2
Quer dizer, apesar de todas as minhas possibilidades serem possíveis apenas pelo
passado, de certo modo determinadas por ele, é através dele, no instante, o aqui e
agora, que eu decido: sou capaz de pensar isto ou aquilo, de fazer tal ou qual coisa,
que tem o seu significado, e assim por diante.
3
Quer dizer, tudo o que se apresenta para mim, aqui e agora, me parece tão óbvio
que seria indiferente que eu o criticasse, de tal modo que o aceito passivamente e o
deixo operar como um “significante-mestre”, por assim dizer.
4
Termo traduzido pelos filósofos medievais como substantia, para manter a idéia
de algo que é sempre apesar das modificações contingentes e acidentais, de
superfície: é aquilo que sustém, está sob. Este termo adquire feições particulares
em cada um dos filósofos: algumas interessantes são, por exemplo, encontradas
em Locke, Berkeley e Leibniz.
5
Quer dizer, as crises do ser-aí determinam a própria questão do ser, como se verá
com os conceitos de angústia, tédio etc.
Para articular a destruição histórica da ontologia e a
hermenêutica da facticidade e dar-lhes uma direção, é, sobremaneira,
necessário um ente mergulhado “na facticidade incontornável de
seu mundo, ao mesmo tempo em que seja marcado por uma relação
originária e indissolúvel com o ser” (pp. 86-7), qual seja, o ser-aí
(Dasein)6. “A destruição da história da ontologia a partir do fio
condutor da questão do ser e a hermenêutica da facticidade
confluem, portanto, para a analítica do ser-aí” (p. 88). É a partir do
Dasein e da análise do modo de ser desse ente 7 que se pode
perguntar: “o que é o ente?”.
O paradoxo do conceito de mundo em Heidegger é
solucionado pelas tonalidades afetivas.
O domínio da ditadura do impessoal veicula o sentido
subjacente aos campos de uso dos entes, pelos quais se
movimenta o ser. Pela compreensão, vinculada ao caráter de
poder-ser (de possibilidade) do ser-aí, pode ser interpretado,
então, esse sentido.
Visão de mundo, para Heidegger: mundo fático
compartilhado8.
O ser-aí só existe em virtude do mundo; é em virtude do
impessoal que constrói o seu projeto existenciário; e é em virtude de
seu caráter indeterminado de poder-ser que toda esta situação se
baseia.
A primeira parte de Ser e tempo é uma teoria do discurso (do
mundo).
Possibilidades do
6
Isto é, a própria questão do ser é pensada a partir desse ente particular que é o
ser-aí e a sua modulação com a ontologia e os projetos de mundo.
7
Esse é o projeto mesmo da analítica existencial, que, em Sartre, tem outros
rumos: uma psicologia.
8
Aqui a grande influência de Dilthey se mostra claramente no pensamento de
Heidegger.
Ditadura do impessoal (os
Significân
mobilizadores estruturais
cia
sedimentados / os ”em-virtude-
Mundo
Os utensílios (do campo de uso dos entes) aparecem como tais por
estarem imersos num campo referencial utensilar.
Campo existencial
como campo
dispositivo-
compreensivo
Compreensão
como abertura à Facticidade aberta
interpretação e originariamente de
desdobramento do maneira dispositiva
ser do ser-aí
Discurso (articulação da
compreensibilidade do
aí, por ser fundamento)
9
É o já-aí – o a priori em relação ao ser do ser-aí.
Descerramento do ser-aí
no mundo
Ser-no-
mundo
É através de uma totalidade afetiva10 que se dá o
descerramento do aí fático11. Ao mesmo tempo em que uma
tonalidade afetiva obscurece o descerramento de mundo, constitutivo
da dinâmica existencial do ser-aí, ela pode trazer uma supressão
desse obscurecimento através da tonalidade afetiva fundamental: a
angústia.
TEMOR ANGÚSTIA
- Está relacionado a um ente - Não possui relação com nenhum
intramundano que possa produzir ente intramundano que se
dano a algo que o ser-aí julgue destaque do interior dos campos
ser (em certo sentido, às próprias de uso12 cotidiano.
possibilidades do ser-aí). - Caráter de ameaça.
- Nasce em sintonia com a - O “ante-o-que” não é um ente
própria imersão inicial do ser-aí de região determinada, mas o
no mundo das ocupações próprio modo de ser do ente que
cotidianas. recua: o caráter de poder-ser
- Não representa nenhuma do ser-aí.
quebra que surge do interior da - Dimensão de recuo.
10
O termo “tonalidade afetiva” já demonstra o seu funcionamento: que há uma
sintonia entre ser-aí e mundo e que essa sintonia se demonstra na tonalidade
efetiva, assim definindo, cada tonalidade afetiva, um modo de relação entre o ser-aí
e o ser dos entes em geral.
11
Uma das ideias mais importantes do “primeiro Heidegger”.
12
Campos de uso dos entes.
imersão do ser-aí no mundo, que - Caráter de fuga.
lhe possibilita compreender a si - O ante-o-que é o ser-no-
mesmo ou aos outros entes. mundo.
- Dimensão de recuo. O ante-o-que é completamente
Proteção contra a situação indeterminado (a totalidade
ôntica. conformativa é irrelevante); é o
nada.
NIILISMO
Funcionamento “Deus está Maquinação
morto”
Técnica
Diagrama 6: o primeiro início da metafísica e o seu fim
Primeiro início da metafísica
- Ser como ser da totalidade do ente em
geral ou sumamente ente.
