converte-se, hoje, numa comuni- se situa, começou a questionar-se o sistema ge-se alguma continuidade entre as práticas
dade de vida e de aprendizagem, num es- como o centro do problema. passadas, as presentes e futuras.
paço de cultura e formação, onde se apren- Ambos os esquemas que se seguem colocam Para isso têm-se desenvolvido esforços que
dem os conceitos, procedimentos e valores o aluno no centro, mas as variáveis que in- promovem novas formas de organização da
da experiência humana, através da troca de fluenciam a sua aprendizagem são de natu- escola, têm surgido investigações sobre os
significados e de vivências com os colegas e reza diferente, sendo no primeiro esquema factores favoráveis ao sucesso da aprendi-
adultos. Assim, aprende-se ao mesmo tem- atribuídas a limitações pessoais e no segun- zagem e essencialmente tem-se procurado
po que se vive e vive-se ao mesmo tempo do a limitações do sistema educativo (Adap- desenvolver e aperfeiçoar a formação de
que se aprende”. tado de Costa, et al 2006). professores de forma a transformar as suas
Pérez Gómez, 1995 Começamos, então, a assistir a um movi- atitudes e a promover a mudança das práti-
mento em que o enfoque do problema é co- cas sem que percam as suas referências, pois
A escola do novo século herda do passado o locado no contexto escolar e não nos alunos. a inovação implica um equilíbrio cuidadoso
paradigma da homogeneidade e com ele um Desta forma, torna-se urgente reestruturar entre a salvaguarda do que existe e a mu-
conjunto de variáveis que constituem, em si- as escolas de modo a que reconheçam a di- dança.
multâneo, uma volumosa preocupação e um ferença e a diversidade como um factor de
permanente desafio. Os desafios da escola enriquecimento e de desenvolvimento. Escola - organização onde os professores
actual têm a ver com aquilo que a sociedade Em termos políticos, pede-se à escola que, e os alunos aprendem… em conjunto:
espera da escola - um é de carácter socio- aliada à massificação do ensino, garanta a “Não é possível prescrever o que se tem de
lógico, outro cultural, outro operacional e o permanência dos alunos nos seus estabele- mudar, quanto mais complexa é a mudança
último enquadra nos anteriores e tem a ver cimentos e que assegure a massificação do menos poderá ser forçada; a mudança tem
com o papel do professor. sucesso educativo. Para enfrentar este de- de ser apropriada e construída pelas pesso-
Ao longo dos tempos, uma grande mudança safio apresenta-se-nos um triplo problema: as nas complexidades dos contextos. A utili-
nos papéis e funções dos professores tor- por um lado não podemos permanecer como zação de dispositivos facilitadores e de con-
nou-se, assim, urgente a definição de uma estamos; mas, por outro, não podemos dições estimuladoras e de suporte individual
matriz básica para que os diversos profissio- construir uma escola nova sobre alicerces e colectivo é condição indispensável.”
nais tenham uma linha de acção comum e arcaicos e conservadores; e, por outro, exi- Fullan, 1993 (in Alonso,2000)
desenvolvam um trabalho cooperado. Este
não se pode resumir a ser “técnico” ou “fun-
Esquema 1 Não responde
cionário” (Rodrigues, 2006, p. 79), mas sim Não consegue aprender
um profissional versátil, criativo, autónomo,
capaz de desenvolver planos de intervenção Precisa de professores especiais Tem necessidades especiais
em condições muito diversificadas - trans-
A criança
formar-se num cientista capaz de enfrentar
Precisa de um ambiente especial como Precisa equipamento especial
todos os desafios que a escola actual lhe
coloca. problema
A conceptualização de educação inclusiva É diferente das outras crianças Não pode ir para a escola
não pode ser vista separada desta pano-
râmica geral de escola, que corresponde a
Esquema 2
uma ruptura com os valores tradicionais e Atitudes dos professores
aparece em sequência de uma insatisfação
generalizada com os métodos, estratégias e Métodos rígido
Formação pouco adequada
metodologias da escola tradicional, que dei- Currículo rígido
xava de fora os alunos com características A criança
Falta de ajuda técnica como
individuais de natureza física, psicológica, e equipamento
Ambientes inacessíveis
cognitiva, étnica e cultural. problema
Na perspectiva tradicional, as diferenças Elevado abandono escolar
Falta de desenvolvimento dos pais
e repetência
individuais eram vistas e sentidas como um
problema do aluno. Actualmente e tendo em Falta de apoio às escolas
conta o contexto ecológico em que aquele e aos professores

34 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


A educação inclusiva tal como a concebemos processo de mudança de mentalidades para ciais numa perspectiva de escolarização
hoje contempla a diferença como inerente que o acto educativo seja cada vez mais um de todos;
a todo e qualquer aluno. É uma concepção acto para todos. Assim deverão ser dadas • Mudanças ao nível da natureza e da
educativa que reconhece a diversidade para novas oportunidades aos professores de estrutura do currículo, tornando-o am-
promover uma verdadeira igualdade e preve- modo a que explorem novas formas de de- plo, flexível, equilibrado e aberto dando
nir a exclusão escolar, social e profissional. senvolverem a sua prática e implicar a sua resposta à diversidade e promovendo a
Uma escola que se pretende inclusiva é, en- participação em novas possibilidades de ac- igualdade de oportunidades;
tão, uma instituição educacional que consi- ção - encorajá-los à experimentação, à refle- • Mudança nos modelos de apoios indivi-
dera a totalidade dos alunos independente- xão crítica de modo a que se sintam seguros duais aos alunos munindo o docente do
mente das suas diferenças, que promove a ao dar resposta aos desafios que a escola regular com instrumentos e conhecimen-
cooperação entre professores, que respeita actual lhe apresenta. tos, e com a ajuda de recursos humanos,
os ritmos e estilos de aprendizagem dos Há que implementar uma consciência colec- materiais e financeiros capazes de dar
alunos e que acolhe e gere a diversidade de tiva de que a escola tem de sofrer um pro- resposta à diversidade.
interesses, motivações e expectativas, são cesso de mudança para se transformar uma
escolas que têm uma gestão pedagógica co- escola de qualidade. Alguns autores têm tido Podemos também fazer referência aos dez
ordenada que propicia um planeamento con- a preocupação de enumerar quais os fac- elementos críticos para a criação de comuni-
junto dos programas, uma implementação tores que contribuem para a qualidade nas dades de ensino inclusivo e eficazes identifi-
compartilhada e uma avaliação exigente. escolas. cados por Schaffner e Buswell (1999)
Constata-se, actualmente, e com uma certa Marchesi & Martín, em 1998, definiram al- • 1.º Elemento – desenvolvimento de uma
frequência, na prática diária, uma certa difi- guns critérios para identificar uma escola de filosofia comum e um plano estratégico
culdade por parte dos professores em olha- qualidade. Eles são questões que devem ser baseado numa educação de qualidade
rem os alunos como seres diferentes, logo, colocadas à escola. A escola, para todos;
necessitando de pedagogias diferenciadas • Potencia o desenvolvimento das capaci- • 2.º Elemento – proporcionar uma lideran-
para obter resultados semelhantes. dades cognitivas, sociais, afectivas, esté- ça forte, isso é o Conselho Executivo deve
Há também dificuldades em considerar o ticas e morais de todos os alunos? reconhecer as suas responsabilidades
aluno inserido num meio ecológico onde há • Estimula a participação e satisfação de e garantir as tomadas de decisão. Deve
uma série de factores que se inter-relacio- toda a comunidade educativa? promover formação para promover novas
nam e que interagem com o aluno determi- • Promove o desenvolvimento profissional práticas e ajudar a escola a manter-se
nando todo o seu percurso escolar numa di- dos professores? como comunidade;
nâmica de influências e não apenas centrar o • Considera as características dos alunos e • 3.º Elemento – promover culturas que
processo de ensino/aprendizagem no aluno o seu meio sócio-cultural? acomodem a diversidade, pois a escola é
e nas suas características individuais. um reflexo da sociedade e deve promover
No entanto, quando se pede uma implicação Segundo Bairrão et al (1998), as condições o respeito pela diversidade de alunos que
prática do professor de modo a desenvolver que favorecem a construção de uma escola a frequenta;
estes valores e a promover uma pedagogia inclusiva são: • 4.º Elemento – Desenvolver redes de
centrada no êxito do aluno denota-se uma • Mudanças jurídico-legislativas que garan- apoio, isto é, formar uma equipa de apoio
certa resistência à mudança e à inovação, tam concretamente “uma escola melhor que reúna para planificar, preparar maté-
e permanece-se numa luta interna que, por para todos”, nomeadamente alterações rias, tomar decisões;
vezes de forma inconsciente, se torna o obs- no sistema educativo, privilegiando a • 5.º Elemento – Usar processos delibe-
táculo ao avanço da escola actual. diversidade ao longo de todas as etapas rativos para garantir a responsabilidade,
Esta resistência traduz-se na insegurança e educativas; como o processo de inclusão é contínuo
na instabilidade que se vive no meio educa- • Mudanças organizativas e de gestão ao a sua monitorização deve ser eficiente e
cional resultante das mudanças repentinas nível das escolas, baseadas em critérios, efectiva para todos os alunos;
que “obrigam” os professores a abandonar estratégias e condições que assegurem • 6.º Elemento – Desenvolvimento da as-
saberes e culturas implantados pelos valores um projecto educativo único enquanto sistência técnica organizada e contínua,
da escola tradicional e estar abertos aos va- processo e não produto; pois quando a posposta de mudança se
lores da escola actual. • Mudanças ao nível pessoal do professor e afasta muito das práticas tradicionais os
Parece-nos chegado o momento de reflectir de outros intervenientes; professores podem sentir-se carentes de
um pouco nas directrizes facilitadoras deste • Apoio aos alunos sem necessidades espe- formação, daí a necessidade de avaliações

