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Como Nascem as Milícias e Por que É Tão Difícil Combatê-las

Luiz Eduardo Soares1

O bárbaro assassinato do líder comunitário Jorge da Silva, por milicianos, na favela Kelson
´s, volta a chamar atenção para a gravidade do problema, que vem se alastrando, no estado do Rio
de Janeiro, com rapidez e ousadia crescente. A principal raiz do problema – ainda que vários outros
fatores sejam também relevantes - é o “budget-cat”, para usar o jargão popular: o gato que engata
o orçamento público da segurança à segurança privada informal e ilegal. Hoje, é a segurança
privada ilegal que viabiliza o orçamento público. Se a primeira fosse extinta, o segundo entraria em
colapso. Vejamos por quê.
Quando policiais, inclusive de patente superior, pela via oblíqua de esposas ou parentes,
são proprietários de empresas prestadoras de serviço de segurança, além da flagrante ilegalidade,
há dimensões éticas extremamente sérias envolvidas. Um servidor público não pode oferecer ao
público, privadamente e em termos comerciais, um serviço cuja demanda cresça na exata medida
em que se degrade a qualidade do serviço público. Simplesmente porque isso significa que passa a
ser do interesse privado de cada agente individual da segurança pública a decadência do serviço
público que oferece. Isso também significa um choque entre os interesses público e privado,
quando o primeiro se realiza através da fiscalização das empresas privadas que atuam na área, e o
segundo procura evitar a fiscalização, porque a negligência lhe pode ser mais conveniente.
Tudo se complica ainda mais quando nos lembramos de que muitos policiais se envolvem
não apenas em segurança privada formal, pagando impostos, mas também nos serviços informais,
que facilmente passam da informalidade à criminalidade. É o que acontece com as chamadas
milícias, que disputam territórios com traficantes para substituí-los no domínio despótico que
impõem a comunidades inteiras. Além disso, há muitas empresas sérias e honestas, que pagam os
impostos e se veem obrigadas a uma competição desleal, seja com os serviços informais, seja com
empresas que têm ligações com policiais, isto é, têm acesso a informações privilegiadas e outras
facilidades.
Como todos sabem, os gestores da segurança pública nunca tiveram interesse em fiscalizar
a segurança privada –o que poderiam fazer mediante convênio com a polícia federal. Sabiam que
encontrariam lá os seus comandados fazendo bico, para completar a renda. Mesmo sendo ilegal
julgavam legítimo e honesto o esforço dos policiais. Além disso, sabiam que sem esse bico os
policiais não teriam como se resignar aos salários que recebem. As pressões por aumentos salariais
viriam com toda a força e explodiriam o orçamento público. Em outras palavras, os gestores sabiam
que o vínculo informal de nossos policiais de baixa patente com a segurança privada era o que
tornava viável um orçamento público irrealista, que reservava tão pouco aos profissionais da
segurança pública. Para sermos ainda mais diretos: a segurança privada financia a segurança
pública em boa parte do país. No Rio não é diferente. Ao contrário. Esse fenômeno ocorre em
escala especialmente significativa.
As intenções são boas. Demonstram solidariedade aos policiais de baixa patente, que não
têm recursos suficientes para serem sócios de empresas de segurança e precisam do emprego
informal que conseguem nessas empresas. Por isso, os gestores lavam as mãos, fingem que não
veem, disfarçam, olham para o lado e seguem em frente. Acontece que de boas intenções o inferno
está cheio. A consequência dessa renúncia à fiscalização é a seguinte: para não encontrar os bons
policiais no bico ilegal, o Estado acaba não fiscalizando o mau policial “na mineira”, isto é,
formando milícias. O que é informal se degrada no crime, perdemos o controle e as redes
clandestinas da segurança privada se conectam com as teias criminosas, gerando esse monstrengo
que tiraniza uma centena de comunidades, tanto na capital, sobretudo na zona oeste, quanto na
Baixada Fluminense. As milícias não impõem apenas o pagamento de taxas em troca do serviço de
segurança. Elas assumem plenos poderes, nas comunidades, estabelecendo códigos de conduta,
toque de recolher, definindo leis ao seu arbítrio, “julgando” casos de transgressão e aplicando
punições, cobrando taxas para que os mais diferentes tipos de serviço continuem a ser oferecidos e
para que se mantenha o acesso aos mais diversos produtos – da luz ao telefone, à TV a cabo, às
1
Luiz Eduardo é Antropólogo e Cientista Político, professor da UERJ e da UCAM; ex-secretário nacional de
segurança pública e ex-cordenador de segurança, cidadania e justiça do Rio de Janeiro. Coautor dos livros
"Cabeça de Porco", e "Elite da Tropa" pela Editora Objetiva e autor do Livro "Legalidade Libertária" pela
Lumen Júris. Atualmente ocupa o cargo de Secretário Municipal de Valorização da Vida e Prevenção da
Violência, de Nova Iguaçu.
Vans. Lotes irregulares são criados e apropriados, artificialmente, e vendidos a moradores de
outras áreas, o que induz migrações e provoca favelização descontrolada.
É preciso que o Estado retome as rédeas do processo e garanta a vigência do Estado
Democrático de Direito, afirmando sua soberania sobre os territórios subtraídos à sua autoridade.
Para fazê-lo, terá que cortar o cordão umbilical perverso que amarra as contas públicas ao bico
ilegal dos policiais. Mesmo que fosse pelo expediente de bolsas de estudo, o governado começaria
a provocar profundas mudanças se oferecesse substancial aumento aos policiais de mais baixa
patente. Nesse contexto de reformas que visariam restabelecer a ordem legal, o controle por parte
do Estado da segurança pública e as condições para uma gestão racional dos recursos humanos e
materiais, tornar-se-ia viável acabar com o regime de trabalho dos plantões e das escalas de 12 por
48 horas, e de 24 por 72 horas. Todo profissional da segurança poderia passar a ter seu horário
diário de trabalho, em seu turno específico, para que houvesse plena dedicação e continuidade nos
trabalhos iniciados. Hoje, isso não é possível, porque tornaria impraticável o bico e provocaria o
mesmo efeito já referido: o aquecimento de demandas salariais e o colapso do orçamento.
Em outras palavras, atualmente, a racionalização do trabalho policial é obstado pelo gatilho
do bico, cujo desdobramento mais sombrio e selvagem acaba sendo a formação de milícias – a
modalidade mais canhestra e perigosa da segurança informal, cujos tentáculos já alcançam o
legislativo, formando a rede clandestina que se denomina crime organizado.

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