RESUMO: Neste artigo, procurou-se refletir sobre as dimensões éticas da educação. A rigor,
a educação só tem sentido se for absolutamente ética, ética essa que só se atinge por meio da
reflexão. Os tempos atuais não permitem mais que a educação seja entendida somente como o
espaço físico da escola, nem o aluno reduzido a mero receptáculo de informações técnicas. A
educação abrange ações coletivas e exige que as posturas éticas sejam defendidas e
disseminadas, já que o processo educativo está em todas as realidades em que a ação humana
se manifesta. Como afirma Paulo Freire, por ser especificamente humana, a prática docente é
profundamente formadora e, em consequência, tem de ser ética. E, como já defendia Kant, o
progresso moral só pode ser entendido como “progresso da razão”. Este progresso é infinito e
necessita que cada geração o cultive.
Palavras-chave: Ética e educação. Pedagogia da Autonomia. Educação e bioética. Moral e
Ética.
ABSTRACT: This article tries to show reflections about ethical dimensions of Education. In
reality, Education only has meaning if it is an ethical one, and this Ethics can only be achieved
through reflection. The present time does not allow that Education is comprehended only as
school plant, nor student as a simple box to receive technical information. Education involves
actions in group and demands that ethical attitudes are defended and disseminated, since
educational process is present in all human action realities. As Paulo Freire asserts, since
teaching practice is deeply a formation practice, consequently it must be ethical. And as
defended Kant, Morals progress can only be understood as a “rational progress”. This
progress is infinite and it needs each human generation keeps it up.
Keywords: Ethic and Education. Pedagogy of Autonomy. Education and Bioethic. Morals
and Ethics.
1
Mestre em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo; advogada; professora de Bioética, Ética, Direito,
Língua Portuguesa e Língua Inglesa.
2
INTRODUÇÃO
Para Aristóteles, Ética é a filosofia das coisas humanas, um saber que visa a orientar
“educar a ação”) ela tem de ser ética, principalmente considerando-se que a formação do
sujeito ético depende da educação que ele receber em seu meio acadêmico/familiar/cultural, e
Ao se falar em educar para a vida moral, fala-se em criar condições para que os
educandos venham a se tornar sujeitos autônomos, com capacidade de (re)pensar e decidir por
si próprios.
deve incentivar e buscar tem de ser aquela em que haja a vontade do educando de respeitar e
outros seres da raça humana. Assim, a sala de aula (e todo o ambiente educacional) deve ser
formação, devem ter plena consciência que formar um aluno é muito mais que treinar e
para essa formação, necessita-se de ética e harmonia. Ele complementa, ainda, que ambas –
ética e harmonia – precisam estar vivas e presentes na prática educativa, sendo esta a
responsabilidade do professor.
3
entre elas. Autores e filósofos há que defendem a mesma definição para ambas. Outros
defendem haver diferenças cruciais entre uma e outra, posição que aqui se defende.
Segundo Russ (1999, p. 8-9), a etimologia em nada ajuda na tarefa de resolver este
impasse: ta êthé (em grego, os costumes) e mores (em latim, hábitos/costumes) possuem, com
efeito, acepções muito próximas uma da outra e, mesmo sendo o termo “ética” de origem
grega, e o termo “moral” de origem latina, ambos remetem a conteúdos vizinhos: à ideia de
há de se fazer a distinção entre ética e moral. A primeira é mais teórica que a segunda. A ética
se esforça por desconstruir as regras de conduta que formam a moral, os juízos de bem e de
mal. O que a ética designa, então? Não uma moral, a saber, um conjunto de regras próprias de
uma cultura, mas sim uma doutrina que se situa além da moral, racionada sobre o bem e o
mal, os valores e os juízos morais. Em suma, a ética desconstrói as regras de conduta, desfaz
suas estruturas e desmonta sua edificação, para se esforçar em descer até os fundamentos
Assim, a diferença básica entre ética e moral consiste que na primeira há reflexão
Ainda, segundo Boff (2003, p. 58), a ética é parte da filosofia, a moral é parte da vida
concreta; a ética é da ordem prática e não da teoria, à qual pertence a moral; a ética examina a
Assim, é possível traçar o seguinte quadro quanto à distinção entre ética e moral:
4
MORAL ÉTICA
Valores humanos (não têm preço); Valores humanos (não têm preço);
Origem no latim more = costume humano; Origem no grego ethos = costume/conduta;
Valores morais – desenvolvidos pelos usos Valores éticos – juízo crítico sobre valores
e costumes de determinada sociedade; que frequentemente estão em
conflito e que implica opção;
Não há conflito; Pode haver conflito/dilema (di = dois /
lema = caminho);
Pode variar de sociedade para sociedade ou Varia de indivíduo para indivíduo;
de uma época para outra (na mesma
sociedade);
De fora para dentro, isto é, da sociedade De dentro para fora, isto é, do indivíduo
para o indivíduo; para a sociedade;
Todo cidadão tem de respeitar porque Não é a sociedade que escolhe, é o
pertence à sociedade; indivíduo, ainda que leve em conta os
valores morais;
Não há reflexão crítica, há aceitação; há Pressupõe dilema, não há aceitação sem
introjecção; é social. reflexão crítica; é pessoal.