35 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ARTIGO

regulares das necessidades para identifi- E poderemos também fazer referência a ou- lidade, orientado por princípios e finalidades
car os tipos e conteúdos de assistência tras experiências desenvolvidas em Portugal que dão sentido e coerência às decisões, ba-
técnica mais necessária e urgente; e noutros países que conseguiram identificar seado no diagnóstico das necessidades, ba-
• 7.º Elemento – Manter a flexibilidade, uma série de pontos-chave que acompa- seado numa planificação e gestão participa-
para se incluir a todos, a escola deve ser nham e sustentam a melhoria das escolas. da, articulado em torno de questões pessoal
flexível e aberta à diferença; Eles são: e socialmente relevantes, concretizado com
• 8.º Elemento – Examinar e dotar aborda- • Trabalho colaborativo entre professores e base em actividades integradoras, significa-
gens de ensino efectivas e diversificadas, uma comunicação efectiva entre estes e tivas e contextualizadas na experiência dos
pois os alunos não aprendem da mesma o Conselho Executivo; alunos e que integre a avaliação e a investi-
maneira, nem têm os mesmos ritmos e • A resolução conjunta de problemas; a gação como elemento de enriquecimento e
estilos de aprendizagem; gestão dos tempos de partilha para aná- desenvolvimento do projecto.
• 9.º Elemento – Comemorar os sucessos lise e discussão de práticas encarando a Quando falamos de formação não podemos
e aprender com os defeitos pois um insu- aprendizagem como um processo contí- esquecer de que ela é o «motor» de desen-
cesso é sempre uma nova oportunidade nuo em permanente aperfeiçoamento; volvimento de uma certa comunidade, de
para a melhoria; • A liderança partilhada, sendo os elementos um certo grupo e que os saberes adquiridos
• 10.º Elemento – Estar a par do processo internos da escola a assumir a liderança ao longo da vida de uma pessoa têm de ser
de mudança, mas não permitir que ele na criação e implementação de planos de reconhecidos e valorizados e sempre que
paralise, isto é, a mudança não ocorre de desenvolvimento e a existência de um ele- possível enquadrados no contexto em que
um momento para o outro, mas sim em mento externo – denominado amigo críti- o adulto se encontra integrado. A experi-
pequenos avanços (e por vezes alguns co, capaz de olhar a realidade escolar com ência, independentemente da área em que
recuos) e a aceleração do processo pode maior distanciamento poderá constituir um nos situamos, é um factor muito importante
fazer com que os indivíduos rejeitem as contributo valioso no apoio à mudança; no percurso de qualquer profissional desde
novas práticas e sabotem os esforços da • E por último estabelecer uma rede de que seja um processo reflexivo a fim de evi-
mudança. apoio entre escolas para favorecer a tar «conformismos» que levam a quebras de
sustentabilidade das práticas educativas qualidade na educação.
Salmons, Hillman e Mortimer cit por Rodri- (Caldeira, E. et al, 2004). A escola é habitualmente pensada como o
gues (2001) identificam características nas local onde os alunos aprendem e os pro-
escolas promotoras de sucesso, elas são: Uma última publicação do Professor Luís fessores ensinam. Esta é, sem dúvida, uma
• Uma liderança profissional forte da ges- Miranda Correia (2005) também nos fala dos ideia simplista, não apenas os professores
tão da escola; princípios gerais para a construção de esco- aprendem como aprendem aquilo que é
• Uma análise dos objectivos partilhada en- las inclusivas, eles são: verdadeiramente essencial: a sua profissão.
tre os profissionais; • O sentido de comunidade; Exemplo disso é o resultado de um projecto
• Um ambiente de escola que valorize a • A liderança; desenvolvido nalgumas escolas portuguesas
aprendizagem de todos; • A colaboração e cooperação; e relatado no manual “Aprender com a Diver-
• Professores empenhados na melhoria do • Flexibilidade curricular e serviços; sidade – um guia para o desenvolvimento da
ensino; • Formação; escola” editado pelo Alto Comissariado para
• Altas expectativas dos professores face • Serviços de Educação Especial; a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME).
aos alunos; • Apoios Educativos. O referido projecto organizou-se a partir da
• Professores que reforçam positivamente aplicação dos questionários do “Index for
os progressos dos alunos; Como verificamos, é sobejamente referen- Inclusion” dirigidos a toda a comunidade es-
• Controlo individual próximo dos alunos e ciado na literatura quais os factores que le- colar e de onde resultou a identificação das
a avaliação é usada para a planificação; vam à construção de escolas de qualidade; barreiras à inclusão, ao nível da cultura, polí-
• Os direitos e responsabilidades dos alu- no entanto, a evolução a que temos assisti- ticas e práticas, e a partir iniciou-se um pro-
nos são reconhecidos; do é, por vezes, tão rápida que deixa pouco cesso de resolução conjunta de problemas.
• Existem boas relações entre a escola e a espaço para a reflexão e discussão das impli- Ora, cada vez mais os professores têm de
família; cações geradas pela própria mudança. desenvolver processos que promovam a aná-
• A escola é uma organização onde todos Cabe-nos a nós, enquanto profissionais, lise de contextos, a colaboração, a liderança
aprendem em conjunto – alunos e pro- construirmos um projecto curricular integra- partilhada e a aprendizagem através da ac-
fessores. do com características de abertura e flexibi- ção em contextos reais de formação.

36 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


Desta forma, na organização – escola – o o uso de recursos existentes no espaço A vantagem dos modelos de apoio centra-
professor é, simultaneamente, chamado a da escola; dos na própria escola parece ser inegável,
desempenhar o duplo papel de formador e • 2.º Nível – pressupõe a troca de conhe- mas este modelo implica necessariamente
de formando. Interessa, então, criar espaços cimentos e ideias, pode contribuir para um alargamento do papel do professor de
e oportunidades de formação devidamente um certo ajustamento de linguagens e de Educação Especial como sendo um recurso
integrados na vida real dos espaços educati- referentes; da escola na sua globalidade, permitindo-lhe
vos, nas suas dinâmicas próprias que são as • 3.º Nível – existe a partilha das práticas e, o acesso directo aos vários agentes de ensi-
da nossa escola e não de outra, tal como diz eventualmente, a sua colaboração para o no e órgãos de gestão com quem se deverá
Nóvoa (cit Aguiar, 1999), “a formação não desenvolvimento de processos interdisci- articular regularmente diversificando a sua
se constrói por acumulação, mas sim através plinares; acção pedagógica (Vieira, M. 2000).
de um trabalho de reflexividade crítica sobre • 4.º Nível – configura um verdadeiro tra-
as práticas e de reconstrução permanente balho de equipa, caracterizando-se por Este modelo está patente no relatório
de uma identidade pessoal” e Patrício (cit. uma co-responsabilização por parte de Promoção da Educação Inclusiva em Por-
Canário, 1999) diz “ser-se permanentemente todos os professores. tugal: Fundamentos e Sugestões (Costa, e
educador é ser-se permanentemente edu- tal, 2006 a), que preconiza a continuidade
cando e vice-versa”. Este último ponto pressupõe que a colabo- ou desenvolvimento de equipas de apoio
ração faça parte das competências profissio- centradas nas escolas ou agrupamentos,
Preconiza-se ver esta filosofia de formação nais dos professores, nomeadamente par- denominados serviços de primeira linha -
implementada nas escolas no sentido de tilha de problemas e melhoria da qualidade com as seguintes funções:
proporcionarmos, aos professores, a vivência do ensino e das aprendizagens dos alunos. • Aconselhamento e ajuda aos colegas da
de uma nova reconfiguração profissional de A construção de uma escola para todos cen- escola
que nos fala Canário (1999), o professor é: tra-se na melhoria da gestão do currículo ao • Intervenção directa em colaboração com
• Um analista simbólico que está sempre nível da implementação de metodologias ac- os colegas do ensino regular;
a experimentar, que trabalha em equipa, tivas, cooperação entre alunos, construção • Atenuação ou superação das barreiras
que elabora conceitos e estratégias, que de materiais de suporte às aprendizagens, que dificultem a aprendizagem dos alu-
contrapõe o modelo escolar baseado na trabalho cooperativo entre professores e na nos – apoio à gestão e flexibilização do
memorização, repetição e na competição; diversificação de medidas institucionais. currículo e avaliação;
• Um artesão, mais do que um produtor Nesta dinâmica não poderemos esquecer a • Na diversificação das estratégias de sala
de práticas o professor é um reinventor importância do papel dos Conselhos Execu- de aula.
de práticas, reconfigurando-as de acordo tivos como elementos de gestão e órgãos
com as especificidades dos contextos e de decisão face ao desenvolvimento pro- São estes os desafios da escola actual
dos públicos, fissional dos professores dentro da escola, – inovação e desenvolvimento de práticas
• Um profissional de relação, a relação do que podem constituir-se como aliados, mas inovadoras e contextualizadas, onde a pe-
acto educativo não pode ser ensinada, também igualmente como obstáculos a um dagogia do ensino se transforme numa pe-
mas apenas apreendida nas dimensões processo de mudança e inovação (Caldeira, dagogia da aprendizagem para professores
intelectual e afectiva; et al, 2004). e alunos!
• Um construtor de sentido perante a di- Como é do conhecimento geral, trabalhar
versidade de que a escola é alvo, o pro- só com os alunos não se provoca mudança Considerações finais:
fessor não pode ser um mero transmissor e inovação. Neste contexto, o professor de “A competência profissional do profes-
de saberes mas um construtor de sentido; Educação Especial deve ser encarado como sor requer que se promova a simbiose da
aprender significa atribuir sentido a uma um agente de mudança e de inovação na teoria e da prática do ensino, durante os
realidade complexa e essa construção é escola e não restringir o seu papel ao apoio períodos quer de formação, quer de exer-
feita através da história de cada sujeito. individualizado a alunos com deficiência, cício docente; o professor tem de ser per-
pois é um dos profissionais responsáveis manentemente um investigador do ensino
Também se anseia o desenvolvimento de pela mudança do contexto educativo tanto que pratica, e um participante do ensino
um trabalho em equipa como o 4.º nível ao nível das mudanças de atitude face à re- em que experimenta e aplica princípios pe-
perspectivado por Perrenoud (1994): sistência em relação à inclusão da diferença dagógicos.”
• 1.º Nível – a que chama de “pseudo-equi- assim como na organização das práticas de
pa”. Trata-se simplesmente de coordenar sala de aula. António Carrilho Ribeiro, 1999.

