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(P-500)

ELES VIERAM
DO NADA

Autor
K. H. SCHEER

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização e Revisão
ANTÔNIO CARLOS
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Depois de doze meses de lutas e aventuras na galáxia NGC
4594, também chamada de Gruelfin, onde vivem os cappins,
Perry Rhodan e seus oito mil companheiros da Marco Polo
finalmente conseguem iniciar a viagem de regresso à Via-Láctea,
depois de um voo malsucedido.
Os calendários da grande nave porta-veículos registram o
dia 27 de julho 3.438, tempo solar padrão, quando finalmente
chega a hora. Perry Rhodan não tem mais nada a fazer em
Gruelfin. A luta entre os takerers e os ganjásicos governados por
Ovaron já foi decidida. Mesmo que os juclas ainda causem
problemas, eles não serão capazes de impedir que a paz volte a
reinar na galáxia de Gruelfin, sacudida por lutas que duraram
vários milênios.
Perry Rhodan e seus companheiros esperam que o voo
dimesexta que os levará de volta para casa corra sem incidentes.
Afinal, os rastreadores de conversão pralitzianos voltaram a
funcionar perfeitamente, depois de terem sido examinados pelos
técnicos e cientistas ganjásicos em virtude das falhas que
apresentavam.
Perry Rhodan e seus companheiros ainda esperam que
encontrar o Sistema Solar e a Humanidade em perfeitas
condições. Assistiram à intervenção da mãe primitiva quando se
encontravam em Sikohat, mas não sabem que consequências essa
intervenção produziu no Sistema Solar, uma vez que as
comunicações dakkar entre as duas galáxias não existem mais.
Só há dois homens a bordo da Marco Polo que não querem
voltar a Via-Láctea. Têm outros planos, mas não imaginam que
há seres estranhos ameaçando a Via-Láctea, porque Eles Vieram
do Nada...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan – O Administrador-Geral que se defronta com
uma nova situação.
Atlan – O Lorde-Almirante que é a favor de medidas duras.
Ricod Esmural e Terso Hosputchan – Dois homens que
querem impedir o regresso de Perry Rhodan.
Elas Korom-Khan – Comandante da Marco Polo.
Roi Danton – Que quer combater o caos.
Hollogan Loga – Um filósofo do tempo e do espaço.
1

― Como estão seus rastreadores de conversão?


O Tenente-Coronel Nemus Cavaldi, doutor em engenharia e engenheiro-chefe da
Marco Polo, riu.
― Parecem crianças bem-comportadas, senhor. Tudo em ordem. Acho que não
teremos mais problemas. É bom que não tenhamos mesmo, enquanto estivermos na zona
dakkar. Final, senhor.
Perry Rhodan desligou o videofone. O rosto cheio de Cavaldi foi empalidecendo.
― Um homem competente ― disse Atlan.
O Lorde-Almirante que se encontrava na direção da USO estava sentado ao lado de
Rhodan, na segunda poltrona anatômica de comando do super porta-veículos Marco Polo,
que estava voltando à Via-Láctea.
― É um homem que sabe tudo ― corrigiu Rhodan. ― Não queira regatear
louvores.
Atlan franziu a testa. Passou os olhos pela espaçosa sala de comando do
supergigante terrano.
Durante a operação-ponte realizada durante a travessia da zona dakkar que separa a
quinta da sexta dimensão, os três emocionautas tinham ocupado seus postos.
O Coronel Elas Korom-Khan dirigia a nave. O primeiro emocio-oficial
cosmonáutico, Tenente-Coronel Senco Ahrat, controlava os comandos do comandante
transmitidos no plano espiritual.
O Major Mentro Kosum, segundo oficial emocionáutico da Marco Polo, estava de
prontidão na terceira poltrona anatômica. Como seus dois colegas, usava o capacete
SERT, cujos rastreadores de impulsos recebiam os fluxos mentais dos homens
parapsiquicamente dotados, e os transmitiam aos respectivos aparelhos, obrigando-os a
reagir de acordo.
O fenômeno espantoso era chamado de Simultane Emotio and Reflex Transmission.
Nem mesmo os halutenses e ertrusianos, conhecidos pela rapidez de suas reações,
conseguiam chegar perto da rapidez dos comandos dos emocionautas, transmitidos com a
rapidez de um pensamento.
Atlan fez girar a poltrona anatômica e voltou a contemplar as grandes telas de
imagens da galeria panorâmica.
Do lado de fora havia tudo e nada. As ondulações trêmulas vermelho-escuras nas
quais pareciam boiar inúmeras moléculas gigantes representavam a parte oticamente
perceptível de uma categoria espacial superior, que antes só podia ser detectada
matematicamente, e isso mesmo de uma forma vaga.
A única coisa que Atlan sabia era que a Marco Polo voava em velocidade bilhões de
vezes superior à da luz através de um conjunto espácio-temporal que não tinha nenhuma
semelhança com o universo einsteiniano que conhecemos.
Por isso Rhodan tivera seus motivos para fazer a pergunta a respeito do
funcionamento dos rastreadores de conversores pralitzianos, que estavam ligados naquele
momento. Eram as peças mais importantes do sistema de propulsão dimesexta, graças ao
qual era possível percorrer as distâncias incríveis que separam as galáxias num tempo
quase igual a zero.
Um dos fatos mais importantes desse novo dispositivo era que a Marco Polo era a
primeira nave construída por homens que dispunha desse mecanismo.
Atlan resolveu dar uma resposta, mesmo atrasada.
― Muito bem. Quer dizer que Cavaldi sabe tudo. Concordo. Se conseguir levar a
nave à Via-Láctea conforme foi programado, estarei disposto a conceder-lhe honras ainda
maiores. A propósito: a última ordem ainda vale?
Atlan bateu com o dedo indicador no capacete blindado de seu traje de combate,
num gesto bastante significativo.
― Vale, sim ― confirmou Rhodan laconicamente. ― As ligações pelo rádio serão
mantidas além das pelo intercomunicador.
Atlan suspirou para dentro do microfone de capacete virado para a frente. Mentro
Kosum riu. Apesar da atividade extenuante, ele era capaz de absorver as palestras
transmitidas pelas frequências de rádio e de intercomunicador.
Não quero nenhum verso de pé quebrado, Mr. Kosum ― advertiu Rhodan. ― Já
fomos maltratados que chega, com isso.
― Como queira, senhor ― disse uma voz saída dos alto-falantes instalados nos
capacetes.
― Não é somente porque eu quero. Trata-se de uma precaução justificada. Quando
me encontro na zona dakkar sinto-me como se estivesse num subterrâneo escuro.
Gostaria muito se pensasse como eu.
― Bem assim, bem assim, disse o juiz, foi o destino do poeta que me deixa feliz.
Entre parênteses, Shuller.
Rhodan respirou profundamente. Os risos reprimidos safados de cerca de oito mil
bocas rugiram que nem uma trovoada no alto-falante instalado em seu capacete.
― Silêncio, por favor ― gritou o Administrador-Geral. — Quanto ao senhor, Mr.
Kosum, já está na hora de querer dar uma de historiador e pesquisador de línguas antigas.
O nome do poeta não é Schuller, mas Schiller. Além disso não me lembro de ter ouvido
um absurdo desses de sua boca.
― Quer dizer que o senhor o conheceu pessoalmente?
Rhodan sorriu. Kosum era insuperável à sua maneira.
― Silêncio disse o chefe ― interveio Atlan.
― Kosum, o senhor é um gênio mal compreendido. Apresente-se à USO depois que
tivermos voltado. Posso oferecer-lhe uma alimentação muito melhor a bordo.
― Isso não passa de um aliciamento sujo de um homem treinado à custa do Império
Solar ― disse uma voz sarda dos radiocapacetes. ― Pode franzir a testa, velho arcônida.
Aqui fala o oficial de patente especial Guck, também conhecido como Gucky. Não se
atreva a querer atrair nossos melhores elementos usando a ridícula alimentação de bordo
da USO. Meu amigo Kosum nem vai querer saber disso.
Ouviu-se uma tosse seguida pela voz de Kosum, distorcida por causa do capacete
SERT.
― Desculpe, senhor rato-castor, mas acabo de tomar minha decisão. Resolvi
examinar a oferta de um homem honrado e suas consequências. Só de pensar nos
alimentos desidratados servidos nas naves de guerra terranas, um homem inteligente pode
perfeitamente chegar à conclusão de que...
― Cale a boca ― gritou a voz estridente de Gucky. ― Se disser mais uma única
palavra, não serei mais seu amigo.
Atlan mexeu no fecho de seu traje de combate que ficava na altura do pescoço.
― Droga! Quando os terranos aprenderão a fabricar trajes que não estrangulam
quem os usa? Quanto à oferta que acabo de fazer, ela ainda vale, Mr. Kosum.
Rhodan não se interessou mais pela discussão. Sabia perfeitamente que os oito mil
homens da Marco Polo precisavam antes de mais nada de muita distração durante o voo
perigoso.
Atlan, Kosum e Gucky mostraram muita habilidade. Naturalmente também
conheciam os fatores psicológicos de perigo ligados a uma viagem como esta.
Rhodan tolerou o debate. Korom-Khan também não o interrompeu, embora como
comandante lhe coubesse manter a necessária disciplina a bordo da nave.
Rhodan e Atlan entreolharam-se. Os dois sorriram discretamente. Não precisaram
de palavras para entender-se.
***
O Capitão Verso Honadri, primeiro-oficial de patrulha a serviço da Marco Polo, não
se preocupou com os fatores de perigo da viagem dakkar nem com a discussões. Ouviu-
as como todos os membros da tripulação, mas não seria capaz de descuidar-se de sua
tarefa por um instante que fosse.
À sua patrulha pertenciam dez homens do comando de vigilância, além de cinco
robôs de combate que podiam ser reprogramados a qualquer momento graças a um
aparelho portátil especial.
Os grupos de controle tinham sido formados durante os acontecimentos turbulentos
na galáxia NGC 4594. Ainda há poucos dias e semanas pedotransferidores takerers
tinham tentado infiltrar-se discretamente para assumir espiritualmente os homens mais
importantes da nave. Por isso os robôs levavam mais dois aparelhos especiais capazes de
identificar uma pessoa assumida por um transferidor. Enquanto isso a situação na Terra
tinha melhorado muito mais.
Honadri e seu grupo encontravam-se na altura do 22o pavimento, convés
intermediário número II. Era onde ficavam os pequenos depósitos em que eram
guardados os artigos essenciais de grande valor.
A pessoa tinha de conhecer o labirinto de corredores, elevadores e armazéns, das
salas de máquinas e depósitos de peças sobressalentes que ficavam ao lado, para não se
perder completamente.
As lendas astronáuticas falavam na morte de um tripulante que se perdeu e acabou
morrendo de fome. Dizia-se que isso tinha acontecido a bordo de um supercouraçado.
Tratava-se de uma nave esférica de 1,5 quilômetros de diâmetro, mas o diâmetro da
Marco Polo era de 2,5 quilômetros. Mas apesar disso reinava um aperto angustiante no
interior do corpo esférico. Este aperto era provocado pela própria estrutura, pelas salas de
máquinas, armazéns, hangares e milhares de instalações diferentes.
Por isso não era de admirar que o Capitão Verso Honadri confiasse principalmente
em seus numerosos rastreadores.
Estes rastreadores também funcionavam na zona dakkar, uma vez que as influências
do espaço da quinta e da sexta dimensão eram refletidas pelo propulsor intergaláctico
especial.
― Foi detectado um raio energético, senhor ― rangeu a voz de um dos robôs de
combate. ― Potência reduzida. Deve ser um desintegrador. Uma arma de fogo portátil.
Honadri parou. Segurou instintivamente o cabo da pistola.
Tratava-se de uma arma versátil, capaz de matar ou produzir um choque.
― Localizar. Imediatamente.
― Localização completada. Interpretação concluída segundo o programa. Sala Valo
III seis st secreta. Nova emanação de energia.
O Capitão Honadri saiu correndo. Conhecia muito bem a sala III seis st secreta.
Tinha a impressão de que conhecia o convés tão bem como sua ração de emergência, mas
já vira mais de uma vez que não era bem assim. Ninguém era capaz de gravar na
memória os compartimentos do ultragigante.
O comando levou três minutos para chegar perto da escotilha de segurança do
pequeno depósito. Os dois robôs de combate estacionados à sua frente estavam deitados
no chão, incapazes de fazer qualquer movimento. Era estranho, mas eles se tinham
autodestruído.
Honadri não disse uma palavra. Sacou a arma. Desligou o microrrádio instalado em
seu capacete. Fez um sinal que foi entendido pelos companheiros. Ninguém disse uma
palavra. Os robôs permaneceram imóveis num lugar um pouco afastado.
― É proibido usar o rádio ― decidiu o oficial de patrulha. ― Só nos
comunicaremos pelos meios comuns. Se há alguém lá dentro, ele está atento a qualquer
pio de rádio que possa representar um perigo. Darash, abra a eclusa. Use o impulso de
emergência. Vamos logo!
***
Era alto, magro e tinha uma aparência frágil. Os cabelos louros saíam de baixo do
capacete jogado para trás. Tinha a testa alta. Os olhos sonhadores miraram através do
dispositivo ótico de uma pequena arma certo alvo muito importante para a humanidade
unida.
Voltou a atirar.
O quinto dakkarcomunicador desmanchou-se sob o raio energético cintilante do
desintegrador. O aparelho desfez-se em moléculas.
O homem sorriu, olhou atentamente em volta e enfiou a arma no fecho magnético
aberto de seu traje de combate, guardando-a em um dos bolsos externos de seu uniforme
de bordo normal.
Um chiado o fez estremecer. Um fogo atômico passou perto dele.
A trilha energética atingiu a parede, fez irromper um pequeno vulcão formado por
metais que se derreteram instantaneamente e despejou um chuveiro de pérolas de fogo
sobre ele. Se não tivesse fechado o capacete blindado e travado o suporte magnético, teria
morrido instantaneamente. Um redemoinho incandescente arremessou-o para o lado.
O homem tropeçou sobre uma peça sobressalente, caiu ao chão e ficou imóvel.
― Fique deitado, estique os braços para trás, não se mexa, senão eu o transformo
numa nuvem de gases. Ficar deitado, eu disse!
O homem viu o rosto desfigurado de um capitão em cima dele, a alguns metros de
distância.
O cano afunilado de sua arma energética brilhava num azul intenso. Se encostasse o
dedo no botão de acionamento...
― Este cara destruiu os cinco aparelhos de dakkarcomunicação com o
desintegrador, senhor! ― disse a voz de outro homem. ― Não é possível, senhor! Nunca
mais poderemos comunicar-nos pelo rádio com o Ganjo Ovaron e a galáxia Gruelfin.
Amaldiçoado...
O homem gritou. Pensara que nunca teria de gritar. Mas naquele momento gritou de
medo.
O segundo homem aproximou-se com a arma em posição de tiro.
― Eu mato você...!
― Calma, sargento! ― gritou o capitão. ― Procure controlar-se. Oldert, Peytcher,
levantem o sabotador. Tirem o traje de proteção e revistem-no à procura de armas.
O homem sentiu-se levantado violentamente por quatro mãos robustas. Ficou de pé,
mas a boca da arma continuava a brilhar junto a seu corpo.
O Capitão Verso Honadri recuperara o autocontrole. Disparara a arma energética,
mas no momento defrontava-se com uma situação diferente. Sentia que seus homens
quase não conseguiam controlar-se.
Honadri deu um salto para colocar-se entre o sabotador e a arma do Sargento
Darash. O homem ofegante baixou a arma bem devagar.
― Senhor ― disse. ― Por que não me deixa...
― Porque existe um tribunal de bordo que funciona segundo as leis marciais da
Frota Solar, Darash. Só por isto. Trate de controlar-se! Antes de mais nada trave a arma.
Então, tudo em ordem?
Darash acenou com a cabeça. Dirigiu um olhar de ódio para o sabotador.
Só então o policial de vigilância teve oportunidade de ver melhor o prisioneiro.
― Ah, é o senhor! Capitão Ricod Esmural, engenheiro dimesexta, membro da
equipe de controle do Dr. Cavaldi. Interessante. Por que veio parar neste depósito e
destruiu os cinco aparelhos dakkar? Por quê, cara? Ficou louco?
O policial de vigilância estava gritando. Esmural livrou-se do medo mais depressa
do que este se apoderara dele.
― O senhor não tem o direito de fazer-me perguntas. Muito menos nesse tom.
Honadri teve de fazer um esforço para controlar-se. Virou-se, foi para perto do
videofone mais próximo e apertou a tecla vermelha de emergência.
― Capitão Honadri, policial de patrulha de plantão, comandante. É urgente.
Acabamos de prender um sabotador que...
2

― O quê? O senhor andou bebendo? Um sabotador...?


O Coronel Toronar Kasom, ertrusiano e segundo substituto do comandante da
Marco Polo, ficou mais espantado que chocado.
Meio perplexo, olhou para a plataforma onde ficavam os controles principais.
Rhodan teve a atenção despertada.
― Que foi? Algum problema?
― Parece que sim, senhor. Dizem que um certo Capitão Esmural, que é engenheiro
dimesexta, destruiu os cinco aparelhos de dakkarcomunicação. Foi preso por uma
patrulha.
Atlan e Perry Rhodan agiram ao mesmo tempo. Suas mãos tocaram-se na tecla que
transferia a ligação de videofone para as telas de comando. A imagem de Honadri foi
fixada.
― Quem foi que o senhor prendeu? ― perguntou Rhodan com um autocontrole
assustador. ― Quero um relato.
O Capitão Honadri repetiu a informação. Dois membros do comando-patrulha
colocaram o sabotador à frente da objetiva.
Rhodan conhecia-o ligeiramente, mas Atlan estava mais bem informado. Inclinou-
se.
― Esmural! Um tipo excêntrico. Não mantém contato com os outros tripulantes.
Foi de que destruiu os insubstituíveis aparelhos dakkar? Eu...
― Interrupção ― disse uma voz saída dos alto-falantes. Tenho uma informação
importante. É a Divisão de Psicologia. Dr. Eysbert falando. Ouvi as informações. É bom
que o comando da nave saiba que o psicograma de Esmural é muito estranho. Seu
comportamento é...
― Outra interrupção ― disse Rhodan em voz mais alta que de costume. ― Vá logo
ao que importa. Deixe os comentários científicos para depois. Qual é a informação
urgente que tem a nos dar?
Thunar Eysbert, o cosmopsicólogo-chefe da Marco Polo, era conhecido como um
tipo zombeteiro, meio arrogante, que raramente se submetia a ordens dadas em tom
grosseiro. Mas desta vez obedeceu.
― Resumindo. O quociente intelectual de Esmural é quase cem por cento maior que
o normal. É um tipo retraído, reservado. Só tem um amigo a bordo em quem confia. Seu
nome e cargo: Terso Hosputchan, capitão e hiperfísico. Faz parte da equipe de Waringer.
Seria conveniente examinarmos se o ato de sabotagem do prisioneiro se encadeia com
outras medidas. Lembra-me de que há algum tempo tentamos em vão partir em direção à
Via-Láctea. Os rastreadores de conversão falharam por algum motivo que não
conhecemos. Final.
Rhodan mostrou mais uma vez que fazia jus ao nome de reator instantâneo. Suas
instruções foram imediatas, sendo transmitidas simultaneamente pelos radiocapacetes e
pelo intercomunicador para todos os setores da nave.
― Atenção, comandante. Interrompa imediatamente o voo dakkar. Vamos voltar ao
espaço normal. Centro de máquinas, bloquear todos os comandos manuais especiais dos
centros de emergência. Só deixem passar os emociocomandos.
Rhodan saltou da poltrona. Suas mãos
tremiam de uma forma que quase não se
percebia quando abriu alguns fechos de seu
traje de combate e deixou cair o capacete.
― Estamos na rota certa, senhor ―
disse Korom-Khan.
― Vamos sair da semitrilha dakkar ―
gritou Rhodan. Quem lhe garante que o
rastreador de conversão está funcionando
perfeitamente? Acione o comando.
Korom-Khan seguiu a instrução.
Comandos mentais de todas as espécies
foram recebidos pelo capacete SERT e
transmitidos para os centros positrônicos
encarregados de sua execução. Os impulsos
emocionais eram cem vezes mais rápidos do
que poderiam ser as mãos de um ertrusiano.
Chaves estalaram numa sequência
incrivelmente rápida. De repente a luz
vermelha do controle positrônico sextadim
acendeu-se. Tinha sido paralisado.
Os dois outros emocionautas interferiram nas inúmeras operações de comando.
Escotilhas de segurança fecharam-se ruidosamente. Os jatopropulsores normais da nave
entraram em funcionamento antes que os sinais óticos da zona dakkar projetados nas telas
de imagens se apagassem.
A ondulação vermelha desapareceu, juntamente com as moléculas gigantes
suspensas na mesma, que só tinham esta aparência. Todas as pessoas a bordo sabiam, por
causa da experiência colhida durante a viagem de ida a Gruelfin, que cada uma das peças
de aspecto inofensivo era um verdadeiro universo.
O voo dakkar, que segundo a designação terrana era uma transmissão de massa
orientada levada a efeito por meio da neutralização das constantes 5 e 6 D terminou de
repente.
A Marco Polo caiu de volta no universo einsteiniano. Rhodan ficou de costas para a
gigantesca tela de imagens da galeria panorâmica. Por isso não pôde ver que a Marco
Polo não se encontrava perto da Via-Láctea, conforme se esperava, mas no desolador
vazio intergaláctico.
Nem a galáxia NGC 4594 nem a da humanidade, a Via-Láctea, pode ser vista logo a
olho nu. Nas telas só se viam brilhando inúmeros pontos luminosos e grupos de estrelas
leitosos.
A escuridão ampla do espaço vazio intercósmico estendia-se à frente do objeto
voador.
Atlan saltou da poltrona. Estupefato, olhou para as telas de popa.
Rhodan entrou em ação imediatamente. Quando Atlan compreendeu o que estava
acontecendo, tirou a arma do cinto e mexeu no mecanismo de trava até que se acendeu a
luz verde, uma luminosidade trêmula apareceu à frente de Rhodan. Dali a uma fração de
segundo Gucky materializou depois de um salto de teleportação.
― Aonde vai?
Rhodan levantou com o braço esquerdo o rato-castor que não tinha mais de um
metro de altura, apertou-o contra o peito e disse com a estranha calma que era uma de
suas características em momentos como este:
― Vamos à sala de hiperenergia, onde está pendurado o rastreador de conversão em
funcionamento. Rápido, baixinho. Atlan, você irá com Ras Tschubai.
Antes que Gucky e Rhodan desaparecessem da sala de comando, O arcônida ainda
viu Perry segurando a arma destravada na mão direita.
O teleportador Ras Tschubai também chegou à sala de comando. Isto aconteceu no
instante em que o emocionauta Mentro Kosum resolveu por conta própria paralisar as
máquinas mais importantes da Marco Polo por meio de um comando de emergência, o
que só era permitido numa situação de perigo máximo.
― Não devemos facilitar ― disse Kosum, que parecia a calma em pessoa. ― Já que
alguém está fazendo sabotagem, é bom que pelo menos não ataque as usinas atômicas em
funcionamento.
Rhodan e Gucky materializaram na sala de conversão ultraenergética. Tratava-se de
um pavilhão em forma de campânula, separado da unidade principal do sistema de
propulsão dimesexta, que ficava ao lado, por meio de paredes de aço de terconite e
inquelônio de cinquenta centímetros de espessura.
Os condutores de impulsos dakkar sem fio com seus campos sextadim em tubo
terminavam nos receptores de conversão. Absorviam as energias do rastreador de
conversão e as conduziam aos irradiadores do propulsor dimesexta.
O conversor pralitziano, que era um objeto esférico, estava pendurado no centro do
pavilhão, suspenso por colunas energéticas.
O material do revestimento externo assumira uma coloração vermelho-escura
durante o funcionamento. Quando Rhodan chegou, a incandescência fria já começara a
empalidecer.
Um homem alto, de aspecto frágil, estava de pé à frente da portinhola de
manutenção, com a arma em posição de tiro. Rhodan atirou antes que o sabotador
pudesse completar sua obra.
O Capitão Terso Hosputchan foi atingido em cheio pelo raio de choque. Ainda
tentou entortar o dedo, mas antes disso foi atingido por outro raio paralisante.
Seu corpo endureceu. Enquanto seus olhos começavam a ficar vidrados, reconheceu
o homem que aparecera de repente a poucos metros dele. Havia uma criatura não-
humanóide perto dele.
Hosputchan caiu pesadamente, da forma característica para um homem fortemente
paralisado.
Rhodan continuava parado no mesmo lugar, mas Gucky deu alguns passos para a
frente.
― Cuidado! Não chegue muito perto das colunas de sustentação energéticas ―
alertou Rhodan com a voz controlada.
O rato-castor estava confuso. Olhou primeiro para o cientista paralisado e depois
para a portinhola. Em seguida voltou a olhar para Hosputchan.
― Se você não me tivesse chamado tão depressa, teríamos chegado atrasados um
segundo ― afirmou Gucky. ― Ninguém poderia chegar na hora pelo caminho normal.
― Pois é.
―É só o que tem a dizer a respeito desta história incrível?
Rhodan voltou a guardar a arma. Quando abriu ainda mais os fechos do traje de
combate que impediam seus movimentos, Gucky viu que sua mão tremia.
O baixinho deu uma risada sem graça.
― Quer dizer que isso ataca os nervos até mesmo de um Rhodan? Nem me
pergunte como estou por dentro. Sinto-me como se tivesse sido anestesiado. Este cara
queria mesmo atirar no rastreador de conversão. Suponhamos que tivesse conseguido isto
enquanto ainda estávamos na zona dakkar. O que teria acontecido?
Rhodan enxugou o suor da testa.
― Nada, baixinho, absolutamente nada. Só voltaríamos ao espaço normal. Mas
sinto-me muito melhor se posso alcançar esse efeito conscientemente com um rastreador
de conversão intacto do que ser obrigado a fazê-lo com um aparelho arrebentado.
O afro-terrano Ras Tschubai chegou trazendo Atlan. Ouviram-se ruídos do outro
lado das escotilhas de aço. Era a patrulha se aproximando.
Atlan contemplou o sabotador e a portinhola de manutenção escancarada. Guardou
a arma.
Olhou Rhodan nos olhos.
― Existem terranos nos quais não se pode confiar, não é mesmo? Não consigo
compreender como os dois conseguiram passar pelos controles finais. Como se explica
que seu estado mental não tenha sido notado? Antes da partida da Marco Polo foram
realizadas dezenas de testes.
De repente Rhodan, sentiu-se fraco e deprimido. Procurou um lugar para sentar. Viu
algumas banquetas mais adiante, à frente do painel de controle.
― Quem lhe garante que naquele tempo Esmural e Hosputchan já tinham a intenção
de impedir nossa viagem de volta?
Atlan fez um gesto contrariado. Mal notou quando as escotilhas de segurança se
abriram. O Capitão Honadri foi o primeiro a saltar para dentro da sala de hiperenergia.
Quando viu Rhodan e Atlan, baixou a arma.
Rhodan não deixou que ele falasse.
― Leve este sabotador e o outro à sala de comando principal. Por favor, não quero
perguntas. Não seria capaz de responder. A única coisa que poderia informar no
momento é por que não partimos em direção à Via-Láctea no dia 2 de julho de 3.438. Os
rastreadores de conversão pralitzianos não foram manipulados erradamente no planeta
First Love. Quem fez isso foi este cavalheiro.
Honadri esforçou-se para não perder a compostura. A risada amarga de Rhodan
mostrava qual era seu estado de espírito.
Rhodan parecia distraído. Não notou a presença dos cientistas que foram entrando
um após o outro. Tratava-se de alguns chefes de setor da Marco Polo, entre eles o
Professor Geoffry Abel Waringer, o engenheiro Dr. Cavaldi e o chefe da divisão
matelógica, Professor Eric Biehinger.
― A gente voa num protótipo para uma galáxia que fica a milhões de anos-luz de
distância, enfrentando toda sorte de perigos, para eliminar um perigo terrível que
ameaçava a humanidade, e quando se quer voltar para casa aparecem de repente dois
loucos e destroem os aparelhos sem os quais não se pode percorrer essa distância enorme.
Será que estou sonhando?
Rhodan olhou em volta. Ninguém deu uma resposta. Waringer já estava de pé à
frente da portinhola de manutenção do rastreador de conversão.
Bem ao lado rumorejava o pequeno reator Schwarzschild, que fornecia a energia
para os campos de sustentação. Era um dos poucos geradores atômicos que não tinham
sido desligados por Kosum.
A Marco Polo atravessava o vazio absoluto que separa as galáxias em queda livre,
desenvolvendo velocidade igual à da luz.
Waringer virou a cabeça. Todos olharam para ele. Atlan pigarreou.
― Então, Geoffry. Como estão as coisas lá dentro? Isso pode ser consertado? Ou
será que estamos condenados a voar durante trinta e seis milhões de anos à velocidade da
luz para chegar à Via-Láctea?
Waringer, que parecia desajeitado como sempre, puxou os dedos num gesto de
indecisão, provocando estalos.
― Não faça isso, rapaz! ― pediu Rhodan em tom cansado. ― Não aguento ouvir
isso. Qual é a opinião do especialista?
― Em hipótese alguma seriam trinta e seis milhões de anos ― explicou Waringer.
― Percorremos certa distância na zona dakkar. Além disso, não podemos esquecer o
alcance remanescente dos conversores lineares.
― Palavras, palavras ― disse Atlan contrariado. ― O conversar funciona ou não?
― Parece que funciona. Parece tudo em ordem. Mas tenho certeza de que
Hosputchan manipulou alguma coisa. Ainda não posso dizer o que é. Se pudesse
trabalhar em paz...
Rhodan levantou. Os robôs de Honadri saíram carregando o sabotador paralisado.
― Trabalhe, Geoffry, trabalhe melhor e mais depressa que nunca. Mas não pense
em trocar o aparelho por um de reserva. Não estou interessado em saber as novidades que
teremos dentro de alguns minutos. Já sei que os aparelhos sobressalentes não passam de
um monte de escombros. Tenho certeza de que Mr. Hosputchan cuidou deles em primeiro
lugar. Se tivesse destruído primeiro este conversor, que está funcionando, dificilmente
teria oportunidade de inutilizar os outros. Nossa reação seria muito rápida. É lógico, não
é?
Não demorou mais de um minuto até que um dos técnicos da equipe de Cavaldi
entrasse na sala. O jovem engenheiro estava pálido.
Rhodan fitou-o atentamente antes de perguntar:
― Quem estragou os aparelhos sobressalentes fez um trabalho completo?
― Não servem para mais nada, senhor ― informou O engenheiro em tom
deprimido. ― As avarias causadas por tiros não poderão ser reparadas com os recursos
de que dispomos a bordo. Mas tenho certeza de que isto pode ser feito num estaleiro
terrano.
― Primeiro teríamos de chegar lá. Aguardo um relatório detalhado, senhores. Não
escondam nada, por favor. Verifiquem a que distância estamos de Gruelfin. Outra coisa...
Rhodan parou na escotilha da eclusa e virou a cabeça. Waringer sabia que
observação o chefe iria fazer.
― Gostaria de saber quanto tempo se passou desde que entramos no espaço dakkar.
Acho que todos conhecem o significado da expressão dilatação temporal. Façam pelo
menos um cálculo aproximado.
Rhodan saiu.
Ficaram vinte e dois homens perplexos.
3

