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Pornografia e cultura da convergência:

a popularização do pornô amador na internet

Guilherme Gatis1

RESUMO

O presente artigo pretende focar as dinâmicas do material pornográfico amador na


internet, em um contexto de convergência midiática. Por pornô amador entenda-se
fotos e vídeos produzidas por pessoas comuns, que exercitam suas sexualidades para
as lentes de câmeras digitais, webcams e telefones celulares. Impulsionado pelas
possibilidades de circulação da rede mundial de computadores, esses conteúdos se
popularizam e estabelecem novos padrões estéticos dentro do universo pornô,
reorganizando os jogos de produção, circulação e fruição de material pornográfico na
internet.

PALAVRAS CHAVE: pornografia; internet; convergência; amadorismo;


sexualidade

“Gostariamos de conhecer casais, homens e mulheres para momentos


maravilhosos de prazer, somos de São Paulo e adoramos comentários bem sacanas …
podem divulgar nosso e-mail. seuqsav@ig.com.br”2. O texto apresenta as fotos dois
parceiros sexuais que se identificam como “Casal Jolu”. As imagens foram enviadas,
de forma consentida, para o Dedada Digital3, um dos muitos endereços eletrônicos
que veiculam conteúdos de temática sexual produzidos por internautas. Tiradas em
primeira pessoa, a partir da perspectiva do homem, as treze imagens mostram a
mulher em poses sensuais e ambos em ação, sempre com o cuidado de manter intacta
a identidade dos participantes a partir de ângulos que não mostram os rostos dos dois.
Esse é apenas um exemplo de um conteúdo pornográfico facilmente
encontrado na internet. Impulsionado pelas ferramentas de publicação multimídia – a
propagada web 2.0, série de ferramentas virtuais que permite a qualquer pessoa
conectada à rede a livre distribuição de conteúdos nos formatos de áudio, vídeo, texto
e imagem – o usuário tem a possibilidade de não apenas fruir, mas também participar,
de produzir e fazer circular conteúdo amador, em um processo de convergência
midiática análogo às produções da indústria pornográfica. Com a assimilação de

1
Guilherme Gatis, aluno do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Pernambuco
2
Disponível em http://www.dedadadigital.ws/2010/08/09/amadoras-33
3
Disponível em http://www.dedadadigital.ws

1
tecnologias digitais na produção de imagens e vídeos em aparelhos eletrônicos, tais
como webcams, cameras fotográficas e telefones celulares, e o suporte virtual da
internet para a organização e armazenamento, cresce o número de conteúdos
amadores pornográficos publicados por pessoas comuns, que desejam exercitar sua
sexualidade em um jogo de exibição que possui dinâmicas próprias.
A proposta deste artigo é localizar a pornografia amadora como uma das
facetas da cultura da convergência, a partir do entendimento de como os modos de
produção, circulação e fruição deste material pornográfico adquirem dinâmicas
próprias, estabelecidas a partir das relações entre as possibilidades tecnológicas e suas
aplicações midáticas. Estas dinâmicas se realizam de forma independente da poderosa
indústria pornográfica (que já busca soluções estéticas e também mercadológicas para
antender às demandas deste nincho) e fazem parte de um processo continuo de
adaptação aos novos meios e ferramentas.

I. Trajetória da pornografia

Por Pornografia entende-se os textos e imagens que expressam ou sugerem


assuntos obscenos, capazes de motivar ou explorar o lado sexual do indivíduo.
(ABREU, 1996, p.15). O termo “pornografia” vem do grego, pornographos, e de
forma literal significa "escritos sobre prostitutas". Não à toa o pornográfico insinua a
idéia de comércio sexual, de produto relacionado ao sexo.
O material pornográfico já foi distribuído em livros de forma clandestina,
renegado a pequenas salas marginais de cinema, podado pela censura nas revistas,
reconhecido enquanto gênero cinematográfico para, logo em seguida, perder seu
status artístico em uma monótona repetição de clichês visuais nos homevídeos. Como
toda forma de entretenimento, o conteúdo pornô precisou se adaptar aos diferentes
formatos e suportes, com o agravante de sua própria natureza transgressora – ao
exercitar os limites do obsceno, a pornografia é assunto tabu até mesmo no período
atual de permissividade.
Ao abordar a evolução da prensa gráfica os teóricos Asa Briggs e Peter Burke
localiza a produção, distribuição e fruição de livros como Os Cento e Vinte Dias de
Sodoma, do Marquês de Sade, ou o anônimo Vênus no Claustro como sendo, ao
menos no início do período de produção editoral, uma comunicação clandestina. A
pornografia “(...) é usada para se referir a textos que têm por intenção não somente