- Esquecimento do ser.
- Idéa ou categoria como para além da
aparição do ente (meta-física).
- Presença como desvelamento e
desvelamento como o que não é
Fim da metafísica (Niilismo ou
verdadeiramente.
transição para o outro início)
- Campo de retração do ente como
- Morte de Deus ou “esvaziamento total
presença do sumamente ente (Deus,
das categorias metafísicas e a supressão
théos), fundado e eterno.
radical da dicotomia entre mundo
- Logocentrismo: primado da correção
sensível e mundo suprassensível” (p.
- Verdade como correspondência entre
208).
proposição e coisa.
- O mundo é o único mundo que há e
no qual tudo o que é se dá e pode ser.
- Morte da Verdade: tudo é falso.
- Redução da totalidade (do ser do
ente) ao plano ôntico (do ente em si).
A pergunta da metafísica: “o que é um ente?”, ela já
“estabelece o primado do ente sobre o ser” (p. 211) e, por isto, um
esquecimento do ser, já que pressupõe alcançar o ser dos entes em
geral como um ente supremo “o ente dotado da única presença real”
(p. 211). Quer dizer, o próprio ser é pensado como presença.
Horizonte de
Poder consumação
Quadrante de (apropriação da
superpotencializa própria essência)
ção (mais-poder
e mais-vontade)
Vontade
Para Heidegger, o sujeito moderno aparece como “o único
responsável pela própria constituição da presença de todos os entes
em geral” (p. 214).
O eu enquanto sujeito (hypokeímenon) se estabelece como
medida da verdade, como o fundamento enunciativo: é ele que
“confere aos entes [...] a sua presença própria certa e segura” (p.
215).
“[...] a gênese da subjetividade moderna implica uma
modulação do conceito de verdade como presença constante, porque
provém diretamente de uma redução constante dos entes em geral à
presença constante do sujeito posicionador das proposições
verdadeiras como um todo” (p. 215).
A verdade agora se enraíza na autossuficiência do ego cogito
cogitatum, o sujeito cognoscente. Assim, a verdade das proposições
não está nas próprias proposições, mas precisa de um fundamento
anterior, um ponto de partida metodológico da verdade proposicional:
a subjetividade egoica. A razão é, portanto, colocada no centro da
validação da verdade. O pensar sobre si mesmo dessa moderna
concepção de conhecimento traz consigo um primado que colabora
com a noção de vontade: “antes de querer qualquer coisa, a
subjetividade egoica do homem plenamente racional precisa
antes querer a si mesma como o princípio de toda e qualquer
relação veritativa com os entes” (p. 217, grifos meus). De tal modo, a
VONTADE DE PODER é “a consumação da subjetividade moderna”
(p. 217).
A razão assegura a certeza, para si, no período moderno: “a
subjetividade moderna se [vê] obrigada a querer a si mesma
enquanto sede de toda e qualquer determinação do que é e pode ser”
(p. 218), algo que está presente desde a fórmula cartesiana básica
(Cogito, ergo sum), passa por Kant e Hegel e chega a Nietzsche, em
sua noção de vontade de poder. Neste sentido, a razão, ao querer a
si mesma, é a própria medida da verdade.
A vontade de poder nietzscheana está ligada ainda à
subjetividade moderna, porque, apesar da extrapolação e
suprassunção da vontade, ela deve querer a si mesma; além disso,
ela é a condição de tudo o que pode ser. O sujeito, porém, está
deslocado: “todo sujeito é já resultado de um processo de síntese de
uma pluralidade de elementos que sempre interferem de alguma
maneira no modo de configuração do todo e que se encontram sob o
domínio de uma perspectiva determinada pelo poder de impor a sua
perspectiva aos outros elementos constitutivos de sua malha
complexa e de resistir ao poder desses outros elementos de impingir
a sua perspectiva” (p. 219). E, assim, tudo se configura como vontade
de poder: a queda e o fulgor das coisas; os valores “vem-a-ser” o que
são, sob o mando da própria vontade de poder. O ser passa a estar
também sob o mando dessa vontade.
A subjetividade egoica é transformada na subjetividade
incondicionada – sua autorreflexão, i.e., vontade de vontade ou o
querer a si mesma – o que autonomiza as próprias configurações de
construções ônticas – e sua repetição.
Com a repetição automática da vontade de poder e o seu
fundamento para o exterior, a vontade perde o contato com o
consequente de sua produção e, então, torna-se VONTADE DE
VONTADE. Daí parte Heidegger para a maquinação, a funcionalidade
e a composição.
Ποίησις: Pro-dução. Fazer. Trazer algo do não-ser ao ser.
Τέχνη: Saber fazer que acompanha o fazer (poíesis).
PRODUÇÃO TÉCNICA
• Produção consistente do ente, em que, no fim, ele aparece
como é.
• O ente precisa ser interpretado para poder ser produzido.
• A interpretação do ente cria a base necessária para o
comportamento produtivo do homem.
• A interpretação interpela o início da filosofia dos gregos,
porque é aí que se funda a metafísica da presença: “ser do
ente como presentidade do que se presenta” (Heidegger apud
p. 223).
• O comportamento técnico-produtivo, como um projeto de
mundo, torna-se, a partir de Platão, normativo no cerne da
história da metafísica.
• O ente em sua totalidade a partir da compreensão técnica
desdobra-se na dinâmica da produção.