Fazia cerca de mil e duzentos anos que qualquer astronauta terrano sabia o que
vinha a ser o tribunal de bordo. Também eram conhecidas as leis de guerra, promulgadas
com a autorização do Parlamento Solar.
Cabia a qualquer comandante convocar o tribunal de bordo, assumir sua presidência
e julgar qualquer tripulante que tivesse cometido uma infração. O acusado tinha direito a
um defensor. A acusação ficava a cargo de um dos oficiais no comando. Os participantes
deviam possuir conhecimentos jurídicos.
No caso dos sabotadores Ricod Esmural e Terso Hosputchan o comandante da
Marco Polo, Coronel Korom-Khan, se encarregara da acusação. O matelógico-chefe Dr.
Eric Biehinger foi nomeado defensor.
O Administrador-Geral Perry Rhodan foi escolhido para presidir o Tribunal.
Outros quatro juizes de bordo tinham de ajudá-lo no julgamento. Seus votos valiam
tanto quanto o do presidente.
O Coronel Korom-Khan, um homem de estatura mediana, era um acusador
rigoroso. Seu intelecto não podia ser subestimado.
Mas o matelógico Professor Biehinger era um adversário nos debates que não lhe
ficava nada a dever.
A Marco Polo continuava a deslocar-se em queda livre pelo vazio intercósmico. Os
especialistas já tinham dado seu parecer.
Para surpresa geral, os acusados confessaram prontamente as infrações cometidas.
Tinham agido conscientemente, conhecendo as consequências de seus atos. Desta forma
os acusados deviam contar na melhor das hipóteses com a prisão perpétua com trabalhos
forçados em algum planeta-penitenciária.
Mas se fosse aplicado o artigo 25, inciso III das leis de guerra da Frota, a execução
por um comando de robôs seria inevitável. A pena só poderia ser comutada para a de
trabalhos forçados pelo resto da vida mediante um pedido de indulto dirigido ao
Administrador-Geral.
Ao contrário do direito comum do Império, que não admitia mais a pena de morte,
esta podia ser aplicada a bordo de uma espaçonave em operações de combate. Mas isso
só era possível quando a infração punha em perigo a vida de todos os tripulantes, a
existência da humanidade e o próprio veículo espacial.
Era o que tinha acontecido no caso. Os relatórios dos cientistas eram fulminantes.
Os oito mil tripulantes da Marco Polo estavam praticamente perdidos.
A nave porta-veículos partira no dia 16 de julho de 3.438, tempo padrão, com
destino à galáxia de origem. Naquele momento os relógios marcavam o dia 27 de julho
de 3.438, às 3:56 horas. Ninguém seria capaz de dizer se a indicação era exata. O
conversor pralitziano funcionara durante o voo dakkar, mas não se sabia como. Depois de
um voo dakkar de uma hora, segundo o tempo adotado a bordo, a nave já se deveria ter
aproximado da Via-Láctea o suficiente para que se visse uma bola luminosa de grande
tamanho. Mas a única coisa que aparecia nas telas eram pequenos pontos luminosos.
Cada um deles era uma galáxia.
***
Os sabotadores tinham sido interrogados. Os depoimentos das testemunhas estavam
no processo. O presidente do Tribunal de Bordo, Perry Rhodan, permanecera em silêncio.
A fase inicial do processo chegara ao fim. Rhodan parecia deprimido. O grande
cassino dos oficiais, onde funcionava o tribunal, estava repleto de tripulantes das mais
diversas graduações. Os que não encontraram lugar acompanhavam a audiência pelo
sistema de intercomunicação.
Esmural e Hosputchan estavam sentados à frente do pedestal improvisado dos
juizes. Tinham o direito de permanecer sentados, da mesma forma que os juizes, o
acusador e o defensor. Os pareceres estavam à frente de Rhodan, que passou os olhos
pelos textos, mas ainda não leu o texto. Olhou para os dois sabotadores.
― Enquanto não for proferida a sentença, os senhores têm o direito de ser
chamados pelo título e nome. Peço ao representante da acusação que não use sempre a
palavra acusados. Quero que o processo siga a devida ordem, sem erros formais. Os
pareceres dos especialistas estão à minha frente, mas o tribunal faz questão de ouvir de
viva voz as informações neles contidas. Peço ao Professor Geoffry Abel Waringer que
repita diante das pessoas aqui reunidas o que escreveu. Antes disso quero fazer uma
pergunta aos senhores Esmural e Hosputchan. Por que praticaram os atos de sabotagem?
Por quê? Seu defensor alega que não são responsáveis pelo que fizeram. Os senhores
concordam?
Nem Hosputchan nem Esmural responderam à pergunta importante. Limitaram-se
aos aspectos secundários.
Hosputchan disse sorrindo:
― Não concordamos de forma alguma. Não somos doentes mentais, nem se trata de
um ato impulsivo. Achamos que as medidas eram necessárias e agimos de acordo.
Rhodan não ligou para os sussurros indignados que se fizeram ouvir. Atlan sentiu a
confusão interior do amigo. Era o processo mais estranho ao qual já tinha assistido.
― Eles são de uma arrogância incrível ― cochichou Mentro Kosum. ― Eles dizem
tudo que querem. Se eu fosse o Administrador, teriam atravessado a eclusa dez minutos
depois do crime, sem traje de proteção.
― Seu julgamento é muito duro, almirante.
― Foi por isso que não me quiseram como juiz. Um sabotador que põe em perigo
uma nave com oito mil pessoas a bordo merece a morte. É a opinião de um velho
almirante arcônida e imperador.
O Professor Waringer aproximou-se da mesa dos juízes. Rhodan dirigiu-lhe a
palavra. Desta vez não quis tratar de você o ex-marido de sua filha assassinada há mil
anos.
― Sejam breves, por favor. Suas explicações escritas serão lidas na íntegra antes da
prolação da sentença. Quais foram os estragos causados?
Waringer passou a mão pela cabeça.
― Acho que ninguém ignora que depois da destruição dos cinco aparelhos de
dakkarcomunicação já não podemos fazer contato com Ovaron. Os instrumentos indicam
que estamos a cerca de doze milhões de anos-luz da galáxia Gruelfin. A autonomia da
Marco Polo, com seus quatro conversares lineares ultracompactos, não passa de doze
milhões de anos-luz. Por causa dos voos de longa distância realizados durante a última
operação, o conversor que foi instalado já perdeu cinquenta por cento de sua capacidade.
Não existe a menor chance de chegarmos a NGC 4594 em voo linear. E não podemos
contar com o auxílio do Ganjo Ovaron, porque as comunicações pelo rádio não existem
mais. Estamos no espaço normal e desenvolvemos a velocidade da luz. A Via-Láctea fica
a pelo menos vinte e quatro milhões de anos-luz, fora do nosso alcance. É uma distância
que só pode ser percorrida com um propulsor dimesexta.
― É possível estabelecer contato de hiper-rádio com as unidades avançadas da frota
de Ovaron?
― Não senhor ― respondeu Waringer prontamente. ― Para Isso precisaríamos de
cerca de vinte vezes a potência de transmissão de que dispomos.
― Quais são nossas chances, professor?
― São praticamente iguais a zero, a não ser que consigamos consertar o desvio de
ajuste do único rastreador de conversão não destruído. Estamos trabalhando para isso. A
ajuda do Capitão Hosputchan seria muito útil. É o único que sabe exatamente de que
forma e por meio de que manipulação se chegou à falha.
Rhodan voltou a olhar para os sabotadores.
― Capitão Hosputchan, está disposto a ajudar a equipe de físicos fornecendo dados
exatos?
Hosputchan limitou-se a sorrir. Não se dignou de dar uma resposta.
― Temos de dar nosso jeito, professor. Por favor, prossiga.
― Tudo isto ainda não é o pior. O que mais pesa é a questão de quanto tempo
realmente se passou. Os relógios de bordo indicam a duração do voo dakkar como sendo
de cinquenta e nove minutos e dezoito segundos. Mas não devemos deixar-nos enganar
por esta indicação.
― Por que acha que isso poderia acontecer?
Poucas vezes Rhodan ouvira Waringer dar uma risada tão sem graça.
― Por causa do erro de ajuste do rastreador de conversão pralitziano o propulsor
dimesexta gerou um campo de isolamento cujos valores energéticos diferiram muito da
norma calculada que deve ser observada. Demos a este efeito o nome de vazamento na
absorção. Poder-se-ia dizer que o campo foi perfurado. Em virtude do vazamento ocorreu
um fenômeno na zona dakkar que a equipe hiperfísica chamou de resistência
superenergética aos impulsos. O fenômeno pode ser comparado com a antiga resistência
causada pela fricção e pelas ondas no casco de um velho navio que não dispusesse de um
sistema de deformação subaquática capaz de diminuir a resistência.
Rhodan já deduzira do relatório quais seriam as consequências do vazamento de
absorção. Fez a pergunta.
Waringer mordeu os lábios. As juntas dos dedos cruzados estalaram. Ninguém se
importou.
― O fenômeno conhecido como a dilatação do tempo é conhecido desde o tempo
do terrano antigo Einstein. Foi confirmado pela prática dos voos espaciais realizados
posteriormente. Não devemos pensar que o efeito de dilatação só se verifique no universo
normal, e isto quando um objeto voador alcança velocidade próxima já da luz. A
mudança total do campo de referência de bordo em relação a um observador que se
encontre por exemplo num astro do tamanho da Terra, produzida por esse fenômeno,
também deve ser aceita no caso. Pouco importa que nos encontremos numa dimensão
física diferente. O erro de ajuste do rastreador de conversão sem dúvida cria um estado
idêntico ao efeito de dilatação einsteiniano.
― Quer dizer que o senhor acha que sofremos os efeitos de um fenômeno
semelhante?
― Acredito ― confirmou Waringer. ― Mas existe uma diferença. Em nosso caso
os valores colhidos durante as experiências realizadas no universo normal não se aplicam.
Viajamos durante cinquenta e nove minutos e dezoito segundos no semi-espaço dakkar,
com um rastreador de conversão que tinha sido manipulado. Conhecemos a distância
percorrida, mas não o tempo que durou a viagem. Para nós não se passaram mais de
cinquenta e nove minutos. Mas ninguém sabe quanto tempo se passou na Terra. Podem
ser três semanas tempo padrão, cem meses ou dois mil anos. Nossos aparelhos de
precisão também sofreram a influência do fenômeno. Os relógios de bordo indicam
exatamente o tempo que tiveram de medir sob a influência da dilatação dakkar. Seria
inútil tentarmos fazer uma interpretação abrangente do fenômeno, quanto mais calculá-lo.
A bordo da Marco Polo não existe nada que possa ter escapado ao efeito. Para nós
passaram cinquenta e nove minutos.
Rhodan olhou para o micromonitor geral de bordo que se encontrava à sua frente.
Viu homens saltando das poltronas. O som tinha sido desligado. Fora informado pelos
chefes de setor de que a situação a bordo estava muito tensa.
Gucky tentou mais uma vez sondar telepaticamente os pensamentos dos dois
sabotadores. Não conseguiu.
Terso Hosputchan levantou de repente e ergueu o braço. Todos ficaram em silêncio.
As discussões pararam. Oito mil homens acompanharam com um interesse enorme o
fenômeno projetado nas telas.
Uma esperança absurda nasceu no interior de Rhodan.
― Resolveu ajudar os cientistas? Já sabe qual é a situação.
― Por isso mesmo exijo sua atenção imediata, Senhor Rhodan.
O Administrador-Geral apoiou as mãos sobre a mesa e levantou. Os outros tiveram
a impressão de que teve de fazer um grande esforço.
― Como? O senhor fazendo exigências?
― Não faria mal à sua arrogância se usasse o respectivo título ao dirigir-se ao nosso
presidente, Capitão Hosputchan! — observou o Professor Kaspon, que ocupava o cargo
de juiz substituto e exercia as funções de chefe da divisão cirúrgica da Marco Polo.
Hosputchan fitou-o com uma expressão pensativa. Voltou a sorrir.
― Isso iria de encontro à minha mentalidade, Senhor Kaspon. Não existe nada que
me leve a dirigir-me ao senhor ou ao Senhor Rhodan da forma que estão acostumados a
ouvir da boca dos pobres homens pertencentes à espécie do homo sapiens.
Se Rhodan e os ouvintes ainda não estivessem perplexos, eles teriam ficado naquele
momento. Só houve um homem que compreendeu imediatamente. Era o cosmopsicólogo
Thunar Eysbert. Há horas trazia uma suspeita na mente. Teve a impressão de que ela
acabara de confirmar-se.
Eysbert, o homem irônico e sarcástico, levantou da cadeira. ― Peço ao presidente
do tribunal de bordo que me conceda a palavra ― disse.
Perry Rhodan controlou-se até onde isso foi possível. Fez um sinal para o
cosmopsicólogo.
Eysbert foi para na frente. Parou a alguns metros dos sabotadores. Desta vez exibiu
um sorriso de superioridade igual ao que até então só se vira nos lábios dos acusados.
― O senhor acaba de usar a expressão homo sapiens de uma forma acentuadamente
depreciativa. Usou-a para designar os homens dessa espécie que vivem hoje. Será que
isto significa que os senhores se consideram representantes de uma espécie humana
diferente, melhor ou mais avançada?
O rosto de Hosputchan mudou de cor. O sabotador levantou abruptamente. Seu
olhar dominador não poderia deixar de ser notado, mas sua postura parecia ridícula.
― Cuidado ― advertiu o Professor Eysbert no tom petulante que lhe era peculiar.
― Cuide-se para não cair quando eu soltar o ar.
Ricod Esmural também levantou.
― Grande e velho Tchenoboli, chamo por seu eterno espírito peregrino ―
exclamou Eysbert. ― Desculpe. A pessoa cujo nome acabo de citar foi o psicólogo mais
importante do século vinte e um. Além disso possuía dons parapsíquicos. Será que o
senhor é a trigésima segunda reencarnação de Tchenoboli? Talvez seja mesmo a de
número duzentos.
― Eu o previno! ― retrucou Hosputchan. ― O senhor está falando com dois
representantes da nova espécie humana, o homo superior! Estou disposto a dar esta
informação porque a interpretação do Senhor Waringer a respeito dos fenômenos
hiperfísicos que se verificaram a bordo deste repugnante instrumento de destruição
chamado Marco Polo confere com meus cálculos. Os senhores estão perdidos.
Quando ouviu estas palavras, Rhodan deixou-se cair na cadeira.
― Essa não! ― gemeu.
Eysbert não mostrou nenhuma emoção. Tirou calmamente um estojo de seu
uniforme de bordo, pegou um cigarro e acendeu-o.
― Desculpem o vício. Um psicólogo também pode tornar-se dependente.
― É um meio reprovável de acalmar os nervos revoltados ― afirmou Esmural. ―
Parece que as drogas fazem parte da vida do homo sapiens.
― Bem! Fazem parte de nós da mesma maneira que a inteligência superior, o
elevado nível ético, o pensamento refinado e a expressão espiritualizada dos olhos fazem
parte do senhor, não é mesmo?
― Apesar de sua linguagem rude o senhor acertou por acaso.
Rhodan já recuperara o autocontrole. Não ligou mais para as vozes que se faziam
ouvir. De repente teve a impressão de que o assunto devia ser encarado de uma forma
bem diferente.
― Silêncio, por favor! ― disse sua voz, saída de milhares de alto-falantes. ―
Silêncio, por favor! A audiência não deve ser interrompida a todo instante. Faça o favor
de chegar mais perto, Senhor Hosputchan.
Os dois sabotadores entreolharam-se. Acabaram cumprindo a ordem.
Da mesma forma que Rhodan, o juiz assistente Major Ataro Kusumi era a calma em
pessoa. Observava tudo sem mostrar nenhuma emoção.
― Senhor Hosputchan, estou disposto a aceitar sua forma de tratamento ― disse
Rhodan.
― A submeter-se a ele.
― Por favor, não fique ainda mais arrogante.
― É uma coisa que o homo sapiens não aprecia. Sabemos disso.
Rhodan passou os olhos pela sala. Ninguém disse uma palavra. Os dois sabotadores
deixavam as pessoas cada vez mais estupefatas.
― O senhor diz que é representante de uma nova espécie humana, a espécie do
homo superior. O comando conhece suas qualidades excepcionais, pois é graças a elas
que fazem parte da tripulação da Marco Polo. Já compreendi por que tentaram impedir a
volta da nave. Os senhores não praticam sabotagem por motivos baixos. Agem por
convicção. Acertei?
― Parece que às vezes o senhor também consegue enxergar claro.
― Obrigado pelo elogio ― respondeu Rhodan em tom seco. ― Se fazem tanta
questão de manipular os mecanismos da máquina de tal forma que não podemos voltar a
Gruelfin nem chegar à Via-Láctea, isso só pode ter um motivo.
― O senhor quase chega a deixar-me curioso, Senhor Rhodan!
Hosputchan voltou a sorrir.
O Administrador-Geral entrara no psicojogo. Não se impressionou com mais nada.
― Quando seu colega Ricod Esmural foi preso, ele mostrou sintomas do medo de
morrer. Sua mente e seu corpo não são muito resistentes.
Hosputchan fez um gesto. Parecia que queria apagar a observação que Rhodan
acabara de fazer.
― Para um cientista espiritual que segue o lema da verdadeira pureza, estas coisas
não têm a menor importância.
― Muito bem. Aceito a observação. O Tribunal de Bordo não é formado por
monstros.
― É formado por servos submissos de um ditador despótico que sabe subjugar a
humanidade e manipulá-la de tal forma que conseguiu manter-se no poder absoluto por
cerca de mil e quinhentos anos. Refiro-me ao senhor, Rhodan.
Perry contemplou o acusado. Parecia cada vez mais interessado.
― Compreendi. Por que de repente se mostra disposto a responder às perguntas
formuladas pelos membros do tribunal?
― Pensei que já tivesse percebido. Tenho certeza absoluta de que a Marco Polo não
poderá voltar à Terra. Por isso as normas de sigilo perderam a validade. Ricod Esmural e
eu alcançamos nosso objetivo. O senhor nunca mais porá os pés na Terra. Mas se
conseguir percorrer a distancia que falta à velocidade da luz, o senhor e seus súditos só
envelhecerão alguns meses. Basta lembrar a exposição do Senhor Waringer. O senhor
terá essa graça por causa do efeito de dilatação. Mas na Terra distante já terão passado
centenas de milhares de anos, o suficiente para que possamos desmontar completamente
suas instalações militares, livrar o ser humano da ciência agressiva e levá-la de volta ao
seu pedaço de chão. Depois de tanto tempo o senhor não terá mais nenhuma chance. Foi
por isso que resolvi prestar as declarações.
― Acontece que o senhor está com medo de ser executado de acordo com o artigo
25 do Código da Frota.
Hosputchan empalideceu. Esmural também mudou de cor.
Eysbert acendeu outro cigarro. Ficou atento aos diálogos.
― Não nos ofenda, Senhor Rhodan. Na Terra já existem dois milhões de
representantes do homo superior. Os super-homens levaram muito tempo para
amadurecer. Vivemos escondidos, pois sabíamos que do contrário seríamos
exterminados.
― O senhor está muito enganado ― respondeu Rhodan. ― Mas está bem. Os
senhores querem depor o Parlamento Solar, tirar-me do cargo de Administrador-Geral e
desmontar as instalações técnicas e militares do Império Solar. Não é isso?
― Não. O senhor se esquece de alguns detalhes importantes. O próprio ser humano
tem de ser mudado. Todas as formas de governo serão abolidas. Cada indivíduo será
dono absoluto de seus atos. O uso da energia atômica será proibido. O homem pertecente
à espécie do homo sapiens será levado de volta à atividade sadia da agricultura. Todos os
bens existentes na Terra pertencerão a todo mundo. Todos viverão em paz. Sua ditadura
está chegando ao fim, Senhor Rhodan. Posso garantir que graças à dilatação do tempo
verificada dentro da zona dakkar o senhor está viajando há muito mais tempo do que
indicam seus instrumentos de bordo. Nós, os representantes da espécie do homo superior,
dedicar-nos-emos exclusivamente às ciências do espírito. Os seres primitivos poderão
trabalhar no ar puro. Cuidaremos deles.
― E se um dia aparecer um chefe de frota nada pacato dos saltadores galácticos? O
que farão? Meditarão?
― Deixe isso por nossa conta ― respondeu Hosputchan.
O Professor Eysbert levantou a mão. Rhodan fez um gesto para que falasse.
― Peço ao tribunal que a audiência seja interrompida por quatro horas. Gostaria de
analisar as declarações dos dois cavalheiros e apresentar o resultado ao tribunal.
Rhodan levantou.
— Defiro o pedido. A audiência é suspensa por quatro horas.
***
Quando a audiência foi reiniciada, o cosmopsicólogo Thunar Eysbert prestou
depoimento como perito. Seu laudo baseava-se não apenas em sua opinião pessoal, mas
na de um grupo de especialistas.
Eysbert chegou à conclusão de que os dois representantes do homem superior
terrano de forma alguma podiam constituir a fase final dessa espécie humana. Sem
dúvida um dia haveria super-homens na Terra. Mas seriam indivíduos capazes de, graças
à sua inteligência superior, combinar a ética e a moral com as exigências do mundo real.
Ao que parecia, os representantes da espécie homo superior que já existiam, em seu
estágio atual, de forma alguma estariam em condições de compreender nem mesmo de
forma imperfeita as necessidades duras do dia-a-dia. Não havia dúvida sobre sua
inteligência, mas sim quanto à sua filosofia de vida, consistente num pacifismo total e
num planejamento fora da realidade.
A simples intenção de desmontar usinas atômicas que serviam exclusivamente para
abastecer a população de energia era bastante preocupante.
A ideia de que cada indivíduo devia viver de forma independente, segundo o
sistema halutense, sem qualquer legislação, equivalia a um suicídio.
Eysbert concluiu afirmando que o homo superior faria bem se quisesse recolher-se a
outro planeta com a autorização do Parlamento Solar, para seguir suas inclinações. A
frota imperial se encarregaria de dar proteção ao mundo de imigrantes.
Hosputchan e Esmural limitaram-se a sorrir. Não disseram uma palavra. Sabiam que
a Marco Polo estava perdida.
Mas mudaram de opinião exatamente dois minutos e meio antes que fosse prolatada
a sentença.
Waringer, que há tempo se encontrava no pavilhão em que tinha sido instalado o
rastreador de conversão pralitziano, fez contato pelo intercomunicador. Rhodan, que ia
iniciar a leitura da sentença, olhou para a tela.
Waringer sorriu. Finalmente disse em tom enfático:
― Meu colega Hosputchan não foi tão inteligente como acreditava. Se não tivesse
sido cuidadoso a ponto de provocar um curto-circuito no projetor de raio de comando
ultraluz do campo esférico TP 4, nunca teríamos encontrado o defeito. Às vezes cuidado
demais pode fazer mal.
― O conversor pode ser consertado? ― perguntou Rhodan em tom nervoso em
direção aos microfones.
― Naturalmente. Não foi destruído como os três aparelhos sobressalentes. O defeito
no campo energético representava uma pista muito clara que nos levou ao local do crime,
se me permite esta expressão. A modificação da regulagem foi feita nos comandos de
saída. São bem complicados. Meu colega é mesmo muito competente. Os danos
provocados no projetor de raios de comando deviam evitar uma reprogramação casual
pelo sistema positrônico do dakkar. Isso não seria possível, mas nosso amigo não pode
deixar de danificar mais um aparelho suplementar. Uma modificação na regulagem não
chega a ser um estrago no verdadeiro sentido da palavra. Levaremos cerca de cinco horas
para concluir o ajustamento e o pequeno conserto.
Parecia que Hosputchan ia ter um colapso. Chorou que nem uma criança. Eysbert
contemplou-o com uma expressão pensativa. Finalmente Perry Rhodan proferiu a
sentença:
— Em nome do Poder Legislativo, exercido pelo Parlamento Solar, e da
humanidade por ele representada, que por sua vez é representada pelo Tribunal de Bordo
do Ultracouraçado Marco Polo, é tomada a seguinte decisão:
“Em virtude do comportamento dos acusados e suas manifestações, o Tribunal de
Bordo se vê obrigado a não pronunciar a condenação em conformidade com a lei da Frota
e o direito de guerra. O Senhor Capitão Ricod Esmural e o Senhor Capitão Terso
Hosputchan, além de deverem ser considerados pessoas que praticaram atos criminosos a
bordo de uma nave de guerra terrana, são perigosos sabotadores que põem em perigo a
existência da Humanidade. Por isso o tribunal resolveu manter presos os dois oficiais
para depois de nosso regresso à Terra entregá-los ao Supremo Tribunal Solar, para
julgamento.”
Os dois representantes da espécie homo superior desfaleceram de vez. Foram
levados imediatamente à clínica de bordo pelos medo-robôs.
Rhodan encerrou a audiência. Exausto, dirigiu-se ao seu camarote, onde Atlan já
estava à sua espera.
O arcônida ofereceu um caneco de café ao amigo.
― Como se sente?
― Que nem um gato que acaba de ser tirado da água.
― Hum... . Você se deu conta de que Korom-Khan pediu a pena de morte segundo
o artigo 25?
― Sem dúvida. Isso me caiu sobre o estômago.
― Ora essa ― ironizou o Lorde-Almirante. ― Para um déspota como você devia
ser uma satisfação mandar executar dois sabotadores que puseram em perigo sua vida,
além da de oito mil escravos dedicados. Além disso um ditador a esta hora já estaria
pensando num meio de exterminar dois mil representantes da espécie homo superior
depois de sua volta à Terra. Seria bom preparar uma psicocampanha. Não seria nenhum
problema. Por que não faz isso, amigo?
Rhodan colocou o caneco sobre a mesa. Estava com os olhos mortiços.
― Se não mudar de tom, você vai sair dos meus aposentos particulares dentro de
três segundos.
Atlan tirou o cinto com as armas.
― Não dá mesmo para falar direito com esse cara ― disse sorrindo. ― Tudo bem,
terrano. Quanto tempo levará Waringer para terminar os reparos?
4