2
despertar luxúria, mas vender, e por essa mesma razão; o termo foi aplicado a várias
das primeiras obras modernas” (BRIGGS; BURKE, 2004, p.60). Pra os autores, o
pornográfico se encontra no limiar entre a comunicação pública e a privada.
Mesmo antes da expansão do mercado editorial pode-se localizar a expressão
artística pornográfica. Seja em desenhos, esculturas e gravuras, em textos obscuros e
renegados da idade média, o impulso pornográfico da transgressão do obsceno, a
curiosidade misteriosa de revelar o não permitido se adapta à moral, aos costumes e
ao jogo do aceito-proibido de cada época. Literatura, escultura, desenhos e gravuras.
A pornografia, o exercício artístico da sexualidade se expressa em diversos formatos e
formas de circulação. No entanto, é na fotografia e no audiovisual, é na dinamização
possibilitada pela indústria cultural – o cinema, as revistas, o vídeo, os sites – que o
pornográfico se estabelece enquanto gênero: o pornô.
As experimentações visuais em torno da sexualidade são quase tão antigas
quanto o próprio cinema. Os primeiros registros de filmes de sexo explícito – os Stags
Films ou Dirty Movies foram realizados de forma primitiva (1896-1912) eram cenas
curtas, entre cinco e sete minutos, mudas e em preto e branco. Estes filmes eram
exibidos de forma ilegal em pequenas salas, para um público masculino.
Curiosamente os stags se assemelham esteticamente aos conteúdos amadores atuais.
Com duração média entre sete e quinze minutos, se ressalta o caráter experimental e
amadorístico destes filmes – é comum o uso da câmera em primeira pessoa e da
insinuação do voyeur que espia pelo buraco da fechadura. A atriz interagia com a
câmera-expectador de forma direta, mostrando partes do corpo de forma insinuante
ou, em alguns casos, se surpreendendo ao ser flagrada em uma situação íntima.
Estes experimentos fílmicos, no entanto, não contribuíram para a exposição do
sexo no cinema americano até o início dos anos 1970. Moralismo e censura se
tornaram empecilhos para a exploração da sexualidade no cinema. Nos anos 1930,
auge do Código Hays4, os Estados Unidos viveram sob forte censura. Na década de
1940 o cinema se aventurou pela visibilidade do sexo nos filmes exploitation,
produções cinematográficas mais baratas que apenas emulavam o cinema realizado na
época, com closes mais generosos mas ainda com nudez velada. Somente em 1959 a
produção The Immortal Mr. Teas, de Russ Meyer levou pela primeira vez o sexo – e o
nudismo – para o centro da narrativa cinematográfica. Mr. Teas tinha um poder

4
Código de regulamentação cinematográfica dos Estados Unidos que determinava o que podia ou não
ser exibido na tela

3
incomum, compartilhado pela platéia, de enxergar as mulheres nuas com uma visão
de raio-x adquirida acidentalmente.
Em paralelo aos avanços cinematográficos surge, em 1953, a revista Playboy,
do editor Hung Hefner, que se propõe a explorar o pornográfico em um contexto
essencialmente masculino – grandes reportagens e textos sobre a manutenção de um
estilo de vida boêmio são intercaladas com fotos de nus femininos. O conceito de Girl
Next Door introduzido por Hefner é o primeiro apontamento de uma permissividade
sexual – as coelhinhas da Playboy podem ser vizinhas, colegas de trabalho ou mesmo
a garçonete da lanchonete predileta dos leitores. A revista abriu as portas para um
mercado editorial rentável e com diversas possibilidades de exploração. Enquanto
Hefner seguiu uma linha mais leve (o chamado softporn), publicações como a
Hustler, de Larry Flint, e a Penthouse, de Bob Guccione, investiam em fotos mais
explícitas, abrindo o caminho para o chamado pornô Hardcore.
Apenas em 1972, com o lançamento de Garganta Profunda (Deep Throat, de
Gerard Damiano) é que o audiovisual encontrou uma formatação estética para o
pornô. A impactante performance de Linda Lovelace e a presença do elemento fálico,
os closes e a ejaculação para a câmera – o chamado Come Shot ou Money Shot –
foram pela primeira vez inseridos num filme pretensamente pornô. O enredo trata de
uma mulher sexualmente insatisfeita que descobre possuir o clitóris na traquéia.
Damiano continuou as experimentações estéticas que fundamentaram o
cinema pornô com O Diabo na Carne de Miss Jones (Devil in Miss Jones, 1972), que
narra à história de uma mulher madura que se suicida, ainda virgem, e é condenada a
passar um período de limbo na Terra, onde é iniciada em diversas formas sexuais
(ABREU, 1996, p.65). Um terceiro filme apontado como precursor do pornô é Atrás
da porta Verde, de Mitchell Bros (Behindthe Green Door, 1972), sobre uma mulher
pudica que é sequestrada e levada para um clube sexual secreto, onde passa por
experiências sexuais intensas, desprovida de qualquer sentimento de culpa. O ápice da
montagem é a cena em que a atriz Marilyn Chambers se entrega a cinco homens que
ejaculam simultaneamente sobre seu corpo.
Estes filmes abriram as portas para as salas de cinema especializadas em
produções pornográficas, que passaram a funcionar de forma aberta, legal. Os
enquadramentos e soluções narrativas destes exemplos se tornaram verdadeiros
clichês dentro do gênero pornográfico. Pioneiras, estas produções geraram um
fascínio no público em geral, que frequentou as salas “especiais” durante parte da

