Técnicas para o Estudo
do Sistema Nervoso
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Organizador:
Gilberto F. Xavier
Apoio:
=
Editora Pléiade
SBNeCFicha de Catalogagao
T2553. Técnicas para o estudo do sistema nervoso / organizador:
Gilberto F. Xavier, - Sao Paulo : Pigiade, 1999.
238 p.
1, Sistema nervoso 2. Neurofisiologia I. Xavier, Gilberto
Fernando
CDU 611.8
(Bibliotecaria Responsdvel: Elenice Yamaguishi Madeira - CRB 8/5033)APRESENTAGAO
O presente trabalho tem por objetivo oferecer @
comunidade cientifica brasileira da area de Neurociéncias
e Comportamento uma breve descrigéo dos aspectos
tedricos e praticos de algumas técnicas basicas, cujo uso
na investigagao do sistema nervoso vem se tornando
cada vez mais frequente.
A preocupagéo maior do trabalho nao foi revisar
extensamente a matéria. Pesquisadores que atuam na
area de Neurociéncias e Comportamento foram
convidados para escrever sobre técnicas de uso corrente
em suas pesquisas, com énfase na descrigéo dos
“segredos que fazem a diferenca”, i.e., dos detalhes nos
procedimentos e manipulagées, identificados através do
uso frequente da técnica, e que nem sempre sao
descritos nos manuais técnicos. Caso esta experiéncia
seja bem sucedida, este livro podera ser o primeiro de
uma série. A idéia é que diversos pesquisadores de
diferentes regides do pais partilhem sua experiéncia
acumulada com o restante da comunidade cientifica.
Comentarios e sugestées seréo muito benvindos.
O intuito dessa empreitada nao poderia ser outro
que o de incentivar a investigagao e o ensino em areas
que tenham como denominador comum o estudo do
sistema nervoso e do comportamento.
Setembro de 1999
Gilberto F. XavierProdugao de Lesées Seletivas pela
Aplicagao Multipla e Topica de
Neurotoxinas
Alexandre de Campos e Lotte Marianne Pires Renault
Departamento de Fisiologia, Instituto de Biociéncias,
Universidade de S&o Paulo
Rua do Matao, trav.14, 321, 05508-900, Sao Paulo, SP
E-Mail: alexcamp@usp.br ou lolren@yahoo.com
Uma das abordagens mais utilizadas na
neurociéncia, sem divida, é 0 método da ablacao, isto 6,
a remocao (lesao, aspiragdo etc.) de diferentes regiées
do sistema nervoso. Embora se deva ter extrema cauiela
com inferéncias baseadas nas relagdes observadas entre
manipulagdes experimeniais no sistema nervoso e
alteragdes comportamentos subsequentes (ver por
exemplo Webster, 1973), os dacdos obtidos através do
método de les&o podem, em conjunio com outros
resultados, ser de grande valia no processo de avaliagéo
de correlatos andtomo-funcionais, pois permitem
distinguir as fungdes que podem daquelas que nao
podem ser desempenhadas na auséncia de determinada
estrutura.
Admite-se que o sistema nervoso seja estruturado
de maneira modular. O conceito de mod dade foi
inalmente proposio por Fodor (1983) e, em linhas
erais, afirma que o sistema nervoso é composio por
uma série de processadores de __ informacao,
denominados médulos, que funcionam de maneira
independente uns dos outros; porém, embora tais
nédulos funcionem independeniements, ha integragao
da atividade dos diversos modulos. Aléri de mais, esses
s apreseniam especificidade de dominio, ou seja,
105médulos especificos processam informagdes de
categorias especificas. Baseado nessas concepgdes
estruturais, torna-se claro como o estudo dos prejuizos
decorrentes de lesées em regides restritas do sistema
nervoso pode contribuir para a compreensao de seus
aspectos funcionais. Estando uma dada estrutura
relacionada com o desempenho de um processamento
de carater especifico (algoritmo), entéo a leséo dessa
estrutura deve levar a um prejuizo comportamental em
tarefas que requerem tal processamento.
TECNICAS CONVENCIONAIS DE LESAO
A precisao das intervengées nas estruturas do
sistema nervoso varia em fungaéo de uma série de
aspectos que caracterizam as técnicas empregadas.
Assim, por exemplo, técnicas baseadas em eletrdlise,
aspirac&o ou termocoagulagéo, além de se mostrarem
imprecisas quanto a capacidade de circunscrigao da area
alvo, produzem invariavelmente danos em fibras de
passagem. Em conjunto, tais aspectos comprometem
substancialmente a interpretagao dos dados
experimentais provenientes da aplicagao dessas
técnicas, pois, nesses casos, 0 prejuizo comportamental
observado pode ser devido a les6es outras que nao a da
area alvo (Jarrard, 1983).
