Disciplina: Biotoxicologia
AFLATOXINAS
Jorge Rodrigues, Maria Rosário Lopes
INTRODUÇÃO
Produzidas por várias espécies de fungos filamentosos, do género Aspergillus, as aflatoxinas são
as micotoxinas mais abundantes e mais tóxicas que se conhecem [3, 5, 6]. Estas são
mutagénicas e teratogénicas para Homem e animais, estando associados ao consumo de
alimentos contaminados. As consequências da intoxicação humana incluem toxicidade aguda,
síndrome de Reye, hepatocarcinoma, necrose aguda, cirrose e encefalopatia [1, 4, 6, 7, 10, 12,
13, 14, 20, 28]. A aflatoxina B1 é reconhecida como o carcinogénio natural mais potente [1, 4,
14].
A contaminação dos animais através da ração pode trazer graves consequências, uma vez que as
micotoxinas passam para o leite, ovos e carne, colocando em risco todos os consumidores [6, 8
23, 28]. Desta forma, o controlo da contaminação dos alimentos nas diferentes etapas
(produção, armazenamento e processamento) torna-se essencial para evitar as consequências de
uma eventual contaminação [3, 8, 12].
HISTÓRIA
Em 1962, uma crise veterinária abateu-se sobre Londres, tendo-se registado a morte de 100 mil
perus sem razão aparente. Apresentavam sinais de anorexia, apatia, e adinamia nas asas,
morrendo no espaço de uma semana. Esta doença inexplicável ficou posteriormente conhecida
por Doença X dos Perus [1, 5, 18, 28].
Em 1974, na Índia, ocorre um dos maiores surtos de aflatoxicose em humanos. Foram afectadas
397 pessoas, apresentando sintomatologia febril, icterícia, dores, vómitos e hepatomegalia,
tendo-se registado a morte de cerca de 100 indivíduos. O milho, componente maioritário da
dieta, terá sido a principal fonte de contaminação [4, 6].
Apesar da crescente preocupação em investigar e evitar estas intoxicações, são ainda registados
actualmente surtos de aflatoxicose. Em Abril de 2004, foi registado um grande surto de
aflatoxicose no Quénia, tendo-se registado 317 casos e 125 mortes [19, 26].
Actualmente são realizados esforços de forma a prevenir surtos futuros. Para tal, é importante
apostar na implementação de programas de segurança alimentar a longo prazo [26].
OCORRÊNCIA
As espécies de Aspergillus spp. são encontradas no solo como fungos saprófitos, podendo
também surgir como contaminantes da vegetação e de alimentos armazenados. Entre as várias
micotoxinas por elas produzidas citam-se: patulina, citrinina, citreovindina, ácido penicilico,
xantomeganina, ocratoxina, ácido ciclopiazónico e aflatoxinas [9, 12, 27].
Os materiais vegetais podem sofrer contaminação desde que são cultivados até ao momento da
colheita por fungos filamentosos, produtores de micotoxinas (Figura 1) [8]. São principais alvos
de contaminação por Aspergillus spp, culturas de trigo, milho, arroz, amendoins, sementes de
algodão, sorgo, cevada, soja, mandioca [6, 8, 9, 10, 17, 18].
CULTURAS
COLHEITA
CONSUMIDORES
ARMAZENAMENTO
A susceptibilidade das colheitas no que respeita à contaminação por estes fungos varia de acordo
com diferentes parâmetros (espécie vegetal, espécie contaminante, temperatura ambiental, teor
em água, entre outros) [8, 10, 17, 18, 27, 28]. As temperaturas mínima, óptima, e máxima,
para a produção de aflatoxinas, são respectivamente 12ºC, 27ºC e 40-42ºC [18]. Caso a
contaminação ocorra após a colheita, as condições de armazenamento desempenham um papel
fundamental, dependendo destas o desenvolvimento fúngico e a produção de micotoxinas [8,
23].
CONTROLO
Assim, é justificada a criação de um mecanismo de controlo que se baseie num modelo de acção
proactivo e não reactivo [3]. Surge assim, de acordo com esta perspectiva, o controlo da
contaminação por aflatoxinas em produtos alimentares através da implementação de protocolos
de HACCP (Hazard Analysis Critical Control Point) [3, 12]. Trata-se de um procedimento simples,
desenhado originalmente pela NASA em colaboração com a companhia Pillsbury e exército norte-
americano, com o objectivo de produzir “comida totalmente segura”, que minimizasse o risco de
intoxicação dos astronautas. A eficácia e facilidade de implementação do sistema desenvolvido foi
tal, que rapidamente passou a ser aplicado pelas indústrias de processamento alimentar [3].
Neste modelo, a análise do controlo dos pontos críticos, susceptíveis de constituir perigo, é
realizada através do estudo e planeamento cuidadoso de cada uma das etapas do processamento
alimentar, regendo-se pelos sete princípios do HACCP (Tabela I) [3, 28].
