Para quem aprecia o cinema soviético dos anos 20 e 30, o nome Anatoli Dmitrievich
Golovnya certamente encontrará algum eco na memória. Golovnya (1900-1982) foi o
diretor de fotografia de “A Mãe”, “Tempestade sobre a Ásia” e outros filmes consagrados
de V. I. Pudovkin.
A euforia que a revolução russa provocou nos meios artísticos e culturais da URSS
transformou-se - após a morte de Lênin e a ascensão de Stalin, em medo e pânico da
crescente onda de deportações, prisões e fuzilamentos desencadeada pelo “Guia Genial
dos Povos”, que se abateu indistintamente sobre todas as etnias e grupos sociais, aí
incluídos inúmeras personalidades do Partido Comunista e do Soviete Supremo.
Golovnya casou-se no final dos anos 20 com Liuba Ivanova, uma jovem atriz, famosa pela
beleza. Formavam um “casal vinte”, destacando-se na intelligentzia artística soviética.
Tiveram uma filha Oksana. Viviam sozinhos num apartamento em Moscou, o que na época
era um privilégio inimaginável. Tudo ia bem, até que Liuba se apaixonou por Boris
Babitsky, diretor dos estúdios Mezrabpomfilm, e abandonou Golovnya. Liuba teve um filho
com Boris (Alyosha), que por sua vez já tinha um filho, Volik, de um primeiro casamento.
Mudaram-se para uma confortável dacha nos arredores de Moscou. Tudo era perfeito, até
que no início de 1938 o longo braço da NKVD os alcançou.
Boris foi preso por “espionagem para potências estrangeiras” . Alegavam que era
responsável pelas canções do filme “Camaradas Felizes”, terem ido parar num disco nos
Estados Unidos. No ano seguinte foi fuzilado. Liuba foi presa e levada para o campo de
trabalho de Akmola no Casaquistão ( ALZhIR) , destinado exclusivamente às viúvas de
dissidentes políticos. Suas três crianças foram levadas para o monastério Danilov nas
cercanias de Moscou.
Golovnya gozava de muito prestigio junto ao partido (recebeu 5 vezes o prêmio Stalin). Ao
saber que a mulher e a filha Oksana estavam presas, se movimentou junto a burocracia
soviética para localizá-los e tentar libertá-los, numa atitude incomum na época, pois
qualquer ajuda oferecida a um “inimigo do povo” resultava em prisão.
Orlando Figes em sua obra monumental; “Sussuros – A vida privada na Rússia de Stalin”,
entrevistou Oksana e recolheu seu depoimento. A cena que transcrevo a seguir parece ter
saído de um filme, mas é a realidade daquela época de horrores. “ Oksana recorda-se do
momento em que viu o pai no pátio. Vestindo um casaco de couro, estava de costas para a
filha , que o reconheceu mesmo de longe, e começou a gritar o mais alto que podia da
janela da cela: “Papai, Papai!” Anatoli havia caminhado em direção aos portões. Estava
prestes a partir, tendo sido informado pelo diretor que Oksana não estava lá. Uma Maria
Negra – uma das famosas vans do NKVD utilizadas para pegar suspeitos em suas casas –
passou por Anatolie atravessou os portões , com o som do motor abafando os gritos da
filha. Oksana ficou desesperada , percebendo que era sua última chance , e gritou
novamente. Desta vez Anatoli deu meia volta. Ela voltou a gritar ee começou a abanar as
mãos através das barras de ferro. Anatoli levantou a cabeçae olhou para o prédio. Havia
tantas janelas e rostos olhando –ara fora que Golovnya teve dificuldade em encontrar o
rosto da filha. Finalmente, com os olhos de operador de câmera, viu Oksana . Voltou
apressadamente para o escritório do diretor para onde levaram Oksana, que disse ao pai
que o irmão Volik também tinha sido trazido para o monastério. Tirar a filha dali foi
relativamente simples. Ela ainda era filha de Anatoli . Mas resgatar Volik, que era
considerado adulto e, além do mais, nem era filho de Anatoli , exigiu contatos no NKVD.
Depois de horas de negociação e de vários telefonemas para o Lubianka (sede do NKVD
em Moscou), Volik foi libertado.”
http://www.imdb.com/name/nm0326670/
http://kazakhnomad.wordpress.com/2008/10/21/guilt-by-association-alzhir-camp-for-
wives-in-1937/
http://www.orlandofiges.com/