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ANTROPOLOGIA E POLÍTICA

Karina Kuschnir

A abordagem da política pela antropologia que o estudo de sociedades e relações sociais é


pode ser definida de uma forma simples: explicar estreitamente ligado à temática das relações de
como os atores sociais compreendem e experi- poder. No contexto da tradição evolucionista, que
mentam a política, isto é, como significam os marcou a fase inicial da antropologia, o foco
objetos e as práticas relacionadas ao mundo da recaía sobre as formas e os sistemas de poder em
política. A compreensão de grupos específicos, sociedades “primitivas”, cujas características deve-
em circunstâncias particulares, leva a compara- riam ser comparadas e classificadas em relação ao
ções e diálogos com a literatura sobre contextos sistema político das sociedades modernas, con-
sociais mais amplos. sideradas mais “evoluídas”. Propunha-se, então,
Embora aparentemente simples, trata-se de uma linha evolutiva das formas de organização
uma proposta complexa de ser executada e que política, que começava com a “horda primitiva” e
implica pelo menos dois pressupostos. O pri- chegava ao Estado moderno. Nessa época, entre
meiro, de que a sociedade é heterogênea, forma- o final do século XIX e o início da década de
da por redes sociais que sustentam e possibilitam 1920, a grande maioria dos estudos antropológi-
múltiplas percepções da realidade. O segundo, de cos não tinha a política como tema central de
que o “mundo da política” não é um dado a pri- interesse, nem a antropologia política era pensa-
ori, mas precisa ser investigado e definido a par- da ou formalizada como uma subárea de estudos.
tir das formulações e dos comportamentos de Com o avanço da tradição estrutural-fun-
atores sociais e de contextos particulares. cionalista britânica, no entanto, a política ganhou
O interesse da antropologia pela política espaço, sobretudo nas etnografias realizadas no
existe desde os primórdios da disciplina, uma vez contexto colonial anglo-africano. Muitos desses
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estudos buscavam entender a organização social tante contribuição para a reflexão em torno do
de grupos e etnias sem a presença de um sistema poder (Vincent, 2002).
político formal, isto é, sem Estado. É nessa No contexto brasileiro, desenvolveu-se, na
direção que surgem as reflexões sobre a im- década de 1990, um conjunto de trabalhos auto-
portância dos sistemas de parentesco para a hie- denominados antropologia da política, que tive-
rarquia e a coesão sociais. Tendo como referência ram sua institucionalização mais importante no
inicial Radcliffe-Brown, sucederam-se autores Núcleo de Antropologia da Política (NuAP), sedia-
como Evans-Pritchard, Meyer Fortes, Max do no Museu Nacional da UFRJ, mas envolvendo
Gluckman, Edmund Leach e Victor Turner, entre grupos em outras universidades federais, como as
outros. Alguns dos textos fundamentais da então de Brasília, Ceará e Rio Grande do Sul, entre out-
recém-nomeada “antropologia política” foram ras. O objetivo do NuAP, como definiu Peirano
produzidos nesse contexto, como a coletânea (1998), era partir da “suposição básica de que a
African political systems (Fortes e Evans-Pritchard, categoria política é sempre etnográfica”. Ao inves-
[1940] 1961) e a monografia Os Nuer (Evans- tigar a política legitimada pelos padrões ociden-
Pritchard, [1940] 1978). Essa abordagem, por sua tais modernos, “deslegitimando pretensões essen-
vez, também gerou críticas. A definição de poder cialistas, sociocêntricas e conformistas”, revela-se
teria se tornado tão ampla que poderia ser encon- que a própria percepção da “política” como uma
trada em qualquer situação social, englobando li- esfera social à parte de outras esferas é produto
teralmente todos os temas da disciplina (Vincent, dessa ideologia moderna. No caso brasileiro, aler-
2002). Mas é nessa fase que se consolidou insti- ta Peirano, o antropólogo enfrentaria uma “com-
tucionalmente o campo de uma antropologia binação complexa” de universalismo científico e
política (Easton, 1959). É fundamental ressalvar ideologia nacional de moldes “holistas”.