Durante a audiência a velocidade da Marco Polo fora reduzida para dez por cento
luz. Rhodan queria evitar efeitos de dilatação indesejáveis no espaço normal einsteiniano.
Fazia pouco menos de uma hora que os resultados da votação tinham sido
anunciados.
O problema era o seguinte: A tripulação devia levar a nave de volta à galáxia
Gruelfin, para tentar o reparo completo dos rastreadores de conversão pralitzianos, ou
seria preferível iniciar imediatamente a viagem de volta à Via-Láctea?
O resultado da votação foi muito claro. Nenhum tripulante fizera questão de voltar à
NGC 4594. O motivo disso era conhecido.
Se o rastreador de conversão consertado por Waringer e sua equipe estivesse
funcionando, fazia pouca diferença que distância seria percorrida com ele. Funcionaria
perfeitamente, ou falharia por completo. Por isso resolveu-se arriscar o voo dakkar para a
Via-Láctea. Ninguém se manifestara contra a sugestão do comando.
O senso de responsabilidade de Rhodan ficou sujeito a uma sobrecarga ainda maior.
O Administrador-Geral tinha plena consciência do risco que estava correndo.
Havia uma questão martirizante. Será que todos os tripulantes da Marco Polo
tinham uma ideia clara da situação para poderem realmente manifestar sua opinião
pessoal? Rhodan tinha uma impressão vaga de que pelo menos sete mil tripulantes
confiavam cegamente em sua proposta e que isso os levara a votar a favor dela.
Atlan imaginava o que ocupava a mente do amigo. Estava novamente sentado na
segunda poltrona de comando, ao lado de Rhodan.
Fazia um minuto que a Marco Polo voltara a acelerar. O rugido dos jatopropulsores
que impeliam a nave à velocidade da luz perturbava a conversa. Os homens tinham
colocado novamente os trajes de proteção. O rádio funcionava perfeitamente. Toda vez
que chegava uma imagem de outro setor, o som era transferido automaticamente para os
alto-falantes instalados nos capacetes.
Na sala de máquinas principal o engenheiro-chefe manipulava os comandos e
acompanhava as funções com a precisão de sempre. Faltava pouco para a manobra de
entrada no espaço dakkar. Oito mil homens sabiam que risco estavam correndo. Afinal, a
Via-Láctea ainda ficava a vinte e quatro milhões de anos-luz.
O Coronel Korom-Khan deu início à manobra. Os emocionautas Senco Ahrat e
Mentro Kosum vigiavam todos os comandos. Podia-se confiar no trabalho de Korom-
Khan.
A velocidade à qual se daria o salto para o espaço dakkar fora calculada num valor
correspondente a exatamente 2,35967 por cento infraluz. Desta forma o rastreador de
conversão, que era o único aparelho dessa espécie que ainda funcionava, não ficava tão
sobrecarregado.
― Tudo pronto para a manobra de semitrilha ― soou a voz de Cavaldi.
Seu rosto apareceu nas telas de intercomunicação. Mas a galeria panorâmica
mostrava a escuridão do vazio cósmico. A galáxia da humanidade ainda ficava muito
longe. Sua posição fora introduzida no sistema positrônico de fixação de rota do
mecanismo dakkar.
― Se desta vez não der certo é porque os sabotadores conseguiram o que queriam
― disse Rhodan através do sistema de comunicação por cabo à prova de escuta do
capacete de Atlan, ao qual também estavam ligados os emocionautas. ― Não tenho
nenhum interesse em realizar um voo de dilatação e viajar durante pouco mais de vinte e
quatro milhões de anos enquanto só envelheço alguns meses. A ideia me deixa
apavorado.
O rugido dos jatopropulsores silenciou de repente. Ouviu-se um estranho sussurro.
A escuridão do espaço normal apareceu. A ondulação trêmula vermelho-escura voltou a
aparecer nas telas de imagem. Milhares de universos, todos eles parecidos com uma
molécula gigante, prendiam a atenção dos astronautas.
O ruído das máquinas era diferente da viagem de ida. Parecia que o trovejar dos
geradores postos a funcionar à potência máxima aumentava e diminuía constantemente.
Cavaldi voltou a chamar.
― Centro de máquinas principal. O Professor Waringer está aqui. Os dados
fornecidos pelos instrumentos são perfeitos. O novo ajuste funciona. Nenhuma mudança.
A tensão do campo dakkar de absorção em tomo da nave se estabilizou. Vamos
conseguir. Final.
Rhodan respirou profundamente. Mentro Kosum virou a cabeça. Sorriu para o
Administrador-Geral.
― Viu, disse o sábio, três mais três sempre são sete.
O estado de espírito da tripulação melhorava a cada minuto. Meia hora depois da
entrada na semitrilha dakkar 6D vieram novas notícias. O rastreador de conversão
pralitziano continuava a funcionar satisfatoriamente. O sistema positrônico de fixação de
rota fazia cálculos sem parar.
A figura luminosa parecida com uma bolha, que dava a impressão de estar
pendurada “embaixo” da nave, era o universo ao qual pertenciam a Via-Láctea e também
a galáxia Gruelfin.
Viu-se que o receio de talvez sair num universo diferente não tinha fundamento. A
analogia energética da nave não permitia que isso acontecesse.
Finalmente chegou a hora. Waringer voltou a chamar.
― Encontro-me novamente no centro físico. A operação de retomo é iminente.
Segundo os cálculos da rota, ele deverá verificar-se dentro de três momentos. Acho que
seria conveniente colocar os cintos de segurança. Se o rastreador de conversão ainda
estiver com problemas, poderá haver fortes vibrações.
― A sugestão é transmitida em forma de instrução a todos os setores ― respondeu
Rhodan. ― Façam votos de que dê certo, minha gente. Na sala de comando está tudo
preparado, Cavaldi. O comandante iniciará uma manobra de frenagem assim que a nave
tiver voltado ao espaço einsteiniano. Deixe as emocioligações em aberto e abstenha-se de
agir por sua conta.
Esperava-se que acontecesse uma coisa imprevisível. Atlan contava com um
estrondo, Rhodan com estranhos sussurros, outros homens com fortes abalos ou até
rupturas de matéria.
Não aconteceu nada disso. A Marco Polo caiu suavemente de volta ao universo
normal.
De repente as telas se iluminaram. A espaçonave corria em direção a uma galáxia
completa de estrelas fulgurantes. Bilhões de sóis, que por causa da distância, que ainda
parecia ser muito grande, pareciam antes uma massa compacta de grande luminosidade,
provavam que a nave tinha chegado. Mas apesar disso os astronautas experientes notaram
imediatamente uma anomalia que não deveria ter-se verificado com os comandos bem
ajustados.
― Silêncio, por favor ― gritou Rhodan.
Como as vozes que se faziam ouvir no alto-falante instalado em seu capacete eram
cada vez mais altas, Rhodan abriu o traje de proteção, dobrou para trás o capacete e
colocou o microfone do sistema de chamada geral perto dos lábios.
― Rhodan a toda a tripulação. Vamos ter juízo! Também vejo que não saímos
dentro da Via-Láctea, mas à frente dela.
― Será que é mesmo a Via-Láctea, senhor? ― perguntou alguém.
As discussões apaixonadas acabaram.
― Faço votos que sim. Vamos esperar as informações dos astrônomos e
astrofísicos. Atenção, observatório polar. Já iniciou as medições?
― Naturalmente, senhor. Os dados óticos estão sendo introduzidos no computador
positrônico de confronto. Daqui a três minutos teremos outras informações. Mas tudo
indica que chegamos à Via-Láctea.
Nos inúmeros setores, nas cinquenta corvetas e nos cinquenta cruzadores ligeiros o
ambiente era tenso.
Os astrofísicos fizeram contato. Seus radiotelescópios tinham sido colocados em
posição.
― Captamos os impulsos de uma radioestrela. Estamos recebendo a interpretação
dos dados. Trata-se de um pulsar. Um sol periférico isolado. Mas ainda pertence à
galáxia. Um instante, por favor...
Demorou apenas um segundo para que a radioestrela fosse identificada.
― Rastreamento concluído. Trata-se do farol solar Hiperon Gal Sul, um gigante
vermelho. Fica a 24.300 anos-luz do Sistema Solar. A distância que nos separa dele é de
aproximadamente 8.000 anos-luz. Estamos em casa, senhor.
Dali a pouco os astrônomos colocaram a estrela no campo dos gigantescos
telescópios com lentes de campo energético. Tratava-se do célebre farol solar ao sul da
galáxia.
Rhodan fez um sinal para o comandante. Korom-Khan mexeu nos comandos. Os
gigantescos propulsores da Marco Polo voltaram a rugir. A manobra de frenagem foi
iniciada a fim de reduzir a velocidade quase igual à luz, o que era necessário para
conseguir resultados mais precisos.
O movimento a bordo voltou ao normal. Oito mil homens infinitamente aliviados se
deram os parabéns.
Os trajes de combate foram tirados e guardados. Rhodan entregou o seu a um robô
que veio correndo. Foi para perto dos assentos dos emocionautas.
― Mr. Kosum, substitua o comandante. Encarregue-se da pilotagem. Quanto aos
outros, quero que se dirijam imediatamente aos seus camarotes. Estão exaustos. Vamos.
Korom-Khan e Ahrat jogaram para trás os capacetes SERT. O cansaço estava
estampado em seus rostos. Senco Ahrat chegara ao limite de sua capacidade. Korom-
Khan sentia-se um pouco melhor.
― É a ordem mais agradável que já recebi ― disse o emocionauta. ― Vamos em
frente, Senco. Nosso calouro cuidará do resto.
Todos riram para Mentro Kosum. Ele, que até então só exercera as funções de
observador, retribuiu o sorriso e disse:
― Já ouviu um carneiro relinchar?
Korom-Khan acenou com a cabeça sem abalar-se nem um pouco.
― Vi nesta sala de comando. Ali está sentado um desses monstros.
Korom-Kham apontou para Kosum, cujo rosto estava sendo coberto pelo capacete
SERT até a altura do nariz.
A Marco Polo continuava a reduzir a velocidade de mergulho. Os computadores
positrônicos cosmonáuticos já estavam calculando a rota mais favorável para o Sistema
Solar terrano.
Poucos se lembraram do efeito de deslocamento do tempo previsto por Waringer.
Estavam em casa!
Mas o pensamento de Rhodan seguia um caminho diferente. Atlan foi o único que
notou como estava preocupado.
Mas o Administrador-Geral permaneceu calado.
5

O hiperespaço rasgou-se no momento em que Mentro Kosum aumentou a potência


dos reatores Schwarzschild que faziam parte dos jatopropulsores e conduziu energia
fornecida por outros sistemas de geradores aos neutralizadores de pressão.
O rugido dos propulsores e sistemas energéticos acabou de repente. Um ruído
diferente, muito mais forte, desabou sobre a nave com a força de um tornado. Os
rastreadores estruturais instalados na sala de comando se queimaram com um estrondo
ensurdecedor. Os aparelhos eram levados para medir as transições das antigas máquinas
ultraluz. Há mil e duzentos anos ainda pertenciam ao equipamento padrão de qualquer
belonave terrana.
Mas naquele momento passaram a representar um perigo. Tremendos fluxos
energéticos ligaram as unidades de segurança que saltaram. Os rastreadores estruturais
explodiram.
O casco esférico da Marco Polo foi forçado até o limite de sua resistência. Pareciam
dez mil sinos de bronze batendo.
O abalo foi tão forte que Rhodan caiu ao chão. Foi sua salvação.
O jovem matemático que estava de pé perto do Administrador-Geral teve o corpo
perfurado por um fragmento incandescente de um rastreador estrutural que acabara de
explodir e foi morto.
A nave-capitânia da Frota Solar transformou-se num inferno. Atlan também foi
jogado ao chão. O casco continuava a vibrar. Devia ter havido um abalo estrutural de
proporções nunca vistas.
Atlan viu os lábios de Rhodan mexendo. Parecia que estava gritando o mais alto que
podia. Provavelmente queria dar instruções. Ninguém o ouviu.
Mentro Kosum revelou a capacidade de reação típica de um emocionauta. Levou
menos tempo para compreender o que estava acontecendo do que os outros.
Desligou imediatamente os propulsores que trabalhavam a toda força. Mas as doze
usinas grandes, com noventa e seis potentes reatores Schwarzschild ao todo, foram
ligadas na capacidade máxima. No mesmo instante a energia produzida, que chegava a
novecentos e sessenta milhões de megawatts, foi conduzida ao campo defensivo paratron.
Seus projetores entraram em funcionamento.
Quando ocorreu o segundo abalo estrutural, o campo defensivo 5D já tinha sido
ativado com a capacidade máxima. As energias que o atingiram foram refletidas e
conduzidas ao hiperespaço. Enquanto isso os propulsores e neutralizadores de pressão
deixaram de funcionar. Cada watt de energia era usado para reforçar o gigantesco campo
energético. Kosum não ativou os campos defensivos de espécies diferentes. Só
consumiriam energia e não serviriam para nada em meio ao inferno hiperfísico.
Rhodan levantou. Gemendo, apalpou o osso da bacia que sofrera uma lesão. Feridos
gritavam por socorro. Os fragmentos incandescentes dos rastreadores estruturais
destruídos na explosão tinham produzido os efeitos de estilhaços de granada.
Os medo-robôs já estavam a caminho. Tinham sido colocados de prontidão máxima
por meio de um comando mental de Kosum.
Antes que Rhodan pudesse chegar cambaleando à poltrona do emocionauta de
plantão e segurar-se no encosto de sua poltrona, houve o terceiro abalo estrutural. Desta
vez foi tão violento que os campos paratron foram solicitados em noventa e nove por
cento de sua capacidade de absorção. O hiperespaço voltou a abrir-se, desta vez por causa
das forças irradiadas pelo campo energético.
A Marco Polo se deslocava balançando em queda livre. Por alguns instantes
verificou-se o estado de ausência de gravidade. As pernas de Rhodan foram jogadas para
o alto. Teria atravessado a sala de comando, se não se segurasse no encosto da poltrona
de Kosum.
Mas também esta situação foi logo identificada pelo emocionauta.
Os geradores de emergência entraram em funcionamento.
Kosum conduziu aos projetores a energia necessária à produção de uma gravidade
artificial. Fez isso com tanto cuidado que começaram a funcionar aos poucos. Desta
forma os homens que flutuavam no ar foram puxados suavemente ao chão pela gravidade
que voltou a atuar.
O sistema de intercomunicação trabalhava em regime de sobrecarga. Todos queriam
saber o que estava acontecendo. Mais uma vez Rhodan foi obrigado a pedir silêncio.
Depois que os alto-falantes silenciaram, perguntou ofegante:
― Que foi isso, Kosum? Tem uma explicação?
O emocionauta hesitou com a resposta. Ainda era obrigado a concentrar-se nas
máquinas. Sua voz era baixa e entrecortada.
― Foram três ondas estruturais. A última foi a mais forte. Alguma coisa deve ter
saído do hiperespaço da mesma forma que nossas velhas naves de transição.
― Quer dizer que não se trata de efeitos do voo linear?
― De forma alguma. Quase fomos destruídos pela força produzida parecida com o
de um sistema propulsor de transição.
Rhodan foi para perto do microfone de chamada geral. Atlan já estava lá,
conversando com o Dr. Cavaldi.
― ...tudo em ordem, senhor. Os neutralizadores de vibrações de todas as máquinas
foram ativados por meio de comandos robotizados. Ainda bem. Já mandei verificar os
alicerces dos reatores. Pode ter havido fissuras capilares. Confie em nós. Faça o favor de
providenciar para que nenhum propulsor seja ligado enquanto meus técnicos não tiverem
concluído os testes de resistência do material. Não quero ver nenhum reator de câmara de
combustão atravessar a nave de lado a lado. Seria muito desagradável.
― Está certo. O senhor ouviu, Kosum?
O emocionauta confirmou com um gesto.
― Tudo bem, LI ― gritou Atlan. ― Aguardamos informações.
Rhodan apertou a tecla de chamada do centro de rastreamento. A imagem do Major
Ataro Kusumi apareceu na tela.
― Já verificou quem nos proporcionou uma recepção tão amável?
O chefe do rastreamento deu uma risada selvagem.
― Sem dúvida, senhor. Três grupos de naves saíram do hiperespaço a apenas um
ano-luz e meio daqui. Usam propulsores de transição do tipo que transformamos em
sucata há mil anos. O primeiro grupo foi o menor. É formado por cerca de vinte mil
espaçonaves das mais diversas formas ou tamanhos.
― O quê? Quantas são?
― Vinte mil. Pelo menos. O segundo grupo era três vezes maior. O terceiro
consistia em dez vezes mais veículos de todas as espécies. Os cerca de duzentos mil
objetos não identificáveis passaram bem perto daqui, desenvolvendo cinquenta por cento
da velocidade da luz. Seguiram em direção à galáxia que fica à nossa frente. É uma
loucura, senhor, uma loucura total. Tenho as naves, ou seja lá o que for, em minhas telas
de relevo. As formas podem ser distinguidas. Existem estruturas que sem dúvida são
maiores que a Terra.
Os olhos de Atlan lacrimejaram. Era um sinal de nervosismo. Rhodan ficou calado
de tão perplexo que estava. Mas logo descarregou a raiva por meio de uma série de
palavrões.
― Transfira as imagens em relevo para a galeria panorâmica. Continue atento.
Rastreie tudo que estiver ao alcance de seus aparelhos ultraluz. Os objetos voadores
possuem luminosidade própria?
― Alguns, senhor, o que me deixa surpreso. Nunca vi uma espaçonave brilhar que
nem um sol. Mas a maior parte dos objetos é negra e oticamente imperceptível como o
espaço cósmico. Mas detectamos uma série de impulsos de propulsores.
― Quer dizer que é um enxame! ― disse Atlan, que já recuperara a calma. ― De
onde vem toda essa confusão? Acho... ora veja, o senhor rato-castor chegou.
Gucky materializou de repente. Ras Tschubai veio atrás dele.
Os mutantes Takvorian, Merkosh, o transparente, e Fellmer Lloyd chegaram pela
tubulação das saídas de emergência. Takvorian praguejou. Qualquer tubo, mesmo o
maior, era muito pequeno para seu corpo de cavalo. O mutante massageou as pernas
dianteiras.
Foi então que houve a quarta onda de choque. Como das outras vezes o campo
paratron quase entrou em colapso.
― Mais uns cem mil objetos voadores ― informou Kusumi. ― Já começo a
acreditar em fantasmas. Viajaremos em companhia de trezentos e oitenta mil objetos
voadores.
Uma tela de intercomunicação acendeu-se. Nela apareceu o rosto de um afro-
terrano.
― Tenente-Coronel Menesh Kuruzin, chefe da primeira flotilha de cruzadores.
Quero falar com o chefe da expedição. Gostaria de ver o enxame de perto. Posso sair com
dez cruzadores?
― Permissão negada. O senhor vai ficar aqui. Se pegar uma onda de choque lá fora,
está perdido. Deve ter notado que a Marco Polo quase foi despedaçada.
― Entendido, senhor. Final.
― Alguma instrução, senhor? ― perguntou Mentro Kosum.
Rhodan sacudiu a cabeça. Continuava de olho nas telas, que mostravam inúmeros
pontos luminosos verdes. Neste momento o setor de rastreamento voltou a chamar.
― Pode ser que o senhor ache que sou um idiota, senhor, mas o fato é que em meio
ao enxame enorme existem sóis radiantes.
― Que loucura!
― Transmitirei os resultados das medições, senhor. Há sóis acompanhando o voo.
Atlan sentou na poltrona mais próxima. Um grande calombo surgiu na testa do
arcônida.
― Mais uma vez fizemos um excelente trabalho ― afirmou.
― Mal escapamos do inferno de Gruelfin, tivemos um trabalho enorme para
estragar os planos de dois sabotadores, e agora, quando estamos perto da Via-Láctea,
trezentas e oitenta mil espaçonaves cruzam nosso caminho. Acham que é pouca coisa?
― Não é esta a hora de fazer ironia ― advertiu Rhodan. ― Os feridos receberam os
cuidados necessários?
― Naturalmente. Os ertrusianos Toronar Kasom e Hartom Manis organizaram isto.
Icho Tolot está na sala de computação principal. Tenta descobrir a rota provável do
enxame. Ao que tudo indica, estes caras querem atravessar nossa galáxia. Mas não me
pergunte por quê.
A Marco Polo continuava a deslocar-se a uma velocidade equivalente a cinquenta
por cento luz em direção ao farol solar Hyperon Gal Sul.
Antes que Rhodan pudesse tomar uma decisão, o rastreamento voltou a chamar.
― Kusumi falando. Temos uma espaçonave nas telas. Está muito perto, a vinte
horas-luz no máximo. Mantém mais ou menos a mesma velocidade que nós e segue a
mesma rota, Está isolada, longe do enxame. Quem sabe se não é um observador em posto
avançado? Os contornos fornecidos pelo rastreador ultraluz de reflexos é estranho. Parece
um animal marinho terrano.
― Que animal?
― Tem certa semelhança com uma arraia, senhor. Voa com o ferrão para a frente.
Ainda não conseguimos apurar suas dimensões, Mas tenho certeza de que a arraia é bem
menor que a Polo. Tem mais ou menos o tamanho de um cruzador.
Rhodan só levou alguns instantes para tomar sua decisão.
― Atenção todo mundo. Vamos aproximar-nos da espaçonave desconhecida. Quero
saber com quem podemos estar lidando. Entrar em prontidão de combate. Centro de
artilharia, fixe a posição do desconhecido. É apenas uma precaução.
― Que armas serão usadas em caso de necessidade, senhor? ― perguntou o
primeiro-oficial de artilharia, Major Pedro Guasa.
― Se necessário ― repito, se necessário ― usaremos tudo que temos. Mr. Kosum,
continue pilotando a nave. Korom-Khan e Ahrat estão exaustos. Acha que é capaz?
Talvez tenhamos de executar manobras-relâmpago.
Kosum acenou com a cabeça. Neste instante chegou mais uma informação do
rastreamento.
― O enxame envolve-se energeticamente, O rastreamento torna-se difícil, quase
chega a fazer efeito. Tudo parece coberto por um véu, só se detectam sombras.
― E a nave isolada?
― Ainda aparece nitidamente. Continua obstinadamente na mesma rota,
― Logo, devemos concluir que não devemos contar com uma quinta onda de
hiperchoque ― disse o Professor Waringer. ― O enxame protegeu-se. Se ainda
esperassem outras unidades, sem dúvida teriam esperado para evitar os campos
defensivos.
― Isso faz sentido. Siga em direção à nave-arraia, Mr. Kosum. Fique mais atento
que nunca. Não quero envolver-me com quase quatrocentos mil objetos espaciais
desconhecidos.
6