37 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ARTIGO

A prática reflexiva é hoje, reconhecidamente,


REFERÊNCIAS PERRENOUD, P. (1994). O que está em jogo, a nível dos
uma prática fundamental no desempenho ABRANTES, J. (Coord.)(1994). Apoios e complementos estabelecimentos escolares numa renovação didáctica.
profissional de qualidade. De facto, e nome- educativos. In J. C. Abrantes (Org.), A Outra Face da In Monica G. T. & Philippe P. A escola e a mudança – con-
adamente na profissão de professor que é Escola, pp.139-149. tributos sociológicos. Escolar Editora.
sujeita a evoluções e constantes mudanças AGUIAR, M. (1999). A construção da autonomia profis- PERRENOUD, P. (2000). Pedagogia diferenciada – das
sional dos educadores de infância através da sua forma- intenções à acção. Porto Alegre: Artmed Editora
nos seus fundamentos teóricos, filosóficos e ção, 52, 45– 48. Edição da A.P.E.I. RIBEIRO, A. (1990). Formar professores – elementos
práticos, exige a uma constante actualização AINSCOW, M. (1995). Education for all. making it happen para uma teoria e prática da formação (2ª Ed.). Lisboa:
e caminhada ao encontro das novas filoso- – Comunicação apresentada no Congresso Internacional Texto Editora.
fias e práticas. de Educação Especial. Birmingham - Inglaterra. Abril de RODRIGUES, D. (Org.) (2001). Educação e diferença
1995. – valores e práticas para uma educação inclusiva. Porto
Sabemos que o sucesso escolar e a inclusão AINSCOW, M. (1997). Educação para todos: torná-la uma Editora.
dependem das novas competências do pro- realidade. In Caminhos Para as Escolas Inclusivas. Lisboa: RODRIGUES, D. (Org.) (2006). Inclusão e educação
fessor, da sua capacidade de encarar a esco- Instituto de Inovação Educacional. – doze olhares sobre a educação inclusiva. Summus
ALONSO, L. (1998). Inovação curricular, formação de Editorial.
la como um local aberto à comunidade, que
professores e melhoria da escola - uma abordagem re- RODRIGUES, D. (2006). Educação inclusiva – estamos a
corresponda aos seus desafios e necessida- flexiva e reconstrutiva sobre a prática da inovação/ for- fazer progressos? Edições FMH.
des e não uma estrutura que se fecha em si mação. Dissertação de Doutoramento. Universidade do ROLDÃO, M.ª (2005). Formação e práticas de gestão
própria, ignorando o contexto ecológico em Minho. Braga: Instituto de Estudos da Criança. curricular – crenças e equívocos. Edições ASA.
BAIRRÃO, J. & FELGUEIRAS, I. & FONTES P. & PEREIRA, SAMMONS, P. & HILLMAN, J. & MORTIMORE, P. (1995)
que se insere e toda a diversidade e mudança F. & VILHENA, C.(1998). Os Alunos com Necessidades Key characteristics of effective schools: a review of
de que é alvo. Educativas Especiais. Subsídios para o Sistema de Edu- schools effectiveness research. London. Office for Stan-
Estas práticas de desenvolvimento profissio- cação. Lisboa: Conselho Nacional de Educação. dards in Education and Institute of Education.
nal, ainda que possam ter uma fase de sen- BOOTH,T.; AINSCOW,M.; BLACK-HAWKINS,K.; SCHAFFNER, C. & BUSWELL, B. (1999). Dez elementos
VAUGHAN,M.; SHAW,L. (2000). Index for Inclusion críticos para a criação de comunidades de ensino inclusi-
sibilização na formação inicial, só serão ver- – Developing Learning Participation in School. Centre vo e eficaz. In Stainback W. Stainback, S. Inclusão – um
dadeiramente concretizadas ao longo de uma for Studies on Inclusive Education. guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
prática pedagógica reflexiva e colectiva, pois CALDEIRA, E. & PAES, I. & MICAELO, M. & VITORINO, SEBBA, J. & AINSCOW, M. (1996). Internacional deve-
como refere Rodrigues (2006, p.80) “é preciso T. (2004). Aprender com a diversidade – um guia para o lopments in inclusive education: mapping the issues.
desenvolvimento da escola. Ministério da Educação. Cambridge Journal of Education, 26 (1), 5-18.
toda uma escola para desenvolver um projecto CANÁRIO, R. (1999). A Escola o lugar onde os Professo- SIM SIM, I. (2005). Necessidades educativas especiais:
de educação inclusiva”. res aprendem, 52, 11- 18. Edição da A.P.E.I. dificuldades da criança ou da escola?
Como sabemos, a ciência tem “vida própria”, CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (1999). Parecer UNESCO (1994). Declaração de Salamanca e Enquadra-
N.º 3/99 – Crianças e alunos com Necessidades Edu- mento de Acção na Área das Necessidades Educativas
caminha e recua, altera-se e modifica-se, ac-
cativas Especiais. Diário da República, II Série, N.º 40, Especiais. UNESCO.
tualiza-se e muda os seus princípios, vive pa- 17/02/1999. UNESCO (2004). Changing teaching practices – using
radoxos e dúvidas. As ciências da educação CORREIA, L. (2005). Inclusão e necessidades educativas curriculum differentiation to respond to student’s diver-
tentam resolver estes “conflitos” lançando especiais – um guia para educadores e professores. Por- sity. Paris: UNESCO.
to Editora. VIEIRA, M. (2000). Apoios educativos num quadro de
desafios aos actores e motores da mudança
COSTA, A. (2006). A educação inclusiva dez anos após mudança da escola – dos conceitos à prática. Da Inves-
que somos nós – professores! Salamanca: reflexões sobre o caminho percorrido. In D. tigação às Práticas – Estudos de Natureza Educacional.
Rodrigues (Org.), Educação Inclusiva – Estamos a fazer Vol. I N.º 1. Centro Interdisciplinar de Estudos Educacio-
progressos? (pp. 13-29). Edições FMH. nais. Escola Superior de Educação de Lisboa.
COSTA, A. & LEITÃO, R: & MORGADO, J. & PINTO, J. WANG, M. (1997). Atendendo alunos com necessidades
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[Acedido : 2007, Março 12]. & G. Porter & M. Wang (Eds.), Caminhos para as esco-
DUARTE, A. (2000). Escola inclusiva: utopia ou realida- las inclusivas (pp. 49-67). Lisboa: Instituto de Inovação
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MORGADO, J. (2003). Qualidade, inclusão e diferencia-
ção (Colecção TESES). ISPA.

38 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: CONVERGÊNCIAS Sofia Esteves
Psicóloga Clínica

O Stress e a aprendizagem
Em pleno século XXI, assistimos cada vez de aprendizagem das nossas crianças e jovens. cadores demasiados austeros na sua prática
mais à difusão de um fenómeno global, que Observa-se sobretudo uma: pedagógica que utilizam frequentemente
designamos por stress e que afecta de forma - Diminuição da capacidade para distinguir ameaças (ex., humilhação, castigos) para
transversal todas as faixas etárias. o essencial do acessório; controlar o comportamento dos educandos.
Todos nós já passàmos por situações em que - Inibição da memória de curta duração e A fim de se intervir ou evitar situações ge-
nos sentimos stressados, ou observámos ou- da capacidade de formar memórias de radoras de stress, torna-se necessário que
tros que se sentiam dessa forma. longa duração; os educadores utilizem algumas estratégias
O stress é uma reacção normal e saudável do - Maior susceptibilidade para desenvolver específicas, tais como:
organismo, quando exposto a uma situação doenças (ex., ter uma crise de asma antes - Ensinar aos educandos técnicas de gestão
de ameaça física, emocional ou social. de uma situação de avaliação); do stress, sobretudo ao nível das compe-
O organismo de um indivíduo exposto a uma - Adopção de comportamentos hostis tências relacionais, do controlo do tempo
situação stressante desencadeia uma série como mecanismo de defesa a qualquer e técnicas respiratórias;
de reacções físicas (ex., aumento da pressão estímulo percepcionado como ameaçador - Utilizar métodos pedagógicos mais dinâ-
arterial) devido a uma elevada libertação de que provenha do exterior. micos (ex., jogos, dramatizações, visuali-
cortisol das glândulas supra-renais. São atribuídas como as causas prováveis zações criativas.)
Esta reacção bioquímica, por si só, não é negativa, do desenvolvimento do stress crónico: - E, fundamentalmente, ter o cuidado de
pois permite alertar o indivíduo para um estímulo - Um ambiente familiar violento; utilizar menos a ameaça e investir mais na
vindo do exterior a que tem de dar resposta. - No ambiente escolar: condições de sobre- negociação, em situações potencialmente
Porém, perante uma situação que provoque lotação; dificuldades nos relacionamentos geradoras de stress, tanto para o educa-
stress crónico, esta resposta torna-se disfuncio- interpessoais entre educandos; uma ilumi- dor como para o(s) educando(s).
nal, afectando o comportamento e a capacidade nação desadequada das salas de aula; edu-

:PUB

39 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ECOS

Sábados Temáticos Não existe um modelo fixo que determine A Animação Sócio - Educativa em Jardim de
– O porquê desta iniciativa? o Sábado Temático, são os convidados que, Infância Pela Familia *
através da sua disponibilidade e natural ca- Processo de Validação de Competências
pacidade de transmitir conhecimento, lan- Profissionais e Académicas das Auxiliares de
çam e propiciam a reflexão conjunta. Acção Educativa
Agradecemos aos nossos participantes assídu- Intervenção Educativa no Contexto de Cre-
os que fazem desta iniciativa um sucesso e a che: Novos Desafios
todos os profissionais da educação que atra- Aprender a “Fazer” Matemática na Educação
vés do seu contacto revelam interesse pelos de Infância *
resumos apresentados no sítio da APEI e que Os Recreios: Constrangimentos e Potencia-
nos incentivaram a descentralizar a iniciativa. lidades
A descentralização, face a todas a contingên- Envolver as Famílias no Processo Educativo
cias logísticas e disponibilidade humana que – As Potencialidades das TIC a)
A APEI promove desde 2005 a realização carece para ser efectuada, não é uma tarefa * realizados também em Santarém
de Sábados Temáticos, tendo sido possível, fácil e apenas a boa vontade e participação a) realizado apenas em Santarém
a partir do último trimestre de 2005, apre- empenhada de alguns associados possibilita
sentar aos seus associados e interessados essa realização.
na educação de infância em geral uma calen- O interesse dos profissionais que aguardam com Interacção com a família na creche e no
darização anual da iniciativa a qual acontece expectativa o calendário anual, para procederem jardim-de-infância:
com periodicidade mensal. à sua efectiva inscrição, é o melhor sinal que esta “De mãos dadas ou de costas voltadas”
Tem sido objectivo da APEI propor e acolher te- é uma iniciativa em constante renovação a que
mas sugeridos pelos profissionais, quer por aque- vale a pena dar continuidade, fundamentalmen-
les que já participam com alguma assiduidade te, porque acreditamos que a mesma constitui
neste espaço formativo, quer daqueles que não um valor acrescentado para a formação e para o
tendo estado presentes gostariam de os abordar desenvolvimento profissional.
ou mesmo de ver renovada a sua apresentação. Apresentamos a listagem dos temas abor-
Pretende-se que esta actividade constitua dados nos Sábados Temáticos realizados até
um espaço e um tempo de partilha e reflexão Junho de 2007:
sobre a prática e sobre saberes entre profis-
sionais de Educação de Infância, mas igual- Autoformação dos Educadores de Infância
mente se deseja aproveitar esse momento A Creche e a Intencionalidade Educativa
para dar a conhecer algumas iniciativas e O Papel do Educador de Infância nos Agru- Foi-nos lançado/Lançaram-nos um desafio:
sobretudo o entrecruzar de conhecimentos. pamentos partilhar características da nossa prática pe-
Por tal facto não são apenas educadores a falar Sim ou Não à Definição de Competências na dagógica a um grupo de alunas do Curso de
para educadores, temos o grato prazer de ter Educação Pré-Escolar Educação de Infância da Escola Superior de
tido como convidados, entre outros, um soci- O Desenvolvimento das Emoções Educação de Viseu – Pólo de Lamego (12 de
ólogo, uma professora de filosofia, um centro A Literacia no Jardim-de-Infância Julho 2007), pela professora Rute Moura.
de formação profissional de auxiliares de acção Intervenção Precoce no Concelho de Loures Na perspectiva de partilha e troca apresen-
educativa, uma contadora de histórias, etc. Expressão Musical támos um trabalho/powerpoint através do
Também os nossos convidados são surpre- Uma Europa Para Todos qual realçámos a importância da interacção
endidos pela reflexão, troca de ideias e expe- Planificação e Registo no Jardim-de-Infância * com as famílias. Estruturámos a apresenta-
riências do momento vivido. Educação Estética ção através de um enquadramento legal e
Acreditamos que o sucesso desta iniciativa A Educação de Infância em Reggio Emília * perspectivando os benefícios e os obstácu-
reside no propiciar momentos não apenas de Educação Para as Ciências los que poderão surgir nesta relação.
formação, mas por possibilitar a todos o pre- Crianças de Rua Ao longo da apresentação recorremos às es-
sentes, de uma forma informal, o tempo e Competências na Educação Pré-Escolar tratégias utilizadas na intervenção educativa,
espaço para o pôr, em comum, o quotidiano Filosofia Para Crianças nomeadamente a participação das famílias em
dos pequenos grandes momento que fazem A Animação Sócio - Educativa em Jardim de actividades/momentos relacionados com os
o dia-a-dia destes profissionais Infância Pela Equipa Educativa Projectos Curriculares de Sala e Educativos.