que, embora dialogando entre si com mais ou Isso tem sido observado em muitos estudos
menos freqüência, esses antropólogos não pro- empíricos, desde o clássico Coronelismo, enxada
duziram em absoluto abordagens homogêneas da e voto (Leal, 1948) até as recentes etnografias e
política. Se numa primeira etapa foi dada maior coletâneas publicadas no âmbito do NuAP
ênfase aos aspectos de coesão e equilíbrio social, (Palmeira e Goldman, 1996; Barreira e Palmeira,
à medida que avançamos no tempo, observamos 1998; Heredia, Teixeira e Barreira, 2002; Palmeira
uma maior preocupação com as transformações e Barreira, 2006). A política é entendida, aqui,
sociais, discutindo as relações de poder no tempo principalmente como um meio de acesso aos
e no espaço, a partir de temáticas relacionadas a recursos públicos, no qual o político atua como
conflitos, rituais, mitos, identidades, status, repre- mediador entre comunidades locais e diversos
sentações e práticas. níveis de poder. Esse fluxo de trocas é regulado
A partir da década de 1950, principalmente pelas obrigações de dar, receber e retribuir, o que
depois do clássico Sistemas políticos da Alta o antropólogo Marcel Mauss ([1924] 1974) cha-
Birmânia, de Edmund Leach ([1954] 1996), de- mou de “lógica da dádiva”, e cujo princípio fun-
senvolve-se uma nova fase no campo da an- damental está no comprometimento social daque-
tropologia política, com o afastamento do cânone les que trocam para além das coisas trocadas.
tradicional e a pulverização de problemas teóricos As pessoas que participam dessas redes, seja
e temas de pesquisa, cujo alcance foge ao âmbito como eleitores, seja como políticos, nunca con-
deste texto. Entretanto, há um certo consenso de cordariam com os acadêmicos que consideram
que esses novos campos são fruto sobretudo do suas ações um mero “clientelismo”. Do ponto de
enfrentamento dos desafios impostos por uma vista “nativo”, os políticos não estão “privatizando
conjuntura mundial na qual convivem forças bens públicos” (para usar uma definição clássica
políticas e culturais em diversos níveis como de clientelismo); ao contrário, os políticos estão
comunismo, capitalismo, colonialismo e movi- dando acesso a bens e serviços públicos a pessoas
mentos sociais de diversos tipos. Entre estes, a que não os teriam de outra forma. Nesse contex-
área dos estudos feministas e dos movimentos to, a palavra “público” não significa “recursos que
anticolonialistas ganhou destaque por sua impor- pertencem a todos”, mas “recursos monopoliza-
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dos pelas elites políticas e econômicas”. Ou seja, estágio de “subdesenvolvimento” e, portanto, um


pessoas “ordinárias” – de estratos inferiores da problema para a “modernização” da política.
sociedade – não participariam dessa definição Seguindo em outra direção, podemos tomar
de “público”. Por isso mesmo, o acesso às fontes o “clientelismo” como expressão de valores cul-
públicas de bens e serviços precisa ser turais que privilegiam as relações sociais entre
intermediado pelo político e é visto como um pessoas, por oposição às relações entre indiví-
bem extraordinário, “que não tem preço”. duos, no sentido que Roberto Da Matta (1979)
No entanto, essa rede não se constitui ape- emprestou ao termo. Isto é, trata-se de trocas e
nas pelo acesso e intermediação de recursos relações sociais que envolvem noções como
públicos. A distribuição de bens e serviços em honra, gratidão e dívida moral. Em muitos casos,
locais de “atendimento”, como centros de assistên- isso ajuda também a perceber que as relações de
cia social ou escritórios políticos, é prática cor- troca empiricamente observadas não se cons-
rente. Para manter esse tipo de serviço, o político tituem numa esfera “política” à parte, muito
precisa manter fortes laços com empresários ou menos são a principal fonte de recursos da po-
grupos economicamente favorecidos que lhe pulação. Tanto é assim que muitos dos bens doa-
forneçam dinheiro ou mercadorias demandados dos por políticos são itens aparentemente supér-
pela comunidade. Essa ajuda externa é retribuída, fluos, como perucas, camisas para times de
por sua vez, na forma de alvarás, licenças, anistia futebol, brinquedos, latas de tinta etc.
de multas e outros benefícios diversos. Pode tam- Para a antropologia, é preciso investigar tais
bém, sem dúvida, em certos casos, caracterizar-se trocas dentro do contexto etnográfico em que
como corrupção pura e simples. ocorrem, buscando a compreensão das relações
Como se coloca, então, a antropologia da sociais envolvidas. Em muitos casos, essa com-
política ante a questão da democracia? Se nos preensão é fundamental para percebermos que a
basearmos nos seus princípios conceituais, política opera com valores da sociedade mais
relações de troca do tipo acima mencionadas são abrangente, tradicionalmente associados a outras
um grande desserviço. Entretanto, como intelec- esferas da vida social, como família e religião,
tuais, temos que evitar que nosso desejo de me- mas considerados ilegítimos quando operados na
lhorar a qualidade da democracia interfira na esfera política. Isso não quer dizer, obviamente,
forma como coletamos e interpretamos os dados que se queira justificar nem defender essas práti-
de pesquisa. Senão, ficaremos perpetuamente ro- cas – cumpre, antes de tudo, compreendê-las.
tulando as pessoas em vez de tentar compreendê- Onde ficaria, então, a responsabilidade e a
las. Seguindo a proposta de Peirano (1998), esses contribuição da antropologia para com os princí-
mesmos rótulos operam segundo lógicas de pios da democracia representativa e o aperfeiçoa-
poder da academia ou até lógicas de poder mais mento das suas instituições?
amplas. Assim, o mesmo fenômeno classificado Como afirmou Abélès (1997), a antropologia
como “máquina política”, nos Estados Unidos, não tem como objetivo criticar as práticas políti-
torna-se “clientelismo”, na América Latina, ou cas, mas entender a maneira pela qual as relações
“serviços aos eleitores”, no Reino Unido (Posada- de poder emergem numa situação determinada,
Carbó, 2005). adquirindo significado para os atores sociais.