O ultracouraçado portador de veículos Marco Polo saiu abruptamente da zona de


libração e voltou ao espaço normal, o que era típico para o fenômeno.
As tripulações das corvetas e dos cruzadores da classe planetas estavam preparadas
para a manobra de saída.
Mas Rhodan ainda tinha dúvidas se devia mandar catapultar as grandes naves
auxiliares para fora dos hangares antes do primeiro contato com a tripulação da nave
desconhecida.
A nave-capitânia da frota terrana apareceu no espaço einsteiniano a apenas trezentos
mil quilômetros do veículo espacial desconhecido.
― Imagem em relevo nítida. Já é possível fazer medições. A forma da nave
desconhecida realmente se assemelha com a de uma arraia, A excrescência que ocupa o
lugar do ferrão parece ser um objeto móvel relativamente pequeno parecido com um
tentáculo. O comprimento é de setenta ou oitenta metros. O casco principal é triangular.
A envergadura das asas chega a cerca de cento e cinquenta metros. São muito finas. Têm
trinta metros de espessura no máximo. A relação entre a envergadura e a altura do casco é
de aproximadamente um por cinco. Nenhum indício de que pretendem atacar-nos. Final.
― Centro de artilharia ― disse a voz do Major Pedro Guasa. ― Peço ao comando
da nave que não se aproxime mais. Se tiver de abrir fogo para valer, uma distância de
trezentos quilômetros até o alvo já se torna perigosa. É possível que um disparo das
baterias de conversão do costado nos atinja através do efeito de expansão circular.
― Entendido, Guasa. Manteremos uma distância segura respondeu Rhodan. ―
Atenção, clinica. Qual é o estado dos emocionautas Korom-Khan e Senco Ahrat? Não há
nada que os senhores possam fazer?
A imagem do Professor Shenko Trestow, chefe da divisão de medicina interna,
apareceu nas telas. Seu rosto escuro crispava-se numa expressão de contrariedade.
― Os dois homens que foram colocados há uma hora num estado de sono profundo
para proteger a saúde ainda não podem ser arrancados dele à força.
― Queira desculpar.
― Pois é ― disse Trestow. ― Os pacientes estão fora de ação por quinze horas. Se
quiser aproximar-se de uma nave inimiga, avise com antecedência.
O médico desligou. Atlan deu uma risadinha.
― É estranho. Nossos homens mais competentes vão se tornando cada vez mais
agressivos à medida que envelhecem.
― Por que não lhe dá seu ativador de células?
― Seria assassinato. E agora, grande terrano?
― Um dia ainda lhe arrancarei as orelhas ― retrucou Rhodan em tom grosseiro. ―
Sala de hiper-rádio. Responda, por favor.
— Major Donald Freyer ― respondeu uma voz. ― Alguma ordem, senhor?
― Sim. Enquadre a posição do desconhecido com seus raios direcionais. Quero
uma mensagem de hiper-rádio. Por enquanto com imagem e em intercosmo. Se não
responder, tente com transmissões à velocidade da luz nas frequências usuais. Se depois
disso ainda não responder, use os antigos sinais Morse.
― Grupos de símbolos dispostos num plano matematicamente inteligível, senhor?
― Isso mesmo. Qualquer ser inteligente tem de entendê-los. Indague sobre a
espécie e origem dos tripulantes. Apresente-os a nós e ressalte que só estamos agindo por
curiosidade. Não faça perguntas agressivas nem formule um ultimato. Entendido?
― Perfeitamente, senhor. Transferirei a ligação para a sala de comando principal.
Faça o favor de acompanhar as transmissões.
Dali a um minuto Donald Freyer deu início às transmissões. Explicou que se tratava
de uma espaçonave terrana regressando à sua galáxia, fez a apresentação do comandante
e pediu informações detalhadas.
A mensagem foi repetida em dez hiperfrequências diferentes. Ninguém respondeu.
Atlan assobiou distraidamente, Era uma melodia antiquíssima.
― Não pode deixar de fazer isso?
― Ein...? ― Atlan olhou para Rhodan com uma expressão de espanto. ― Ah, sim,
queira desculpar, acho que estou incomodando. Os caras que viajam naquela nave
parecem surdos. Ou será que ainda não conhecem O hiper-rádio?
Rhodan não tirava os olhos das grandes telas de imagem, que mostravam um quadro
em relevo bem nítido.
― Estão nos ouvindo. Seres que atravessam o espaço 5D em grupos como este não
podem deixar de conhecer o hiper-rádio. Freyer, tente com um raio bem condensado em
ondas ultracurtas.
O texto foi transmitido mais uma vez. Não houve resposta.
Enquanto isso o enxame prosseguia calmamente. A nave em forma de arraia estava
a pelo menos um ano-luz do grupo.
― Transmita em Morse, Freyer.
Os homens da Marco Polo entreolharam-se em silêncio. O comportamento dos
desconhecidos era muito estranho.
Gucky materializou na sala de comando. Usava o traje de combate feito
especialmente para ele. Caminhou saltitando em direção a Rhodan e parou junto à
poltrona.
― Sem comentários, por favor ― disse, antecipando-se à observação de Rhodan.
― Coloquei minha fantasia porque pretendo dar uma olhada lá adiante.
― Você não sai daqui! ― decidiu Rhodan dando à voz um tom mais enérgico. ―
Veja nisto uma ordem oficial, Tenente Guck. Já começo a ter medo dos desconhecidos.
Freyer fala com língua de anjo. Não é possível usar palavras mais delicadas para tentar
um contato amável.
Atlan usou seu aparelho de comando para chamar um robô. Mandou que trouxesse
seu traje de combate. Colocou-o sem dizer uma palavra.
Rhodan não tirava os olhos dele.
― Posso saber quais são as intenções do Lorde-Almirante?
― Por enquanto não pretendo fazer nada, Só não quero ser assado vivo. Os tiros
hiperenergéticos têm o hábito desagradável de criar temperaturas bem elevadas. Você
conhece isso, não conhece?
Rhodan calou-se obstinadamente. Freyer continuava a transmitir em Morse e a falar.
O dispositivo automático testava as frequências conhecidas para usá-las nas transmissões
acústicas.
― Devo ver nisso mais uma insinuação ao meu espírito exageradamente
humanitário?
Atlan deu uma risada áspera e tossiu.
― Isso mesmo, amigo, isso mesmo! A única coisa que tem de fazer é mandar-me ao
centro de artilharia munido dos poderes necessários. Acho que uma bomba conversora
detonada à frente da proa dessa nave será mais eficiente que toda essa conversa mole.
Tenho excelente pontaria.
― O resultado de sua atuação do antigo Império Arcônida é a melhor prova disso.
Você sempre foi, ainda é e sempre será um defensor da ação violenta, imperador.
― Imperador aposentado, se me permite. Pergunte a um comandante de frota com
certa experiência se sua forma de agir não é absurda. É evidente que esses caras nos
ouvem. Vai esperar até que eles nos dêem uma lição amarga? Já começo a ter dúvidas de
sua...
― Rastreamento falando ― gritou alguém em tom exaltado. ― A nave em forma
de arraia gira em torno do eixo vertical enquanto mantém a mesma rota e velocidade. Os
contornos exteriores começam a abrir-se. A excrescência em forma de ferrão se mexe.
― Preparar para abrir fogo ― ordenou Rhodan.
Sua voz era tão calma que Atlan preferiu não discutir mais. Conhecia Rhodan
Quando falava com uma calma tão exagerada estava tenso que nem a corda de um arco.
― Alvo enquadrado. Os computadores positrônicos movem os canhões conforme a
rota, velocidade e eventuais manobras desviacionistas do desconhecido ― informou o
primeiro-oficial de artilharia.
― Constatamos uma liberação de energia ― comunicou o rastreamento.
― De que espécie? Trata-se de um tiro energético?
― Não foi possível verificar, senhor ― respondeu Kusumi em tom hesitante.
― Que é isso? ― retrucou Rhodan impaciente. ― Se detectaram uma liberação de
energia, devia ser possível...
― Interrupção, senhor. É urgente. Alguma coisa atingiu nosso campo paratron. Mas
ele não é submetido a nenhuma carga. Não compreendo, senhor. As energias que chegam
aqui são tão fracas que normalmente não tomaria conhecimento delas. É como se alguém
atirasse com uma espingarda de pressão numa parede blindada.
― Waringer falando ― anunciou o grande gênio hiperfísico da humanidade. ―
Podem ver-me da sala de comando? Estou escondido atrás de um instrumento.
― Estamos vendo você. Qual é a novidade? Alguma coisa concreta?
― Sim ou não. O desconhecido parece meio desorientado. Os impulsos que
atingem nosso campo paratron de forma alguma podem ser comparados com um raio
disparado por arma energética. De certa forma Kusumi tem razão.
― Guasa, já que é assim não ponha os dedos no teclado dos canhões. Não quero
transformar-me num assassino. Os...
― Interrupção. Urgência máxima ― disse a voz nervosa do engenheiro-chefe. ―
Kosum, interrompa imediatamente a manobra de acompanhamento do desconhecido.
Sabe perfeitamente que a manobra de frenagem é tão violenta que os neutralizadores de
pressão funcionam com a capacidade máxima. Os aparelhos brilham, indicam valores
errados e produzem um efeito narcotizante em quem está perto deles. A reação dos
neutralizadores de gravitação é ainda pior. Entraram em funcionamento sem que fosse
acionado nenhum comando e também emitem raios, mas com dados básicos
completamente errados. Desligue ou fuja. Rápido, Kosum! Droga! Será que ninguém me
ouve?
Rhodan saltou para perto do emocionauta. Como de costume, Mentro Kosum estava
sentado na poltrona, imóvel que nem uma estátua. Suas mãos não tinham nada a fazer.
Mas o espírito estava trabalhando.
― Siga a recomendação! ― gritou Rhodan. Abaixou-se, aproximou os lábios da
borda do capacete SERT e voltou a gritar: ― Kosum! Suspenda a manobra de frenagem.
Desligue todos os aparelhos. Está me ouvindo?
― Ouvi, senhor. A ordem está sendo cumprida.
O rugido dos propulsores funcionando em sentido contrário acabou de repente.
Kosum trabalhava com a precisão de um robô.
O Coronel Hartom Manis, substituto do comandante, atravessou correndo a sala de
comando. Atrás dele veio o ertrusiano Coronel Kasom, segundo substituto do
comandante.
Se Kosum fosse posto fora de ação, os dois seres adaptados a um ambiente estranho
com seus reflexos rápidos seriam capazes de dirigir a Marco Polo num trabalho de equipe
bem coordenado.
― Kosum! ― disse a voz de Cavaldi saída dos alto-falantes. ― Kosum, seu idiota.
Faça alguma coisa. Não consigo encontrar os comandos, senão já teria agido. Rhodan,
não... não encontro os comandos. Perry...
Cavaldi soltou um grito de desespero. Em seguida deu algumas risadinhas,
terminando com a cantaria de uma criança de cinco anos.
― Ciranda, cirandinha, vamos todos...
O engenheiro Dr. Nemus Cavaldi ainda estava cantando. Sua voz era cada vez mais
estridente. Finalmente gritou que nem um bebê, chamou um cachorro imaginário e
começou a chorar.
― Waringer falando. Silêncio. Prestem atenção. Emergência máxima ― berrou o
hiperfísico pelo intercomunicador. ― Nosso campo paratron está sendo manipulado, bem
como os neutralizadores de pressão e gravidade. São os objetos que brilham mais. O
campo defensivo continua ativado, mas vem sendo submetido a uma mudança estrutural
na quinta dimensão. Desligue isso, desligue imediatamente, Perry, e abra fogo. Somos
atacados por uma arma desconhecida. A capacidade intelectual dos homens vem sendo
afetada. Vamos! Atirem logo.
Rhodan voltou correndo ao seu lugar. Quase tropeçou por cima do braço móvel do
microfone de comando.
― Major Guasa, abra fogo. Derrube o agressor.
O primeiro-oficial de artilharia não respondeu. Em compensação alguns setores
fizeram ligações. Suas informações nunca tiveram muita importância para o comando da
nave.
― Por que está tão claro, papai? ― perguntou alguém com a voz entrecortada. ―
Estou com medo, papai. ― O homem solicitou. ― Está claro demais.
Rhodan começou a sentir-se desesperado. Olhava desesperadamente de um lado
para outro. Técnicos, cientistas e cosmonautas pareciam ter enlouquecido.
Muitos estavam sentados em seus lugares, completamente apáticos. Outros
balbuciavam palavras sem sentido. Um terceiro grupo atravessou a sala cambaleando.
Alguns rastejavam de quatro.
― Kosum!― gritou Rhodan. ― Kosum, o senhor ainda está bem? Não sinto o
efeito do fenômeno. Kosum.
― Tudo bem, senhor ― respondeu Kosum. ― Como emocionauta fui submetido a
um processo de estabilização mental. Droga! Cavaldi também está se fazendo de louco.
Desligou os comandos emocionáuticos. Senhor...
Do rosto de Kosum só se via parte do nariz, das bochechas e da boca. De repente
ficaram cobertos de suor. O emocionauta ativou todas as forças que possuía. Não
adiantou.
De repente O ertrusiano Hartom Manis ficou furioso. Nele a influência estranha
manifestou-se de uma forma diferente.
Berrou e arrancou os cintos de segurança. Olhou em volta com uma expressão
estúpida e aproximou-se de Atlan.
Atlan chamou Gucky, que desaparecera ofendido depois que Rhodan proibira que
realizasse a ação pretendida. O ertrusiano de dois metros e meio de altura vinha
cambaleante em direção ao arcônida.
Um dos homens que se encontravam na sala de comando cruzou o caminho de
Manis. O homem adaptado a um ambiente diferente parou por alguns instantes, encarou o
jovem sargento e derrubou-o com um golpe terrível.
― Fome! ― rugiu a voz do gigante. ― Estou com fome. Está escuro na minha
caverna e o depósito de carne está vazio. Fome! Cachorro!
Saiu correndo para junto de Atlan. O Lorde-Almirante esquivou-se no último
instante, caiu, girou num instante, tirou a arma versátil e ligou o dispositivo de tiro
paralisante.
O ertrusiano gritou que nem um animal selvagem ferido. Saltou. Estava com os
braços bem estendidos. Antes que pudesse cair sobre Atlan, este atirou.
O raio paralisante atingiu o substituto do comandante no rosto. Hartom Manis caiu
ao lado de Atlan, deu mais um grito e endureceu por causa da paralisia temporária dos
nervos.
Atlan levantou ofegante. Rhodan estava paralisando um programador que estava
tendo um acesso de fúria e golpeava um computador positrônico com uma banqueta
arrancada da parede.
― Cuide de Kasom ― gritou o Administrador-Geral. Atlan correu para perto da
poltrona de comando do ertrusiano, de arma em punho.
Kasom não parava de mexer no comando, mas não chegou nenhum sinal de
confirmação.
― Guarde a arma ― disse o ertrusiano com a voz potente. Também fui
mentalmente estabilizado. Trate de controlar-se, Atlan. Parece que por aqui ainda existem
pessoas que não enlouqueceram. Kosum tem razão. A sala de controle de máquinas
parece ter-se transformado num inferno. Os homens se divertem brincando com tudo
quanto é chave e botão. Quanto mais coloridos e vistosos são, mais vezes são acionados.
A nave não pode ser manobrada.
Atlan respirou aliviado. Apressou-se em pedir desculpas.
― Tudo bem, senhor. Mas temos outro problema. Além dos homens embrutecidos,
todos os sistemas positrônicos com um componente de plasma vivo reagem de forma
errada. Minha sugestão: use exclusivamente robôs completamente positrônicos, sem
componentes vivos. Estes ainda devem funcionar perfeitamente.
Neste instante o teleportador Ras Tschubai chegou à saia de comando. Rhodan
respirou aliviado.
Ao mesmo tempo houve uma forte explosão. Alguém ligara uma máquina ou até
uma arma que não suportava um tratamento tão violento.
A Marco Polo estava perto da autodestruição. Quase oito mil pessoas, mais ou
menos abobadas, agiam como crianças brincando. Parecia que ninguém mais sabia diante
de que comandos estava sentado.
Os tripulantes menos atingidos pelo efeito de entorpecimento mental estavam
sentados em seus postos, estupefatos. Apalpavam lentamente os comandos e
instrumentos.
Mas estes também eram perigosos. A inteligência que lhes restava dizia a eles que
deviam cumprir esta ou aquela ordem. Mas não sabiam mais como fazer isto.
Houve outras explosões. De repente dois propulsores rugiram. Parecia que alguém
que se encontrava na sala de máquinas principal acionara o comando para provocar um
movimento de rotação da nave em torno de seu eixo polar.
A Marco Polo começou a girar que nem um pião. Uma forte pressão se fez sentir.
Perry Rhodan, que ia saltar com o teleportador Ras Tschubai, foi atirado para longe
juntamente com o mutante. Os dois deslizaram através da sala de comando e bateram
num instrumento.
Desta vez Mentro Kosum teve uma chance. O controle automático de compensação
deste tipo de manobra era completamente positrônico. Reagiu a seu comando mental
bloqueando os controles manuais da sala de máquina e compensando o movimento de
rotação por meio de um jato ligeiro em sentido contrário.
Rhodan estava inconsciente. A força de inércia produzida pelo movimento de
rotação chegara a seis gravos e meio.
Antes que recuperasse os sentidos, Rhodan foi violentamente levantado por Ras
Tschubai. O afro-terrano, que era um mutante, também estava imune ao efeito do
entorpecimento mental.
Ras teleportou com Rhodan para a sala de máquinas principal, que formava um
labirinto confuso de grandes pavilhões, centros de comando e consoles.
O lugar, que ficava dez conveses abaixa da esfera de comando interior,
transformara-se num inferno. Os engenheiros que tinham conservado um pouco de sua
inteligência estavam sentados em seus lugares. Outros homens saltavam que nem
crianças travessas, apertavam chaves ao acaso e quebravam os revestimentos de
segurança das unidades mais importantes.
― Acorde! ― pediu o mutante e bateu com força no rosto de Rhodan. Dali a
instantes Perry voltou a agir. Compreendeu a situação num instante.
Não perdeu tempo. Pegou a arma paralisante e derrubou dezoito homens que se
mostravam mais agitados que os outros. Ficariam narcotizados pelo menos por duas
horas.
Tschubai também abriu fogo. Foi quando se aproximou um gigante de três metros e
meio de altura. Tratava-se do halutense Icho Tolot, que possuía um QI muito elevado,
além de dois cérebros, o cérebro comum que regulava as funções motoras do corpo e a
cérebro programador, encarregado das tarefas matemáticas.
Parecia que os dois cérebros estavam em conflito. Por um instante teve-se a
impressão de que o halutense ia cumprimentar Rhodan. Mas lago pareceu que a cérebro
comum estava levando a melhor.
Icho aproximou-se pesadamente, lamentando-se.
― Pequenino, meu pequenino! ― gritou. ― Por que aponta a arma para mim? Não
sabe que eu o amo? Não sou um amigo da humanidade? Será que você vai atirar num
amigo, pequenino? Perry...
― Faça alguma coisa ― gritou Rhodan para o teleportador que tentava proteger-se
do gigante. ― Um halutense suporta vinte vezes a dose paralisante normal.
Os dais atiraram. Dispararam várias vezes contra o corpo do colosso, mas este
recusava-se a perder os sentidos. Veio saltando em meio a berros, com os quatro braços
estendidos. Só os últimos três tiros paralisantes conseguiram derrubá-lo.
Rhodan levantou. Estava banhada de suor. Tschubai ainda paralisou três
engenheiros que tentavam apertar a chave de partida das doze usinas geradoras
principais.
Finalmente um dos intercomunicadores deu o sinal de chamada. Era Kosum, que
continuava na sala de comando.
― Está aí embaixo, senhor? Se estiver, levante o bloqueio emocional. Mexa nas
duas chaves que ficam à frente do assento de Cavaldi. Levante as coberturas de segurança
e coloque as chaves na marca vermelha.
― Entendido, Kosum. O engenheiro-chefe está deitado em cima das chaves. Mais
alguma informação?
― Waringer transmitiu uma informação. A constante energética da quinta dimensão
de nossos campos defensivos, neutralizadores, e principalmente dos geradores de
gravidade foi manipulada pelo raio disparado pela nave desconhecida.
― Mais alguma coisa?
― Sim. Todas as pessoas mentalmente estabilizadas e as que sofreram uma
mutação natural não reagem aos raios redutores da capacidade intelectual. Isto também se
aplica àqueles que usam ativadores de células, como o senhor e Atlan, nem aos
emocionautas. Os mutantes trancafiam as pessoas cuja mente foi afetada ou as paralisam
com raios narcotizantes. O Coronel Joak Cascal está cuidando dos hangares de barcos
espaciais. Um dos comandantes tentou decolar. Bateu nas escotilhas da eclusa. Cascal
deixou-o inconsciente. O neandertalense Lorde Zwiebus e Alaska Saedelaere foram
internados na clínica, onde o pessoal se bombardeia com os medicamentos das seringas
de pressão. Os depósitos de munições foram isolados por Takvorian e Merkosh.
Reprogramei todos os robôs completamente positronizados e os fiz entrar em ação.
Narcotizaram todas as pessoas que circulavam seu caminho.
― Meu Deus! ― gemeu Rhodan. ― Onde está Atlan?
― Está indo para o centro de artilharia. Não consegue passar, porque sempre é
detido por pessoas embrutecidas. Gucky ficou inconsciente por algum tempo. Alguém
deu uma pancada em sua cabeça. Está aqui. Acaba de dizer que dentro de instantes
poderá saltar para junto de Atlan e levá-lo ao centro de artilharia.
― Está bem. Tschubai fica aqui. Vou ativar seu emociocomando.
― Ótimo. Faça isso quanto antes.
Gucky chegou perto de Atlan. O Lorde-Almirante estava no meio de uma multidão
de pessoas com a mente afetada, que faziam questão de apresentar seu último brinquedo.
Tratava-se de um canhão conversor pesado calibre quatro mil gigatons de TNT. Havia
três homens mexendo nos comandos manuais. Com isso descarregavam a canhão. A
culatra saltou e a bomba que deveria ser irradiada saiu da câmara de desmaterialização
sobre os trilhos de descarga e desceu. Ficou onde estava. E tinha sido ativada!
Gucky ainda chegou em tempo para pôr fim ao espírito lúdico das crianças grandes
por meio de uma salva de paralisador.
Atlan levantou gemendo, olhou em volta e pegou a arma caída no chão.
― Onde você se meteu? Preciso ir ao centro de artilharia. Vamos!
O arcônida levantou Gucky e os dois desmaterializaram.
O Major Guasa, um terrano esbelto, estava sentado à frente do console em ferradura
do controle de fogo. Bastaria que apertasse os botões para pôr fim à brincadeira.
Atlan arrancou do assento o homem que tateava sem saber o que fazer e ocupou seu
lugar. Gucky paralisou os homens que não estavam tão calmos como Guasa.
A grande tela de imagens do sistema positrônico de fixação do alvo iluminou-se
fortemente. A nave em forma de arraia aparecia nitidamente. O ajuste da mira estava
certo. O dispositivo automático calculara todos os desvios de rota da nave desconhecida
por menores que fossem, e os transmitira aos canhões.
Atlan apertou os botões verdes de bateria de estibordo. Só disparou os canhões
conversores.
Um rugido tremendo sacudiu a Marco Polo, que sofreu um desvio em sentido
contrário ao dos disparos. Os projéteis de conversão disparados em velocidade ultraluz
materializaram no mesmo instante ao lado e em cima do alvo e detonaram.
Trinta e duas cargas de quatro mil gigatons de TNT cada entraram instantaneamente
no processo de fusão nuclear. Um sol chamejante ultravermelho formou-se. Espalhou-se
tão depressa que Atlan segurou instintivamente as braçadeiras da poltrona.
A nave desconhecida desapareceu. Não resistiu às energias tremendas dos disparos.
Nesse exato momento Rhodan mexeu nos controles. As máquinas voltaram a
obedecer aos comandos emocionais de Kosum. Atlan ouviu o rugido dos conjuntos. Por
alguns instantes fez-se sentir uma pressão de alguns gravos, mas os neutralizadores logo
se ajustaram automaticamente.
Kosum fugiu! Afastou-se do inimigo misterioso e da violência das explosões dos
projéteis disparados pela própria nave.
A nave mais poderosa da Frota Solar fugia de um inimigo que nem sequer pudera
ser identificado.
Atlan virou a cabeça. Alguém batera em seu ombro. O Major Pedro Guasa estava de
pé atrás dele. A expressão de seus olhos voltara ao normal.
― Desculpe, senhor, mas não gosto que alguém faça o meu trabalho. O senhor
disparou uma salva de canhões conversores. Que houve mesmo?
Atlan sentia um cansaço infinito. Guasa ajudou-o a sair da poltrona. Contemplou o
Lorde-Almirante com uma expressão preocupada.
― Guasa, o senhor se esqueceu de que ficou sentado à frente de seu teclado de
comando que nem um idiota, sem saber para que servem as chaves e botões?
O major fitou-o com uma expressão de perplexidade.
Mas, senhor, como...
Está bem, rapaz, está bem ― disse Atlan em tom deprimido. ― Acho que o senhor
e os outros também voltaram ao normal. Se não tivesse destruído a nave desconhecida, a
Marco Polo ainda se pareceria com um jardim de infância cheio de bebês perigosos para
a comunidade. Não, deixe-me em paz. Perry Rhodan contará tudo. Coloque seus colegas
paralisados em camas anatômicas confortáveis. Logo acordarão. O senhor sabe, se as
crianças brincalhonas perdem as estribeiras, a gente tem de fazer alguma coisa. No caso
não adiantaria dar-lhes umas palmadinhas nas nádegas.
7