40 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ECOS

Gostaríamos de realçar um aspecto comum 2ª Sessão: “Alimentação saudável” foi con- ções desfavorecidas, que não dispunham, na
nas nossas práticas pedagógicas: no final do duzida pela Prof.ª Isabel do Carmo. Aqui maioria das vezes, da companhia dos pais.
ano lectivo propomos um espaço e / tempo foram debatidos os erros alimentares que Nesse contexto, foi salientada a importância
cultural com as famílias, para que de mãos ocorrem no nosso quotidiano. A sociedade de ajudar as crianças a aprenderem a gerir
dadas se termine o ano lectivo num ambiente contemporânea foi “invadida” por comida os seus sentimentos e afectos, para poderem
lúdico e que enriquece as relações sociais. Al- hipercalórica e pouco nutritiva, que, graças enfrentar os seus medos e inseguranças. É
guns dos momentos já realizados: passeio ao às campanhas publicitárias destinadas a um importante não se mentir à criança, uma vez
Oceanário, ao Badoka Park, à Livraria Bichinho público infanto-juvenil, induzem a um con- que pode levar à perda de confiança.
de Conto e ao Planetário Calouste Gulbenkian. sumo excessivo de refeições de custo redu- Cada vez mais a ligação Escola-Comunida-
“A relação com cada família resultante de pais zido (rica em calorias, gorduras e açúcares) de-Família (entenda-se por Família neste
e adultos da Instituição serem co-educadores em prol de uma alimentação saudável, na contexto os Pais) tende a diminuir, levando
da mesma criança, passando pela troca de in- qual constam, entre outros alimentos, os ve- à compartimentação da vida da criança.
formações sobre o que lhe diz respeito, como getais, a fruta e os iogurtes. Como resultado É importante saber a origem dos problemas
está na Instituição, qual o seu progresso, os desta alimentação deficitária, e tendo em que afectam a estabilidade física e emocio-
trabalhos que realiza…” (DEB, 1997, p. 43). conta os aspectos padrão da sociedade que nal das crianças, e não considerá-las como
vivem em função das aparências, as nos- sendo o problema.
Educadoras de Infância: sas crianças, e adolescentes, crescem com É igualmente importante saberem viver com
Patrícia Carvalho maior probabilidade para desenvolverem, regras e deveres, direitos e obrigações, si-
Rita Banza (ritabanza@iol.pt) num futuro próximo, doenças do comporta- tuações boas e más, e aprender que temos
mento alimentar. Cabe a nós, como pais e que lutar e fazer por merecer.
educadores, ensiná-los a dosear e adquirir Conscientemente devemos ser criativos com
“Como Pais, o que fazemos?” os princípios básicos duma alimentação com a nossa personalidade e recriarmo-nos to-
Na sequência dos inquéritos efectuados aos qualidade, visando sempre a saúde, equilí- dos os dias como pais e seres humanos, de
encarregados de educação da Escola EB1/JI brio e bem-estar dos nossos filhos. forma a ajudar e a servir de exemplo aos
do Pendão, a Associação de Pais organizou, 3ª Sessão: “Como pais o que fazemos à edu- nossos filhos, a provar que a autenticidade
no ano lectivo 2006/2007, um conjunto de cação”. Nesta palestra orientada pela Dr.ª e individualidade de cada um de nós deve
palestras no âmbito do projecto “Como Pais, o Andreia Martins foram abordados os sinais de ser respeitada. Há que aprender a respeitar
que fazemos?”, sob coordenação do Dr. Nuno sofrimento emocional, com os quais podemos para poder ser respeitado... Só assim se con-
Colaço, com o objectivo de ajudar a compre- deparar no nosso dia-a-dia. Estes sinais po- segue evoluir como comunidade e viver em
ender melhor a missão de todos os pais. dem ser desencadeados por vários factores, harmonia na sociedade.
As conferências abordaram diversas questões entre os quais qualquer forma de segregação, Concluindo, há que relembrar que as crianças
e situações de ordem prática, que muitas ve- culpabilização ou de falta de atenção paren- de hoje são os adultos de amanhã, aqueles
zes, como pais, nos são alheias. As sessões tal. Existem ainda fases da vida em que as que continuarão as nossas pegadas e que um
foram organizadas do seguinte modo: “feridas internas” podem marcar etapas de dia irão estar também neste papel difícil de
1ª Sessão: “Como pais, o que fazemos?” transição emocional na vida da criança (entra- educador. Educar uma criança é hoje em dia,
teve como orador o Dr. Nuno Colaço, e da para o pré-escolar, mudança de escola...). e sempre, um grande desafio! Cometer erros
abordou essencialmente o tema das recor- Nesta sessão, a premissa mais importante foi é normal, não somos perfeitos, no entanto
dações marcantes da nossa infância. Esta que as crianças são felizes, quando sabem temos sempre oportunidade de melhorar...
intervenção foi muito dinâmica e interactiva. que estamos presentes, e que para eles é fun- Como mãe, agradeço esta oportunidade e não
Foram relembradas as experiências vividas damental saber que estamos disponíveis. quero deixar de felicitar a equipa que constitui
por todos e para todos, e concluiu-se que “O É essa também uma das nossas missões en- a Associação de Pais, bem como o staff clínico
melhor manual de educação está dentro de quanto pais e educadores. que partilhou connosco as suas experiências e
nós”. É necessário tirar partido das experi- 4ª Sessão: O que fazemos como pais nos aconselhou sabiamente a poder marcar a
ências que marcaram a nossa infância e aju- 5ª Sessão: Na última sessão intitulada diferença numa sociedade em que os valores
daram-nos a formar os adultos que somos “Como pais o que fazemos à comunidade” morais e educacionais são cada vez mais discu-
hoje. Foi também realçado dois factores a contámos com a presença do Dr. Valter Silva. tíveis e cada vez menos valorizados.
ter em conta no bom desenvolvimento dos Aqui foram relatadas algumas experiências Vamos viver com educação e educarmo-nos
nossos filhos: as crianças precisam de regras vividas pelo psicólogo, no que diz respeito a viver!
e as pequenas coisas marcam. ao acompanhamento de menores em situa-

41 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


:DIGADESUAJUSTIÇA,COMJUSTIÇA

De acordo com o compromisso assumido Penso que relativamente ao calendário devem designadamente, para formação contínua
pela Direcção por ocasião do cancelamento continuar a apostar nos fins-de-semana. têm constituído um significativo incentivo
do Encontro Nacional, a APEI realizou já três Na minha opinião, a divulgação é muito di- para a Direcção.
eventos. Nesse contexto e para que a nossa minuta, podem fazer mais e melhor. Uma dos primeiros passos no sentido da
acção seja melhorada e renovada, disponibi- Em relação à dinâmica penso que seria inte- descentralização tem sido a realização de
lizámos uma ficha de avaliação aos partici- ressante se proporcionassem mais momen- Sábados Temáticos fora do âmbito da sede
pantes (preenchimento anónimo). tos de participação com o público, como (Lisboa).
Com este instrumento pretendeu-se recolher fizeram duas conferencistas. Igualmente a opção de realizar o Encontro
opiniões sobre a organização e conteúdos É de louvar que na organização destes encon- “Pensar a(s) Infância(s)” em Portel, o Ser
dos encontros e também sugestões para tros se tenha em conta a participação de todos Bebé IV no Pragal e a Conferência de Peter
próximos eventos. os profissionais ligados à educação, auxiliares Moss no Porto, são exemplos claros desse
Agradecemos e valorizamos a participação de acção educativa, como é o meu caso. objectivo.
de todos aqueles que disponibilizaram bre- Agradou-me imenso, tanto os horários, Só com o natural interesse e empenhamento
ves momentos para escrever e entregar as como os conteúdos. dos associados é que a Associação poderá
suas opiniões. Foi muito útil para o meu desenvolvimento ampliar a sua acção, por isso é importante
como profissional, auxiliar numa creche. a leitura cuidada das informações divulga-
Pensar a(s) Infância(s) Muito boa ideia, a realização do encontro ao das através dos CEI, do InformAPEI (enviado
Portel Sábado, muito bem escolhido o horário e a quinzenalmente por correio electrónico) e a
29 de Setembro escolha da temática, muito pertinente e útil. consulta do site http://apei.no.sapo.pt que
Parece-me bastante bem, a realização dos en- Foi boa diversidade de comunicações, com actualiza de um modo mais célere os nossos
contros ao sábado. O horário, tal como estava distintos (mas complementares) olhares. eventos e de outras entidades.
previsto também me parece bastante bem. A aposta na divulgação e informação por via
Sugiro que em próximos eventos haja uma Mudança Social e os Serviços Sociais para electrónica representa um ganho em rapidez,
melhor gestão do tempo/horários, no senti- a Infância volume e capacidade de actualização da in-
do de respeitar o programa. Escola Superior de Educação do Porto formação que a APEI veicula, mas também
Seminários ou Encontros sempre descen- 9 de Novembro uma medida de gestão financeira dos bens e
tralizados, como aconteceu este ano, nesta Estive presente e adorei. E peço mais. Mais recursos da associação que acredita que cada
vila, foi muito simpático. iniciativas do género, mais parcerias, mais profissional está empenhado em manter-se
Como educadora de uma I.P.S.S., como tantas Peter (s) Moss (s), mais oportunidades de actualizado na esfera da sua profissão.
outras associadas da A.P.E.I., gostava de ver crescermos profissional e pessoalmente,... E Agradecemos o reforço daquela que foi
focadas as realidades nestas instituições. com certeza, mais zonas do país que possam sempre uma opção de todas as Direcções da
Os encontros têm-se baseado na educação ter aceso a estas iniciativas. No meu caso, APEI: realizar a formação e todos os eventos
pública, mas acho pertinente a reflexão so- neste linda cidade do Porto e área metropo- fora do horário lectivo, privilegiando o horá-
bre a educação privada e semiprivada. litana envolvente. rio pós-laboral, os sábados e as interrupções
Às sugestões de descentralização de eventos lectivas.
Ser Bebé IV respondemos com o investimento e esforço Congratulamo-nos com o interesse manifes-
Pragal que julgamos será do conhecimento de to- tado pelos auxiliares de acção educativa que,
13 de Outubro dos os que têm acompanhado a nossa ac- com as suas opiniões, fundamentam o nosso
Encontros desta natureza são extremamen- ção; tornar a intervenção da associação cada empenho em ampliar as nossas acções a ou-
te importantes, mas deveriam ser mais des- vez mais abrangente e descentralizada impli- tros profissionais de Educação de Infância.
centralizados e mais frequentes. ca a colaboração de todos.
Nomeadamente no Algarve, Alentejo e norte As propostas/pedidos que nos têm sido diri- A Direcção
do País. gidas por indivíduos, por grupos e instituição,

Conte-nos o que quiser, como quiser e quando quiser. Escreva-nos para Cadernos de Educação de Infância
Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, piso 0, 1070-023 Lisboa, através do e-mail: apei@mail.telepac.pt ou por fax para o número: 213827621
(só serão publicados textos devidamente identificados. Os textos recebidos podem ser alvo de adaptação para publicação)

42 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ÀDESCOBERTA Rosário Leote de Carvalho

