Acabe (873-853 a.C), o filho de Onri, sucedeu seu pai, e “fez muito mais para
irritar ao Senhor Deus de Israel, de todos os reis de Israel que foram antes dele” (16.33).
A começar por seu casamento, contraiu núpcias com uma mulher estrangeira e idólatra,
a famigerada Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios, com vistas a estreitar os laços
com os fenícios. Por conseguinte, Acabe tornou-se adorador devoto de Baal, o deus
cananita.
Há uma imagem que retrata Baal com um machado e um raio na mão. Outra
escultura mostra-o com uma espada e escudo. As imagens de Baal mostram-no como
um homem guerreiro, controlador do tempo, contudo, tem uma feição medonha,
asquerosa e macabra.
Baal, cujo significado é senhor, possuidor ou marido, é o grande deus dos
cananeus relacionado à fertilidade e à chuva. Sua esposa era Astarote. Aserá era
consorte de El, o deus-mor do panteão cananeu, sendo intitulada “a senhora que anda
sobre o mar”1 e “usufrui o título de qaniyatu elima “progenitora (ou criadora) dos
deuses. O seu filho mais famoso era Baal”2.
Os cultos cananeus eram caracterizados pela ubiqüidade dos altos e
promiscuidade. Os outeiros eram os locais apropriados para a adoração. Cada outeiro
poderia se tornar num local de adoração a Baal. Nos cultos havia muita orgia. Era uma
forma de representar o relacionamento sexual dos deuses, com o objetivo de alcançar a
fertilidade da terra e das criações.
Nesse contexto tenebroso, miserável e abominável aos olhos do nosso Senhor,
surge o profeta Elias, cuja primeira atividade profética consistira em predizer uma forte
seca. Essa profecia já denotava que seu ministério consistiria em se opor à idolatria e
ao baalismo, que era a religião oficial de Israel, e, como o próprio nome diz, cujo
principal ídolo era Baal, tendo como devotos o rei Acabe e sua esposa Jezabel.
Porquanto, a seca além de castigar o povo de Israel em conformidade com as maldições
elencadas em Dt 28.23,24, visava atacar o próprio Baal, que era reputado como
controlador do tempo e deus da fertilidade.
Assim sendo, o início do ministério de Elias revela seu precípuo mister
consistente em desafiar e derrotar Baal e seus adoradores. Não era uma tarefa fácil, pelo
contrário, sua vida corria perigo, seu cargo estava em extinção, pelo que Jezabel havia
1
DITAT, p. 136 e 137
2
idem
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3
Tanto em 17.4 como em 17.9, a expressão “para te sustentar” é a tradução de ְָך
ֶּל
ְכַל
ְכל
(infinitivo pilpel de ) כול
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Sarepta era uma cidade fenícia, que pertencia a Sidom, distando cerca de 13
km dessa famosa cidade, ficava numa região que era considerada localidade de Baal. A
propósito, Jezabel era de Sidom.
A ida a Sarepta era uma prova de fé. Elias teria de caminhar cerca de 160
km. Outrossim, a fome assolava aquela região. A propósito, Flávio Josefo cita que a
fome levou o rei de Tiro a estabelecer que se fizesse orações 4. Viúvas geralmente
precisavam ser sustentadas (Dt 14.28,29; 24.19-22), de forma que dificilmente teriam
condições de sustentar a si e seus órfãos, muito menos conseguiriam sustentar outros.
Mas Elias não hesitou. Confiou no Senhor. E Deus o sustentou
miraculosamente naquele lugar. Em Israel, Jezabel sustentava seus profetas. Mas,
próximo à cidade natal dela, o Rei de Israel, YHWH, sustentava seu profeta por meio de
uma mulher, viúva, pobre, mas rica em fé.
Champlim assevera que “através da maneira incomum de nutrir fisicamente o
profeta, Deus também estava nutrindo a fé de Elias, para feitos posteriores de força
espiritual.”5
A ida a Sarepta tinha propósitos específicos. Naquela época estava impregnada
na mente do povo a crença de que a influência dos deuses limitava-se a circunscrições
territoriais. Em virtude dessa heresia, Deus tencionou demonstrar que seu poder e
soberania não estão adstritos exclusivamente a um determinado território. Pelo
contrário, até em território “alheio pertencente a outro deus” ele tem poder e autoridade.
Ah, se a nação de Israel reconhecesse isso! (Sl 81.13-16; Is 48.18-19). Em Sarepta, o
Senhor preservou Elias dos riscos de perseguição e atentado perpetrados por Jezabel.
Além dessa edificante experiência, o Senhor ainda reservava para Elias mais
uma singular e rara experiência, a saber, a de ressuscitar o filho daquela viúva. Até
aquele dia não havia nenhum relato bíblico de que um morto tinha ressuscitado. A
oração de Elias para que o filho da viúva ressuscitasse revelava que ele estava absorto
pela fé em Deus; com efeito, estava na trilha de seu pai Abraão, o qual creu que Deus
poderia ressuscitar seu filho Isaque.
Por conseguinte, em Sarepta, Elias teve mais duas experiências sobrenaturais
que caracterizavam o cuidado do Senhor por Elias e o poder e a soberania de Deus.
Elias orou pela ressurreição do menino, e Deus atendeu. Em Sarepta a fé de Elias foi
4
Josefo, v. 3, 97
5
Champlim, p. 1434
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Então, Eliseu seguiu Elias, passando por Gilgal, Betel e Jericó. À guisa de um
teste ou de um pedido sincero, Elias disse para Eliseu deixá-lo. Mas o servo fiel quis
acompanhar seu senhor, de forma que não agiu como Ofra, mas sim como Rute que não
deixou sua sogra Noemi.