Categorias como “mandonismo”, “coronelis- Parte sempre do pressuposto de que a “de-
mo”, “clientelismo”, entre outras, trazem embuti- mocracia” é um modelo teórico, e que, portanto,
das a idéia de que as nossas práticas políticas são não existe de forma pura. Questionar conceitos
imperfeitas, atrasadas ou inferiores. Trata-se de como “clientelismo” é deixar de tomar esse mo-
classificações que tomam por base o princípio delo como ponto de partida; é não considerar
de que as sociedades modernas devem estar com- universais termos como, por exemplo, “individu-
prometidas com os princípios democráticos uni- alismo”, “representação” e “domínio público”; é,
versais inspirados nas experiências européia e finalmente, perceber que o universalismo é um
norte-americana. Desse ponto de vista, o clien- valor inspirado no paradigma da modernização,
telismo será sempre visto como sintoma de nosso na crença de que a imparcialidade e a objetivi-
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dade devem prevalecer sobre as emoções e a sub- DA MATTA, R. (1979), Carnavais, malandros e
jetividade (como as que estão presentes nas heróis. Rio de Janeiro, Zahar.
relações baseadas na honra e na dádiva). EASTON, D. (1959), “Political anthropology”.
A abordagem antropológica privilegia técni- Biennial Review of Anthropology,
cas de pesquisa qualitativas, voltadas para a reali- Stanford University Press.
zação de trabalho de campo com observação par-
ticipante e entrevistas em profundidade, EVANS-PRITCHARD, E. ([1940] 1978), Os Nuer.
freqüentemente produzindo “estudos de casos”. São Paulo, Perspectiva.
No entanto, o antropólogo não ignora que as FORTES, M. & EVANS-PRITCHARD, E. (orgs.).
práticas e as representações observadas estão ([1940] 1961), African political systems.
inseridas numa sociedade maior, num sistema Londres, Oxford University Press.
político formal, com instituições de larga escala. GEERTZ, C. (2001), Nova luz sobre a antropolo-
Nesse esforço, a antropologia de um modo geral gia. Rio de Janeiro, Zahar.
oscila entre sua fidelidade ao particular e a neces-
sidade de produzir generalizações (Lewellen, HEREDIA, B.; TEIXEIRA, C. & BARREIRA, I.
1992). Por isso, é fundamental que se estabeleça (orgs.). (2002), Como se fazem eleições
no Brasil. Rio de Janeiro, Relume-
um diálogo com outras disciplinas, como a
Dumará.
história, a ciência política, a sociologia, a lingüís-
tica e a comunicação. É a partir de abordagens LEACH, E. ([1954] (1996), Sistemas políticos da
multi e interdisciplinares e da adoção de uma Alta Birmânia. São Paulo, Edusp.
perspectiva comparativa que se pode chegar a LEAL, V. (1948), Coronelismo, enxada e voto. Rio
compreender não só as representações e as práti- de Janeiro, Forense.
cas da política num grupo específico, mas tam-
bém as relações desse material etnográfico com a LEWELLEN, T. (1992). Political anthropology: an
sociedade mais ampla. introduction. Westport/Londres, Bergin
& Garvey.
A antropologia pode contribuir nesse
debate porque sua principal tarefa é estudar não MAUSS, M. ([1924] (1974), “Ensaio sobre a dádiva,
o que a política deve ser, mas o que ela é para um forma e razão da troca nas sociedades
determinado grupo, em um contexto histórico arcaicas”, in Mauss, M. Sociologia e
e social específico. Compreender, “do ponto de antropologia. São Paulo, EPU, vol. 2,
vista do nativo”, práticas muitas vezes diferentes pp. 37-184.
daquelas que idealizamos pode gerar incômodo, PALMEIRA, M. & BARREIRA, C. (orgs.). (2006),
intelectual ou cívico, mas um incômodo Política no Brasil: visões de antropolo-
necessário, pois, como disse Geertz, “se quisésse- gia. Rio de Janeiro, Relume Duma-
mos verdades caseiras, deveríamos ter ficado em rá/NuAP/UFRJ.
casa” (2001, p. 67).
PALMEIRA, M. & GOLDMAN, M. (orgs.). (1996),
Antropologia, voto e representação
política. Rio de Janeiro, Contra Capa.
BIBLIOGRAFIA
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