A grande manobra linear realizada por Kosum fez a supernave Marco Polo
percorrer cerca de oito mil anos-luz. Kosum fez o veículo sair perto do farol solar
Hyperon Gal Sul, conforme previam os planos.
Naquele momento a nave se deslocava em queda livre, desenvolvendo velocidade
bem inferior à da luz. Seguia em direção à distante Via-Láctea.
Perry Rhodan escolhera a grande sala de conferências, que geralmente só era usada
para encontros confidenciais. Desta vez a tripulação teve oportunidade de ouvir tudo pelo
intercomunicador. Num caso como estes não havia segredos.
Os chefes das equipes científicas e técnicas e os oficiais encarregados da
cosmonáutica estavam presentes. Os comandantes dos grupos de cruzadores e corvetas
faziam parte do grupo.
Ninguém parecia alegre. A experiência com a nave-arraia desconhecida dava o que
pensar. Rhodan tomou a palavra.
― Antes de mais nada devemos resolver se vamos voltar para junto do chamado
enxame para tentar a identificação ou se...
― Recuso a proposta ― interrompeu Waringer.
― Por favor, espere que eu termine. Também ia dizer que acho mais importante
voltarmos o mais depressa possível ao Sistema Solar. Por causa da interrupção repentina
das comunicações dakkar com Titã e Merceile não sabemos que rumo tomou a
pedoinvasão. O que é feito dos coletores e seus vassalos? Ainda poderemos aproximar-
nos do enxame, mas desta vez o faremos com uma poderosa esquadra.
― Antes assim ― disse Waringer. ― Afinal, o enxame ainda se encontra a uns oito
mil anos-luz da Via-Láctea. As unidades levarão cerca de dez mil anos para chegar lá, a
não ser que seus comandantes, ou seja lá o que for, resolvam executar mais uma das
manobras ultraluz que já conhecemos.
― Chegar aonde? ― perguntou a mecânica de gens Dra. Cláudia Chabrol, que
fizera parte da tripulação do deformador de tempo zero.
O cosmopsicólogo Dr. Multer Prest, que também participara da expedição no tempo
realizada em junho de 3.433, exibiu um sorriso triste.
― Querida Cláudia, até parece que a senhora ainda sofre os efeitos das radiações.
― Não pedi sua opinião.
― Eu nunca me casaria com a senhora ― afirmou o cientista de aspecto grosseiro.
― Tem a língua mais afiada que um bisturi energético. Waringer estava se referindo à
nossa galáxia. Isto significa alguma coisa para a senhora?
― Dou por encerrado este assunto ― observou Rhodan impaciente.
Em seguida acenou com a cabeça para a mecânica de gens.
Cláudia sorriu.
― Geoffry, qual é sua opinião sobre os acontecimentos?
― Não tenho a menor ideia de como os desconhecidos podem ter produzido o raio
de manipulação. Só sei que sua carga energética era muito reduzida, mas foi suficiente
para afetar a estrutura de nosso campo paratron, que deixou passar livremente o raio de
deterioração mental, mas somente porque o campo reagiu à mudança de frequência das
vibrações. Em virtude disso os aparelhos que funcionam na quinta dimensão também
foram manipulados. Uma constante gravitacional artificial se formou no interior da nave.
Esta constante foi produzida tanto pelas radiações secundárias do campo defensivo como
pelos neutralizadores de pressão e gravidade que funcionavam com valores falsos. Já
dispomos dos resultados fornecidos pelos instrumentos. São surpreendentes. De fato,
pouca coisa mudou.
Waringer olhou em volta meio desorientado. Parecia que queria ouvir uma
explicação melhor.
― Que resultados? ― perguntou Rhodan.
― A unidade de medida da constante gravitacional galáctica é expressa em
megakalups, uma designação tirada do nome de meu colega falecido, Professor Arno
Kalup. Ou, em abreviatura, mkl. O conceito era desconhecido até que foi introduzido o
sistema de propulsão linear. Corresponde à frequência das vibrações de unidades
energéticas da quinta dimensão, pertencentes a uma categoria superior, que são
encontradas em toda parte. Cada sol é um hiperemissor de radiações. Antigamente isto
não podia ser detectado. O mistério da gravitação assenta numa base pertencente a uma
dimensão superior. Se a constante a que acabo de aludir é manipulada, surge um efeito ao
qual o cérebro humano parece ser muito sensível. Chegamos à conclusão de que até os
animais mantidos a bordo para fins de experiência sofreram um processo de deterioração
mental. Dali se conclui que não são somente os seres humanos que sofrem a influência do
fenômeno.
― Mas isso deve aplicar-se principalmente à galáxia com seus inúmeros fluxos
energéticos.
― Sem dúvida ― concordou Waringer. ― Acontece que também fomos atingidos.
É que toda nave de um povo astronauta dispõe de campos defensivos, neutralizadores de
pressão e principalmente equipamentos antigravitacionais. Quer dizer que éramos uma
espécie de minigaláxia com sua própria constante gravitacional. Esta foi reduzida
exatamente em 852 megakalups. Em virtude disso toda pessoa que não possui seu próprio
bloqueio mental defensivo, nem tinha sofrido uma mutação ou possuía um ativador de
células, sofreu os efeitos de uma debilidade de concentração que degenerou em instantes
num processo de deterioração mental. E bem possível que, se este enxame chegar à Via-
Láctea, dezenas de milhares de naves-arraia do tipo que vimos manipulem a constante
gravitacional galáctica, causando uma deterioração mental de proporções galácticas nos
seres que vivem nela.
― Acho isso um grande exagero ― disse o físico-chefe da Marco Polo, Professor
Dr. Renus Ahaspere. ― Não se esqueça do tamanho de nossa galáxia.
― Sempre riram de mim por causa de minhas teorias malucas ― respondeu
Waringer em tom resignado. ― Mas acho possível que os desconhecidos sejam capazes
de manipular toda a galáxia. Quer saber por que tive esta ideia que pode parecer maluca?
― Quero.
― O raio de conversão que nos pôs fora de ação era tão fraco que ninguém se teria
preocupado por ele. Qualquer aparelho de raios ultravioleta produz radiações mais
intensas. Pode-se dizer que uma nave gigantesca como a Marco Polo foi inutilizada com
uma alfinetada. Bastou deteriorar a mente dos tripulantes. Será que este efeito não
poderia ser estendido a uma galáxia do tamanho da Via-Láctea por meio de energias mais
fortes? Campos gravitacionais existem em toda parte. Até são encontrados no espaço
interestelar.
― Mas...
― Desculpe, professor ― interrompeu Rhodan. ― Depois do que aconteceu
certamente tentarei esclarecer o assunto. Defrontamo-nos com um perigo iminente, seja
qual for a situação. Acho que o mínimo que se pode dizer é que os desconhecidos são
capazes de deteriorar a mente dos seres nas regiões atravessadas por eles. E é quanto
basta. Deixemos os debates científicos de lado. Gostaria que me dissesse o que querem os
desconhecidos. Quais são suas intenções? Trata-se de uma invasão? Em caso afirmativo,
contra quem é dirigida? Contra a humanidade ou outros povos?
― Por enquanto ninguém pode dizer ― afirmou o cosmopsicólogo Eysbert em tom
calmo. — Deixe de lado o complexo, senhor. É o conselho que lhe dou. E não se esqueça
dos dois presos que afirmam pertencer à espécie do homo superior. Devem ser deixados
na Terra o mais depressa possível.
― Acho que certa vez falei numa dilatação do tempo ― cochichou Waringer.
Mas foi compreendido.
Rhodan levantou.
― Partiremos imediatamente em direção ao Sistema Solar. Realizando algumas
manobras forçadas, percorreremos a distância de pouco mais de vinte e quatro anos-luz
em duas etapas de voo linear. Seu conversor de compensação aguentará isso, Cavaldi?
― Garanto que sim.
― Mas é bom não voltar a brincar com os controles ― ironizou Ahaspere.
Rhodan mandou passar alguns filmes feitos pelas câmeras automáticas do sistema
positrônico de vigilância. Mostraram cenas horríveis durante o período de deterioração
mental. De vez em quando alguém ria daquilo que ele mesmo tinha aprontado.
― Admiro os seres humanos ― rugiu a voz de Icho Tolot. ― Quem é capaz de rir
de uma coisa dessas, goza de boa saúde física e mental. Não vai promulgar normas
especiais?
Os olhos enormes de Tolot encararam Rhodan. O Administrador-Geral acenou com
a cabeça.
― Vou, sim. Prestem muita atenção, por favor. Os detalhes fornecidos por Tolot
serão transmitidos posteriormente para seus setores. Mas é bom que fiquem bem atentos.
Rhodan fez uma pausa de efeito.
― Para evitar um risco maior, devemos partir do pressuposto de que ainda nos
encontraremos com outra nave-arraia dos desconhecidos. Será elaborado um plano de
ação para cada tripulante sobre cuja imunidade não haja nenhuma dúvida, plano este que
será executado se houver outra emergência. Os robôs que possuem componentes
biológicos serão paralisados a partir deste momento. Está provado que as explosões
foram causadas pelas máquinas de guerra. Todos os robôs exclusivamente positrônicos
recebem imediatamente uma programação especial que será ativada automaticamente se
houver outra onda de deterioração mental. Outro sistema positrônico especial será ligado
no mesmo momento para desativar ao mesmo tempo todos os conjuntos em que haja
componentes vivos. Desta forma eliminaremos as maiores fontes de perigo. Verificou-se
que o grau de deterioração mental muda de pessoa para pessoa. Aquelas que possuem um
QI mais elevado comportaram-se de maneira mais sensata que os que não são gênios por
natureza. Isto deve ser levado em consideração. Os robôs e as pessoas que continuarem a
pensar mais ou menos claramente receberão instruções para que os tripulantes que
tiverem sido mais afetados sejam trancados imediatamente em recintos seguros.
Usaremos as grandes cantinas. Por enquanto é só. O plano de ação será transmitido aos
seus fac-símiles, conforme já foi mencionado. Distribuam cópias. Quero que todos
estejam preparados.
Rhodan encerrou a importante reunião. Restavam muitas dúvidas que não puderam
ser esclarecidas. O pedido de Kuruzin, que queria aproximar-se do enxame num
cruzador, foi rejeitado. Rhodan queria voltar imediatamente ao Sistema Solar.
***
Dali a uma hora a Marco Polo acelerou. Enquanto isso oito mil pessoas tinham sido
informadas sobre o que deviam fazer se houvesse outra ação de deterioração mental. As
pessoas imunes sabiam perfeitamente quando e como tinham de chegar aos seus postos.
Nada tinha sido esquecido. A meticulosidade terrana estava celebrando mais um dos seus
triunfos.
Atlan estava cético. Fora designado para o cargo de chefe de emergência do centro
de artilharia.
― Olhem que atiro muito mal! ― comentou.
8

Rhodan prestou atenção ao rugido do conversor linear ultracompacto waringiano. A


estrela-destino aparecia como um brilhante ponto de reflexo energético na tela de libração
da fixação de posição automática.
O centro hiperfísico acabara de informar que a manobra de entrada no espaço
einsteiniano seria realizada em cinco minutos e trinta e dois segundos.
Os pensamentos de Rhodan seguiam caminhos estranhos. Não duvidava de que a
etapa linear seria bem-sucedida, apesar de terem de percorrer nela quinze mil anos-luz.
Isto era da alçada de outras pessoas ― que eram muito competentes.
Perry recapitulou as medidas previstas. A catástrofe da deterioração mental parecia
um pesadelo aceso diante dos olhos de sua mente.
Refletiu sobre as instruções dadas. Tudo fora corretamente previsto? Os perigos
ocultos tinham sido detectados? Foram tomados em consideração?
Cada pessoa imune estaria no lugar certo, caso o efeito catastrófico se repetisse? Os
cálculos do halutense tinham sido corretos?
As naves desconhecidas em forma de arraia tinham conseguido penetrar na Via-
Láctea? Em caso afirmativo, já tinham feito suas manipulações?
Os pensamentos de Rhodan seguiram outra trilha. O presente era uma realidade que
podia ser compreendida. Mas como avaliar os efeitos de dilatação previstos por dakkar
durante o primeiro voo resultado, que não fora bem-sucedido? Quanto tempo realmente
se tinha passado na Terra? Fora possível deter a invasão takerer e destruir os coletores de
Vascalo? O que encontrariam quando chegassem lá?
Uma anarquia total, uma forma de governo diferente, um Império Solar esfacelado
ou até um planeta moribundo?
As perguntas eram cada vez mais martirizantes. A pressão mental manifestou-se no
rosto de Rhodan.
― Calma, amigo ― cochichou Atlan enquanto seus dedos cingiam o pulso de
Rhodan. ― Nenhum prato é comido tão quente como é preparado. Trata-se de um velho
provérbio terrano. É só esperar, concentrar-se e enfrentar com decisão o que temos pela
frente. Logo saberemos quanto tempo realmente se passou. Além disso a chance de nos
encontramos com outra nave desconhecida é de um por dez na centésima milésima
potência. A Via-Láctea é tão grande que mesmo dez milhões de objetos voadores
estranhos podem entrar nela sem chamar a atenção. Um acaso como este não acontece.
As medidas anunciadas estão certas.
― Obrigado ― disse Rhodan em voz baixa. ― O que encontraremos na Terra?
Homens que só conhecem nosso nome das lendas?
― Já disse que você deve esperar. O fato de eu exercer as funções de chefe da USO
talvez ajude. Talvez já tenha sido. Tudo depende de quanto tempo viajamos segundo o
plano de referência do planeta Terra. Se a viagem demorou demais, teremos de começar
tudo de novo.
― Você é um otimista!
― Sempre fui ― confirmou Atlan rindo. ― É a única coisa que um imortal
portador de um ativador de células pode fazer. Será que você acreditava que podia
moldar o destino segundo seus desejos e ideias? Depois que você compreender isto de
verdade, mudará seu modo de encarar as coisas. A vida me fez ficar duro, amigo! Já não
acredito tanto nos ideais de todas as espécies. Neste universo não existe nada que seja
perfeito. A primeira vista uma coisa pode parecer maravilhosa, mas sempre acabará
surgindo algum problema. A única coisa que você tem de fazer no momento é concentrar
todas as forças no objetivo que tem em vista. Este objetivo é a humanidade tão espalhada
com seus descendentes, indivíduos adaptados a outros ambientes, perturbadores da paz e
tipos sensatos. Se de fato nos encontrarmos mais uma vez com uma nave desconhecida
em forma de arraia...
― O que faremos então? ― interrompeu Rhodan.
― Atirar. Sem perda de tempo.
― Além de ser duro você é mesmo arcônida.
― É o que recomenda meu instinto, no qual confio bastante. Além disso possuo um
cérebro suplementar, como você já sabe. Às vezes este cérebro funciona melhor que seus
assessores e computadores positrônicos. Vamos aguardar, amigo. Tolot pensa como eu.
― Estamos preparando a manobra de reentrada ― anunciou Cavaldi. ― Faltam
dois minutos.
Atlan olhou atentamente em volta. Korom-Khan e Senco Ahrat estavam com os
capacetes SERT na cabeça. Mentro Kosum estava dormindo na sala de prontidão dos
emocionautas.
― Se fosse você por enquanto não me preocuparia com esse enxame, Perry. O
importante são as condições que reinam na Terra. Não sabemos por que a comunicação
dakkar com a moça cappin chamada Merceile foi interrompida tão de repente.
― Deve ter sido um ataque a Titã! ― opinou Rhodan. — Provavelmente Vascalo, o
Torto, detectou o centro secreto instalado lá. Se estivesse no seu lugar, faria tudo para
destruir a ponte de comunicações com Gruelfin, que incomoda tanto.
― Isso mesmo. A morte de Tachkar Ginkorash e o fato de os juclas terem assumido
o poder devem ter tido muita influência sobre as decisões de Vascalo. A partir desse
instante o Sistema Solar deve ter perdido toda importância para ele, do ponto de vista
tático e estratégico.
― A gente pode enganar-se, amigo.
Atlan fez um gesto de pouco-caso.
― Veremos. Não subestime Reginald Bell, Tifflor e Deighton. Eles certamente
foram capazes de enfrentar os coletores.
O sistema positrônico de voo linear iniciou a contagem regressiva. Faltavam
sessenta segundos para a manobra de reentrada. Depois desses sessenta segundos
finalmente estariam de novo na Via-Láctea.
Só então Mentro Kosum foi acordado. Ficou logo bem desperto, levantou e
atravessou correndo a pequena eclusa que dava para a sala de comando.
Ninguém tomou conhecimento de sua presença. Rhodan já estava se dirigindo aos
mutantes e indivíduos mentalmente estabilizados.
― Espero que já estejam em seus lugares. Eu... Que é isso, Gucky?
O baixinho tinha aparecido de repente. Atlan pegou-o nos braços. O rato-castor
sorria ironicamente.
― Vou levar meu amigo ao centro de artilharia, se não tiver nenhuma objeção. Hoje
em dia gente importante costuma viajar de teleportador.
Kosum foi ao seu lugar. Rhodan praguejava. Tudo acontecia nos últimos segundos
antes da manobra de reentrada.
O rugido dos conversores ultracompactos waringianos cessou. Ao mesmo tempo
desapareceu o campo de compensação que isolava as energias da quarta e da quinta
dimensão, permitindo ao objeto voador que usasse a estreita zona de libração entre os
campos de força para locomover-se a uma velocidade muitas vezes superior à da luz.
A nave caiu no espaço einsteiniano. Tratava-se de uma manobra mil vezes treinada,
quase corriqueira. Ninguém se preocupou com ela. Achava-se natural que tudo acabasse
bem.
Mas desta vez houve uma catástrofe.
Todos aguardavam muito tensos a presença repentina de uma nave em forma de
arraia. A Marco Polo saíra a um ano-luz da estrela-destino, conforme previa o plano.
A reentrada no espaço normal produziu os efeitos de um raio estonteante.
***
Rhodan respirou aliviado enquanto abria a gola apertada do uniforme de bordo, que
também podia ser usado como traje espacial leve.
As telas da galeria panorâmica acenderam-se à sua frente.
Depois da manobra linear que os fizera percorrer mais de quinze mil anos-luz, já
tinham entrado bastante nas ramificações da galáxia da humanidade, mais precisamente
nas áreas limítrofes da espiral pouco importante em que fica o Sol do planeta Terra.
― Tudo em ordem, Cavaldi? O conversar aguentou bem?
Rhodan viu um rosto sorridente nas pequenas telas de imagens do sistema de
intercomunicação.
― Escute, cara. Por que as coisas estão tão verdes? Posso pôr as mãos? Por favor...
― a voz assumiu um tom soluçante deixe-me apertar só uma vez. Gosto tanto de botões
verdes...
Rhodan saltou da poltrona de comando. Kosum tirou o capacete SERT, saiu de seu
lugar e no mesmo instante pegou a arma, que fora ajustada para disparar tiros
paralisantes.
Korom-Khan não se abalou. Continuou sentado. Também recebera instruções para
um caso de emergência. Senco Ahrat levantou muito mais devagar, mas foi o primeiro a
abrir fogo com a arma paralisante contra o ertrusiano Harton Manis, que voltara a afirmar
que queriam que ele morresse de fome nessa nave maldita.
Rhodan usou um aparelho de comando para ativar os robôs já preparados. As
máquinas saíram dos lugares em que tinham ficado de prontidão e cumpriram sua
programação.
Rhodan ficou com o rosto cinzento. Olhou para Kosum todo perplexo. Kosum
estava desativando os últimos conjuntos positrônicos com elementos feitos de matéria
viva.
Senco Ahrat já tinha desaparecido. Saíra para assumir o comando do importante
centro de rastreamento, trancar a tripulação incapacitada com a ajuda dos robôs e
vasculhar o espaço cósmico.
O Professor Waringer fez contato.
― Acabo de chegar à sala de máquinas principal. Estou assumindo. No momento a
divisão física não tem nenhuma importância. Os robôs estão cuidando do transporte das
pessoas mentalmente deterioradas. Só precisei dar dois tiros paralisantes. Como está a
situação na sala de comando?
― Arrasadora ― respondeu Rhodan em tom nervoso. ― Meu Deus, Geoffry, como
pôde acontecer uma coisa destas? Será que fomos bombardeados mais cedo do que
esperávamos? Não é possível!
Waringer deu uma risada sarcástica.
― É claro que só pode ser isso. O fato é que no momento da reentrada no espaço
normal o processo de deterioração mental dos tripulantes foi mais rápido que quando
fomos atacados pela nave-arraia. Sinto muito, Perry, mas meu prognóstico sombrio foi
confirmado. A constante gravitacional da quinta divisão, existente na Via-Láctea, foi
manipulada. De forma muito mais intensa do que pensávamos. Mergulhamos num
oceano de deterioração mental.
Rhodan sentou de novo. Seus pensamentos se atropelavam.
Depois do primeiro choque suas reações voltaram a ser rápidas e precisas como de
costume.
― Muito bem. Trata-se de um fato que temos de aceitar como tal. Quero que
responda a uma pergunta: Por que o efeito só se manifestou agora, depois da reentrada?
Por que não durante o voo linear? Também nos encontrávamos na área de influência da
galáxia.
Rhodan ouviu o chiado de uma arma paralisante. Um homem caiu no chão
debatendo-se atrás de Waringer.
― Desculpe ― pediu Geoffry. ― Fui obrigado a defender-me. Os comandos
emocionais estão em ordem?
― Tudo em ordem. Reações completamente normais ― respondeu Korom-Khan,
que estava demonstrando uma calma e autocontrole suficientes.
Não foi dita uma única palavra inútil. Ninguém gritava; ninguém berrava. Todos
controlavam os nervos. Felizmente.
— Quanto à sua pergunta a respeito do voo linear, Perry, a zona de libração é uma
faixa estreita energeticamente neutra que fica entre a quarta e a quinta dimensão. Graças
ao campo de compensação, evitamos a ação dos efeitos de superposição dos campos
energéticos, conseguimos refleti-las e neutralizá-las. Por isso não fomos atingidos pela
constante de manipulação.
Rhodan enxugou o suor da testa. Quase não deu atenção às informações fornecidas
pelos diversos encarregados dos setores de emergência. Só se interessava pelo quadro
global. Cabia a Kosum responder às mensagens que chegavam. As precauções adotadas
para uma situação diferente mostraram-se muito eficientes.
― Cuidado, Kosum, alguém quer atacá-lo ― alertou Rhodan em tom distraído.
Kosum atirou. Um homem caiu ao chão. Fora paralisado. Um robô de transporte
levou-o a um dos recintos isolados previamente preparados da clínica de bordo.
— Que perspectivas apavorantes, Geoffry! Quer dizer que todas as tripulações das
espaçonaves, estações espaciais, bases planetárias e até a população dos planetas foram
atingidas pela deterioração mental?
Waringer confirmou com um aceno de cabeça. Num gesto violento Rhodan abriu
ainda mais o uniforme de bordo.
― Geoffry, isto é a maior catástrofe que já desabou sobre os povos da Via-Láctea.
Não pode ser.
― Uma interrupção, senhor. Alaska Saedelaere falando. Assumi a sala de rádio
conforme prevê o plano.
― Eu sei. Qual é a novidade? Mais alguma notícia alarmante?
― Infelizmente, senhor. Parece que a catástrofe que o senhor previu aconteceu.
Recebi nos últimos dez minutos cerca de mil pedidos de socorro das imediações
galácticas. Foram emitidos principalmente pelos transmissores automáticos das
espaçonaves. Além disso capto as mensagens de cerca de dez transmissores que, segundo
parece, são operados por seres vivos. Os textos variam. Representam avaliações indiretas
da situação. Temos ai uma prova de que não é só na Marco Polo que existem pessoas
imunes.
― Naturalmente. Só a USO possui muitos especialistas mentalmente estabilizados.
Além disso temos os homens e mulheres pertencentes à Segurança Solar. Muitos
comandantes incumbidos de missões especiais também foram submetidos a um processo
de estabilização mental. Continua recebendo pedidos de socorro?
― Em quantidade incalculável, senhor. O banco de dados automáticos já está
sobrecarregado.
Rhodan agarrou as braçadeiras da poltrona. Por alguns segundos travou uma luta
interior, que só terminou quando formulou a pergunta decisiva:
― Recebeu algum pedido de socorro do Sistema Solar? Da Terra? Estamos a pouco
menos de nove mil e quinhentos anos-luz dela. Devemos estar ao alcance dos grandes
transmissores de Terrânia.
― Não, senhor. Não recebi nenhum. A Terra permanece em silêncio. Em
compensação parece que muitas unidades da Frota Solar estão transmitindo. É uma coisa
horrível, senhor. Acabo de receber uma mensagem na qual alguém diz que vai suicidar-
se.
Dali a instantes a situação mudou de novo. Atlan chamou.
― Acho que minha presença no centro de artilharia não é necessária. Não existe
nada por aí que possa ser combatido com as armas que conhecemos. Cascal e os mutantes
têm dificuldade em lidar com todos os tripulantes dos cruzadores e corvetas. Acho...
Um trovão sacudiu o corpo esférico da Marco Polo. Cascal chamou em seguida.
Usava traje de combate pesado e segurava uma arma.
― Preciso de ajuda. Não estamos conseguindo. O piloto de um caça decolou com
toda força com seu Lightning. Rompeu as escotilhas da eclusa, causando uma
descompressão explosiva. O caça está perdido. Envie reforços.
As ordens de Rhodan vieram logo. Os robôs que tinham concluído sua tarefa ou
estavam prestes a fazê-lo foram deslocados. Dali a pouco chegaram aos grandes hangares
dos cruzadores e corvetas.
Os dois teleportadores saltavam de um veículo para outro. Em cada salto levavam
dois robôs que usavam as armas paralisantes.
Aos poucos a situação foi-se estabilizando. Não era nada fácil levar a um lugar
seguro, antes que fosse tarde, oito mil homens espalhados pelos numerosos postos e
grandes barcos espaciais e evitar que causassem uma desgraça enorme.
Cinco horas se passaram antes que os últimos doentes fossem levados a um lugar
seguro. Foi necessário paralisar cerca de dois mil homens. A capacidade da clínica era
muito reduzida. Por isso os medo-robôs alojaram os doentes em vários pavilhões e
camarotes.
A tarefa seguinte consistiu em isolar estes recintos de tal forma que as pessoas
paralisadas não pudessem fazer nenhum estrago quando acordassem.
Depois de oito horas de luta as poucas pessoas imunes levaram a melhor. Foi uma
vitória amarga. Encontraram-se na sala de comando.
Os mutantes Gucky, Ras Tschubai, Fellmer Lloyd, Merkosh e Takvorian estavam
exaustos.
Os homens mentalmente estabilizados, como Joak Casca, Alaska Saedelaere, Lorde
Zwiebus e Toronar Kasom davam sinais do desespero que sentiam por dentro. Aqueles
que usavam ativador, como Rhodan, Waringer e Atlan, tiveram de esforçar-se para não
perder o autocontrole.
Os emocionautas Korom-Khan, Ahrat e Kosum cuidavam da direção da nave. A
Marco Polo continuava a correr a uma velocidade pouco inferior à da luz em direção ao
sol que era seu destino.
Os tripulantes que tinham sofrido o processo de deterioração mental estavam bem
guardados. Eram vigiados e alimentados por robôs especialmente programados. Muitos
homens tinham recuperado certa estabilidade psíquica, depois que a constante de
manipulação fizera sentir seus efeitos durante oito horas. Via-se que começavam a
pensar.
Aqueles que graças ao QI muito elevado não tinham sofrido uma deterioração
mental muito acentuada ofereceram sua ajuda.
Assim que recebeu a informação dos comandantes-robôs, Rhodan resolveu dar uma
chance a estes homens e mulheres.
Os robôs foram instruídos neste sentido. Desta forma cerca de setecentos tripulantes
tiveram regalias especiais.
Cuidaram daqueles que tinham sucumbido completamente ao processo de
deterioração mental. Abriam as conservas, aqueciam-nas e levavam seus protegidos a
ingerir líquidos e alimentos.
Os robôs médicos especializados cuidaram de numerosas fraturas ósseas, contusões
graves e ferimentos de todas as espécies.
Em seguida Rhodan leu parte dos pedidos de socorro que tinham sido recebidos.
Chegou à conclusão de que, em comparação com as outras naves, as condições a bordo
da Marco Polo eram muito boas. Isto lhe deu novo ânimo. Outros comandantes da Frota
Solar, especialmente os das inúmeras naves mercantes, não tiveram a felicidade de contar
com um número relativamente elevado de pessoas mentalmente estabilizadas. Sobre estes
o caos desabara com toda a fúria. Um pedido de socorro deixou-o mais abalado.
O operador de hiper-rádio de uma nave de passageiros era o único que tinha ficado
imune. Trancara-se na sala de rádio e transmitia sem parar. Mas ninguém podia ajudá-lo.
Fazia cerca de vinte minutos que tinha transmitido sua última mensagem. Depois
disso fez explodir a nave.
Os poucos imunes da Marco Polo estavam reunidos. Os fatores técnico-científicos
voltaram a ser discutidos. Parecia não haver nenhuma dúvida de que as naves-arraia
tinham chegado à galáxia muito antes do enxame para preparar o terreno. Este preparo só
podia ter consistido na manipulação da constante gravitacional galáctica.
A frequência do campo de força voltara a baixar em exatamente 852 megakalups, o
que parecia ser suficiente para causar a deterioração mental de qualquer criatura.
Ainda não se sabia por que tinham feito isso. Na opinião de Atlan estavam
preparando um ataque em grande escala.
Talvez tivesse razão. Ninguém sabia. Ainda não se conheciam os detalhes.
Waringer acreditava que aquele que acreditava ser seu inimigo talvez nem se desse
conta da desgraça que tinha causado na galáxia. Waringer usou as expressões compulsão
instintiva e procedimento condicionado pela natureza.
Será que estava certo? Os poucos homens sabiam que se encontravam numa
emergência que tinham controlado no último instante. Neste instante Perry Rhodan
proferiu as palavras decisivas que pelo menos Atlan e Waringer já tinham esboçado em
sua mente.
― Como sabem, depois da primeira manobra linear ainda teremos de percorrer
cerca de nove mil e quinhentos anos-luz para chegar ao Sistema Solar. Não devemos
esquecer as palavras de Waringer a respeito do desaparecimento gradual da deterioração
mental dentro do espaço linear. Acontece que teremos de executar esta manobra, senão
nunca chegaremos à Terra. Compreenderam o que quero dizer?
― Sou um idiota! ― exclamou Gucky. ― Nem pensei nisso. Se voltarmos ao
espaço linear, nossos doentes sararão de repente, não é mesmo?
O rato-castor olhou em volta com uma expressão indagadora.
Rhodan passou a mão pelos olhos.
― Isso mesmo! ― confirmou com a voz rouca. ― Se o pessoal recuperar o juízo,
saberá o que os aguarda quando voltarmos ao espaço einsteiniano. Compreenderão logo
que ficarão sujeitos de novo ao efeito de deterioração mental. Qual será seu
comportamento? Será que nos obrigarão de armas na mão a sair da galáxia em voo
linear? Todos devem estar lembrados de que no espaço vazio não se verificou nenhuma
influência dessa espécie. Além disso a Marco Polo dispõe de um potencial de reserva que
lhe permite percorrer pelo menos dez milhões de anos-luz. É mais que suficiente para
alcançar as bases terranas na nebulosa de Andrômeda. Além disso se lembrarão dos
maahks, que são nossos amigos e certamente nos ajudariam. Por isso pergunto: Que farão
nossos companheiros depois que recuperarem o juízo?
― Eles nos apedrejarão ― afirmou Atlan.
― Você usou uma expressão histórica, mas acertou em cheio, arcônida. Você
estaria disposto a submeter-se de sua livre e espontânea vontade a um processo de
deterioração mental? Ou faria questão de que seguíssemos para a nebulosa de
Andrômeda, onde não haveria esse perigo? Se necessário, pela força das armas! Você não
compreenderia logo que a reentrada nas proximidades da Terra só poderia resultar numa
deterioração mental permanente? Você acreditaria em mim se garantisse que os cientistas
médicos sem dúvida descobririam um remédio contra isso? Seria capaz de reprimir o
instinto de autoconservação em troca de uma promessa vaga? Então...?
Atlan refletiu por bastante tempo.
― Não. Não acredito.
Rhodan acenou com a cabeça.
― Obrigado. Você foi sincero. Não me responsabilizo por ninguém. Acontece que
temos de chegar à Terra.
― Será mesmo, senhor? ― perguntou o Coronel Joak Cascal.
Rhodan fitou-o com uma expressão indagadora.
― O senhor tem sorte. Teve a mente estabilizada por causa de uma lesão na cabeça.
A pergunta que acaba de fazer tem sua razão de ser. Mas não gosto desse sorriso
arrogante. Sem dúvida temos de dirigir-nos à Terra.
Cascal, conhecido como um sarcástico, continuou sorrindo.
― Acho que deveríamos pensar bem antes de tomar essa decisão. Se compreendi
bem, o senhor resolveu voltar ao espaço linear, deixar os doentes trancados e expô-los
novamente ao processo de deterioração mental depois da manobra de reentrada no espaço
normal. Ou será que estou enganado?
― Estou gostando cada vez menos do tom de sua voz.
― Na situação em que nos encontramos ― com sua permissão ― não me importo
nem um pouco com isso.
― É claro que o senhor tem o direito de dar sua opinião. Mas não deve chegar ao
ponto de pôr em perigo toda a humanidade. A bordo desta nave só existem oito mil
pessoas, enquanto só na Terra vivem oito bilhões de seres humanos, que sem dúvida
precisam de nossa ajuda.
― Não se esqueça do efeito da distorção do tempo. Quem lhe garante que ainda
encontraremos a humanidade que conhecemos?
― Meu sentimento ― respondeu Rhodan laconicamente.
― Deixemos isso para lá, coronel. Mas o senhor fica livre para sair num barco
espacial ultraluz e tente encontrar em qualquer lugar uma ajuda mais rápida para nossos
homens lesados que aquela que eu talvez possa arranjar.
― Não se trata disso. Acho que devemos ouvir a opinião de todas as pessoas que se
encontram a bordo.
― Posso dizer o resultado de antemão, coronel ― respondeu Atlan. ― Como não
sabemos quando chegamos aqui, esta incerteza será um fator decisivo na formação da
opinião dos tripulantes. Cada um tentará aliviar a consciência que o acusa tentando
convencer-se de que de qualquer maneira chegaríamos tarde para fazer qualquer coisa. O
senhor concorda comigo? Seremos obrigados a seguir em direção à galáxia Andrômeda.
Ajude-me a compreender os homens, jovem!
Cascal não respondeu. Dali a dez minutos Rhodan mandou fazer a votação.
Os tripulantes imunes acharam que os doentes deviam continuar trancados e ser
bem cuidados, mas não deviam ter plena liberdade de ação durante o voo linear. Cascal
foi o único que votou contra.
Rhodan levantou e encerrou a reunião.
― Esperemos para ver o que encontraremos na Terra disse. ― Se lá reinar o caos e
a decadência for inevitável, seremos obrigados a partir com destino à nebulosa de
Andrômeda. Aí os tripulantes confinados voltarão automaticamente ao normal. Concorda
comigo, Mr. Cascal?
O coronel balançou a cabeça. Limitou-se a resmungar alguma coisa que ninguém
entendeu.
― Interpreto sua resposta como uma manifestação de concordância. Todos hão de
compreender a situação. Mas antes de mais nada quero ver como estão as coisas no
Sistema Solar. Coronel Korom-Khan, fixe a rota de aproximação. Partiremos
imediatamente.
9