4
década de 1970 como uma forma de entretenimento como outra qualquer. Em meados
da década de 1980, no entanto, o interesse comum pelos filmes pornôs diminuiu e as
salas voltaram a ser freqüentadas apenas pelo público cativo dos filmes do gênero.
Dos stags e produções exibidas em salas clandestinas para os cinemas
especializados, o pornô entrou em outro regime de fruição ao adentrar a casa de seu
público consumidor. Com a chegada do videocassete e a possibilidade de fruição
particular possibilitada pelos pornovídeos, a forma de ver – e consequentemente a de
fazer – pornô foi modificada. O circuito de consumo do material hardcore deixou de
ser predominantemente coletivo, via tela de cinema, para se tornar cada vez mais
privado, televisivo. As videolocadoras passaram a disponibilizar cada vez mais títulos
e a demanda por títulos aumentou consideravelmente, assim como a variedade de
temas.
Neste contexto, a necessidade de narrativas presentes nas produções
cinematográficas foram substituídas pela performance sexual destituída de roteiro,
sem história. A troca da película para o vídeo modificou o fazer pornográfico. A
possibilidade de fazer mais e mais barato, para um público cada vez maior, moldou a
estética do gênero, que passou a se fundamentar, em grande parte, no registro direto
do ato sexual. Os atores e atrizes pornôs passam a ser exigidos mais pelo
desempenho/dote/porte físico, pela desenvoltura da performance, do que por suas
habilidades dramáticas.
“Ao trocar a perenidade do filme pela momentaneidade do vídeo, conferida tanto
pelo suporte de produção quanto pelo suporte de exibição, o produto audiovisual
hardcore tornou-se também momentâneo, agregando algo que é muito caro à
contemporaneidade: ficou descartável. Ou pelo menos explicitamente descartável”
(ABREU, 1996, p.152)

Na passagem do cinema para o pornovídeo, em se tratando, principalmente,


das produções do final dos anos 1980 e primeira metade da década de 1990, percebe-
se a destituição da narrativa em detrimento da performance. Não é raro, por exemplo,
que as mesmas cenas figurem, em momentos diferentes, em diversos títulos. A
insinuação artística do filme pornô cinematográfico é substituída pela velocidade da
produção, em uma verdadeira linha de montagem dos vídeos que permite inclusive
que títulos de sucesso tenham diversas continuações. A quantidade – e a varieade – de
vídeos cresceu exponencialmente. A ampliação do mercado possibilitou à indústria
crescer e atender a diferentes nichos, que se multiplicarão ainda mais ao serem

5
transportados das prateleiras das locadoras de vídeo para as estantes virtuais dos sites,
como veremos adiante.
“O erotismo hardcore parece ter encontrado no videocassete seu suporte mais
adequado. Como se tivessem sido feitos um par o outro, a produção desse gênero
rapidamente adaptou-se à nova tecnologia e ao novo mercado. Hoje, as 'fitas eróticas'
abundam nas locadoras ao alcance de qualquer mão (maior de idade), oferecendo-se
para exibir no aconchego dos lares (seu circuito legal de exibição) a representação de
qualquer combinação sexual imaginada pela mente humana” (ABREU. 1996, p.149)

A pornografia e formato vídeo se relacionam de tal forma que alguns teóricos


apontam a influência da indústria pornográfica na adoção do padrão de mídia
utilizada. No começo da era do vídeo havia dois padrões propostos pelo mercado – o
VHS e a Betamax. A indústria pornô adotou o VHS, mais barato, que venceu a
disputa tecnológica mesmo não sendo a opção de melhor qualidade5.
Nuno C. Abreu publicou “O Olhar Pornô – a Representação do Obsceno no
Cinema e no Vídeo” em 1996, momento em que a internet ainda engatinhava. Mas ao
vaticinar que “A pornografia possui a capacidade de vampirizar, de se insinuar, de se
adaptar para realizar seus propósitos em qualquer formato” (ABREU, 1996, p.147), o
teórico profetiza os rumos que o material pornográfico trilhará ao migrar do VHS para
o virtual.