TOXICIDADE
As aflatoxinas estão, na maior parte das situações, presentes em concentrações muito baixas
(ng/g) nos alimentos, não alterando as propriedades organolépticas, nomeadamente o sabor e
odor. Não sendo detectadas pelos consumidores, estas podem ser ingeridas de forma sistemática
provocando situações de micotoxicose crónica [10, 18]. Já as micotoxicoses agudas ocorrem
quando as quantidades ingeridas ultrapassam concentrações na ordem dos mg/g [10, 18].
O principal órgão afectado é o fígado, embora o local dos efeitos hepáticos varie com a espécie
afectada. Estão ainda descritos efeitos tóxicos nos pulmões, miocárdio e rins, podendo ocorrer
acumulação de aflatoxinas no cérebro [28].
Para que se verifiquem efeitos carcinogénicos, é necessário que ocorra, após a ingestão,
bioactivação por metabolização [10, 15, 17, 18]. A biotransformação das aflatoxinas passa por
reacções de fase I e II (Figura 2), algumas das quais contribuem para o aumento da toxicidade
por bioactivação, enquanto outras levam à sua redução [18]. A epoxidação na dupla ligação 8-9
traduz-se numa toxicidade aguda e crónica manifestada pelas aflatoxinas [2, 15, 18, 27, 28]
(Figura 3).
O OH O OH
O O
OH
O O Citocromo P450 O
Citocromo P450 OH
O
O O OMe O O OMe O O OMe
Aflatoxina B1 -endo-8,9-epóxido
Aflatoxina B1 Aflatoxina M1 (Leite)
O O
O O
Conjugação
Aflatoxina O
O O com GSH (Urina)
B1-endo-SG O
OH
O O
O
HO
O O OMe Formação de
O O OMe aductos
HO
O O OMe Aflatoxina B1 -exo- com o DNA
-8,9-epóxido Aflatoxina
Aflatoxina B1 -endo- M1 -8,9-epóxido
-8,9-dihidrodiol
GST Yc2
Cancro
O O
Aflatoxina B1 -exo-SG O
O O HO
Formação de
aductos com o DNA
O HO O O OMe
HO Aflatoxina
HO M1 -8,9-dihidrodiol
Cancro O O OMe
Aflatoxina B1 -exo-8,9-dihidrodiol
Proteínas
Quando as aflatoxinas B1 e B2 são ingeridas por gado produtor de leite (bovino, caprino, ovino,
entre outros), uma porção é hidroxilada e excretada no leite sob a forma de aflatoxina M1 e M2,
compostos com menor toxicidade, mas não negligenciáveis devido ao grande incentivo do
consumo de leite [6, 17, 18, 28].
Devido à sua toxicidade, foram estabelecidos limites em diversos países para a presença de
aflatoxinas nos alimentos [6, 10, 22].
Não existe tratamento específico para a aflatoxicose. No entanto, as pessoas infectadas e que
conseguem recuperar totalmente, normalmente não sofrem efeitos a longo prazo [10].
O O O O
O O
Epoxidação directa
O
O O OMe O O OMe
Aflatoxina B1 2,3-epóxido aflatoxina B1
Pró-carcinogénio Carcinógénio
Figura 3 – Epoxidação directa da aflatoxina B1.
Não existem estudos extensivos relativos à aflatoxina B2. No entanto, sabe-se que esta, quando
administrada em ratos, forma in vivo ligação com o DNA, após conversão metabólica em
aflatoxina B1 [27].
2.1. AFLATOXINAS
2.1.1. Amendoins, frutos de casca
rija e frutos secos
alimentícios
(1) Os teores máximos são aplicáveis à parte comestível dos amendoins, dos frutos de casca rija e dos frutos
secos destinada a ser consumida. Se forem analisados os frutos inteiros, ao calcular-se o teor de aflatoxina,
deve pressupor-se que toda a contaminação se encontra na parte comestível.
Em Portugal, o controlo dos teores de aflatoxinas nos alimentos é realizado pela Direcção-Geral
Não existe a nível mundial uma harmonização dos teores máximos legais de aflatoxinas
presentes nos alimentos. Por exemplo, os EUA apresentam um limite de 20µg/Kg para a
quantidade total de aflatoxinas presente em alimentos como cereais e café, ao passo que na
União Europeia esse valor é de 2µg/Kg para a aflatoxina B1 e 4µg/Kg para a quantidade total de
micotoxinas. Por outro lado, a FDA e a Comunidade Europeia estipularam os limites de 0,5 e
O facto de não existirem teores máximos legais harmonizados para estes e outros compostos
nacional/comunitária.
