Impressionada pela força das palavras do mestre, a cobra Naga deixou de lado
as preocupações mundanas. Praticou meditação, aproximou-se da sua alma
imortal e experimentou a paz do universo infinito. Ela também tomou uma
decisão: “De agora em diante, vou controlar os meus instintos e não morderei
mais ninguém”.
Um ano depois, o animal está sem forças e à beira da morte, quando o mestre
desconhecido aparece outra vez e senta-se para conversar. A cobra conta ao
sábio tudo o que aconteceu e fala – feliz – da sua lealdade ao caminho
espiritual. Surpreso, o mestre explica que tamanha dor não era necessária:
“Amiga, eu disse para você não atacar. Não disse que não ameaçasse morder.
Não disse que não preparasse o bote. Não deixe de impor respeito: não faça
mal a ninguém, mas – quando necessário – defenda-se sem violência.”
É certo que devemos evitar as desarmonias, mas em muitos casos elas são
inevitáveis, e então o melhor que podemos fazer é aprender com elas. Para o
pensador grego Plutarco (46. d.C.- 120 d.C.) os inimigos são comparáveis às
dificuldades naturais que a vida coloca diante de nós. Um velejador experiente
não se desespera com o vento contrário, mas sabe usá-lo para avançar no rumo
certo. Do mesmo modo, devemos aproveitar as inimizades e outros desafios
para aumentar nosso autoconhecimento.
“O fogo queima quem o toca, mas também fornece luz e calor e serve a uma
infinidade de usos para aqueles que sabem utilizá-lo”, explica Plutarco. A
situação é idêntica com os adversários ou invejosos: “O que é mais prejudicial
na inimizade pode tornar-se o mais proveitoso”, diz ele. “É que teu inimigo,
continuamente atento, espia tuas ações na expectativa da menor falha, e fica à
espreita em torno da tua vida”.
Como se pode, então, tirar proveito das injustiças que sofremos? Castaneda
aprendeu com seu mestre Don Juan a técnica do pequeno tirano. O método
funciona melhor quando há alguém que não só está situado em uma posição
de poder ou de superioridade em relação a nós, mas tem, também, a séria
intenção de causar-nos profundo mal-estar.
É claro que nenhum tirano externo tem real importância em si mesmo. Nosso
único verdadeiro inimigo é nossa própria ignorância diante da vida. Os
adversários mais desagradáveis do mundo exterior são apenas projeções e
materializações daquelas lições que ainda não aprendemos e, por isso, são
todos de pequeno porte. No sistema de ensino de Castaneda, há, portanto,
três tipos básicos de pequenos tiranos:
2.Disciplina. Como qualquer ser humano, o guerreiro sofre, mas ele sofre
sem sentimento de auto-piedade. Ele levanta informações objetivas sobre a
situação em que está, identifica os perigos reais e define possíveis alternativas,
sem perder tempo ou energia com emoções desnecessárias.
É muito provável que não haja ninguém situado em uma posição de poder que
esteja pensando em atormentar-nos ou em destruir nosso bem-estar.
Raramente alguém tem o privilégio espiritual de viver esse desafio.
Desse modo, cada pessoa de má vontade ou que boicota nossos esforços tem
algo a nos ensinar. Se formos aprendizes conscientes da arte de viver,
estaremos sendo beneficiados pelas suas ações agressivas, ainda que isso
possa ser frustrante para o agressor. Normalmente, o pequeno tirano é um
pobre desorientado. Ele não só ignora que sua má-vontade contra nós na
verdade nos beneficia, mas sequer suspeita o quanto é gravemente prejudicial
para ele próprio querer prejudicar alguém.
NOTAS.