II. Pornografia e internet

A pornografia constitui uma fatia considerável dos conteúdos disponíveis


online. De acordo com pesquisa do instituto TopTen6, realizada em 2006, há 4,2
milhões de páginas com temática pornográfica (o que corresponde a 12% do total de
websites). Diariamente, são realizadas 68 milhões de buscas sobre sexo (um quarto do
total de pesquisas realizadas em ferramentas como o Google) e distribuídos 2,5
bilhões de e-mails com conteúdo pornô, o que corresponde a cerca de 8% dos e-mails
enviados por dia.
Passados cerca de quatro anos deste levantamento, é possível supor que a
proporção dos conteúdos pornográficos na web seja ainda maior. A indústria do
pornô, que se fundamentou esteticamente a partir da década de 1970 e se tornou

5
O mesmo embate se instaurou recentemente para a escolha do padrão utilizado para os discos em alta
definição, a disputa entre o Blue-Ray e o HD-DVD – os produtores de pornografia escolheram o Blue-
Ray, opção também adotada pelas demais indústrias de entretenimento
6
Disponível em http://internet-filter-review.toptenreviews.com/internet-pornography-statistics.html

6
fenômeno mercadológico com a introdução do homevideo e dos canais pagos de
televisão nas décadas de 1980 e 1990, encontrou no anonimato da internet doméstica
um espaço rentável para a circulação de fotos e vídeos hardcore. Os ambientes
virtuais constituem um espaço ideal para uma indústria madura e profissionalizada.
Diversas são as formas de comercialização de pornografia na rede. A mais
comum delas consiste na disponibilização de conteúdo pago, mediante assinatura de
serviço. Via cartão de crédito os usuários se cadastram e passam a ter acesso livre
para fotos e vídeos de portais de entretenimento adulto. Para seduzir novos
consumidores, estes sites costumam apresentar uma pré-visualização de alguns de
seus conteúdos. Também são recorrentes serviços de webcam, em que homens e
mulheres, supostamente em tempo real, utilizam câmeras ligadas a um computador
para transmitirem suas imagens aos assinantes. As revistas pornográficas também
capitalizam em ambiente virtual, cobrando para exibir em seus sites material inédito
relacionado às edições que chegam as bancas, dentre outros serviços.
Estes são apenas alguns exemplos de usos das possibilidades da internet
incorporadas pela indústria pornô. Adaptando a frase de Nuno C. Abreu7, hoje os sites
pornográficos abundam na internet, ao alcance de qualquer mão (não necessariamente
maior de idade), oferecendo-se para exibir no aconchego dos lares a representação de
qualquer combinação sexual imaginada pela mente humana.
Para o teórico Chris Anderson, a internet possibilita o surgimento de um
“mundo de abundância”, em contraste como “mundo da escassez” dos varejos
tradicionais (ANDERSON, 2006, p.17). Ao eliminar os custos com armazenamento
as possibilidades de oferta se multiplicam. Enquanto uma locadora de vídeos eróticos
oferece uma quantidade limitada de títulos em suas prateleiras devido a uma limitação
de espaço físico, em ambientes virtuais o mercado da pornográfico pode expandir
ainda mais a produção de conteúdos voltados para os nichos, que “(...) chegam às
centenas, gêneros dentro de gêneros dentro de gêneros” (ANDERSON, 2006, p.21).
Anderson acredita que o comércio em rede, no processo de superar os limites
de armazenamento físico e expandir para escala global a oferta e a procura, estabelece
uma nova relação com o consumidor. Além dos produtos tradicionalmente mais
vendidos, as lojas virtuais passam a disponibilizar em seus catálogos um gigantesco
volume de opções que por limitações logísticas se situam fora do alcance de