O conversar ultracompacto waring trovejava há alguns segundos. A Marco Polo já


entrara no espaço linear.
O rugido das usinas geradoras que abasteciam o campo energético de compensação
fazia parte da cortina acústica de uma espaçonave durante um voo ultraluz.
Os tripulantes que eram imunes aos raios de deterioração mental estavam de
prontidão. Os dois teleportadores foram incumbidos de, em caso de perigo, agir
imediatamente, levando Rhodan e Atlan.
A nave era dirigida por Korom-Khan. Kosum e Ahrat ficaram de prontidão. Já fazia
três minutos que tinha sido iniciado o voo linear. Na sala de comando principal todos
ficavam em silêncio. Observavam com muita atenção as telas de imagens que mostravam
os pavilhões e recintos menores em que tinham sido alojados os tripulantes atingidos pelo
processo de deterioração mental. Seu comportamento não mudara. Brincavam, riam e
faziam artes. Outros homens e mulheres ficavam sentados em silêncio. Parecia que se
esforçavam para compreender a situação.
Passaram-se cinco minutos. Nenhuma reação. Mas de repente, cerca de sete minutos
após o início da manobra linear, a situação mudou. Cerca de oito mil pessoas voltaram ao
normal.
No início olharam em volta, estupefatos. Mas logo compreenderam a situação e
reagiram. Era o momento que Perry Rhodan aguardara com temor.
O cosmopsicólogo-chefe Professor Dr. Eysbert correu ao videofone mais próximo e
chamou a sala de comando. Rhodan em pessoa respondeu ao chamado.
― Que bom vê-lo ― disse Eysbert. ― Com base numa interpretação que por
enquanto é apenas superficial, sou de opinião que fomos atingidos por mais um raio de
deterioração mental. Parece que as precauções combinadas foram tomadas.
― Foram!
A informação deixou Eysbert surpreso.
― Que quer dizer com isso? O senhor está se esquivando.
― Achei conveniente no início. O senhor está enganado. Não fomos atacados por
nenhuma nave em forma de arraia. A teoria de Waringer foi confirmada de uma forma
terrível. Parece que a constante da quinta dimensão que abrange a Via-Láctea foi
manipulada. Preste atenção, por favor. Quero explicar o que aconteceu.
Rhodan relatou todos os detalhes. Não omitiu nem mesmo a decisão tomada pelos
tripulantes imunes.
― Então é isso! ― respondeu Eysbert esticando as palavras.
Mostrou-se calmo e seguro.
― Sabe que todos os tripulantes que recuperaram a capacidade intelectual ouviram
seu relato? ― disse finalmente. ― Sabe o que isto significa?
― Sei! Fui eu que mandei ligar o sistema de chamada geral do intercomunicador.
― Foi uma tática muito esperta, senhor. Pretende pôr em prática o que foi decidido
pelos imunes? Um momento, por favor...
A imagem de Eysbert desapareceu da tela por um instante.
Mas logo voltou a aparecer. Ainda parecia seguro de si.
― Fui informado de que os tripulantes atingidos pela medida me concederam
plenos poderes para tratar do assunto com o senhor.
― Fico contente, senhor. Aprecio as pessoas que sabem controlar-se.
― Eu também. Mas isso não muda o fato de que pretende expor-nos a outro
processo de deterioração mental quando voltarmos ao espaço einsteiniano. Nós, que
seremos atingidos, somos de opinião que o senhor não tem este direito. O senhor
reconheceu com uma franqueza louvável que a potência de nossas máquinas é suficiente
para chegarmos à nebulosa de Andrômeda. Foi uma atitude leal, senhor. Acontece que
por enquanto estamos presos e somos ameaçados por robôs de guerra.
― Ninguém ameaça os senhores. Recuso-me a deixar de viajar para a Terra
somente para atender ao desejo de oito mil membros da Frota Solar. Em nosso planeta
vivem oito bilhões de seres humanos, e nos muitos planetas por nós colonizados mais de
cinco trilhões. Todos precisam de ajuda.
Parecia que Eysbert mal conseguia controlar-se. Homens que não estavam ao
alcance da objetiva gritavam mais nos fundos.
― Está começando ― cochichou Mentro Kosum.
Rhodan fez um sinal.
― Quer dizer que o senhor se recusa! ― disse Eysbert. Nossa opinião não lhe
interessa.
― Interessa, sim. Mas sou de opinião que oito mil homens e mulheres devem fazer
um sacrifício aceitável em benefício de milhões de seres humanos.
― Quem diz isso é o comandante supremo da Frota Solar, que pensa em termos
militares, e o político experiente.
Rhodan respirou profundamente. Lutava para não perder a calma interior.
― O senhor está enganado, professor. Disse isto como homem dotado de senso de
responsabilidade. O senhor não tem o direito de colocar seu bem-estar pessoal em
primeiro plano.
Alguém gritou como um louco furioso. Um jovem que Rhodan não conhecia
afastou o psicólogo com um empurrão e ficou à frente da objetiva. Estava com o rosto
desfigurado.
― O senhor quer expor-nos novamente ao processo de deterioração mental somente
para alcançar seus objetivos políticos. Com vocês que são imunes está tudo bem, não
está? Suas palavras bonitas não passam de um golpe tático. Exijo que o senhor fique no
espaço linear, onde minha mente funciona. Proíbo-lhe que me exponha de novo ao
processo de deterioração mental. Eu lhe proíbo, seu... seu...
A sombra de um punho apareceu na tela. Era o punho do ertrusiano Hartom Manis.
O homem enfurecido caiu inconsciente.
Manis apareceu na tela.
― Tive de fazer isto ― desculpou-se. ― Esse jovem não tem forças para aguentar
o que está acontecendo. Muitos têm a mesma sorte. Como estão as coisas, senhor?
Resolveu mesmo sacrificar-nos?
― Ninguém quer sacrificá-los, e eu menos que qualquer outro ― retrucou Rhodan.
― Ouça o que os imunes decidiram em conjunto.
Rhodan voltou a explicar o que fora decidido na reunião e prosseguiu:
― Depois que soubermos como está a Terra veremos o resto. Se a situação estiver
irremediavelmente perdida, partiremos com destino à nebulosa de Andrômeda. Mas antes
disso precisamos saber qual é a situação do Sistema Solar, quanto tempo perdemos e
como foi a invasão dos takerers. Os senhores voltarão a sofrer a deterioração mental;
sobre isto não existe nenhuma dúvida. Mas será que sentiram alguma dor? Alguém lhes
fez alguma coisa? Sofreram fome ou sede? Ninguém sofreu nada, a não ser as pessoas
que tivemos de paralisar. Será que não podem conformar-se em submeter-se mais uma
vez aos efeitos da manipulação, em benefício da humanidade? Meu Deus! Os senhores
nem sentem.
Rhodan ainda levou uns trinta minutos falando com os tripulantes mais ou menos
deprimidos. Em seguida pediu que fosse feita uma votação. A apuração ficou a cargo de
um grupo dirigido pelo Professor Eysbert.
Quando finalmente foi conhecido o resultado, a Marco Polo já se aproximava do
destino ― o Sistema Solar terrano.
Eysbert continuava a comportar-se como um homem civilizado. Outros se debatiam
em acessos de fúria. Podia-se ouvi-los. De vez em quando ouvia-se o chiado de uma arma
paralisante disparada por um robô.
― O senhor ganhou, Administrador-Geral ― informou Eysbert. ― Cinquenta e
oito por cento votaram a favor de sua teoria, quarenta e dois por cento são contra. Este
resultado deve deixá-lo muito contente.
― De forma alguma, professor. O fato é que acredito novamente na sensatez e no
senso de responsabilidade dos homens e mulheres que me ajudaram a levar o Ganjo
Ovaron para casa e combateram em benefício da humanidade na galáxia Gruelfin.
― Muito bem. Pode voltar ao espaço normal. Receba os cumprimentos dos débeis
mentais.
Eysbert desligou. Kosum interrompeu muitas ligações de intercomunicador pedidas
pelos mais diversos setores.
― Não adianta mais ― desculpou-se o emocionauta. Não fique triste, senhor. O
senhor não deu uma ordem de execução de oito mil homens.
― Dei, sim. De forma indireta. Não gostaria de estar no couro de Eysbert.
Realmente somos privilegiados. Tomara que a decisão que tomamos seja certa.
Eysbert voltou a chamar. Tinha uma proposta.
― Ouça, senhor. Falei com os cientistas. Por que não se retira com os imunes, entra
num cruzador e volta à Terra? Nós levaríamos a Marco Polo à nebulosa de Andrômeda,
onde estaríamos fora de perigo. Que tal?
Rhodan baixou a cabeça. Sua voz parecia cansada.
― Acha que não pensei nisso?
― Pensou mesmo? Os sentimentos íntimos do ser humano são volúveis. Depois que
foi anunciada a hipótese do cruzador, aqueles que aprovaram sua proposta mudaram de
lado. Exigimos que o assunto seja posto em votação de novo.
Rhodan respondeu em tom enérgico:
― Não se costuma anular o resultado de uma votação regular, Senhor Eysbert! Para
mim este resultado continua válido. Além disso a conta feita por seus colegas e os outros
tripulantes não dá certo. Os imunes não podem sair num cruzador. A Marco Polo é a
única nave da frota terrana que dispõe de um sistema de propulsão de longo alcance. É a
Única nave que conta com um conjunto dimesexta. Talvez sejamos obrigados a entrar
novamente em contato com nossos amigos ganjásicos da galáxia Gruelfin e pedir que nos
ajudem. Não venha me dizer que o senhor acredita mesmo que eu permitiria que
viajassem com a Marco Polo para Andrômeda e desaparecessem. Além disso o senhor
nem estaria em condições de fazer isso. Para que o cruzador com os imunes pudesse sair,
teríamos de voltar ao espaço einsteiniano. Sabemos que na zona linear isto não é possível.
E aí os senhores não seriam capazes de controlar as máquinas.
― Tenho uma objeção ― interrompeu alguém gritando.
O engenheiro especializado em hiperenergia e robótica, Dr. Voigt Gosling,
empurrou Eysbert. Estava exaltado.
― Não me venha com desculpas esfarrapadas! Basta programar o piloto
automático. Desta forma seríamos levados para o espaço cósmico, fora dos limites da
galáxia.
― O senhor está enganado ― respondeu Rhodan. ― Os senhores mesmos
desligaram todos os sistemas positrônicos que dispõem de elementos vivos. Por isso não
devem ignorar que o piloto automático linear também inclui um elemento plasmático. O
aparelho levaria os senhores à desgraça. Vamos ter juízo, Gosling!
O robótico desistiu. Os alto-falantes transmitiram um som parecido com um soluço
abafado.
― Desisto. Infelizmente o senhor tem razão. Como sempre.
***
Apenas três minutos depois disso a Marco Polo caiu de volta no universo normal.
O processo de deterioração dos tripulantes começou de novo. O Sistema Solar
terrano apareceu à frente da nave.
Dali a instantes o rastreamento fez a primeira descoberta assustadora. O campo
paratron que envolvia o sistema não existia mais.
Além disso Plutão, que era o nono planeta do sistema, tinha desaparecido. Em seu
lugar detectou-se uma massa enorme formada por escombros.
Parecia que Plutão tinha explodido. Como? E principalmente por quê?
Os poucos homens imunes que havia na Marco Polo contemplaram apavorados a
imagem nítida do hiperrastreador de relevo e do sistema ótico. Rhodan foi o primeiro a
tomar a palavra.
― Isto é apenas o começo das surpresas que temos pela frente, amigos. Se
continuar assim, podemos abandonar nossos planos de salvamento. Droga! Alguém pode
informar que data registram os calendários da Terra?
Ninguém podia. Nem mesmo um gênio como Waringer.
― Korom-Khan, prepare uma manobra linear de um minuto. Siga diretamente para
o sistema. Atlan, faça o favor de voltar ao centro de artilharia. A nave ficará de prontidão
para o combate, até onde isto é possível. Ligar os campos defensivos.
***
O homem contemplava o céu claro do verão que cobria o antigo deserto de Gobi.
Sua inteligência, que já fora muito viva, estava bastante embotada, mas ele ainda sabia o
que significava o ponto cintilante que via lá em cima.
Seus homens fortemente armados estavam abrigados entre os escombros de
edifícios destruídos que há menos de sete meses serviam para abrigar instalações
meteorológicas, astrofísicas e de radiotransmissão.
O ponto cresceu. Ficou do tamanho de uma grande bola. Ouviu-se o primeiro ruído
leve, que aumentou até transformar-se num rugido oco. Ondas de pressão varreram o
terreno além do campo paratron.
Alguns dos homens mentalmente deteriorados começaram a gritar de medo. Outros
levantaram as armas energéticas e atiraram para o céu.
― Parem, idiotas! ― berrou o chefe.
― Parem. Vamos dar o fora. Rápido! Corram o mais que puderem. Isso aí é um
ultracouraçado da classe galáxia. Isto mesmo. Já me lembro. Se eles começarem a soltar
fogo pelos jatos, morreremos queimados. Vamos lá.
O chefe foi o primeiro a sair correndo. Cerca de cem homens pertencentes a seu
grupo não compreenderam o que estava acontecendo e continuaram a atirar.
10

O ponto cintilante transformou-se num gigante de inquelônio e aço terconite. A rota