O que se sente
ao misturar água e farinha?
As misturas fazem parte do nosso dia-a-dia. Esta actividade pode ser realizada em pe- 3. Mexer, com as mãos, para misturar bem.
Se pensarmos em algumas, como, por exem- queno grupo, sendo, no entanto, desejável 4. Pegar numa mão cheia desta mistura e for-
plo, o ar, o aço, o leite, a água com gás, os que todas as crianças mexam na mistura e mar uma bola, rolando-a entre as mãos.
refrigerantes, a gasolina, a areia da praia, o exprimam a sua opinião. Peça às crianças para descreverem o que
granito, a água açucarada, etc., facilmente As actividades em pequeno grupo permitem estão a observar e a sentir.
concordamos com esta afirmação. Ao realizar não só estimular a realização das actividades É natural que obtenha respostas essen-
esta actividade, as crianças podem perceber forma autónoma e responsável como também cialmente relacionadas com as sensações
o significado da palavra mistura e explorem a cooperação com outros em tarefas comuns. tácteis (fica dura), peça para completarem
algumas propriedades relativas à mistura de as respostas com observações. Aproveite
água e farinha de milho (ou amido de milho). Materiais necessários para introduzir (rever) novos vocábulos:
Se realizou a actividade “Tinta invisível”, pro- • 1 bacia (por grupo) rijo, comprimir, sólido, consistente, áspe-
cure que as crianças façam uma relação en- • 1 copo de medidas (por grupo) ro, liso, rugoso, etc.
tre as duas actividades, uma vez que alguns • 1 colher de sopa (por grupo) Questão: A mistura que têm nas mãos
materiais são comuns (água e farinha maize- • Água está seca ou molhada?
na). Aproveite esta actividade para explorar • Farinha com amido A tendência geral é dizer que está seca uma
algum vocabulário ligado aos sentidos atra- vez que não sentem as mãos molhadas.
vés da descrição das sensações tácteis que Verifique que todos mexeram com as
vão sentindo ao longo da actividade. mãos e que parece seca.
Não se esqueça que o procedimento descrito 5. Colocar na bacia e tocar com o dedo.
é apenas uma sugestão que deve adaptar às Peça às crianças para descreverem o que
condições físicas e humanas disponíveis, pla- estão a observar e para compararem o
neando e testando antes de realizar em sala comportamento da mistura quando está
de aula. E tão importante como a preparação nas mãos e quando está na bacia.
da própria experiência é a preparação das Em geral não têm dificuldade em distinguir
questões orientadoras, que permitem guiar que quando está nas mãos parece seca e na
as crianças no decorrer da actividade. bacia parece molhada “porque escorrega”.
Procedimento: Verifique que todos observam e tocam
Tema: descrever sensações tácteis 1. Colocar 4 colheres de sopa com farinha na na mistura e que esta parece uma papa.
bacia Aproveite para introduzir (rever) novos vo-
Antes de começar Mostre a caixa da farinha e questione o cábulos: mole, líquido, molhado, etc.
O tipo de mistura formada pelo amido de mi- que é e para que serve. Peça explicações para estas diferenças.
lho e a água possui propriedades interessantes. Abra a caixa e mostre a farinha, questione Explique, de uma forma simples, que, quando
Quando se rola esta com as mãos, ela é com- as crianças sobre as propriedades da mes- se mexe com as mãos, a mistura é compri-
primida e as partículas aproximam-se de modo ma (cor, estado físico, etc.). mida e as partículas aproximam-se de modo
que a mistura parece seca; quando se deixa em 2. Colocar água (quantidade predeterminada) que a mistura parece seca; quando se deixa
repouso, as partículas voltam a separar-se e a na bacia (forma-se uma pasta) em repouso as partículas voltam a separar-se
mistura fica com um aspecto lamacento. Questão: O que vai acontecer quando co- e a mistura fica com um aspecto lamacento.
Realize a actividade antes para determinar locarem a água na farinha?
a quantidade de água adequada ao tipo A farinha desaparece, vai para o fundo, der- Pode utilizar um corante para colorir a papa
e quantidade de farinha que vai utilizar de rete, são algumas das respostas que possi- que pode ser enfeitada com botões, berlin-
modo a garantir a formação da mistura com velmente vai obter. Se já realizou a activida- des (para fazer de olhos), etc.
as propriedades desejadas: parecer seca de “Tinta Invisível” poderá obter outras res- Não termine aqui a actividade, os alunos
quando comprimida e lamacenta quando postas, neste caso algumas crianças podem devem fazer o registo das suas observações
deixada em repouso. Colocar água em quan- saber que a farinha é insolúvel em água. da forma que achar mais conveniente (de-
tidade insuficiente leva a uma mistura muito Introduza ou relembre os termos solúvel, senhos, textos, oralmente, etc.). Promova a
granulosa, o inverso leva a uma mistura mui- insolúvel e dissolve-se e explique o seu discussão sobre estes resultados ao longo
to líquida impossível de comprimir nas mãos. significado. do ano, pois esta pequena experiência pode
Em qualquer um destes casos torna-se im- Realize este passo experimental e compa- dar origem a muitas outras.
possível atingir os objectivos propostos. re o resultado com as previsões.

43 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ASNOSSASNOTÍCIAS

Síntese IV Encontro “SER BEBÉ”

A professora Gabriela Portugal centrou a os outros sentem e expressam relativamente


sua intervenção em torno das práticas de a si, permite ao bebe construir-se enquanto
trabalho dos educadores, salientando a ne- ser em relação, exigindo da parte dos adultos
cessidade da construção de currículos que sensibilidade, atenção e seriedade na forma
garantam não só o desenvolvimento de como agem com a criança ou melhor dizen-
competências das crianças, mas, sobretudo, do, cada criança.
se apresentem como um meio de garantir, E porque cada criança e cada bebé possui
no aqui e no agora, a sua qualidade de vida, uma determinada história pessoal e sócio-fa-
assegurando-lhes bons níveis de implica- miliar, marcada entre outros aspectos, pelas
ção e bem-estar emocional. Estamos assim suas condições de vida (como nos diz Ortega
centrados na importância de dignificar e dar e Gasset “eu, sou eu e a minha circunstân-
Vamos então iniciar o momento destinado às sentido profissional ao nosso quotidiano cia”), a Professora Emília Nabuco descre-
conclusões deste IV encontro SER BEBÉ, nes- educativo, construindo pela observação e veu-nos um projecto dirigido a populações
te sábado de Outubro onde tantos estiveram avaliação, currículos capazes de proporcionar carenciadas, no sentido de apoiar e optimi-
juntos para ouvir, pensar e reflectir, uma vez dias estáveis, seguros e promotores do de- zar o envolvimento dos pais na educação
mais (e nunca será de mais!) sobre ser bebe, senvolvimento e aprendizagem das crianças. dos seus filhos, tentando assim contrariar
enquanto condição de vida que exige, pela A sua intervenção salientou ainda a impor- a falta de vinculação afectiva entre os pais
sua riqueza e singularidade, que todos sobre tância de dar visibilidade aos objectivos da e os seus bebes, situação que tem lugar e
ela se debrucem e com ela aprendam a ser educação de infância, desafiando-nos a ins- se agrava quando as famílias experimentam
melhor profissionais e pessoas. E já agora, e tituir uma cultura de avaliação e uma melhor múltiplas dificuldades no seu quotidiano.
se for possível, melhores políticos e decisores, agilidade na explicitação das competências a Centrado numa lógica de parceria, o projecto
para atender à necessidade, amplamente de- desenvolver nas crianças, entendidas como desenvolve-se numa perspectiva sistémica,
fendida, de atribuir à 1ª infância um estatuto uma aprendizagem profunda, interiorizada, encarando a saúde, o bem-estar, a criativi-
de maioridade, que reconheça e consagre o que fica para a vida. Assim, não são tanto dade e o desenvolvimento das comunidades
direito a uma educação de qualidade a todas as aprendizagens em si que são importantes, como estratégia para o desenvolvimento in-
as crianças entre os 0 e os 3 anos de idade. mas sobretudo aquilo que a criança pode fa- tegral e a melhoria educacional das crianças.
Tivemos hoje entre nós um conjunto de co- zer com o que aprende. Relembrámos mais Relembro aqui um artigo que li em que uma
municações riquíssimas que nos conduziram, uma vez alguns dos desafios que se colocam educadora contava que uma mãe lhe tinha
digamos assim, da situação de pensar o bebé aos educadores e que norteiam, entre ou- dito “desde que a Sra. cá está, até parece
e o seu envolvimento, até agir com ele e para tros aspectos, a avaliação enquanto proce- que gosto mais do meu filho…”. Julgo que
ele, enquanto sujeito de direitos e com his- dimento de edificação curricular: 1) atender esta é a mensagem, contribuir para um currí-
tória. Uma história construída desde cedo, à perspectiva das crianças; 2) compreender culo de educação parental, onde as crianças
contada a diferentes vozes, onde as persona- a diversidade das infâncias; 3) integrar e entre os 0 e os 3 anos ganhem um lugar de
gens são reais e entre enredos, laços e nós, articular num espaço de vida colectiva, as afecto e valorização aos olhos das suas famí-
vão fazendo da vida do bebé um tempo e um necessidades e os interesses individuais de lias e cuidadores.
espaço bom para se ser e para crescer a acre- cada criança. E foi também um projecto de envolvimento
ditar que o mundo é um lugar onde apetece A Dra. Anabela Farias alertou-nos para a im- de todos os que se relacionam com os be-
estar. E isso começa exactamente lá em casa portância do desenvolvimento emocional do bés da sala berçário do Colégio do Vale que
e ainda e desde logo nas creches, onde entre bebé, destacando o papel das emoções como nos falaram as educadoras Ana Carrilho e
fraldas e beijos e colos (e choro) devem estar guias e organizadores do comportamento e Teresa de Matos, embora aqui a natureza
profissionais atentos, implicados e capazes da vida psíquica da criança, que dependem, da intervenção fosse dirigida a um outro
de construir respostas de qualidade que sir- basicamente, das constantes interacções público e um outro contexto. Mas falámos
vam o bebé e a sua circunstância. Foi este o que com os outros estabelece. Relembrámos ainda assim de uma prática fortemente parti-
propósito deste encontro. Acreditamos que mais uma vez o enorme potencial do bebé lhada entre todos os que se ocupam dos be-
atingiu os seus objectivos. enquanto ser comunicador, que age com bés – o resumo dá-nos até conta dos nomes
Façamos então, neste final de dia, um bre- os outros e sobre os outros, reconhecendo, de toda a equipa – salientando a importân-
ve percurso pelas diferentes comunicações desde muito cedo, as emoções dos que lhe cia de um currículo baseado na comunicação
apresentadas, destacando algumas das suas estão mais perto e dele cuidam. Esta capaci- enquanto traço fundamental de “crescer no
principais ideias-chave. dade (muito precoce) de como que ler o que berçário”. E ouvimos falar de exploração de