7
Checar página 6

7
varejistas físicos e assim surgem novos mercados, que se “(...) revelaram muito
maiores do que seria de se esperar – e se tornam cada vez mais vastos”
(ANDERSON, 2006, p.22). Desta forma, segundo o teórico, o modelo de negócios
dos ambientes virtuais atendem a um fenômeno chamado Cauda Longa8.
“Quando se é capaz de reduzir drasticamente os custos de interligar a oferta e a
demanda, mudam-se não só os números, mas toda a natureza do mercado. E não se
trata apenas de mudança quantitativa, mas, sobretudo, de transformação qualitativa.
O novo acesso aos nichos revela demanda latente por conteúdo não comercial. Então,
à medida que a demanda se desloca para os nichos, a economia do fornecimento
melhora ainda mais, e assim por diante, criando um loop de feedback positivo, que
metamorfoseará setores inteiros – e a cultura – nas próximas décadas”.
(ANDERSON, 2006, p.24)

III. Pornografia amadora e convergência

Com a assimilação de tecnologias digitais na produção de imagens e vídeos


em aparelhos eletrônicos e o suporte virtual da internet para a organização e
armazenamento, é notável o crescimento de conteúdos pornográficos realizados por
pessoas comuns. Na reconfiguração de paradigmas da convergência midiática, os
ambientes virtuais também constituem um espaço ideal para uma a distribuição de
conteúdos amadores.
“A convergência não envolve apenas materiais e serviços produzidos
comercialmente, circulando por circuitos regulados e previsíveis. Não envolve
apenas as reuniões entre emprsas de telefonia celular e produtoras de cinema para
decidirem onde e quando vamos assistir à estreia de um filme. A convergência
também ocorre quando as pessoas assumem o controle das mídias. Entretenimento
não é a única coisa que flui entre múltiplos suportes midiáticos. Nossas vidas,
relacionamentos, memórias, fantasias e desejos também fluem pelos canais da mídia.
Ser amante, mãe ou professor ocorre em suportes múltiplos” (JENKINS, 2006, p.43)

A internet hospeda diversos casos de convergência midiática em que se unem


elementos como sexualidade, participação de usuários e uso de equipamentos
eletrônicos para produção de conteúdos. Um dos exemplos que Jenkis utliza na
introdução do livro Cultura da Convergência é uma situação hipotética em que jovens
de uma escola americana, embriagados, produzem fotos dos seios de líderes de
torcida. Estas imagens rapidamente se expalham via celular e e-mail entre os colegas
de classe e professores. A prática de distribuir conteúdos pornográficos produzidos
em cameras de telefones móveis tem até um neologismo em inglês – sexting – que se

8
O fenômeno da Cauda Longa faz referência ao gráfico da Curva de Pareto, lógica comercial em que
20% dos produtos comercializados correspondem a 80% da receita. Como os custos para internet são
muito baixos, Anderson defende que nos mercados digitais o resultado de um grande número de
conteúdos ofertados vezes uma baixa quantidade de vendas resulta, ainda em um grande numero.

8
refere ao envio de mensagens com fotos ou vídeos de temática sexual. São
incontáveis os casos em que essas imagens, que não necessariamente foram
produzidas para distribuição na internet, são publicados em sites ou distribuidos em
redes de e-mail, à despeito dos danos morais causados pelos participantes,
principalmente no caso das mulheres. Segundo Jenkins, ''Quando as pessoas assumem
o controle das mídias, os resultados podem ser maravilhosamente criativos; podem
também ser uma má notícia para todos os envolvidos'' (JENKINS, 2006, p. 43).
No Brasil um dos episódios de maior repercussão negativa é o da jovem
Francine Favoretto de Resende9. Moradora do município de Pompéia, no interior
paulista, a estudante de direito foi supostamente fotografada em cenas sexuais com
dois homens, Fábio Avelar e Lincon Ferreira. As imagens circularam entre os
moradores com o título ''Uma bomba aki''. Em questão de horas as imagens foram
publicadas na rede social Orkut e chegaram também aos sites de conteúdo amador.
Hostilizada por cerca de trezentos alunos da faculdade em que estudava,
Francine precisou ser escoltada pela polícia para sair do local. O perfil de Francine no
Orkut recebeu, do dia pra noite, mais de dez mil recados. Xingamentos e
humilhações, em sua maioria. O caso ganhou destaque na mídia nacional com
reportagens para a televisão e uma extensa matéria da Revista Época cujo título foi o
mesmo do assunto do e-mail que distribuiu as imagens. A jovem alega que as imagens
são na realidade montagens com o intuito difamatório. A prática de se publicar
registros de intimidade de forma não consentida pelos participantes é conhecida como
Revenge Porn (algo como ''pornô vingativo'' em português).
Outro categoria de pornô amador que ganhou definição própria, também
oriunda do inglês, são as Sextapes (em tradução direta, fitas de sexo). Análogo ao
sexting, as sextapes são registros em vídeo de relações sexuais filmadas pelos próprios
autores. Os vídeos mais populares envolvem celebridades, cujo valor simbólico
imprime maior procura pela exposição da intimidade. O primeiro exemplo deste
subgênero do amador remonta, inclusive, ao período anterior à consolidação da
internet – trata-se do vídeo, originalmente gravado em VHS, em que a Pamela
Anderson e seu então marido, o músico Tomy Lee, registram uma série de
brincadeiras sexuais. A modelo, socialite e atriz Paris Hilton se tornou um fenômeno
mdiático depois da publicação, supostamente não consentida, de uma sextape. Para
9
Para mais informações sobre o caso Francine consultar a reportagem Uma Bomba Aki, publicada na
revista Época de número 417, de 15/05/2006.