Fonte: desenvolvido pela autora, com base em notas de aula (anotações manuscritas). Mestrado em Bioética.
Disciplina: Fundamentos da Bioética (professor William Saad Hossne, 2007).
Segundo Russ (1999, p. 11), uma pessoa é moral quando age em conformidade com os
costumes e valores consagrados na sociedade na qual vive; valores esses que podem até vir a
ser questionados pela ética, e é uma pessoa ética quando se orienta por princípios e
convicções, assumidos mediante reflexão crítica pessoal. Portanto, uma pessoa pode ser moral
(segue os costumes, mesmo que só por conveniência), mas não necessariamente ética (não
Considerando-se que o ser humano não nasce ético, torna-se ético, o papel da
educação nesta formação é crucial. E considerando-se, ainda, que o cotidiano mundial é hoje
marcado por conflitos de toda ordem, que cada vez mais oprimem os educadores/educandos
5
dificuldades, pautem suas ações por princípios éticos e vejam a sala de aula como espaço
privilegiado para aprofundar e vivenciar o agir ético (Paviani, 2005), já que a dimensão ética
da educação é inegável.
relações, e o aparente descaso com valores e virtudes, entre eles, o próprio desvalor dado à
vida humana, que é tida como se nada fosse, parecem fazer com que tudo caminhe para um
retorno à filosofia ética, devido à própria necessidade de sobrevivência do ser humano num
Esse retorno e o resgate do ser humano ético deve se dar pelos instrumentos da
Educação e, no Brasil, como no resto do mundo, nas últimas décadas, tem havido intensa
preocupação com a educação em e para valores, que surge como inspiração para muitas
iniciativas, seja na esfera da produção acadêmica, seja no âmbito das práticas pedagógicas.
A necessidade da ética nas relações cotidianas não permite mais uma atitude que
como o educando vivencia esse processo, com orientação do professor/formador que, segundo
Paulo Freire, precisa conhecer um saber necessário ao professor: que ensinar não é somente
transferir conhecimento, mas ensinar precisa ser um processo apreendido por ele e pelos
educandos nas suas razões ontológicas, políticas, éticas, epistemológicas, pedagógicas, que
Nesse momento de crise, a reflexão crítica é o caminho para que se façam as escolhas
certas, norteadas pela ética e, nesse patamar, os princípios e referenciais da Bioética são
6
instrumento primordial.
Um dos alicerces da Bioética é, sem dúvida, as relações: relações entre pessoas, entre
organismos, entre entidades, entre vidas... e a necessidade da ética nas relações cotidianas e
no processo ensino-aprendizagem não permite mais uma atitude que privilegia o indivíduo em
detrimento da coletividade.
A Educação não tem apenas a dimensão instrumental e técnica que muitos lhe
atribuem. Em sua dimensão (bio)ética, ela é fundamentalmente criadora de valores que podem
tornar os seres humanos melhores e, assim, mais capazes de ser e de fazer os outros felizes.
Não há como negar que à educação cabe sensibilizar as atuais e as novas gerações para
para que possam participar ativamente desse processo de formação. Entendido aqui que esta
que a noção de ética remete a alternativas e escolhas que decidem o destino do ser humano.
individual e coletivo de qualidade e com base nas ações e decisões éticas, a educação atual
não pode ser reduzida à informação factual: ela, por si só, já envolve capacitação de escolha e
juízos e assim deve se apresentar para o educando: como um caminho que leve à reflexão e
Freire deixa claro que a ética a qual se refere é a ética universal e diz que “a melhor
maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em
como seres formadores desse mundo. Essa consciência leva a refletir e pensar a vida como
possibilidade “de ser mais e melhor” e Paulo Freire anuncia a solidariedade como forma de
luta capaz de promover e instaurar a “ética universal do ser humano”, o que vai permear,
luta dos professores pela dignidade de sua função não só é democraticamente importante, bem
corresponde a uma das tarefas essenciais da educação. Deve-se, para isso, preparar cada
mundo”.
Desta forma, para servir como agente instigador dessa transformação, os educadores
devem ter postura ética na vida, no pensar, falar, agir, ensinar e aprender.
características essenciais. Para Freire, ensinar exige rigor metódico; pesquisa; respeito pelos
saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporificação das palavras pelo exemplo;
risco, aceitação do novo e rejeição de qualquer forma de discriminação; reflexão crítica sobre
respeito pela autonomia do educando; bom senso; humildade, tolerância e luta na defesa dos
Resta claro, portanto, que se, como educadores/formadores, o que se quer é transmitir
(bio)ética desse processo é ação profunda e transformadora, já que se faz necessário que os
valores e as virtudes sejam muito mais do que só transmitidos: eles precisam ser vividos, por
afetiva – repleta de bem querer a esse educando, já que educar não é depositar conteúdo
técnico num ser em formação, é, antes, criar espaços para que o educando possa empreender
ele próprio a construção do seu ser, ou seja, a realização de suas potencialidades em termos
pessoais e sociais.