de aproximação, que fazia um ângulo de quarenta e cinco graus, mudou. O objeto
gigantesco ficou suspenso no ar com os propulsores trovejando e depois de algum tempo
desceu na vertical.
Os campos defensivos paratron que cobriam os numerosos portos espaciais em
torno de Terrânia City refletiam as forças tremendas dos jatopropulsores, desviavam-nas
e as faziam chicotear o chão depois de resvalar por sua face em campânula.
Os propulsores da Marco Polo trabalhavam com a potência mínima, já que os
neutralizadores de gravidade tornavam desnecessária uma força de sustentação maior.
Mas apesar disso surgiu um furacão que acabou sendo mortal pra os bandidos.
Ninguém, nem mesmo o chefe que saiu correndo a toda, percebeu que o campo
paratron se abriu em cima, formando uma falha estrutural com cerca de dez quilômetros
de diâmetro.
A espaçonave atravessou a fenda. Os cosmonautas sentados na sala de comando
deviam ter uma sensibilidade fora do comum. Pousaram a nave gigantesca com uma
incrível precisão.
As pernas telescópicas bem abertas, que na verdade eram colunas gigantescas com
enormes placas de sustentação, tocaram o revestimento de aço plastificado com vinte
metros de espessura de uma forma tão suave que não se sentiu o menor abalo.
Nenhuma das pessoas que se encontravam na nave imaginava que com os
propulsores trabalhando à potência mínima tivessem matado seres humanos. Segundo
uma norma obedecida por todos, as pessoas deviam afastar-se vinte quilômetros de
qualquer nave que estivesse pousando ou decolando, ou então procurar abrigos
adequados. Quando era colocada no solo uma massa com cerca de cinquenta milhões de
toneladas, o fenômeno era parecido com um fim de mundo.
O rugido silenciou. O campo defensivo fechou-se. As máquinas da Marco Polo
pararam.
Rhodan desatou os cintos de segurança e levantou do assento.
― Os emocionautas fizeram um excelente trabalho. Muito obrigado. Vamos
diretamente ao assunto. Já refleti sobre alguns detalhes.
Atlan procurou um objeto guardado no bolso. Encontrou-o, levou-o à boca e
mordeu gostosamente.
― É a última maçã de Gruelfin ― disse mastigando. ― Estou usando-a para
celebrar o grande dia. Gucky, não aguento mais ver seus olhos gulosos. Pegue a metade.
Atlan partiu a maçã no meio e atirou uma metade para o rato-castor.
― Você teve mesmo de jogar o pedaço já mordido, bárbaro? ― indignou-se o
baixinho.
― Um roedor devora qualquer coisa ― respondeu o arcônida rindo.
― Vejo que já está ficando arteiro de novo... ― disse o rato-castor em tom
ameaçador.
― É claro! O grande terrano chamado Rhodan vai espalhar os lampejos de seu
espírito. Pode-se saber alguma coisa?
Rhodan contemplou o amigo com um olhar de repreensão.
― Procure controlar-se. Coronel Korom-Khan, o senhor sabe que a Marco Polo é
insubstituível. Roi informou que não foi construído mais nenhum protótipo da mesma
classe. Escolhi-o para ficar a bordo, permanecer bem atento e decolar imediatamente se
surgir um perigo grave. O senhor será capaz de colocar a nave em uma simples órbita de
satélite em tomo da Terra. Ainda instalaremos alguns comandos emocionais
suplementares. O senhor poderá controlar tudo sem sair daqui. Está disposto a fazer este
sacrifício que não é pequeno? Provavelmente não poderá contar com mais ninguém. Não
existem muitos homens inteligentes. O senhor não poderá contar com muitas visitas.
Elas Korom-Khan refletiu alguns minutos. Finalmente tomou sua decisão.
― Ficarei, senhor. Não tenho parentes. Confie em mim. O que faremos com os
tripulantes doentes? Continuarão a bordo?
― Por enquanto. Aqui estão mais seguros que lá fora. O serviço de alimentação e os
cuidados médicos devem ser mais bem organizados. Faça ligações de água potável, para
que os homens possam tomar banho à vontade. Coloque mangueiras equipadas com
válvulas de busca automática. Acho que os dutos subterrâneos ainda estão em ordem.
― Está bem, senhor. Cuidarei disso. Terei muito que fazer.
― Muito obrigado. Mandarei dois ou três auxiliares. Talvez descubra alguns
especialistas em abastecimento entre os imunes do centro de controle principal. As
condições sanitárias também devem ser examinadas. Quero que os homens fiquem a
bordo e recebam todos os cuidados possíveis até que tenhamos informações mais
detalhadas a respeito do enxame. Talvez sejamos obrigados a decolar com a Marco Polo.
Se isso acontecer, devemos dispor imediatamente de um excelente especialista.
― Compreendi, senhor.
― Será que um terrano pirata pertencente ao povo dos arcônidas pode dar sua
opinião?
― Estava para dirigir-me a ele ― ironizou Rhodan. ― Ia pedir-lhe que você e o
Coronel Joak Cascal preparassem um cruzador da classe planetas para o voo a longa
distância. Será necessário fazer uma revisão geral, um exame cuidadoso de todas as
máquinas e aparelhos, bem como a troca do conversar waring. Nada pode ser
negligenciado. Todos os suprimentos possíveis devem ser colocados na nave. Waringer
se encarregará da direção dos trabalhos técnico-científicos. Distribuam bem as tarefas.
Atlan engoliu o último bocado. Sorriu.
― Ótimo, amigo. Voltei a gostar de você. Cascal, acho que vamos pegar a nave-
capitânia da quinta flotilha, a CMP 41. Esteve menos empenhada nos combates que as
outras. Trocaremos um conversor.
― Concordo ― disse Cascal. ― A propósito, senhor: bem, também cheguei à
conclusão de que fizemos bem em não permitir que a Marco Polo viajasse para
Andrômeda. Desculpe minha rebeldia.
Rhodan sabia como fora difícil para este homem orgulhoso pronunciar estas
palavras. Fez um gesto bonachão.
― Tudo bem, Joak. Para dizer toda a verdade, nossa ação não é moralmente
justificável. Mas foi necessária.
Alaska Saedelaere, que se encontrava na sala de rádio, fez uma ligação.
― Há um planador aéreo se aproximando, senhor. Roi Danton anuncia sua chegada.
Poderia abrir uma das eclusas de barcos espaciais para ele?
Mentro Kosum mexeu nos respectivos comandos. Uma escotilha de aço abriu-se
acima da protuberância equatorial da nave. O planador entrou por ela e pousou.
Dali a alguns minutos cumprimentaram-se dois homens que não se viam desde o
ataque ao planeta central takerer.
Um homenzinho estava agarrado ao ombro de Danton.
Tratava-se do siganês Harl Dephin.
― Como vai, general? ― disse Rhodan, cumprimentando o siganês.
Lorde Zwiebus sorriu ironicamente. Estava sentado na poltrona do programador,
brincando com sua clava especial. O pseudoneandertalense voltara a tirar o uniforme de
bordo para colocar a tanga de pele.
Acompanhava atentamente o que estava acontecendo. Harl Dephin mostrou-se
muito impressionado.
― Muito obrigado, senhor ― disse em voz alta. Mas parecia antes um pássaro
chilreando. ― Tudo bem, senhor. Infelizmente tivemos de abandonar Paladino III. Mas
já recebi Paladino IV. Infelizmente meus cinco colegas estão com a mente afetada.
― Compreendo. Seria capaz de dirigir a pesada máquina sozinho?
― Sem dúvida. Com o capacete SERT isso não é nenhum problema. Além disso
existem novos controles que me permitem usar todas as armas de bordo. Infelizmente
vejo-me obrigado a verificar constantemente se nos outros setores do robô está tudo em
ordem.
― Se Harl aparecer com o robô gigante, bandos inteiros fugirão ― informou Roi.
― É a melhor arma de intimidação que possuímos. Naturalmente queremos fazer tudo
que for possível para evitar tiroteios. Mas se for necessário...
Roi não completou a frase.
Para Rhodan começou uma sessão de informações com filmes. Durou cinco horas.
Rhodan quis ser informado sobre os menores detalhes.
Viu cidades destruídas, depósitos da Frota que tinham explodido e armazéns
saqueados.
A ligação de containers com o grande planeta comercial Olimpo ainda existia. Os
homens e mulheres que trabalhavam no centro técnico de controle do Império Solar
tinham feito um trabalho sobre-humano. Não era fácil gerar as quantidades enormes de
energia de que precisava o transmissor gigante.
Mesmo que se fingisse de calmo e pacato, o homo superior nunca deixava de
formar comandos de sabotagem.
As pessoas mentalmente deterioradas não eram capazes de cuidar de seu trabalho.
Houvera uma fuga em grande escala para o campo. Mas havia um problema. Num
planeta que atingira o grau de industrialização da Terra já não havia áreas livres capazes
de acolher as massas humanas.
A situação do abastecimento de alimentos era crítica. Oito bilhões de seres humanos
tinham de ser alimentados.
Os grandes depósitos de alimentos da Terra ainda dariam por muito tempo, se não
fossem os saques constantes.
O desejo dos homens mentalmente deteriorados por alimentos de todas as espécies
era compreensível. Toda vez que a inteligência é embotada, a reação dos instintos
primitivos torna-se mais forte. Por isso os saques para suprir necessidades pessoais não
eram considerados crimes. Danton deu as seguintes informações sobre isto:
― Nossos imunes seguiram estritamente as instruções dadas por mim e por
Deighton. Sempre que encontramos pessoas sentadas em depósitos arrombados,
ingerindo gulosamente os mais variados alimentos, não demos um único tiro. Deixamos
que comessem à vontade. Nem sequer os obrigamos a sair. A única coisa que podiam
fazer era encher o estômago. Mas também descobrimos bandos armados. Parece que estes
têm o plano de estocar quantidades enormes de mantimentos. Naturalmente aqueles que
conservaram um pouco de inteligência esforçam-se para armazenar a maior quantidade
possível para atender às suas necessidades. Nestes casos agimos com todo rigor.
― Houve combates?
― Houve, sim. Os bandidos faziam parte em sua maioria das divisões espaciais
equipadas com armas pesadas estacionadas nas proximidades. Entre eles até há antigos
contingentes pessoais. Não são mais capazes de escrever o nome, mas sabem lidar com
um canhão automático. Estes bandos também estão à procura de objetos valiosos de
todos os tipos. Parece que os chefes esperam que a onda de deterioração mental diminua
e as pessoas voltem ao normal. Aí naturalmente seria vantajoso possuir certas
quantidades de hovalgônio, sextagônio, combustíveis nucleares e outras substâncias que
não perdem o valor. Se quer meu conselho, pai, dê uma olhada. Sobrevoe a área. Você
deparará com quadros horríveis. Mas há outra coisa...
― Meu Deus! O quê? ― perguntou Rhodan em tom alarmado.
― São os conjuntos positrônicos especiais equipados com elementos de plasma que
enlouqueceram. Conseguimos urna ligação de transmissor com a Lua. Lá em cima há
trinta e duas pessoas que não perderam o juízo. São vinte e uma mulheres e onze homens.
Natã não mostra mais nenhuma reação. Os bilhões de dados armazenados no conjunto
biopositrônico tornaram-se praticamente inúteis. O plasma ficou estúpido.
― Pois é ― confirmou Rhodan. ― Conheço o efeito. Quer dizer que centenas de
milhares de elementos de controle de fábricas da maior importância também deixaram de
funcionar?
― Isso mesmo ― respondeu Danton. ― Ainda bem que não dependemos
exclusivamente dos conjuntos biopositrônicos. Se dependêssemos, estaríamos liquidados.
Os conjuntos mecânicos e os velhos dispositivos eletrônicos dos diversos setores
funcionam perfeitamente. Mas são estes o objeto preferido da ação dos comandos do
homo superior.
― São caras inteligentes, não acha?
Danton deu uma risada amarga.
― Se quer saber minha opinião, são os maiores sabotadores da história da
humanidade que agem por convicção. Com sua inteligência deveriam saber que acabarão
nos matando de fome. Se Olimpo não continuar seus fornecimentos, se as fábricas
robotizadas não realizam a fotossíntese artificial a todo vapor, os homens morrerão. Um
homo superior que merecesse este nome não permitira uma coisa destas. O que querem é
reduzir as massas para manipulá-las melhor. Não é de admirar que não quisessem que
você voltasse à Terra.
Rhodan atravessou em atitude pensativa a sala de comando vazia da Marco Polo.
Parecia deserta, apesar de haver algumas pessoas.
― Acho que teremos de ser mais rigorosos, filho ― disse. ― Meu mandato de
chefe de governo ainda não terminou. A última eleição foi realizada pouco antes da
partida da Marco Polo. Quer dizer que tenho o direito de usar os poderes especiais que
me foram concedidos para os casos de emergência. A primeira coisa que farei é declarar
o estado de emergência.
― Já é tarde para isso ― respondeu Danton em tom seco. ― A medida já foi
tomada por nós. Sinto muito, Administrador-Geral. Foi o resultado da votação de que
participaram os cidadãos terranos que continuam normais. Você terá de submeter-se
àquilo que não pode ser evitado.
Atlan levantou.
― Senhores terranos, acho que já dissemos tudo que tínhamos a dizer. Peço que me
concedam plenos poderes para uma operação que tem em vista o homo superior.
Rhodan fitou Atlan com urna expressão zangada.
― Na Terra só se atira quando não há mais nenhuma alternativa. Você mandaria
matar os indivíduos pertencentes à espécie do homo superior. Ou não mandaria?
― Não grite, terrano! Contentar-me-ei com um cruzador da classe planetas com
alguns barcos espaciais de alta velocidade a bordo. Posso recebê-lo? Além disso
precisaria de um emocionauta, de trinta tripulantes bem treinados e uma divisão de robôs
em bom estado. Como é? Receberei a nave?
Atlan também estava gritando. Os dois homens tão diferentes encaravam-se
furiosos.
― Não! ― Rhodan defendia seu ponto de vista de forma resoluta. ― Nem pense
nisso. Primeiro quero negociar com o pessoal.
― Quer que o chamem de novo de ditador?
― Pouco me importa que título eles me dêem. Devo tentar conciliar os dois
partidos. O homo superior tem de criar juízo.
― Tomara que você não se iluda ― alertou Danton.
Atlan fez um gesto de pouco-caso. Virou-se e foi para perto de uma máquina de
bebidas. O aparelho automático funcionava perfeitamente.
― Os terranos nunca aprendem. Sempre querendo dar uma de herói. Querem ser
generosos quando não devem e expõem oito bilhões de seres humanos inocentes ao
perigo de serem mortos. Quero o cruzador e alguns robôs de combate. Então...?
Rhodan estava pálido que nem um cadáver.
― Não, arcônida! Para meu gosto você viveu demais na era da força bruta. Não!
Atlan saiu. Não disse mais uma palavra.
Rhodan logo recuperou o equilíbrio psíquico. Sua voz tinha um tom frio.
― Um momento, por favor ― gritou para Atlan.
O Lorde-Almirante parou.
Rhodan mexeu no aparelho de comunicação que trazia no pulso. A voz monótona
de um robô de combate se fez ouvir.
― Os prisioneiros Ricod Esmural e Terso Hosputchan devem ser trazidos
imediatamente à sala de comando.
― Sim senhor. Levar os prisioneiros à sala de comando.
Atlan voltou andando devagar. Lançou um olhar penetrante para o amigo.
― Mais um dos belos planos de Rhodan, não é? Uma coisa típica para o reator
imediato! Já imagino o que acontecerá. Pretende libertar estes cavalheiros?
Os dois sabotadores foram introduzidos na sala de comando. O Administrador-
Geral iniciou sua fala.
― Senhores tripulantes, tomei a liberdade de fazer uma ligação de
intercomunicador com o camarote dos presos durante a discussão apaixonada sobre o que
vale o homo superior. Logo, os cavalheiros estão informados sobre as condições
reinantes na Terra. Mais especialmente, sobre as intenções “humanitárias” de Atlan.
O pseudoneandertalense soltou uma risada estrondosa. Roi Danton espantou-se e
Mentro Kosum teve vontade de fazer uma comparação esquisita. Atlan praguejou numa
língua terrana antiga.
― Não vamos perder tempo, senhores ― principiou Rhodan ― Os senhores
conhecem a situação.
Os dois membros da espécie homo superior baixaram a cabeça.
― Não posso entregá-los ao Supremo Tribunal Solar, que não existe mais. Mas
graças aos meus poderes especiais posso encaminhar um pedido de clemência. Acho que
os senhores não deixariam de formulá-lo.
Terso Hosputchan abriu os lábios, mas voltou a cerrá-los fortemente.
― Parece que os senhores compreenderam. Pois bem. Quero fazer-lhes um pedido.
Abandonem a Marco Polo. Colocarei um planador à sua disposição. Entrem em contato
com seus amigos e expliquem por que não podemos permitir mais que as fábricas
robotizadas da indústria de alimentos terrana sejam destruídas. Tentem marcar um
encontro entre mim e seu chefe de governo. Disporão de três vezes vinte e quatro horas.
O ponto de encontro será a academia de ciências psicológicas na margem sul do rio
Morin Gol. Concordam?
Hosputchan e Esmural tiveram objeções. Pensaram que se tratasse de uma
armadilha. Além disso disseram que nas fileiras do homo superior não havia nenhum
chefe de governo, mas apenas uma delegação formada por cinquenta pessoas, os
chamados cinquenta porta-vozes de primeira classe. Informaram que o hiperfísico
Hosputchan fazia parte do grupo.
― Tanto melhor. Já está na hora de o homo superior compreender que não pode
transformar-se num assassino de massa. Os senhores representam o melhor meio para
isso. Ajudem-nos! Seus objetivos perderam o valor. A humanidade, da qual saíram e à
qual continuam a pertencer, atingiu o nível mínimo de existência. Ajudem os doentes e os
mentalmente deteriorados. Formem equipes médicas. E, o que é o principal, procurem
descobrir se os atos de sabotagem de que falou Mr. Danton foram praticados por pessoas
pertencentes a seu grupo.
― Impossível ― indignou-se Hosputchan. ― Abominamos todas as formas de
violência.
― Mas isso não os impediu de destruir os aparelhos de comunicação dakkar e três
rastreadores de compensação ― retrucou Atlan furioso. ― Não se faça de inocente e
ofendido. A mim o senhor não engana com isso. Leve seus dois milhões de companheiros
a fazer um trabalho útil e não se esqueça do enxame que detectamos no espaço cósmico.
Ele lhe deveria dar o que pensar. É o que exigem as circunstâncias.
Hosputchan hesitou algum tempo, mas acabou concordando.
― Farei o possível para cumprir seus desejos. Mas não me peçam que combata os
bandidos de armas na mão.
Rhodan exibiu um sorriso amável.
― É claro que não. Só queremos que tentem encontrar uma solução aceitável para
ambas as partes. Coronel Korom-Khan, entregue um planador a estes senhores. Abra o
campo paratron e dirija o planador por controle remoto, para evitar qualquer acidente.
Roi, avise o sistema defensivo do centro Império Alfa, para que não impeçam o voo do
aparelho.
Danton levantou suspirando.
― Mal aparece por aqui, e já começa de novo ― resmungou. ― Deixar estes caras
saírem livremente. Será que Vossa Majestade não está enganada?
― Alise as rugas de cão em sua testa, príncipe-herdeiro, e trate de dar o fora.
― Perfeitamente, papai.
Roi saiu saltitando à maneira de um cortesão da antiguidade terrana.
― Pelo menos este já está voltando ao normal ― disse Atlan. ― Muito bem.
Gostaria de dar uma olhada no centro Império Alfa. Parece que por enquanto lá tudo está
em ordem. Harl, será que ainda é possível conseguir uma ligação de hiper-rádio com
Quinto Center?
O siganês voou para perto de Atlan usando a mochila antigravitacional. Pousou no
ombro do arcônida.
― Desculpe, senhor ― gritou o homem, para ser compreendido. ― Se as grandes
antenas direcionais ainda estão encolhidas, talvez seja possível. Aliás, as estações
retransmissoras no espaço ainda devem estar em boas condições.
― Estamos numa fria. Vamos indo, se permitirem.
Atlan encarou Rhodan com uma expressão teimosa.
― Nunca ditarei regras para você, Lorde-Almirante.
― Chega ― interveio Gucky. ― Levarei você e Harl à cidade-abrigo. Conheço o
caminho. Ou será que neste meio-tempo foi colocado algum campo paratron?
O siganês respondeu que não. Já dava muito trabalho manter o grande campo
defensivo que protegia os inúmeros portos espaciais, estaleiros e armazéns. As usinas
atômicas que ficavam fora desse campo tinham deixado de funcionar.
Naves Extraterrestres
NAVE FRAGMENTÁRIA DOS POS-BIS

Generalidades:

A nave fragmentária dos pos-bis é um objeto completamente assimétrico,


de forma aproximadamente cúbica, com a diferença de que em todos os lugares
das faces do cubo aparecem excrescências, pequenas torres, antenas móveis,
plataformas, estranhas superfícies geométricas, esferas, etc. A nave tem dois
mil metros de diâmetro. Os pos-bis deram às suas naves o nome de Box. O
armamento consiste principalmente em armas de conversão. A palavra pos-bis é
uma abreviatura de robôs positrônicos-biológicos. Os pos-bis possuem plasmas
nervosos biologicamente vivos e cérebros positrônicos. Seu mundo de origem
técnico é Fargo, enquanto o plasma veio do mundo dos Cem Sóis.
O cibernético terrano van Moders designou o cérebro positrônico-biológico
dos pos-bis pelo nome Hiperimpotrônica. Para a ligação entre o plasma e o
elemento positrônico criou o nome Encadeamento Hipertóictico.
No início houve certas dificuldades de comunicação, mas com o tempo os
pos-bis se transformaram nos aliados mais leais do Império Solar.
Desenhista: Rudolf Zengerle
11

A expressão Império Alfa representava uma das designações em código mais


apreciadas dos altos escalões militares. A expressão provocava sorrisos em Rhodan, mas
outros a achavam importante.
Mas apesar de tudo Império Alfa era o centro nervoso do gigantesco império estelar
que fora construído nos últimos mil e quinhentos anos.
Os setores que cuidavam do abastecimento da Terra e dos outros astros do Sistema
Solar eram relativamente pequenos. Dali podiam ser controlados os processos mais
importantes, a começar pelo controle artificial das condições meteorológicas e passando
pela utilização programada das fábricas robotizadas de alimentos.
Havia outros ramos industriais que podiam ser controlados e programados nos
abrigos subterrâneos.
A maior parte do espaço era ocupada pelos inúmeros centros de comando, estações
de rádio, salas de processamento onde eram interpretadas as mais variadas situações
estratégicas espaciais, gigantescas usinas atômicas, fábricas de alimentos independentes,
sistemas de regeneração de ar e principalmente pelas instalações de defesa.
Somente os fortes blindados escamoteáveis dispostos em torno do Império Alfa
tinham um poder de fogo equivalente ao de duzentas belonaves de grande porte da classe
galáxia.
Havia milhares de fortalezas da mesma espécie espalhadas pela superfície da Terra.
Todas elas podiam ser controladas a partir de Império Alfa. Os transmissores
superpotentes instalados no subsolo, os transmissores gigantes e os depósitos de
abastecimento muitas vezes tinham desempenhado um papel decisivo na história do
Império Solar. A defesa contra a invasão dos pedotransferidores takerers, que se
verificara há três anos, fora controlada desse centro.
Nos últimos séculos o centro de comando terrano fora ampliado constantemente. O
pavimento superior ocupava uma área de cinquenta por cinquenta quilômetros,
equivalente a dois mil e quinhentos quilômetros quadrados.
Havia um total de doze pavimentos principais. Naturalmente os arquitetos que
tinham projetado o centro nervoso terrano fizeram questão de que tudo funcionasse de
forma independente. Um milhão de seres humanos poderiam viver luxuosa e
despreocupadamente nos subterrâneos. Se necessário este número podia ser aumentado
para quatro milhões, sem que ninguém tivesse de modificar o padrão de vida ao qual
estava acostumado. As fábricas robotizadas produziam tudo de que o homem moderno
precisava.
As instalações continuavam a funcionar perfeitamente. Só tinham sido inutilizados
os aparelhos que dependiam de estações retransmissoras instaladas na superfície dos
planetas ou em objetos voadores tripulados.
Rhodan e os outros homens imunes da Marco Polo chegaram ao abrigo principal
depois de Atlan.
Há sete meses Império Alfa ainda parecia um formigueiro. As queixas sobre vias de
planadores congestionadas, esteiras transportadoras superlotadas e esperas intermináveis
junto aos órgãos de controle eram constantes.
Tudo isso tinha passado. Seiscentos e noventa e quatro mil seres humanos
“habitavam” uma grande metrópole subterrânea. Os corredores largos, os elevadores
antigravitacionais e vias em espiral, os trens que deslizavam sobre trilhos energéticos
tinham sido abandonados.
Os trens tubulares não funcionavam. As ligações de transmissor internas de pequena
distância tinham sido desfeitas há tempo. Já não se tinha tanta pressa. Além disso os
veículos de campo energético comuns podiam atravessar as galerias desertas em alta
velocidade. O policiamento de trânsito só funcionava nos cruzamentos mais perigosos.
Entre oito bilhões de seres humanos só tinham sido encontrados mil e quarenta e
oito imunes que podiam ser usados no grande projeto de sobrevivência.
Trezentos e vinte e dois especialistas tinham partido na Intersolar. Trinta e dois
estavam na Lua terrana. Seiscentos e noventa e quatro pessoas não afetadas pelos raios de
deterioração mental sacrificavam-se trabalhando nas instalações gigantescas de Império
Alfa.
Rhodan deparou com um quadro horrível. De vez em quando era cumprimentado
por uma mulher ou um homem. Parecia que ninguém podia contar com qualquer ajuda.
Nem se podia pensar num trabalho de pesquisa para encontrar meios de combater os raios
de deterioração mental.
Havia outro problema resultante das circunstancias.
A maior parte dos imunes pertencia às camadas dirigentes dos terranos. Eram
formidáveis em suas especialidades, mas as pessoas deste tipo sempre dependiam de
auxiliares. E estes agora faltavam.
Meses atrás um economista do porte de Homer G. Adams nem teria pensado em
executar pessoalmente os trabalhos de rotina. Dava suas instruções para isto. Dirigira o
império econômico controlado pelos terranos, presidira gigantes bancários e exercera o
controle de uma indústria gigantesca.
Rhodan foi encontrar o semimutante que portava um ativador de células em um
gigantesco centro de computação.
Adams, um homem baixo, de ombros largos e costas encurvadas, sorriu sem graça.
Levantou. O computador positrônico expelia milhares de resultados em forma de
microfitas cujos dados eram projetados numa tela de imagens.
― Olá, Homer. Como vai? ― cumprimentou Rhodan.
Os dois homens, que se conheciam desde os tempos em que foi criada a Terceira
Potência, nos anos setenta do século vinte, eram muito amigos. Abraçaram-se. Adams
soluçava.
― Obrigado, Perry. É claro que vou bem. Quanto ao mais, esforço-me para
verificar a capacidade de suprimento das fábricas de alimentos espalhadas por todo o
mundo. As coisas não estão boas. Não sei como fazer uma distribuição justa dos
alimentos produzidos. Posso estar abastecendo áreas controladas por saqueadores. Talvez
deixe para trás os necessitados. É uma coisa horrível.
Rhodan ficou abalado diante daquele homem tomado pelo desespero.
― Faremos alguma coisa, amigo. Daqui a três dias terei um encontro com os porta-
vozes do homo superior. Depois partirei num cruzador especialmente equipado. Já ouviu
falar no enxame?
― Já. Estou informado. Acho que pode deter essa organização gigantesca?
Rhodan refletiu bastante antes de responder. Cerca de duzentas pessoas imunes
tinham chegado ao centro de processamento econômico, Qualquer palavra que dissesse
podia exercer uma influência decisiva na estabilidade psicológica desses homens e
mulheres. Rhodan resolveu ser sincero.
― Por enquanto não. Possuímos dezenas de milhares de espaçonaves. Suas
instalações técnicas são fantásticas. Mas faltam homens em bom estado de saúde. É
exatamente o contrário do que aconteceu há cerca de mil e quinhentos anos, Homer.
Naquela época podíamos contar com reservas enormes de pessoas inteligentes, com
muita vontade de aprender, mas só possuíamos uma nave pequenina. Tratava-se de um
barco espacial arcônida, a Good Hope. Conseguimos controlar a situação. Faremos o
possível para superar os problemas que enfrentamos no momento. Para simbolizar esta
determinação inabalável, daremos a um cruzador da classe planetas o nome Good Hope
II. Vou dar uma olhada no enxame. Em seguida será lançado um programa de pesquisas.
― Onde e com quem? ― perguntou um bioquímico.
Rhodan fez um sinal.
― Até agora os senhores estiveram muito ocupados tratando dos doentes. Além
disso tiveram de lutar com os saqueadores. Por isso é compreensível que lhes tenham
escapado coisas importantes. Criamos o laço dakkar para enfrentar os pedotransferidores.
Por que não haveríamos de encontrar um remédio contra a constante de manipulação?
— Onde e com que equipe? ― voltou a perguntar o cientista.
― Estou surpreso porque até agora ninguém se lembrou de nossos melhores
inimigos. O mundo dos Cem Sóis pertencente aos pos-bis fica bem longe da galáxia.
Logo, o sistema não deve ter sido atingido pela manipulação.
― Ainda acabo enlouquecendo! ― cochichou o cientista.
― Por favor, não faça isso. Precisamos muito do senhor. Bell e Tifflor estão
recolhendo todos os seres inteligentes que permaneceram imunes. Trata-se
principalmente dos especialistas da USO mentalmente estabilizados. São excelentes
especialistas nas mais variadas áreas. Formaremos uma equipe de pesquisadores muito
mais depressa do que o senhor acha possível neste momento. Depois disso, senhoras e
cavalheiros, cuidaremos do inimigo ainda desconhecido. Não se esqueçam de que o
processo de estabilização mental exige, além de uma perigosa intervenção neurocirúrgica,
um tratamento hipnossugestivo feito com uma neurossonda. Os senhores foram
mentalmente estabilizados. Por quê...? Porque fazem parte da elite dirigente da
humanidade. Julgamos necessário submetê-los ao processo, para que ficassem imunes a
qualquer influência estranha. Portanto, conhecem perfeitamente o procedimento.
― Por que essas explicações, senhor? ― perguntou uma cirurgiã vascular
conhecida como uma sumidade.
― Para deixar bem claro que os desconhecidos que nos atacam não conseguiram
pôr fora de ação nossos especialistas mais competentes. Os senhores treinarão primeiro as
pessoas que regrediram a uma condição primitiva e cujo antigo QI ofereça maiores
possibilidades de sucesso. Precisarão de auxiliares, que poderão por exemplo alimentar
ratos e outros animais usados em experiências biológicas. Os senhores compreenderam,
não compreenderam? Este não é seu trabalho. Os senhores têm que dedicar-se às
pesquisas. Isto será feito no mundo dos Cem Sóis, com a ajuda das massas de plasma
existentes lá que, como sabemos, possuem uma inteligência fora do comum. Além disso
operaremos fora da zona atingida pelo processo de deterioração mental. Mas isto não tem
pressa. Antes de mais nada tratem de pôr as coisas em ordem. Tentem encontrar outros
imunes ou pessoas que ainda possuem um pouco de inteligência. Garantam o
abastecimento de alimentos. Nossos terranos não devem morrer de fome. Pouco importa
que vistam farrapos ou trajes a rigor. O importante é que sobrevivam!
O discurso de Rhodan durou algumas horas. Todos ficaram fascinados. O
Administrador-Geral era e continuava a ser um organizador de primeira.
Naquele mesmo momento Mentro Kosum estava levando o cruzador CMP 41 a um
estaleiro especializado, onde ficou ancorado. A revisão geral e a colocação de novos
equipamentos tiveram início. Sete homens e mulheres que faziam parte da guarnição
imune de Império Alfa programaram as unidades robotizadas que continuavam intactas.
Os computadores receberam uma programação especial para o caso de perigo extremo.
Em virtude disso o cruzador, além de sofrer uma revisão geral, recebeu certos
equipamentos de emergência, que incluíram a triplicação da capacidade de transporte de
mantimentos, a reconstrução de modelos de aviões antigos sem propulsores
hiperenergéticos, armas automáticas, uma aeronave inflável movida a diesel e até certas
armas primitivas.
A Good Hope II, que era a antiga CMP 41, parecia antes um armazém voador em
cujo interior as pessoas mal podiam mexer-se.
― Um terrano nunca desanima! ― martelava a voz de Rhodan no cérebro do
pessoal. ― Temos de estar preparados para qualquer eventualidade. Se os reatores
Schwarzschild falhar em depois que pousarmos num planeta, quero poder voar pelo
menos com um helicóptero. A Good Hope II será a nave mais estranhamente equipada
que a humanidade já teve. Tratem de resolver seus problemas de alojamento. Quem está
cansado de verdade dorme até nas costas de um robô de combate. Se minha arma térmica
versátil falhar, quero dispor ao menos de uma besta. Treinem, senhores! Com uma arma
destas até se pode atravessar campos defensivos modernos, que só foram construídos para
enfrentar armas energéticas modernas. Atlan lhes mostrará como se combatia na Terra
durante a Idade Média. Não quero que ninguém se queixe de falta de espaço. Em meu
pequeno camarote foram depositadas três toneladas de alimentos desidratados. Acham
que ainda me resta muito lugar para dormir?
― Ele voltou a ser um piloto de missões arriscadas da US Space Force ― afirmou
Atlan. ― Vamos lá, amigos, reunir nossos trapos.
12