9
bem ou para mal, Hilton utilizou a repercussão de seu vídeo como forma de promoção
pessoal. No vácuo criado por ela surgiram diversos outras sextapes de pessoas
famosas ou de aspirantes à fama: fragmentos da intimidade de músicos, estrelas do
cinema e ex-participantes de Reality Shows podem ser vistas a um clique de mouse. A
Vivid, uma das maiores produtoras de conteúdo pornográfico dos Estados Unidos, já
enxerga o fetiche pela intimidade dos famosos como um filão mercadológico e
oferece em seu portal10 vídeos de celebridades e também paródias pornográficas de
sextapes – produções com a participação de atores pornôs que simulam as dinâmicas
imagéticas dos vídeos amadores originais, uma apropriação estética e mercadológica
do pornô amador.
Um exemplo prático de como as propriedades de convergência podem ser
aplicados à pornografia amadora é o I Shot Myself11. O site se descreve como um
projeto em que ''mulheres de todo o mundo podem enviar fotos digitais de nus que
elas tiraram delas mesmas''. Para o IMS, o resultado é uma ''coleção de imagens que
celebra a diversidade feminina – física, artistica e psicologicamente''. As regras do site
são claras: só são veiculadas fotos que as próprias mulheres tiraram delas mesmas. A
nudez é obrigatória, assim como uma série de requisitos técnicos – tamanho e
qualidade da imagem mínimos são exigidos. O ISM aceita contribuições de mulheres
de todas as idades (desde que acima dos 18 anos), países, formas e tamanhos. O site já
tem cerca de trezentas mil fotos de quase quatro mil colaboradoras.
Cada álbum publicado no site gera um crédito de US$ 200 para as artistas
(como o site se refere às mulheres que contribuem para o projeto) e se a imagem for
escolhida como a contribuição do mês é dado um bônus de 500 dólares para a
fotógrafa. As participantes aceitas pela triagem do ISM possuem página própria e um
portifólio com suas imagens, vídeos e descrição. O site está em constante atualização,
com ao menos onze novos conteúdos por semana. E apesar de seu conteúdo ser
totalmente colaborativo, para conferir as imagens é necessário fazer uma assinatura
com preços que variam entre US$ 24 (assinatura de um mês) e US$ 99 (assinatura
semestral). O IMS é um exemplo do mercado de nichos da cauda longa (fotografias
que seguem o padrão estético do sexting com pretensões minimamente artísticas) que
capitaliza a partir de condições proporcionadas pela convergência, alinhando
conceitos como contribuição colaborativa e redes sociais.
10
http://www.vivid.com
11
http://www.ishotmyself.com

10
Sexting, revenge porn, sextapes. Estes são demonstrativos de como a
pornografia amadora se propaga, mas há diversos casos com características
semelhantes, que atendem a uma variedade de públicos. Os exemplos apresentados
neste artigo se propõem a capturar apenas o espectro de como estes conteúdos se
localizam nos ambientes virtuais. A produção e circulação de pornografia amadora
são frutos de um cenário de convergência, que atende a uma demanda surgida a partir
das possibilidades criativas das ferramentas digitais. Neste sentido, é importante
entender quais os dispositivos acionados no processo de fruição do pornô realizado
em paralelo aos conteúdos da indústria pornográfica.

