de Almeida Garrett
Personagens e sua caracterização
Manuel de Sousa Coutinho
* Supersticiosa;
Telmo Pais tem de escolher entre Maria, que ele criou, e D. João, que ele
também criou e a quem deve, além disso, fidelidade de escudeiro.
Mas o que faz deste caso uma novidade na história do teatro é que Telmo
Pais, na realidade, não tem de escolher, ele está de antemão decidido. A
perplexidade perante o dilema é apenas a forma exterior com que Garrett
revestiu uma coisa bem diferente daquilo que o teatro clássico conhecia.
Telmo Pais, amo e criado de D. João de Portugal, era o seu maior amigo, e
nenhuma criatura sofreu tanto como ele o seu desaparecimento; opôs-se
quanto pôde a que a sua viúva casasse segunda vez e não lhe pôde perdoar a
infidelidade para com o amo, cuja morte se recusou sempre a aceitar. O resto dos
seus dias é consagrado ao culto do desaparecido, a quem levanta no seu coração
um altar. E lentamente os dias vão passando, a imagem de D. João vai-se-lhe
entranhando na alma, tornando-se com o tempo talvez mais rígida, mais nítida,
mais adorada. O tempo só fazia aumentar a adoração. Mas deste casamento
abominado nascera uma criança. Quis o destino que Telmo também fosse o amo
dela, e o seu coração cresceu com este novo amor. Mas pode Telmo continuar a
não acreditar na morte de seu amo? Porque se ele é vivo e voltar, que será feito
da sua menina? Órfã e desgraçada é o que ela será, segundo a moral da época.
Durante muito tempo Telmo não chega a ter consciência clara desta contradição.
Telmo Pais - Personagem
Central?
No momento culminante, o pobre Telmo Pais descobre que no fundo da alma
desejava que D. João tivesse continuado morto. O seu reaparecimento transtorna-
lhe a sua verdadeira vida. E Garrett leva o drama desta personagem às suas
consequências últimas, porque é ele - a mandado de D. João, é verdade, mas com
uma satisfação secreta e cheia de remorsos -, é ele quem vai à última hora espalhar
que o Romeiro é um impostor. É ele, afinal, e isto é que é terrível, quem vai matar
definitivamente seu amo, ele, o único que lhe não tinha acreditado na morte e que
fizera votos pelo seu regresso, o único que pode testemunhar a sua vida.