A notícia do arrebatamento de Elias já era conhecida e comentada entre os
profetas de Betel e Jericó. A seu turno, Eliseu não tinha interesse nessa conversa, queria
sim acompanhar seu senhor.
Enfim, chega o grande dia. Os dois estão sós; eventos miraculosos acontecem.
Eliseu pede “porção dobrada do espírito de Elias sobre ele”. A expressão “porção
dobrada” é citada em Dt 21.17, que versa sobre o direito em dobro do primogênito.
Destarte, a expressão pode ser traduzida assim: “Faze de mim o principal herdeiro,
dando-me o direito de primogenitura”. Diferentemente de Esaú, Eliseu não despreza seu
direito de primogenitura.
Inicialmente, Elias reconhece a dificuldade do pedido. Talvez porque Elias
reconhecesse que competia a Deus e não a ele conceder tal direito. Seja o que for, Eliseu
recebe o direito de primogenitura de seu senhor, tendo tão-somente de ver seu senhor
ser arrebatado e separado dele. Enfim, Eliseu torna-se o principal herdeiro de Elias.
Após alguns milagres, Eliseu deixa Jericó e retorna a Betel, onde havia profetas
do Senhor.
Naquela cidade, uns rapazinhos zombavam de Eliseu e diziam: “sobe calvo;
sobe calvo”.
Betel significa casa de Deus. Essa cidade chamava-se Luz. Jacó chamou essa
cidade de Betel porquanto naquele lugar teve uma experiência marcante com a presença
do Senhor, que manifestou-lho por intermédio de sonhos. Mais tarde, o rei idólatra
Jeroboão colocou nessa cidade histórica um bezerro de ouro e constituiu sacerdotes para
o culto idólatra, tornando-se num centro abominável de idolatria.
Os rapazinhos (ARA e BJ), meninos (ACF e NVI), rapazes pequenos (ARC)
são traduções do hebraico: נְע ִָּרים ְק ַּטנִים. A palavra hebraica נְע ִָּריםpode significar desde
um infante até um jovem adulto guerreiro. A outra palavra pode significar ְק ַּטנִים
pequeno ou sem importância.
Esses meninos são identificados como falsos profetas, filhos rebeldes que
deveriam ter sido mortos pelos pais (Dt 21.18). O texto, entretanto, não fornece bases
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para tais inferências6. Há quem prefira traduzir por homens jovens, não crianças
irresponsáveis, e tais rapazes queriam se ver livres do profeta e sua mensagem de
arrependimento e julgamento7
Contudo, a melhor tradução seria meninos, haja vista o adjetivo “pequeno “
que modifica o substantivo jovens.
Esses meninos, com seus dez a catorze anos provavelmente, não fizeram uma
mera provocação jocosa e circunstancial com a calvície do profeta. Também não
cometeram um ato infracional de menor potencial ofensivo, suscetível apenas de uma
singela repreensão. Pelo contrário, atentando para o texto, observa-se que os meninos
foram até o profeta para deliberadamente zombar dele ou desprezá-lo. De sorte que, não
foi um encontro casual, tudo fora premeditado e planejado.
O texto hebraico afirma que esses meninos י ִתְ ַּקלְסּו־בֹו, zombavam entre si a
respeito dele. O verbo hebraico no grau hitpael denota a ideia de que aqueles meninos
caçoavam e zombavam entre si acerca de Eliseu, fazendo dele alvo de chacotas. Uma
falta de respeito e desprezo com a autoridade do profeta e até contra sua pessoa.
A lei do Senhor estabelece que as autoridades do povo devem ser respeitadas
(Ex 22.28). Eliseu era uma autoridade como profeta do Senhor. No entanto, a injúria
daqueles meninos consistia num gravíssimo desacato contra a pessoa e função do
profeta do Senhor. Em última instância o desprezo e zombaria era dirigido contra o
próprio Senhor Deus que investira Eliseu de autoridade.
A expressão “sobe calvo” é traduzida pela NVI como “suma daqui careca”, ao
passo que todas Almeidas traduzem como “Sobe, calvo! Sobe, calvo”, que é a tradução
literal. A NVI interpretou o texto, e a NTLH fez o mesmo. Chamar alguém de careca
poderia ser uma ofensa grave na medida em que assemelharia essa pessoa a um leproso
grave8. Com efeito, esse xingamento denota o absoluto e deliberado desrespeito contra o
homem de Deus. Aqueles meninos falaram duas vezes para Eliseu subir, como se o
lugar do profeta fosse nos montes onde seu senhor, Elias, habitava, e que ele não
deveria estar ali, importunando o culto idólatra de Betel. Outrossim, debocharam
daquele incidente em que soldados foram por duas vezes ordenar que Elias descesse do
monte, sendo consumidos pelo fogo. Isto é, desafiaram Eliseu, como se nada fosse
acontecer com aqueles meninos.
6
Champlim, p. 1476
7
Pfeiffer, v. 2, p. 174
8
Pfeiffer, v. 2, p. 175
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claro que os sinais serviriam para confirmar a palavra, e o poder miraculoso dos
apóstolos autentica a mensagem e o respectivo ministério (Mc 16 e 12Cor 12,11).
Portanto, ninguém deve ficar escandalizado com esse texto ou refutar sua
veracidade histórica. Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre. Juízos parciais
foram executados pelo Senhor tanto sob a antiga como sob a nova aliança, de modo que
serviram para vindicar sua glória, honra, santidade e poder. Tais juízos apontam para o
universal, grande e terrível dia da ira do Cordeiro (Apc 6.16).
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