IV. Culto do Amador

“O sentido tradicional da palavra ‘amador’ é muito claro. Um amador é quem


cultiva um hobby, podendo ser culto ou não, alguém que não ganha a vida com seu
campo de interesse, um leigo a quem faltam credenciais, um diletante.” (KEEN, 2009,
p.38). Autor do livro O Culto do Amador, Andrew Keen é uma voz que destoante no
tocante ao cenário de convergência e suas complicações comerciais. Em sua obra,
critica a participação coletiva na produção de conteúdos da web 2.0. Para o autor, a
participação de amadores na produção e circulação de conteúdos é prejudica
diretamente a qualidade dos mesmos. “O que a web 2.0 nos dá é uma cultura
infinitamente fragmentada em que ficamos irremediavelmente desorientados, sem
saber como concentrar nossa atenção e despender o nosso tempo limitado”. (KEEN,
2009, p.21)
Boa parte de suas criticas se concentra na produção de informação e
conhecimento. Um dos grandes alvos de suas criticas é a enciclopédia colaborativa
Wikipedia12, em que qualquer pessoa pode contribuir, incluindo verbetes sobre os
mais variados assuntos. Os blogs jornalísticos também são alvo das criticas de Keen,
que questiona a confiabilidade de informações publicadas por pessoas sem a formação
adequada. Em linhas gerais, o autor defende que a atuação dos “diletantes” inunda a
rede de informações imprecisas e contraditórias. Keen alerta, em tom apocalíptico,
para os riscos deste processo”.

12
http://www.wikipedia.org

11
Mas e no tocante à pornografia? A fruição de conteúdo amador consiste em
ameaça para a indústria? Quais as implicações, para a indústria pornô, da presença
cada vez maior de conteúdos publicados na internet por pessoas que não mais se
contentam baixar vídeos e fotos mas querem participar, figurar, verem a si mesmos
ou aos próximos cometendo obscenidades? Em termos mais práticos, a produção e
circulação de conteúdos amadores interage de que forma com a indústria de
entretenimento adulto?
O primeiro passo para tentar entender este questionamento é observar de que
forma se estabelece a fruição do conteúdo pornográfico. Para Nuno C. Abreu o pornô,
seja ele oriundo de uma cadeia produtiva ou produzido de forma amadora, é
fundamentado a partir de um jogo de transgressão com o obsceno.
“Cometer uma obscenidade é colocar em cena algo que devia estar fora dela. É
transgredir. Nesse ambigüidade (ambivalência?) – fora de cena/dentro de cena – se
funda o conceito de obsceno (...). Operando na ambigüidade fora de cena/dentro de
cena, a pornografia talvez possa ser entendida como um discurso veiculador do
obsceno: exibe o que deveria estar oculto. Espado do proibido, do interdito, daquilo
que não deveria ser exposto. A sexualidade fora de lugar.” (ABREU, 1996: 16)

Nos vídeos e filmes pornôs, segundo o autor, um elemento fundamental nas


narrativas são as performances – “sequências rituais em que os corpos são solicitados
a se exibir fisicamente através de movimento rítmicos que seguem uma lógica de
desenvolvimento autônoma” (ABREU, 1996: 107). Nuno compara as performances
dos filmes pornográficos a gêneros do cinema como o musical e os filmes de kung-fu,
em que o desempenho físico dos participantes constitui elementos fundamentais da
narrativa e é acionado como catalisador dos conflitos, o elemento de quebra da tensão.
Mas a narrativa do pornô pode, inclusive, nem existir, como visto no caso das
produções pornográficas de vídeo. No pornô, mais do que atores, há performancers.
Mais do que uma ficção narrativa, o filme pornô é uma performance do obsceno.
O conteúdo pornô amador é, por conceituação, um registro filmográfico ou
fotográfico produzido de forma direta, em que saem de cena os atores e a edição de
imagens e som; os vídeos amadores em muitos casos não passam de uma câmera
ligada em um ângulo escolhido para captar a ação sexual, e as fotos são, em sua
maioria, capturadas por um dos participantes. Se no pornô hardcore as câmeras
realizam um jogo de foco e zoom nas genitálias e expressões dos atores, no amador o
foco está nos parceiros sexuais que podem, inclusive, possuir conotação de amantes.