― Foi muito inteligente de sua parte, Senhor Lorde-Almirante, muito hábil! ―


elogiou Rhodan.
Atlan, que há poucas horas estivera disposto a enfrentar os cinquenta porta-vozes de
primeira classe do homo superior de traje de combate e fortemente armado, pusera seu
uniforme de gala. Não se via sinal de arma.
Rhodan estava à paisana.
Atlan fitou o velho companheiro de lutas com um olhar crítico.
― Hum! Onde escondeu sua pistola energética? Não me diga que pretende ir sem
ela.
― Se necessário perceberemos bem depressa. Além disso tenho a impressão de que
uma academia de ciências mentais não é o lugar adequado para exibir os produtos da
indústria de destruição moderna. Por favor.
Mentro Kosum pilotava o cruzador ligeiro. Tratava-se da CMP 1, um dos barcos
espaciais da Marco Polo. Todos os mutantes e pessoas mentalmente estabilizadas do
supercouraçado estavam a bordo.
Roi Danton, Galbraith Deighton e Homer G. Adams também tinham entrado.
A nova tripulação era formada por membros da guarnição do Império Alfa que
tinham permanecido imunes. Eram sessenta homens pertencentes aos antigos
contingentes de agentes da Segurança Solar. Cada um era especialista em um ramo de
ciência. Quase todos eram capazes de pilotar uma espaçonave moderna.
― Antes de decolar, Mr. Kosum, ponha a nave em prontidão de combate.
Providencie para que o comando de desembarque de robôs esteja preparado para entrar
em ação. Não vamos confiar demais.
― Ora veja! O grande terrano começando a cuidar-se.
Atlan não pôde deixar de fazer esta observação.
A CMP 1 decolou. Atravessou a fenda estrutural do campo paratron e seguiu em
direção ao rio Marin Gol, que ficava mais ao norte. Levou apenas alguns minutos para
chegar lá.
Kosum fez o cruzador de cem metros de diâmetro pousar tão suavemente que nem
sequer as instalações do parque da grande academia, que ficavam bem perto, foram
danificadas. Atlan, Danton, Deighton e Adams entraram num planador.
O veículo saiu do cruzador e seguiu em direção ao campo de pouso da escola
superior, com Rhodan na direção.
Lá já havia muitos veículos aéreos.
― Já chegaram ― constatou Atlan. ― São seis máquinas. Parece que o homo
superior sabe lidar muito bem com elas.
Rhodan pousou o veículo, desligou o propulsor e acionou o mecanismo de abertura
da porta da cabine. O cruzador da classe planetas estava estacionado a pouco menos de
um quilômetro dali. Era mais alto que os edifícios. Formava um quadro impressionante.
― Uma pequena demonstração de força não está fora do lugar ― disse o primeiro-
mecânico emocional do Império. Marechal-Solar Galbraith Deighton, que também usava
ativador de células. ― Cuidado, senhor. Este pessoal não é tão inofensivo como o senhor
acredita.
Rhodan acenou com a cabeça. Era o dia 8 de junho do ano 3.44l.
― Isso nos percebemos na Marco Polo. Por favor, sigam minhas instruções. Só
falem quando alguém tocar num assunto em que cada um seja especializado.
Os homens caminharam em direção à entrada principal da academia. Parecia que
neste lugar não tinha havido ataques de bandidos.
Os representantes do novo homo superior esperavam os visitantes no hall do
edifico. Usavam trajes brancos, parecidos com togas. Havia símbolos indicando o cargo
que cada um ocupava ou a área especial das ciências mentais à qual se dedicava.
Um homem grisalho de traços finos chamou a atenção. O hiperfísico Terso
Hosputchan estava perto dele.
Rhodan pôs a mão numa manta curta que trazia sobre os ombros. Na verdade
tratava-se do simbionte Whisper, que aumentava três vezes a intensidade das impressões
sensoriais e da capacidade de compreensão de Rhodan.
― Meus cumprimentos aos representantes da nova espécie humana ― principiou
Rhodan em tom descontraído. ― Sinto muito, mas a situação da Terra é tão crítica que
deveríamos passar logo à discussão objetiva. Como vai, Mr. Hosputchan? Poderia fazer o
favor de apresentar-me aos companheiros? Peço licença para apresentar os meus.
Rhodan disse os nomes e cargos dos membros da delegação. Atlan sorriu. O
Aministrador-Geral mostrava-se amável, mas muito seguro.
― Não deixe que eles tirem a genuína linguiça terrana do pão! ― Foi a
advertência telepática de Gucky captada por Rhodan. Graças à ação de Whisper, Perry
compreendeu perfeitamente a mensagem do rato-castor.
Hosputchan mostrou-se reservado. Disse os nomes dos amigos. Parecia que o
homem grisalho era a peça mais importante naquele jogo estranho.
― O mestre dos cinquenta porta-vozes de primeira classe, o filósofo do tempo e do
espaço Holtogan Loga. Acreditamos que já tenha sido informado sobre a importância da
nova ciência, Senhor Rhodan.
― É claro que fui ― mentiu o Administrador-Geral. Whisper transmitiu impulsos
amplificadores de grande intensidade. Rhodan pensava e agia com a precisão de uma
máquina e a sensibilidade de um grande psicólogo. ― Permita que lhe dê meus cordiais
parabéns, Senhor Loga. Estou usando a forma de tratamento correta?
O homem grisalho inclinou a cabeça.
Rhodan deu inicio ao seu grande jogo, que poderia decidir o futuro da humanidade.
― Admiro a moderna filosofia do tempo e do espaço, que ultimamente tem
refutado claramente os conceitos duvidosos da técnica dakkar da sexta dimensão. Já me
perguntei várias vezes como alguém pôde ter a ideia de que a perda da forma de
existência material recebe sua encarnação numa estrutura energética pedotransparente
pertencente a uma dimensão matematicamente determinada. O senhor não acha, Senhor
Loga, que o ser individual liberado seria antes a manifestação de uma revolta dirigida
contra a matéria abandonada em relação à transitoriedade supertemporal?
Holtogan Loga parecia confuso. Rhodan sorriu amavelmente.
― Você diz cada bobagem, cara ― disse o impulso telepático de Gucky. ― Que
vem a ser isso?
Nem mesmo Rhodan sabia, mas parecia que o palavreado sem base produzira seus
efeitos.
― Que surpresa agradável ― respondeu o mestre dos cinquenta porta-vozes de
primeira classe. ― O senhor já estudou a teoria de Itchipon sobre o reflexo da elevação
finita?
Roi Danton começou a transpirar. Atlan tossiu.
― Sem dúvida ― mentiu Rhodan. ― É bem verdade prosseguiu com um gesto de
quem pede desculpas ― que isso só aconteceu depois que soube da existência do homo
superior. Ficarei muito satisfeito se de vez em quando puder discutir a nova filosofia com
o senhor. Mas isto deveria ser feito em circunstancias mais condignas.
― Estarei à sua disposição quando quiser ― garantiu o homem idoso, que parecia
muito surpreso.
Mas Hosputchan fitava Rhodan com uma expressão desconfiada.
― Vamos ao que interessa, Senhor Loga? Vim para tentar um acordo com os
representantes do homo superior terrano. Deve ser um acordo que faça justiça aos
atributos espirituais do homo superior.
Roi Danton não acreditou no que estava ouvindo quando Rhodan foi convidado em
termos muito gentis a entrar na academia. Até fora preparado um lanche. Só depois dele
passou-se ao tema do encontro.
― Senhores cientistas do espírito, conheço seus objetivos e ideais ― principiou
Rhodan. ― Eles seriam louváveis e sem dúvida contribuiriam para o progresso da
humanidade, se não fôssemos atacados de repente e quando estávamos desprevenidos,
por certos seres que só pensam e agem de forma animalesca. Refiro-me aos seres ainda
desconhecidos que controlam aquilo que chamamos de enxame. Suponho que os
senhores Hosputchan e Esmural já os tenham informado a respeito.
Loga respondeu que sim. Rhodan refletiu um instante. Cada palavra tinha de ser
bem pesada. Os representantes do homo superior eram muito sensíveis.
― As informações de que disponho falam constantemente em atos de sabotagem
coordenados contra instalações industriais importantíssimas da Terra. Além disso me
comunicaram que os senhores ajudaram muitas pessoas doentes, elaboraram um
programa de ajuda e até chegaram a criar certos animais de trabalho, como bois e
cavalos. Foi uma excelente ideia oferecer aos homens que regrediram a um estágio
primitivo certos instrumentos e animais com os quais sabem lidar.
O estado de espírito dos cinquenta porta-vozes de primeira classe melhorou ainda
mais.
― Por tudo isso não posso concordar com a opinião da Segurança Solar ―
prosseguiu Rhodan esticando as palavras. — Acho impossível que homens e mulheres
pertencentes à espécie do homo superior cometam atos de sabotagem que fariam com que
bilhões de seres humanos que precisam de ajuda morressem de fome. Acho que os chefes
de bandos que conservaram a inteligência querem atribuir-lhes esses delitos.
― Isso mesmo! ― interrompeu um dos porta-vozes. ― De fato somos inimigos da
técnica agressiva. Nos primeiros momentos de confusão também destruímos algumas
usinas atômicas, instalações militares e outros dispositivos que são um testemunho do
subdesenvolvimento psicológico. Mas nunca danificamos uma indústria de alimentos.
― Quer dizer que estão dispostos a ajudar aqueles que passam necessidade?
― Já fizemos isso ― respondeu Hosputchan em tom reservado. ― Não acreditem
em tudo que contam por aí.
A conferência durou seis horas. No fim dela os representantes de dois milhões de
indivíduos pertencentes à espécie homo superior se declararam dispostos a abster-se de
destruir outras técnicas agressivas enquanto não se conhecessem as causas da onda de
deterioração mental.
Parecia que Rhodan conseguira um resultado favorável. Os grupos separaram-se em
boa harmonia. Rhodan e seus companheiros voltaram ao planador. O veiculo decolou.
Atlan não pôde abster-se de fazer uma observação.
― Você é o tipo mais safado que já vi. E olhe que vi muita coisa. Sua interpretação
dessa filosofia idiota foi uma verdadeira obra-prima, mas poderia ter acabado com a
conferência.
― Não se consegue nada sem assumir um risco, arcônida.
Atlan riu. Danton estava banhado em suor. Adams dava risadinhas alegres.
Deighton parecia contrariado.
― Está preocupado, Galbraith?
― Se estou! A afirmação de que o homo superior nunca destruiu nenhuma indústria
de alimentos é uma mentira deslavada, Há três meses agarrei um comando formado por
dezoito homens, mas acabei libertando-os. Achei muito perigoso condenar estes caras.
― Fez muito bem. Um homem inteligente sempre faz com que outros homens que
se julguem inteligentes pensem que são mais inteligentes que todo mundo. Que quer, meu
caro? E possível que o homo superior cumpra sua palavra. Quem sabe se os atos de
sabotagem não vão parar.
― Talvez! E se isso não acontecer? O que faremos?
― Neste caso localizaremos os dois milhões de superinteligentes por meio de
rastreadores individuais, tiramo-las do meio da massa e os levaremos numa carga de
transporte de grande tamanho em cinco ou seis viagens a um planeta diferente, onde
poderão dedicar-se à lavoura e à criação de gado e seguir suas doutrinas espirituais. É
verdade que alguém terá de cuidar deles, senão morreriam em alguns anos porque não
são capazes de sustentar-se. Veja nisto uma instrução a ser seguida, Deighton.
O planador ainda não tinha alcançado a eclusa aberta que ficava na protuberância
circular em que tinham sido instaladas as máquinas, quando Kosum deu o alarme. Sua
imagem apareceu numa tela pequena.
― Recebemos uma mensagem do comando de vigilância aérea do Império Alfa,
senhor. Duas divisões de robôs reforçadas, formadas por cerca de quarenta mil unidades
completamente mecanizadas, aproximam-se de Terrânia City vindas do oeste. A tentativa
de reprogramá-los por controle remoto fracassou. Os robôs são controlados por um
aparelho de emergência chamado de Heitor III. Trata-se de uma grande máquina semi-
esférica que antigamente usávamos em operações de emergência.
Rhodan não se abalou nem um pouco. Deighton praguejou. O planador pousou no
hangar.
― Logo estaremos na sala de comando, Kosum. Conheço os robôs de alta potência
da classe Heitor. São equipados com elementos de plasma, não são?
― São, sim senhor. É por isso que Heitor III está dando uma de louco. A máquina
gigantesca permanece suspensa em cima dos robôs em marcha. Eles atiram em tudo que
lhes fecha o caminho. Seguem em direção aos portos espaciais. Parece que o campo
paratron incomoda Heitor. Se contornar os portos e seus robôs invadirem Terrânia City,
morrerão milhões de pessoas.
Dali a dez minutos Rhodan chegou à sala de comando do cruzador. Sem dizer uma
palavra, Atlan assumiu o centro de artilharia. Kosum já estava sentado embaixo do
capacete SERT.
― Decolagem de emergência ― ordenou Rhodan. ― Atenção, rastreamento. Tente
localizar a concentração de robôs. Atlan, a nave está de prontidão para o combate?
― Quanto a isso não tenha a menor dúvida.
― Não use projéteis de conversão. Tente derrubar o dispositivo de comando Heitor
III. Kosum, antes de abrir fogo voe em direção ao alvo a dez vezes a velocidade da luz.
Sobrevoar o aparelho Heitor o mais baixo possível. Talvez seja derrubado pela onda de
pressão. Sala de rádio, faça uma consulta a Império Alfa. Qual é a densidade
populacional da área de aproximação dos robôs?
As instruções foram confirmadas. O centro de comando principal do Império
respondeu dentro de alguns segundos.
― As áreas são despovoadas, senhor. As máquinas de guerra vêm dos depósitos
operacionais situados nas montanhas que ficam ao oeste, onde o terreno está vazio por
ficar muito perto dos portos espaciais.
― Obrigado. Preparem-se para assumir as quarenta mil máquinas de guerra assim
que o controle positrônico desorientado tenha sido destruído. Acha que conseguirão?
― Faremos o possível, senhor.
― Muito bem. Quero receber os robôs. Final, Império Alfa. Kosum, pode decolar.
Cuidado para não soprar a academia para os ares. Até um cruzador produz tremendas
ondas de pressão.
Os reatores Schwarzschild das três unidades geradoras de grande potência rugiram.
Por enquanto a energia gerada foi conduzida aos neutralizadores de gravidade. A CMP 1
começou a levitar.
Bastou um empuxo ligeiro dos seis jatopropulsores de partículas instalados na
protuberância equatorial para levantar a nave de cem metros de diâmetro. Kosum subiu a
vinte mil metros, ouviu os resultados que eram fornecidos pelo rastreamento e acelerou.
Um trovão sacudiu a área. A CMP 1 desapareceu dentro de alguns instantes. Os
cinquenta porta-vozes de primeira classe do homo superior contemplaram a nave
enquanto ela se afastava.
― Que coisa desprezível! ― disse Holtogan Loga. ― Mas o fato é que esse ditador
é um homem inteligente. O senhor deveria ter impedido seu regresso, Hosputchan.
Teremos de agir com o maior cuidado.
***
Heitor III estava suspenso quinhentos metros acima das divisões de robôs em
marcha. Emitia ordens contraditórias. Seus elementos positrônico, que continuavam
intactos, travavam uma luta sem esperanças com os suplementos de plasma orgânico.
Heitor III detectou no último instante o cruzador que se aproximava. Os sistemas
positrônico classificaram o objeto voador como um perigo e montaram o campo
defensivo. Como os aparelhos dessa espécie não tinham sido feitos para a luta
extraplanetária, eles só contavam com armas convencionais.
A espaçonave chegou ao local dos acontecimentos. Empurrava uma concentração
semi-esférica de gases incandescentes à frente dos campos energéticos. Bem atrás dela a
onda de pressão levantou uma trilha de matéria arrastada que parecia não ter fim. Um
furacão quente uivava sobre o terreno deserto que se estendia entre os portos espaciais e
as montanhas mais ao oeste.
Heitor III desceu e pousou. Os suplementos de plasma agiram num pânico súbito,
fazendo sair as colunas de ancoragem que penetraram no solo rochoso.
A CMP 1 passou trovejando menos de cem metros acima dos robôs e de Heitor III.
O redemoinho derrubou milhares de máquinas de guerra que abriram fogo com suas
armas energéticas. Mas os raios não foram capazes de atravessar o campo paratron do
cruzador.
― Suba, Kosum ― gritou Rhodan para o emocionauta. A única coisa que
conseguiremos é destruir os preciosos robôs. Reduza a velocidade e siga em direção ao
alvo. Atenção, centro de artilharia. Preparar para bombardeio concentrado com armas
térmicas.
A CMP 1 subiu em alta velocidade ao céu azul de verão até alcançar quarenta
quilômetros de altura, fez uma curva e voltou em velocidade infra-som. Um fogo
defensivo furioso fustigou seus campos defensivos.
― Fogo, Atlan.
Heitor III tentou firmar ainda mais a ancoragem. Raios ofuscantes como um sol
precipitaram-se em sua direção. Atingiram o campo defensivo de Heitor III, que não era
muito forte, romperam-no e bateram em seu revestimento de aço.
Heitor III explodiu antes que os elementos de plasma mergulhados em confusão
compreendessem o que estava acontecendo. Kosum fez a nave subir de novo. Parou
apenas um quilômetro acima do exército de robôs, que parecia completamente confuso.
― Centro de programação Império Alfa ― anunciou um técnico. ― Parece que já
somos capazes de controlar os robôs. Transmitiremos a nova programação pela faixa de
emergência. Como eles se comportam?
Não levaram mais de dez minutos para mudar a programação das máquinas. Elas
voltaram às suas bases operacionais na melhor ordem.
Deighton acenou com a cabeça. Parecia satisfeito.
― Está vendo, senhor? Estas coisas acontecem todos os dias. Máquinas
enlouquecidas, homens sem inteligência e bandidos. Espero que possamos enfrentar isto
sem a ajuda do senhor. Quando vamos decolar?
― Assim que a Good Hope II esteja completamente equipada e tenha completado
os testes de voo. A nova tripulação tem de adaptar-se. Tudo isto ainda levará algumas
semanas. Kosum, dirija-se à Marco Polo e coloque o cruzador de volta em seu hangar.
13

Fazia uma hora que a Good Hope II tinha pousado. O quarto teste de voo realizado
pelo estaleiro levara a nave para perto do sol gigante azul Vega. Os dois conversares de
compensação waringianos tinham funcionado perfeitamente nas mais variadas condições.
Os pequenos defeitos detectados nos aparelhos recém-instalados, em substituição aos
sistemas biopositrônicos inutilizados, puderam ser reparados em viagem com os recursos
encontrados a bordo.
O cruzador estava para ser aceito pela equipe técnica do centro de controle terrano.
Uma trovoada estava desabando sobre a paisagem florida que se estendia do outro lado
do campo paratron. O controle das condições meteorológicas falhara mais uma vez.
Todos os homens e mulheres que já tinham trabalhado na armação de espaçonaves
tinham oferecido seus serviços. Os pequenos barcos espaciais do cruzador, que em
virtude das características deste só consistiam em seis jatos espaciais com um diâmetro
equatorial de oito metros e doze caças espaciais modernos do tipo Lightning, também
tinham sido testados depois de uma revisão geral.
A tripulação formada por sessenta pessoas já estava a bordo. Entrara em veículos
voadores. O Coronel Korom-Khan ficara na Marco Polo, seguindo as ordens. Graças aos
comandos especiais instalados há pouco tempo, ele seria capaz de colocar o
supercouraçado numa órbita distante da Terra. Se houvesse algum perigo, poderia abrir
fogo. Não se podia arriscar a perda da preciosa nave da Frota Solar.
Os atos de sabotagem que continuaram nos últimos dias fizeram com que Rhodan
duvidasse da sinceridade do homo superior. Parecia que entre estas pessoas também
havia extremistas que não cumpriam o que combinavam.
Rhodan subiu a bordo. Tivera mais um encontro com os membros da guarnição de
Império Alfa. Roi Danton e Galbraith Deighton vieram com ele.
― A grande novidade do ano 3.440. Prefiro recolher-me a uma lata de conserva
cheia ― lamentou-se Roi ao entrar na eclusa de passageiros da calota polar inferior. ―
Que é isto? AI... !
Um técnico segurou-o para que não caísse.
― Cuidado para não cair em cima disso ― alertou. ― É a cabeça de rotor de um
helicóptero. Uma peça muito sensível. ― a senhor se esquece de que meu joelho também
é sensível?
O técnico sorriu.
― Vamos, Galbraith ― disse Danton. ― Vamos ver se conseguimos chegar à sala
de comando contorcendo-nos que nem minhocas. A quantidade de carga que está na nave
infringe todas as regras. Atenção! Ali também há uma coisa no chão.
― Sigam pelo corredor da esquerda e chegarão ao elevador ― gritou alguém. ― o
da direita está atulhado.
Os dois levaram quase quarenta e cinco minutos para chegar à sala de comando da
Good Hope II.
Rhodan já estava lá. Seguira outro caminho sem dizer nada a ninguém.
― É só para quem sabe ― disse bem-humorado. ― Quem sabe passar pelos lugares
certos chega mais depressa.
A sala de comando, que normalmente brilhava de limpeza e ficava muito bem
arrumada, parecia antes o porão de carga de um veleiro pré-histórico depois de uma
violenta tempestade. Mas os bem-informados asseguravam que se podia encontrar
qualquer pecinha de olhos vendados.
Rhodan deu as instruções finais. Os comandantes dos setores mais importantes
foram nomeados.
― O comandante e chefe de expedição é um certo Perry Rhodan ― leu o
Administrador-Geral.
― Atlan exercerá as funções de substituto do comandante e chefe dos barcos
espaciais. O primeiro-oficial cosmonáutico é o emocionauta Senco Ahrat, o segundo-
emocioficial cosmonáutico será Mentro Kosum. O cargo de chefe da sala de máquinas
principal será exercido por Abel Waringer. O ertrusiano Toronar Kasom será o primeiro-
oficial de artilharia. O chefe do rastreamento será Alaska Saedelaere. O cargo de chefe do
setor de radiocomunicação será exercido por Joak Cascal. Lorde Zwiebus ficará à
disposição para qualquer eventualidade. Os mutantes Gucky, Tschubai, Takvorian, Lloyd
e Merkosh formarão um grupo especial que entrará em ação no caso de uma emergência
interna. São estes os cargos técnicos. As outras atribuições já foram distribuídas.
Danton passou balançando entre peças sobressalentes acondicionadas em
revestimentos fundidos sob pressão.
Rhodan deu-lhe a mão.
― Mantenham a posição na Terra. Farei o possível para manter contato pelo rádio.
Talvez encontremos algumas estações retransmissoras que estejam em perfeitas
condições. Se o homo superior não cumprir o acordo, não tenha dúvida em tomar
medidas mais enérgicas. Deighton...
O primeiro-mecânico emocional do Império balançou a cabeça com uma expressão
resignada.
― Tudo em ordem, senhor. Faremos o que estiver ao nosso alcance com as poucas
pessoas imunes com que podemos contar.
― O senhor e Roi receberam plenos poderes. Façam o possível para manter a
ligação de transmissor com os estabelecimentos lunares. É importante. Quando Bell
aparecer com a Intersolar, os senhores poderão contar com reforços. Tenho certeza de
que Bell encontrará muitos imunes. Somente em Quinto Center deve haver pelo menos
trezentos especialistas mentalmente estabilizados. É ao menos o que informa Atlan. Os
homens e mulheres trabalhavam lá. Os especialistas que participam de operações de
combate talvez possam exercer uma função que faça jus à sua eficiência. Bell e Tifflor
farão o possível. Quanto a nós, senhores, vamos ver o enxame de perto.
A despedida foi ligeira. Os homens tinham muito trabalho e não havia tempo para
longos discursos. Roi e Deighton desceram da nave. Seu planador estava estacionado
além da marca vermelha de perigo.
Danton virou a cabeça. Visto de longe, até um cruzador ligeiro da classe planetas
parecia uma montanha de aço.
― De qualquer maneira ― disse Roi em voz baixa ― desta vez ele sai numa nave
muito melhor. Dois conversores Waring, autonomia de dois milhões de anos-luz. Uma
nave muito veloz e poderosa, que além de tudo isso tem mais quarenta metros de
diâmetro que a primeira Good Hope.
― Para mim uma experiência de quase mil e quinhentos anos vale mais que isso.
Vamos, Roi. Também temos uma tarefa a cumprir.
Os dois saíram voando e desapareceram na escotilha de um abrigo na superfície que
se abriu para eles. Era uma das muitas entradas de Império Alfa.
A Good Hope II partiu no dia 5 de julho de 3.441, às 13:30 horas, tempo padrão. O
campo paratron abriu-se muito acima dela e os geradores entraram em funcionamento. A
nave subiu como um brinquedo, mas era necessária muita competência para realizar uma
decolagem tão suave.
Os dois emocionautas só aceleraram quando a nave se encontrava bem acima da
brilhante bolha paratron e da metrópole Terrânia City, que parecia deserta.
O cruzador desapareceu em velocidade alucinante. Um ruído surdo sacudiu a
paisagem ampla.
Os mentalmente deteriorados e as pessoas inteligentes olhavam para a espaçonave
enquanto ela se afastava em alta velocidade.
― Boa sorte, velho, boa sorte ― cochichou Roi de si para si. ― Você vai precisar.
Bem, Deighton, vamos ao trabalho. Oito bilhões de seres humanos passam fome.

***
**
*

Eles voltaram à sua galáxia ― mas não se


sentiram em casa. Parecia que com a presença do
misterioso “enxame” a galáxia se transformara num
grande hospício. Era o que indicavam as informações e
pedidos de socorro dos seres humanos e representantes
de outros povos galácticos que permaneceram imunes.
E a Terra? O planeta transformou-se num cenário
de pessoas mentalmente deterioradas e de homens
pertencentes a uma nova espécie, que numa atitude
arrogante deu a si mesma o nome de homo superior.
Um exemplo típico das condições reinantes na
Terra em 3.441 são os acontecimentos que se verificam
no Deserto de Concreto.
No Deserto de Concreto ― é este o título do
próximo volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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