44 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


imagens, de interacção com os outros e o os 12 e os 36 meses, desta vez pela voz e de forma integrada, colocando no centro do
meio envolvente, de comunicação com as pela prática das educadoras Ana Carolina processo, as amas, as famílias e as crianças.
famílias, num permanente vai e vem entre a e Maria José, que nos leram um pouco das Mais uma vez a conjugação de estratégias
casa e a creche, sendo os protagonistas as suas “histórias de colo”, num quotidiano que e implicação concertada dos diferentes ce-
crianças. Apoiados por adultos apaixonados tiveram “dias com história”. Mais uma vez nários educativos e seus actores, para um
pela sua profissão e pelos bebés, aos quais uma história com muitos enredos, a paixão a cuidado individualizado às crianças. Como
reconhecem competências para aprender alimentar o projecto, e a ideia de responsabi- é referido na comunicação “as pessoas e
através da acção sobre tudo o que os rodeia. lidade compartilhada entre crianças, famílias os grupos sociais têm o direito a ser iguais
Profissionais que pesquisam e se envolvem e equipa, como a chave de uma intervenção quando a diferenças os inferioriza e o direito
na construção de currículos significativos. a fomentar a proximidade, a cumplicidade, a a ser diferentes quando a igualdade os des-
Ficou-nos também uma ideia central “A vista partilha e a interacção entre todos os que caracteriza" (Boaventura de Sousa Santos).
chega antes da palavra. A criança olha e vê estão em relação com as crianças. Pelo meio, Com o aproximar do fim da tarde, tivemos
antes de falar” (John Berger) o contacto precoce com o livro, a sua função a comunicação da educadora Mariana
O Doutor Castro Caldas apresentou-nos e potencialidades no desenvolvimento dos Estrela que connosco partilhou a sua tese
uma interessante comunicação sobre os bebés, a descoberta, o espanto e o encanto de mestrado “a intencionalidade educativa
contributos das neurociências para a edu- das histórias lidas e contadas em casa e na em creche”, tema escolhido na sequência das
cação, pondo em evidência a forma como a creche… mas sobretudo o que ouvimos mais suas preocupações e ansiedades enquanto
biologia sustenta a actividade mental, nome- uma vez foi o testemunho de acreditar con- educadora de creche, regularmente con-
adamente no que respeita à compreensão victamente em processos e estratégias que frontada com a ausência de uma perspectiva
dos mecanismos de aquisição de informa- liguem os diferentes cenários educativos que consistentemente educativa para o trabalho
ção. Desconstruindo alguns dos conceitos fazem parte da vida da criança… evitando desenvolvido com crianças entre os 0 e os 3
sobre a actividade cerebral que não são cien- rupturas e unindo perspectivas e saberes. anos de idade. Partindo do pressuposto de
tificamente válidos, destaca a necessidade Depois falou-nos a educadora Mariana que a valorização desta dimensão implica,
dos educadores se interessarem em saber Ascensão, apresentando-nos uma temática entre outros aspectos, dar a vez e a voz às
como o cérebro aprende e se desenvolve actualmente tão debatida, mas ainda em práticas dos educadores, o estudo empírico
como estratégia para proporcionar respostas muitas situações esquecida ou dificilmente da sua investigação reúne as opiniões de 90
educativas mais adequadas às crianças com posta em prática. Através do relato da sua educadores sobre o seu próprio trabalho,
quem trabalham. Da sua comunicação pode- experiência enquanto directora técnica da destacando os aspectos mais fortes e mais
mos reter a ideia de que as funções cogniti- creche familiar, problematiza a dimensão fracos do seu contexto educativo: Com a
vas são o resultado de áreas do cérebro que da multiculturalidade presente nas famílias análise destes dados esta educadora preten-
são recrutadas para resolver problemas, bem das crianças que acolhem, salientado a im- de compreender de que forma os educadores
como existe uma enorme plasticidade do cé- portância de uma rede de suporte social que perspectivam e constroem os seus currículos
rebro para se modificar, situação que advém apoie a família. Com um trabalho direccio- e de que forma traduzem “intencionalida-
de factores biológicos e da estimulação a nado para o apoio psicopedagógico às amas de educativa”. Estamos assim em presença
que a criança está sujeita, permitindo assim que recebem as crianças em suas casas, a de um estudo que pode, pelo seu carácter
que o cérebro se vá moldando ao longo do equipa técnica aposta numa vertente for- pioneiro, dar um contributo significativo na
tempo. Neste sentido, salienta o papel dos mativa, partindo dos recursos existentes e desocultação do sentido da intervenção do
educadores como pessoas e profissionais valorizando comportamentos e atitudes que educador, numa valência que carece, como
que moldam o cérebro das crianças ( a par defendem a tolerância. Nesta comunicação, refere a própria OCDE de enquadramento
com as funções biológicas), chamando a ficámos a conhecer mais uma das respostas curricular pouco educativo, sendo as creches
nossa atenção para a grande responsabilida- educativas do atendimento à 1ª infância, portuguesas ao nível legislativo e prático,
de nesta tarefa. Tarefa que em seu entender (a creche familiar), que no caso concreto e apenas de carácter assistencialista, o que
deve centra-se menos na forma como ensi- tendo em conta a realidade sócio-familiar contraria, como já foi referido neste encon-
namos, mas sobretudo na compreensão de das crianças, aposta no principio de que “a tro, muito dos esforços e perspectivas dos
como as crianças aprendem, ou seja, proces- cultura dos pais é um elementos importan- educadores, a sua valorização profissional e
sam as múltiplas informações a que todos os te no processo de socialização da criança”. sobretudo o desenvolvimento de os direitos
dias estão sujeitos. Mais um exemplo de como é importante e das crianças desta faixa etária.
E voltámos novamente para os contextos possível delinear um projecto que incida si- Por último, a educadora de infância e direc-
de trabalho com crianças pequenas, entre multaneamente em diferentes dimensões e tora do Centro de formação da APEI, Isabel

45 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ASNOSSASNOTÍCIAS
Conhecer a(s) infância(s) implica uma atenção, uma
“escuta”, uma busca para compreender o outro.
Esse exercício é o que nos deve guiar na “Avaliação”
Américo Peças

Correia, deu-nos o testemunho da sua expe- No passado dia 29 de Setembro, realizou- mologicamente polissémico, que funciona co-
riência enquanto formadora de pessoal auxi- se, no auditório Municipal de Portel e com mo o “canto da sereia, no qual estamos todos
liar, elementos fundamentais nas equipas de o apoio do Município de Portel, o Encontro seduzidos, mas não sabemos ao que vamos”,
trabalho com as crianças, nomeadamente se Pensar a(s) Infância(s), que teve por base Américo Peças brindou-nos com uma reflexão
nos colocarmos do ponto de vista da efecti- a temática da Avaliação, na prossecução acutilante sobre as práticas educativas desen-
vação das práticas de qualidade, que exigem do objectivo da Direcção da Associação de volvidas no pré-escolar, valorizando a neces-
que todos e cada um se apropriem da sua Profissionais de Educação de Infância de sidade da escola compreender, antes de uma
função, no seio de um grupo. Como referiu, realizar, de forma descentralizada, as refle- definição rigorosa de Competências exigíveis, o
o êxito educativo depende de um trabalho xões e discussões previstas para o Encontro que, realmente, devem as crianças saber.
colaborativo de participação, de cooperação Nacional da APEI, marcado para o passado Nesta linha, defendeu também que a defini-
e de aprendizagem comum, a realizar em mês de Abril, mas que teve que ser cancelado ção de competências tem de ser suportada por
contexto de trabalho, tendo por base a par- por razões alheias à vontade da Direcção. uma efectiva avaliação que não pode ser base-
tilha de saberes ao serviço da educação de Dinamizado em torno de três espaços ada na organização de instrumentos apriorísti-
todos, partindo de dentro para fora, ou seja, específicos da Avaliação: Avaliação das cos, ou seja, não se pode perder na “avaliação
dos próprios projectos educativos. Que não Aprendizagens, Avaliação das Instituições de comportamentos repetidos à exaustão em
dispensa ninguém dos que estão presentes e Avaliação de Desempenho dos Docentes, rotinas predefinidas e desadequadas dos reais
no quotidiano com as crianças e os seus este encontro contou, entre os convida- interesses e capacidades das crianças”.
contextos de desenvolvimento. Que exige dos, com o professor Américo Peças, da Pelo exposto, defendeu uma actividade de
posturas éticas e compromissos sérios com Universidade de Évora, o professor Luís Silva ensino dinamizada por uma nova ecologia e
a profissão, num diálogo permanente. Que Pereira, do Instituto Superior de Psicologia economia da acção educativa, na qual seja
implica a criação de espaços de trabalho e Aplicada, o Sub Inspector-Geral da Educação, dada às crianças uma nova “mundividência”
formação, como um binómio resultante da Dr. Alexandre Ventura, a educadora Joana e nas quais o “tempo não seja ocupado, mas
profissionalidade exercida. Para um atendi- Freitas, em representação da Fundação intensamente vivido”. Finalizou, fazendo vo-
mento de qualidade à 1ª infância. Bissaya Barreto, o Director Geral dos Recursos tos para que os educadores, e os adultos em
E é assim que no fim e depois deste rápi- Humanos da Educação, Dr. Jorge Morais e o geral, façam das crianças suas semelhantes,
do percurso pelas diferentes comunicações, adjunto do Secretário de Estado Adjunto e da escutando-os e levando-os a sério, porque
necessariamente incompleto face à sua ri- Educação, Dr. José Manuel Batista. a “pedagogia é uma relação e uma rede de
queza, chegamos novamente ao princípio Após a sessão de abertura, presidida pelo obrigações em que a condição da prática pe-
que norteou este encontro SER BEBÉ IV: a Presidente da Câmara Municipal de Portel, dagógica é uma atenção infinita ao outro”.
importância e a necessidade de em conjunto Dr. Norberto Patinho, e com a presença Luís Silva Pereira, numa intervenção seguida
com todos os implicados (famílias, profissio- do Sub-Director Regional de Educação do com muita atenção pelos presentes, promo-
nais e outros técnicos e parceiros…) sermos Alentejo, Dr. José Carlos Calhau, a presidente veu uma interessante reflexão sobre Emoção,
capazes de construir respostas educativas da Direcção da APEI apresentou a dinâmica Cultura e Aprendizagem.
contextualizadas para os bebés e a sua cir- dos trabalhos a seguir, com especial destaque Começando por afirmar que o conceito de
cunstância. para os espaços de reflexão e análise sobre Emoção não é um conceito global, e por tal
Muito obrigada a todos os que com as suas Avaliação e a sua relação, cada vez mais perti- se prestar a diferentes formas de expressão,
comunicações contribuíram para mais um es- nente e actual, com a dinâmicas de mudança culturais e sociais, defendeu a necessidade
paço de reflexão, partilha, debate e troca de social e profissional dos docentes. dos docentes terem, na sua preparação aca-
perspectivas neste sábado, aqui em Almada. Américo Peças, por sua vez, e na primeira co- démica e humana, um espaço de aprendiza-
municação do dia, apresentou dados sobre gem relativa à relação emocional e emotiva
A Comissão Organizadora um estudo de investigação-acção desenvol- que os preparem para a efectiva inclusão
vido no âmbito do grupo de reflexão sobre a sócio-educativa dos alunos.
aplicação prática das Orientações Curriculares Recordou ainda, através de exemplo práticos
para a Educação Pré-escolar, no qual foram de uma investigação que desenvolveu numa
também reflectidas as Competências a de- comunidade Mapuche do Chile, a importância
senvolver em crianças em idade pré-escolar e pertinência de uma atenção específica, em
e as práticas de avaliação possíveis. termos de formação e de relação pedagógica,
Partindo do princípio que o conceito de aos novos desafios de integração, diversidade e
Competência é um conceito ainda vago, episte- ambiente cultural de todas as comunidades.