12
Ao ato performático, se insinua a manifestação de um prazer real, não
encenado, ou, ao menos, não pensado a partir de uma cadeia de produção que envolve
várias outras pessoas – profissionais diretor, câmeras e assistentes. É a partir desta
exposição de uma intimidade, em contraponto às performances do pornô hardcore,
que o pornô amador constitui novas relações com o obsceno. A noção de real das
fotos e vídeos amadores está presente inclusive na representação do corpo. No
amador, os parceiros não possuem as curvas e os dotes físicos típicos do pornô de
indústria. Há um choque entre o “corpo real” e uma fisiologia exagerada da
sexualidade. Se o pornô hardcore é a hipérbole do obsceno, sugerido pela
desenvoltura dos atores/performancers, que desafiam limites fisiológicos, o amador é
o que mais se aproxima da noção da exposição da sexualidade, de trazer à tona, nas
palavras de Nuno C. Abreu, tudo “aquilo que não deveria ser exposto”.
O pornô amador lida com uma noção de prazer real que não está presente nas
produções da indústria pornográfica. A indústria pornográfica replica um formato
baseado em uma representação hiperbólica do ato sexual. Segundo Sarracino e Scott,
o amador é atrativo por insinuar novas sensações que o pornô produzido pela indústria
não consegue alcançar.
“O prazer genuíno é fortemente atrativo e pode exceder o apelo da anatomia perfeita
do pornô altamente sexualizado. O que mais se não a atração pela manifestação de
um prazer real pode justificar o crescimento de sites de conteúdos verdadeiramente
amadores na internet?” (SARRACINO; SCOTT, 2008: ). (T.A)

Nos vídeos e fotos amadoras a fruição é resolvida a partir de um jogo de


espelhos, em que a proximidade das imagens com as experiências pessoais vividas ou,
ao menos, almejadas, constituem uma cumplicidade, uma parceria estabelecida entre
os praticantes e os consumidores destes conteúdos. Há uma relação de familiaridade e
reconhecimento que passa ao largo do alegórico hardcore.
“Os vídeos amadores se assemelham, em vários aspectos, aos vídeos caseiros que
conhecemos. Neles a imagem pode estar fora de foco, a câmera tremer ou a ação ser
interrompida para que a câmera seja reposicionada. Quase esperamos que os
parceiros olhem para as lentes a acenem. Assim como conhecemos as pessoas de
nossos vídeos caseiros, nós também conhecemos as pessoas do pornô amador. Eles
são nossas mães e pais, primos, netas e netos. Eles são nós”. (SARRACINO;
SCOTT, 2008: 136) (T.A)

Esta exposição da intimidade resguardada, seja proposto pelos próprios


praticantes em jogos de exibição, seja pela transgressão dos revenge porns, encontra
nos ambientes virtuais a forma mais apropriada de circulação. Espontâneo, voluntário,
real. Ao escancarar a performance sexual e apresentá-la com uma naturalidade

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sugerida pela idéia do real, o pornô amador constitui uma resignificação do jogo
pornográfico da transgressão.
É importante ressaltar que a distinção entre a fruição de um conteúdo que
transgride as barreiras do obsceno a partir de um registro que busca a identificação
com o real, em contraponto à estetização da atividade sexual presente nas obras
produzidas pela indústria pornográfica não traz, em si, qualquer juizo de valoração.
Como já vimos, a pornografia, amadora ou não, se encontra imersa em um ambiente
virtual que possibilita a oferta irrestrita de conteúdos sobre “qualquer combinação
sexual imaginada pela mente humana”. Não há, pelo menos até o momento, relações
de choque entre a indústria pornográfica e o exercício da sexualidade “diletante”.
O amador não representa riscos para a indústria pornográfica assim como os
amantes de filmes de suspense não ameaçam o mercado dos filmes de comédia. Ainda
que o ''culto do amador'' se configure como uma tendência entre os que consumem
material pornográfico, os conteúdos da indústria continuarão a atender um público
que opta pela fruição de um material realizado de forma profissional, demarcado pelo
desenvolvimento estético ao longo de décadas.

REFERÊNCIAS:

ABREU, Nuno César. O Olhar Pornô: a Representação do Obsceno no Cinema e no


Vídeo. Campinas, Mercado das Letras, 1996.

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do Mercado de Massas para o Mercado de


Nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História Social da Mídia: de Gutemberg à


Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

KEEN, Andrew. O culto do amador: Como Blogs, MySpace, YouTube e a Pirataria


Digital Estão Destruindo Nossa Economia, Cultura e Valores. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2009.

SARRACINO, Carmine; SCOTT, Kevin M. The Porning of America: Rise of Porn


Culture, What it Means, and Where We Go From Here. Boston: BreaconPress, 2006.

Periódicos:

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BRUM, Eliane. Uma Bomba Aki. Revista Época, São Paulo, 15 de mai. de 2006.
Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1195267-1664-
2,00.html> Acesso em: 27 jul. 2010

Endereços eletrônicos citados:

http://www.dedadadigital.ws

http://www.wikipedia.org

http://www.vivid.com

http://www.ishotmyself.com

SOBRE O AUTOR
Guilherme Henrique Vieira Gatis é aluno bolsista do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE). Sua
pesquisa “Pornô Amador: A Estética do Prazer Real na Internet” é financiada pelo
Fundo de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco.

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