trabalhem para a construção de uma sociedade mais digna, mais feliz, mais respeitável, e que
contribuam para que os educandos consigam ter uma vida melhor, que leve ao sucesso, com
10
qualidade, criando sensibilidades que se impõem como novas temáticas para a educação é o
atitudes éticas, cuja concretização deve se dar no indivíduo e, por extensão, na coletividade.
ideias, valores e reflexões sobre as perspectivas futuras. Portanto, é evidente que a ética é
de um mundo possível e desejável tem conduzido “os homens de bem” (Mattos, 2007) a
fazer reflexões e levar a reflexões a fim de tornar possível o princípio da dignidade da vida,
pois a ética é condição essencial para a cidadania. Assim, a Bioética é valioso instrumento de
reflexão e ação para auxiliar o homem a enfrentar os questionamentos sobre o que o angustia.
dessa dimensão micro deve-se caminhar e se expandir cada vez mais para a macro, norteando
Segundo Sime (1999, p. 272), uma proposta educativa que tenha como eixo central a
vida cotidiana e que queira recuperar o valor da vida, no sentido radical, tem de desenvolver
transforma-se em mundo à parte, que simplesmente ignora o cotidiano social. Mais do que
isso, em muitas ocasiões, sequer há espaço para que os diferentes sujeitos possam se expressar
práticas educativas e a vida parecem ser dois mundos que se ignoram. Romper com essa
Deve-se deixar claro, aqui, que a indignação e a rebeldia não significam estímulo à
violência, à confusão ou ao início de conflitos materiais. Trata-se, isto sim, de superar toda
indiferença diante das violações dos direitos humanos que se multiplicam em nossas
sociedades e que também estão presentes nas práticas educativas, por meio de
questionamentos e de resolução de conflitos que conduzam cada vez mais à defesa e aplicação
ético é fator chave nos processos educacionais. É necessário que se lute para que a educação
suscite valores de responsabilidade pessoal, consideração pelos outros e respeito mútuo face
às diferenças e divergências.
12
no âmbito individual, seja no âmbito coletivo, podem ser designadas como disposição ética. A
educação tem caráter ético na medida em que orienta a ação dos diferentes sujeitos numa
instituição educacional, pois por meio dela buscam-se soluções e alternativas para os
culturais, valores, tradições e tudo aquilo que se refere a determinado modo de viver em
valores que formam um conjunto social. Esse conjunto social necessita ser, literalmente,
“cuidado” e Leonardo Boff (2003, p. 50) defende que “a ética que cuida e ama é terapêutica
libertadora”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(re)pensem e (trans)formem não só o ambiente educacional, mas toda a coletividade, para que
Nesse caminho, Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire, é uma obra que condensa
Além disso, a educação deve inspirar-se nos fundamentos da ética e se pautar com a
concretização dos referenciais da bioética nas relações, já que a Bioética aspira aos grandes
de vida, a justiça, a autonomia. Educar para a autonomia é ensinar a buscar a realização e não
a destruição. Este é o verdadeiro significado de uma educação voltada para a Bioética e cada
“avassaladora”, lhe chamou Luís Archer, “uma generosa utopia para o século XXI”, definiu
conduzir à “felicidade”, desejo último de qualquer ser humano e defendido, através dos
E apesar de todos nós vivermos os efeitos do sistema de vida atual, que parece
desconhecer os princípios da Ética, é necessário que não se perca de vista o que salientou
brilhantemente Paulo Freire: “Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da
decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-
nos como sujeitos éticos”, nem esquecer “de sublinhar a nós mesmos, professores e
Mesmo com todos os empecilhos para se educar, ainda existem muitos professores
cumprindo com excelência o seu papel, com vocação, o que significa ter afetividade, gostar
do que faz, ter compromisso, competência e, primordialmente, acreditar que mesmo não
poderá germinar, desde que plantada verdadeiramente em bons solos – nossos corações.
sociedade em que se vive, não pode se eximir de refletir sobre seu papel de empreender
esforços para tudo que puder contribuir para melhorar o entendimento e a aplicabilidade dos
REFERÊNCIAS
ensino de bioética no Centro Universitário São Camilo, SP. O Mundo da Saúde – São Paulo,
sobre Educação para o século XXI). São Paulo: Unesco/MEC/Cortez, 1998. Disponível em:
jun. 2007.
Polêmicas de nosso tempo. In José Luis Sanfelice. Educ. Soc., vol. 22, n. 76, Campinas, oct.
jun. 2007.
http://www.klickeducacao.com.br/Klick_Portal/Obras_Literarias/Obras/121/Gregorio_de_Ma
NALLINI, J. R. Ética geral e profissional. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999.
2006.
SILVA, E. A ética reflete o agir humano. Mundo Jovem: um jornal de ideias. São Paulo; fev.
2005: 5.
Humanos: apuntes para una nueva práctica. Chile: Corporación Nacional de Reparación y
Reconciliación y PIIE, 1994. Conforme citação sobre as ideias de L. Sime, em artigo de Vera
1999; p.13-25.
jun. 2007.
17