46 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


Valorizou também a necessidade de se pro- nuação do processo de avaliação entrará em
ceder, em todos os níveis educativos, mas breve na terceira fase, que aumentará o nú-
com especial atenção ao pré-escolar, a uma mero de unidades de gestão a intervencionar,
reavaliação da dinâmica avaliativa, através de bem como valorizará ainda mais a actividade
uma maior e mais próxima interacção huma- e perspectiva dos Avaliadores Externos (ou
na, social e afectiva, que permita aos docen- especialistas de fora da Escola), que, na sua
tes “esquecer o que sabem e ouvir o que os opinião, valorizaram e engrandeceram con-
alunos têm para dizer”. sideravelmente o processo de avaliação.
No painel dedicado à Avaliação das Também um destaque para os espaços de
Organizações, Alexandre Ventura apresen- comunicação sistemática e devolutiva que
tou o Programa de Avaliação Externa das foram conseguidos, que proporcionarão uma
Escolas, desenvolvido, desde o ano de 2006, efectiva aplicabilidade da informação resul-
pela Inspecção-Geral da Educação. Este pro- tante do processo.
grama, desenvolvido em três fases, tem como Joana Freitas, pela Fundação Bissaya Barreto
principal objectivo aferir e interpelar as esco- apresentou alguns resultados da operaciona- No painel dedicado à Avaliação dos Docentes,
las (consideradas neste caso como Unidades lização do estudo de Avaliação da Qualidade, o Encontro de Portel teve a honra de receber
de Gestão) no que concerne à qualidade das baseado no sistema DQP- Developing Quality a presença do Dr. Jorge Morais e do Dr. José
suas práticas e dos seus resultados. in Partnership (Desenvolvendo Qualidade em Manuel Batista, que, em nome do Ministério
Explanando o processo metodológico do es- Parceria), que a fundação realizou na sua uni- da Educação, apresentaram os principais ob-
tudo, que consistiu na elaboração de um mo- dade Maria Granado, em Coimbra. jectivos que presidem à definição de um novo
delo de avaliação, na selecção das unidades Nas palavras de Joana Freitas, que começou quadro legal para a avaliação de desempenho
que cumpriram os requisitos do modelo, na por explicar a definição de Qualidade, no âm- dos docentes em Portugal.
interpelação sistemática e na apresentação de bito do projecto, o processo de implementa- Começando por valorizar a informação relati-
resultados (que terão lugar, de forma formal e ção permitiu, antes de mais, a uniformização va ao investimento feito na educação do país,
definitiva, durante o mês de Outubro de 2007), da linguagem entre todos os envolvidos na comparando-a com o investimento feito por
foram, sobretudo, evidenciados os processos vida da instituição. Com uma forte aposta nas outros países europeus, José Manuel Batista,
de recolha de informação e de devolução dos várias dimensões do conceito de qualidade, o destacou que, apesar de sermos um dos paí-
resultados, que, nos casos em apreço, mere- envolvimento de técnicos, docentes, alunos e ses que mais valores afecta à Educação, sur-
ceram uma particular atenção na perspectiva famílias destacou-se como um dos factores de gimos nos piores lugares no que concerne ao
da constituição de parcerias e da dinamização desenvolvimento da dinamização do estudo. real aproveitamento dessas verbas, nomea-
social, cultural e educativa das escolas. Após a explicitação do processo de avaliação, damente no que diz respeito aos resultados
Nas palavras de Alexandre Ventura, as princi- que consistiu na elaboração e aplicação de e à correlação abandono/insucesso escolar.
pais dificuldades do processo prenderam-se grelhas de análise sobre vários sectores da Por esse motivo, e como afirmou, Portugal
com a falta de sistematização da informação vida da escola, ficou evidente o envolvimento terá de proceder à priorização dos seus ob-
solicitada às escolas, bem como com as difi- e a participação de todos os agentes, com jectivos na área da educação e defendeu que,
culdades sentidas no processo de autoava- especial relevo para a inclusão dos alunos nas tal como consta no programa do Governo,
liação das escolas, nomeadamente, no que práticas de avaliação. o investimento cumpra os objectivos de (1)
respeita à organização e recolha de instru- Ouro dos factores fundamentais do estudo, Dotar os jovens e a população em geral de
mentos fiáveis e válidos. deve-se à elaborada análise dos instrumentos competências na área da tecnologias da in-
Nos resultados que apresentou, as unida- de avaliação, na qual se envolveram todos os formação e da comunicação, (2) Faça os seus
des de gestão intervencionadas têm valores docentes e famílias, o que permitiu a devo- alunos regressar à Escola e (3) Proponha uma
globalmente favoráveis ao nível do serviço lução efectiva de práticas “esquecidas” às efectiva Formação ao Longo da Vida a toda
educativo que prestam e da própria orga- rotinas diárias. a população.
nização escolar. No que concerne, contudo, No que concerne aos resultados da investi- Após esta introdução, o Adjunto do secre-
às práticas de liderança, desenvolvimento e gação, evidenciou a alteração de práticas e a tário de Estado Adjunto e da Educação,
resultados dos alunos, há que melhorar, de melhoria dos espaços de acção, bem como a apresentou os princípios que presidiram à
forma integrada e contínua, os valores que reflexão constante e efectiva que aumentou definição de novas regras para o processo
advieram do estudo. consideravelmente a qualidade percepciona- de avaliação dos docentes, que o Dr. Jorge
Numa nota final, referiu ainda que a conti- da por todos os envolvidos. Morais complementou com a apresentação

47 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: ASNOSSASNOTÍCIAS
Conferência de
Peter Moss
Porto, 9 de Novembro
das dinâmicas que deverão presidir a este e sobretudo, que permita recompensar efec- No dia 9 de Novembro teve lugar uma confe-
processo. Relevando o facto de a anterior le- tivamente os docentes pelo seu labor, dedi- rência proferida por Peter Moss, da Thomas
gislação ter sido pensada numa perspectiva cado e profissional. Thomas Coram Research Unit, Institute of Edu-
de evolução na carreira, sem promover uma Após um amplo debate e reflexão com os cation, University of London, no auditório da
efectiva melhoria das práticas, sublinhou que presentes, nos quais foram apresentadas Escola Superior de Educação do Porto.
a nova legislação tem como principal objecti- algumas dúvidas pertinentes, a direcção da Esta iniciativa constituiu mais um espaço de
vo devolver a avaliados e avaliadores uma pa- APEI, e antes do encerramento da sessão, reflexão e debate para “Pensar a(s) Infância(s)”,
norâmica mais centrada no desenvolvimento comprometeu-se a disponibilizar a todos os mas também mais uma oportunidade para os
prático do desempenho profissional. Nesse associados informação sobre o processo, bem profissionais e alunos do Norte, associados ou
sentido, a proposta legislativa, não só se cen- como a convidar os dois prelectores para um não da APEI, de poderem usufruir de uma acção
tra num processo de avaliação mais partici- outro momento de análise e reflexão sobre de qualidade que resulta da intenção e do com-
pado, como é suportado por um conjunto de este novo modelo. promisso da Direcção de descentralizar a sua
instrumentos integrados, que exigem não só Após o encerramento dos trabalhos, e devido intervenção. Para tal muito contribuiu o empe-
a participação do docente, numa perspectiva a questões logísticas exteriores à organização nho das actuais Delegadas da APEI no Norte, as
de autoavaliação, como tornam estrutural o do encontro, que obrigou ao cancelamento associadas Rosário Rebelo e Salomé Ribeiro.
processo de avaliação, ao envolver outros da actividade programada “Passeio de bar- De realçar também o apoio da ESE da Porto, na
agentes educativos, bem como factores prá- co no Alqueva”, a maioria dos participantes pessoa da Doutora Deolinda Ribeiro e do Ins-
ticos e administrativos. seguiu para uma visita à Vila de Monsaraz tituto Politécnico do Porto que nos disponibili-
Os critérios que presidiram à elaboração do e à Aldeia da Luz, onde foi possível, além zaram o espaço e todos os meios audiovisuais
novo conjunto legislativo fundamentam-se do intenso convívio entre os profissionais necessários para a conferência.
na definição clara de objectivos de desem- que se deslocaram ao Auditório Municipal Peter Moss desenvolveu uma profunda e interes-
penho, baseados nos planos de actividade para um dia intenso e de grande interesse sante conferência intitulada “Re-pensar as ima-
mas também nas funções docentes, bem profissional, visitar uma das mais belas vilas gens da infância e re-formar os serviços”1 na qual
como no processo de observação e reflexão portuguesas e recolher pertinente informação explanou os conceitos, as estruturas e parcerias
da prática, esta suportada por efectiva obser- sobre uma das mais importantes mudanças necessárias para que possamos equacionar a
vação da actividade e na análise dos resulta- sociais e humanas realizadas em Portugal nos Educação de Infância (0-6 anos) enquanto direito
dos obtidos. Apenas no fim deste processo últimos anos, esta devido à nova Barragem de todas as crianças desde o nascimento.
terá lugar a notação do avaliado, sendo que, do Alqueva. Destacamos a importância atribuída à imagem
neste processo, também estão presentes as Agora, resta-nos esperar pelas novas inicia- do jardim de infância como espesso de de-
várias dimensões da avaliação, de onde se tivas já marcadas pela APEI - Associação de mocracia para a qual o conferencista citou o
destacam a componente profissional e ética Profissionais de Educação de Infância. relatório “Starting Strong II”: “A visão serviços
do docente, o desenvolvimento dos modelos de Educação de Infância como um espaço vivo
de ensino/aprendizagem, a participação na onde educadores e famílias trabalham juntos na
vida da Escola e a relação com a comunidade promoção do bem-estar, participação e apren-
educativa e o desenvolvimento e formação dizagem das crianças baseia-se no principio da
contínua e ao longo da vida. participação democrática”.
O processo de avaliação formal, que terá lu- De realçar também a abordagem que fez à ne-
gar a cada dois anos, baseia-se também no cessidade de os países da UE investirem numa
preenchimento de instrumentos específicos abordagem europeia sobre os serviços para crian-
que foram apresentados pelos oradores, no- ças dos 0 aos 6 anos de idade. Nesse âmbito foi
meadamente as fichas de autoavaliação, de feito a divulgação do documento de discussão
avaliação pelo coordenador e de avaliação pe- pública da responsabilidade da Rede Europeia
lo Conselho Executivo (disponíveis na página Infância na Europa (Children in Europe), que em
de internet da APEI, em http://informapei2. Portugal é da responsabilidade da APEI, intitulado
no.sapo.pt/docs.html). “A Infância e os serviços: desenvolvendo uma
Os representantes do Ministério da Educação estratégia Europeia” (disponível para consulta
fizerem ainda votos para que a mudança, que e participação em http://apei.no.sapo.pt
nunca é pacífica, permita uma efectiva me-
lhoria da qualidade da educação e também, 1 Diapositivos disponíveis em http://apei.no.sapo.pt

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: LERCOMOSCINCOSENTIDOS Mafalda Milhões
mafalda.milhões@iol.pt

Em casa, na escola,
no carro ou de barco a navegar há sempre tempo para cantarolar

Olá a todos, As lengalengas, as rimas, as canções berra- ciência que não sei cantar, mas uso o meu
Depois de um Verão cheio de mudanças, via- das no banco de trás do carro e as doces direito de mãe para cantarolar e brincar com
gens, obras e muitas peripécias pensei que po- melodias ao adormecer fazem parte de um sons com mais segurança.
deria aproveitar o artigo para partilhar com vo- tesouro imenso que nos ensinou o valor da Perdi as “vergonhas” e aprendi a brincar com
cês os meus momentinhos de paz e descanso. vida, são memórias acordadas pelos largos a minha boca que só mastigava palavras.
Estes momentos não me pertencem só a mim. tardões e serões que o Verão nos oferece Agora digo disparates com rimas sem senti-
São pedacinhos de tempo roubados a um outro quando estamos todos juntos. do, desafio os mais pequenos e mantenho
tempo atarefado e azafamado, são os momentos Pois é, ler é cantar livremente palavras de vá- assim as minhas memórias de menina de pé
de paz e partilha que vivo com a minha família. rias cores, texturas, tamanhos e formas. descalço a cantar com as manas e os primos
Este Verão foi terrível no que diz respeito a via- Cantar é ler a melodia das palavras, é brincar em casa da nossa avó transmontana.
gens, ora com o carro cheio de caixotes ora vazio com sons despreocupadamente e saborear o Com a Matilde percebi que a música é um
fazíamos os mesmos percursos vezes sem conta. gosto requintado de cada palavra ou som. uma aprendizagem constante e é acima de
Com a Matilde sempre presente ouvimos, con- Cantarolar é um exercício criativo sem limi- tudo experimental.
támos e cantarolámos 5458 vezes os mesmos tes, onde se põe em prática uma série de es- A nossa vida está cheia de música, parece
CD’s. O que nos valeu foi ter encontrado num tímulos importantes para o desenvolvimento um filme onde a natureza e o quotidiano do
dos caixotes uma orquestra com bichos canto- de um bom leitor. espaço que nos rodeia nos enchem de som.
res e um livro com um CD cheio de lengalengas. A aquisição de conceitos e vocabulário apre- Graças a projectos como “Cantar Juntos” - edita-
De repente ali estávamos nós a viajar com senta-se de uma forma divertida e pouco rí- do com afecto pela Estúdio Didáctico em parce-
musicólogos e especialistas na arte de dizer gida, as melodias vão entrando pelo ouvido e ria com a A PAR (Projecto Aprender em Parceria)
e mastigar sons e palavras. saindo pela boca, afirmando-se pela repetição, ou como “ Enciclopédia da Música com Bicho”
“Caracol, caracol, põe os pauzinhos ao sol. dando, mais tarde, forma às nossas memórias – obra que conta já com 3 tomos orquestrados e
Caracol... Pões os pauzinhos ao sol!” que dão colo aos conhecimentos adquiridos. editados pela Companhia de Música Teatral – as
Em seguida a Matilde dizia: Muitos são os contadores de histórias e media- nossas viagens ganharam um outro ritmo.
-Maiiis?! Tumama, tu! dores de leitura que recorrem a estas práticas No embalo, a Matilde adormece, eu desligo
Era um pedido sentido e tão terno que não para enriquecer e dar forma ao conto. A narra- o rádio e no silêncio sinto que a maternidade
se podia recusar. tiva ganha outra dinâmica quando é animada é uma bênção.
Ouvimos a história do caracol que se quer com sons, melodias com ou sem palavras que Peço-vos que procurem estes trabalhos e
casar, da galinha que fala inglês, da borbole- ajudam a embalar leitores de todas as idades. que se deixem levar pelos desafios que estas
ta de asa às cores e cara preta. É engraçado que mesmo tendo consciência propostas nos apresentam.
Ao chegar a casa tornávamos a cantar, can- de que não sei cantar, me sinto uma diva Da minha parte, e em nome da Matilde, digo:
tava o pai, a avó, as tias, a madrinha, o padri- quando a minha filhota me pede: Obrigada a todos por nos porem a cantar.
nho e os amigos. Mãe, tanta. Tanta tu. Digo-o eu que não sei cantar e me sinto uma
Apesar do cansaço e da repetição destas Antes da maternidade, quando recorria às diva quando a minha filhota me pede:
cantorias sentia o cheiro, os barulhos, as lem- melodias para contar histórias, ficava nervo- Mãe, tanta. Tanta tu.
branças de quando era mais pequena. sa e sentia-me insegura. Agora, tenho cons-
:PUB