A técnica neurociruirgica descrita neste capitulo
supera grande parte das limitagdes apresentadas por
essas técnicas convencionais pois baseia-se na
utilizagao de procedimentos estereotaxicos em conjunto
com a aplicacéo multipla e tépica de neurotoxinas. O
resultado 6 a possibilidade de se produzir lesdes restritas
adeterminados tipos de células.
106ATLAS ESTEREOTAXICO
No rato, os pontos de referéncia externos usados
para se definir a localizagéo de nucleos e regides
cerebrais tomam por base certas caracteristicas
cranianas dos animais, como por exemplo os pontos de
intersecgao entre os ossos. Trés sao os pontos de
referéncia usados: bregma, lambda e linha interaural.
Porém, sero descritos apenas os dois primeiros, pois
estes representam mais de 80% dos pontos de
referéncia usados (Paxinos e Watson, 1986). O bregma &
definido como o ponto de intersecgéo entre as suturas
coronal e sagital (Figura 1). Eventualmente as suturas
nao se apresentam perfeitamente simétricas e o bregma
fica deslocado; nestes casos 6 recomendado que se
corrija a localizagao do bregma colocando-o no ponto de
intersecgdo entre o prolongamento da sutura sagital e a
linha ajustada da sutura coronal. O outro ponto de
referéncia, o lambda, localiza-se no ponto de intersecéo
entre as suturas sagital e lambddica (Figura 1); todavia,
em vista da grande variagaéo observada na posic¢do dessa
intersegéo, alguns autores (e.g., Paxinos e Watson,
1986) sugerem que se defina a posigdo do lambda como
0 ponto de intersegao entre os prolongamentos da sutura
sagital e da sutura lambdoica (Figura 1).
107Figura 1 - Desenho esquematico de um cranio de rato,
mostrando as suturas e os pontos de referéncia mais
usados para a realizagao de cirurgias estereotaxicas.
Para a realizacao de lesdes por aplicagdo topica de
neurotoxinas (técnica que sera tratada em detalhes
posteriormente), deve-se inicialmente, com o auxilio de um
atlas estereotaxico, determinar os niveis encefalicos nos quais
essa esirutura aparece representada e em seguida definir um
conjunto de coordenadas (antero-posterior, meso-lateral e
dorso-ventral’) a ser usado para a realizaco da lesdo. Para a
escolha desse conjunto de coordenadas (localizagaéo e
quantidade dos pontos de injecao) trés fatores principais devem
ser considerados: (1) 0 tamanho e forma da regiao a ser
lesada, (2) a quantidade de toxina liberada em cada ponto e (3)
o volume de dispersao da droga (que varia proporcionalmente
a quantidade injetada). E sempre recomendavel a realizagao
de alguns testes prévios (estudos piloto) para a definigao final
do numero de pontos de injegéo, coordenadas e quantidade de
droga injetada por ponto. E importante mencionar que 0 uso do
atlas estereotaxico € recomendado para animais com peso
variando entre 250 e 350 gramas. Fora destes limites, as
coordenadas obtidas perdem sua precisao.
2 O marco zero para todas as coordenadas dorso-ventrais é
sempre a superficie da dura-mater, pois assim evita-se a
incorporagao de um componente que introduz grande
108Para facilitar a delimitagao da abertura craniana
necessaria para abranger todos os pontos de injecao,
pode-se confeccionar uma “mascara” que sera colocada
sobre o cranio no momento da perfuragao. Tal mascara é
Util na medida em que contribui para a redugao das
correg6es, durante a intervengdo cirlirgica, no tamanho
da perfuragao craniana necessaria a realizacao de todas
as injegdes. Colocando-se um pedaco de acetato sobre
papel milimetrado, marca-se uma posigao arbitraria como
sendo o bregma e, a partir deste, ¢ utilizando o papel
imilimetrado, demarca-se os pontos onde incidem as
coordenadas de injegdo (Antero-posteriores, cruzadas
com as meso-laterais); a menor area que inclui todos os
pontos € corlada; essa area, em relagdo ao bregma,
deve ser perfurada na caixa craniana.
APARELHO ESTEREOTAXICO
O aparelho estereotaxico (Figura 2) @ uma
estrutura metalica composta, basicamente, por (1) fixador
de cabega - conjunto formado por duas barras intra-
auriculares e uma barra dos incisivos, cuja fungdo é
imobilizar a cabega do animal, (2) torre estereotaxica -
mecanismo cuja fungao € possibilitar 0 deslocamento
preciso de artefatos (micropipetas, cAnulas, eletrodos
etc) nos trés eixos ortogonais do espaco, posicionando-
os nas coordenadas desejadas (a precisaéo desse
mecanismo é da ordem de décimos de milimetro), e (3)
suporte para microseringas - mecanismo que permite
acoplar e operar microseringas de modo a produzir
injegées lentas e precisas.
A fixagao do animal no aparelho estereotaxico se
inicia com o posicionamento das barras de orelha. Esta
siapa é bastante delicada, pois o ponto correto de
variabilidade na precisao das intervengées estereotaxicas que 6
@ espessura dos ossos que formam o cranio dos animais.
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