49 Cadernos de Educação de Infância nº82 Dez/07


: PRELO

gue também fomentar sentido crítico em relação


aos animais e à forma como são tratados pelo
Homem ou até em aspectos tão simples como
aprendizagem do sentido estético da arte, pela
apreciação de boas ilustrações ao invés do fraco e
parco desenho fácil que diminui a própria criança.
Esta obra tem o papel fundamental de, através da
interacção texto / ilustração, levar a criança a en-
trar no mundo da imaginação e do sonho fantás-
tico, aumentando a sua capacidade de produzir
novas ideias e uma maior criatividade.
Torna-se evidente que é uma obra didáctica tam-
bém na aprendizagem da leitura e da escrita, no-
meadamente para alunos do primeiro ano de es-
colaridade, pelo facto de cada letra representar um
> Tudo começa com o “A”, de alfabeto, de audi- animal. Deste modo, o Plano Nacional de Leitura > Numa época em que o debate e a reflexão
ção, de aprendizagem, de amor… Pois é a partir do recomenda esta obra para uma leitura autónoma, sobre as questões dos livros e da leitura, e
livro escrito por José Jorge Letria e ilustrado por mas sobretudo para uma leitura apoiada pelos pais nomeadamente sobre as características que a
André Letria, “O Alfabeto dos Bichos”, que muitas e professores, pelo conteúdo a explorar. escola e a formação devem assumir o objectivo
crianças dão início à audição e à aprendizagem do Em suma, tudo termina com o “Z” listado da zebra, de desenvolver competências de leitura nos jo-
alfabeto e do amor pelos mais diversos bichos. na qual toda a criança tem dúvidas em optar, cabe vens, este livro apresenta-nos um conjunto de
Através de rimas divertidas, de ilustrações a cada um de nós, pais e docentes, mostrar-lhes definições e metodologias que poderão con-
fantásticas, José Jorge Letria e André Letria todas as cores, para que no seu sentido crítico, ela tribuir para um maior sucesso na obtenção de
levam-nos a descobrir dos mais interessantes se “aliste” ou pelo preto ou pelo branco. resultados satisfatórios.
e desconhecidos animais, uns já estrelas de Com base em estudos que fornecem um referen-
cinema, como o tubarão, outros que se apre- Marco Alexandre Carvalho Bento cial teórico claro, e fundamentado na investiga-
sentam e dão conhecer de forma cómica, como ção, ao longo das 185 páginas que o compõem,
o xarroco. Este livro leva as crianças a desco- este livro analisa um vasto leque de propostas de
brir as semelhanças e as diferenças entre ani- promoção dos livros e das leituras em contextos
mais, as suas preocupações, os seus medos, os diversificados, desde o jardim-de-infância até aos
seus atributos, as suas características, os seus níveis finais de escolaridade, mas também em
gostos e alegrias, os seus habitats naturais, outros espaços significativos para a formação,
evidenciando às crianças que os animais são como são as bibliotecas e o espaço da familia.
nossos amigos, mas acima dessa frase chavão, Ao longo dos vários capítulos do livro é possível
fornece-lhes um conceito de cidadania e res- descobrir uma interessante reflexão evolutiva
peito por todos os seres vivos. que nos leva da compreensão do espaço da
“O Alfabeto dos Bichos”, da editora Oficina do leitura e dos seus processos endógenos, e a re-
Livro, é uma compilação de diferentes bilhetes lação entre competência de leitura e leitor com-
de identidade, guiando as crianças para explo- petente, até à apresentação e análise de boas
rar, pelo simples prazer de desfolhar um livro práticas de promoção da leitura e formação de
e a cantar as rimas, entoando alegremente os comunidades leitoras, com especial destaque
novos amigos conhecidos. José Jorge Letria para a reflexão que nos oferece sobre literacia
consegue chegar às crianças homenageando os > O Sebastião tem uma irmã, os dois vivem emergente e a sua promoção activa no contex-
animais e a beleza que dão ao nosso planeta. numa ilha e o Sebastião não pára de arreliar e to do jardim-de-infância ou para os “roteiros de
Salientam-se também, e desde logo, as ilustra- de pregar partidas à irmã. Até perceber que não leitura” como práticas de desenvolvimento de
ções com um traço tão característico de André consegue estar sem ela. competência para uma “leitura eficiente”.
Letria, levando as crianças a exclamações de Um livro que aborda as emoções, focando a ques- Este livro, organizado de forma a responder
espanto e deslumbramento por tão belas telas tão das “brigas” entre irmãos. …porque normal- eficazmente às necessidades do leitor, seja ele
cruzadas pela cor. mente é mais fácil magoar quem gostamos, quan- um profissional ou um estudante em formação,
Assim, podemos referir que esta obra, para além do estamos um pouco mal dispostos com a vida. obrigou a um cuidado específico na forma de
do factor lúdico e de diversão, ímpar e tão im- seleccionar os assuntos e na forma de os tratar,
portante para atrair uma criança ao livro, conse- Elvira Cristina Silva para que os seus possíveis leitores e destina-

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tários se identifiquem facilmente com a estru- Recorrendo bastas vezes a situações reais, O livro apesar de relatar uma realidade preo-
turação e temáticas abordadas e dessa forma confere, através das suas impressões, um cupante, contextualiza de forma construtiva
sintam como fácil a sua utilização, Apesar de cunho pessoal e profissional na leitura atenta como e porquê do surgir deste «problema»,
assumidamente identificado como um livro que, de forma evidente, se nota no retorno pois permite colocar-nos no lugar dos pais/
dirigido a profissionais, a sua leitura simples, à prática. família e de seguida colocar-nos no lugar da
concisa e organizada chegará muito facilmente Numa edição quase de autor, de leitura fácil e criança, sendo como balança o processo de
a todo um público que se interesse pelas ques- organização cuidada, “O Mundo das Crianças” desenvolvimento da criança e como este vai
tões da promoção da leitura, e a formação de (163 páginas) fornece-nos não só reflexões sendo construído com os exemplos e a pos-
hábitos leitores desde a primeira infância, e que partilháveis como óptimos instrumentos de tura que os pais dão como modelo, e o que
concebem essa formação como um processo trabalho, numa perspectiva de autoformação pensa (consoante a idade que tem) e como
contínuo e participado. e auto-reflexão. isso se reflecte na construção da sua per-
sonalidade. Pois desmistifica dogmas sobre
Henrique Santos Henrique Santos a educação como os pais podem ser auto-
ritários sem «traumatizar» as crianças, pois
“autoridade, cuja origem latina vem do termo
auctoritas significa aumentar, fazer crescer,
ajudar a ser mais e melhor, acrescentar. É
uma postura perante os filhos de ser e estar,
de mostrar coerência, de ser sempre paciente
e firme, de não deixar de educar em nenhum
momento e estar disponível para os ajudar
quando necessitarem” (pág. 106).
São os pais/família os primeiros e os que
têm mais impacto no desenvolvimento de
uma criança. São eles que têm de continuar
a fixar limites, fixar regras para servirem de
modelos para o desenvolvimento da perso-
nalidade da criança, mas a criança também
pode participar naquilo que tem competên-
> “…Com os jovens e/ou crianças passa-se o > Quem dita as regras? cias para decidir.
mesmo. Todos os passos descritos têm se- Quem dita as regras na escola? E na família?
melhança com o desempenho do estudante, Uma linguagem clara e objectiva acompanham
que, caso venha a ter aproveitamento, se as- a leitura do livro levando a que fiquemos alerta
semelha a uma boa colheita.” sobre o fenómeno que “vislumbrei que o que
Escrito na primeira pessoa, com duas inten- hoje é um pequeno mas intenso problema em
ções bem definidas: “lançar um desafio aos Espanha pode sê-lo dentro de uma década em
professores que (…) compilem e divulguem Portugal”.
os dados mais significativos (da sua função Este «problema» vai sendo exemplificado no
docente)” e “fornecer alguns instrumentos livro através de exemplos, situações e contex-
de trabalho na área da psicopedagogia e da tualizado de forma preceptiva e real sobre as
didáctica aplicada”, este livro, que tem como mudanças sociais que estamos a viver, e tam-
título “O Mundo das Crianças”, é um notável bém as que são anteriores desde a passagem
trabalho de escrita reflectida. para a democracia. Esta mudança social alte-
A pertinência deste livro deve-se a dois facto- rou hábitos, costumes, papéis sociais, ritmos e
res: por um lado, é sempre de saudar os es- necessidades. Por isso, este fenómeno está a
critos oriundos de professores, quer seja pela «florescer» no perfil de papéis sociais como a
acuidade das reflexões possíveis, quer pela família, os pais, a escola, os professores, “pas-
actualidade dos temas propostos, e, por outro sou-se de uma geração em que se comiam as
lado, porque este livro, escrito “ao correr da sobras, para uma geração em que sobra quase > Esta e outras perguntas, como, porque não
pena”, encerra nele reflexões pessoais, exte- tudo, os pais passaram a comprar aos filhos, andam os hipopótamos de comboio, porque
riorizáveis, e remete para uma análise precisa com o dinheiro que não tinham, bens de que os patos não pilotam aviões, porque os leões
e contundente de práticas pedagógicas que eles não necessitam” (pág. 42). não cortam o cabelo, ou porque os pinguins
urge reflectir num espaço dinâmico e cultural E este fenómeno está a desencadear um cres- não nadam nas piscinas, porquê, porquê? A
como é o da Escola. cimento de autoritarismo das crianças, primeiro eterna idade dos porquês, onde as respostas
José Maria Duarte Oliveira permite-nos, de dentro de casa e depois para a escola, tendo dadas, de forma humorística, quer através do
forma simples e directa, acompanhar as suas este comportamento reflexos na forma como texto, quer pela ilustração muito representa-
interrogações e sugestões pedagógicas, sem os papéis sociais em diversas famílias, que tem tiva das divertidas situações, permitem de-
pretender convencer-nos da qualidade des- comportamentos permissivos, estão opostos senvolver o gosto pela leitura e apurar o sen-
sas mesmas práticas, mas com uma dose ao que deveria acontecer, sendo as crianças tido crítico e criativo, bem como possibilitar o
adequada de cuidados paliativos como que a que ditam as regras, alteram ritmos familiares sonho e a magia do pensamento, capacidade
sugerir-nos espaços próprios de reflexão so- e recusam-se a fazer algo que não queiram, que nos distingue como seres humanos.
bre as “nossas” práticas, enquanto docentes sendo que as suas vontades têm de ser respei-
e adultos. tadas de imediato. Elvira Cristina Silva

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: PUB ESTUDIO DIDÁCTICO

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