[24,25]
AFLATOXINA B1
(6aR-cis) - 2,3,6a,9a-Tetrahidro-4-metoxiciclopenta[c]furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h][1]-benzopiran-1,11-diona
[24,25]
AFLATOXINA B2
(6aR-cis) - 2,3,6a,8,9,9a-Hexahidro-4-metoxiciclopenta[c]furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h][1]-benzopiran-1,11-diona
[24,25]
AFLATOXINA G1
3,4,7aα, 10aα-Tetrahidro-5-metoxi-1H, 12H-furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h]pirano[3,4-c][1]-benzopiran-1,12-diona
O O
MASSA MOLECULAR: 328.273 g/mol
O O
FÓRMULA MOLECULAR: C17H12O7
[24,25]
AFLATOXINA G2
3,4,7aα,9,10,10aα-Hexahidro-5-metoxi-1H, 12H-furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h]pirano[3,4-c][1]-benzopiran-1,12-diona
O O
MASSA MOLECULAR: 330.289 g/mol
FLUORESCÊNCIA: Verde-azul
[24,25]
AFLATOXINA M1
2,3,6a,9a-Tetrahidro-9a-hidroxi-4-metoxiciclopenta[c]furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h][1]-benzopiran-1,11-diona
[24,25]
AFLATOXINA M2
2,3,6a,8,9,9a-Hexahidro-9a-hidroxi-4-metoxiciclopenta[c]furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h][1]-benzopiran-1,11-diona
FLUORESCÊNCIA: Violeta
O O OMe
[α]D : n.d.
[24,25]
AFLATOXINA B2A
2,3,6aα,8,9,9aα-Hexahidro-8-hidroxi-4-metoxiciclopenta[c]furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h][1]-benzopiran-1,11-diona
[24,25]
AFLATOXINA G2A
3,4,7a,9,10,10a-Hexahidro-9-hidroxi-5-metoxi-1H,12H-furo[3’,2’:4,5]furo[2,3-h]pyrano(3,4-c)(1)-benzopiran-1,12-diona
FLUORESCÊNCIA: n.d.
HO O O OMe
[α]D : n.d.
GLOSSÁRIO
LD50 – lethal dose Quantidade de substância tóxica ou dose de radiação ionizante necessária para
50% matar 50% da população animal em estudo [24].
Síndrome de Reye edema cerebral e vómitos que podem rapidamente progredir para convulsões,
coma e morte. A causa principal consiste numa perda generalizada da função
mitocondrial, conduzindo a alterações no metabolismo dos ácidos gordos e
carnitina [24]
BIBLIOGRAFIA
[1] - Bennett, J; Klich, M. — Mycotoxins — Clinical Chapter 17: Aspergillus and related teleomorphs -
Microbiology Review, July (2003), vol. 16, no. 3, Woodhead Publishing Ltd (2006);
p.497-516; [15] - Wang, J. - Aflatoxins and food safety - Chapter
[2] - Phillips, T. — Dietary clay in the 10: Epidemiology of Aflatoxin Exposure and Human
Chemoprevention of Aflotoxin-Induced Disease — Liver Cancer - Taylor & Francis Group, LLC, New York
Toxicological Sciences, suplemento 52 (1999), p. 118- (2005);
126; [16] - Chen, S.; et al – Association of Aflatoxin B1-
[3] - Aldred, D.; Magan, N.; Olsen, M. —The use of Albumin Adduct Levels with Hepatitis B Surface
HACCP in the control of mycotoxins: the case of Antigen Status among Adolescents in Taiwan – Cancer
cereals - Chapter 7: Micotoxins in Food: detection and Epidemiology, Biomarkers & Prevention, 1223 Vol.
control, Woodhead Publishing (2004), Sweden; 10(2001), p.1223–1226;
[4] - Anónimo, [17] - Anónimo,
http://www.cfsan.fda.gov/~mow/chap41.html, http://www.cfsan.fda.gov/~mow/chap41.html,
consultado a 1 de Novembro de 2006; consultado a 25 de Outubro de 2006;
[5] - Santos, I.; Venâncio, A.; Lima, N. – Fungos [18] - Midio, A.; Martins, D. – Toxicologia de
contaminantes na indústria alimentar – Micoteca da alimentos – Livraria Varela, São Paulo (2000), p. 62-
Universidade do Minho, Centro de Engenharia 78;
Biológica, Bezerra (1998), p. 98; [19] - Anónimo, WHO - Expert group meeting on
[6] - Pitt, J.; Hocking, A. – Fungi and food spoilage – aflatoxins and health - Brazzaville, Congo (2006) p.24-
An Aspen publication, 2nd ed (1999), p. 387-383; 27;
[7] - Peraica, M. et al – Toxic effects of mycotoxins in [20] - Anónimo, WHO – Mycotoxins in African Foods:
humans – Bulletin of the World Health Organization, Implications to food safety and health – Food Safety
77(9), (1999), p. 754-763; Newsletter, (2006);
[8] - Pettersson, H. - Controlling mycotoxins in animal [21] - McLean, M.; Dutton, M. - Cellular interactions
feed - Chapter 12: Mycotoxins in food: detection and and metabolism of aflatoxins - Pharmac Ther, 65
control – Woodhead Publishing (2004), Sweden; (1995), p.163-192;
[9] - Calvo, A. - Toxins in Food – Chapter 9: [22] - Comissão Europeia - Regulamento (CE) N.º
Mycotoxins - CRC Press LLC (2005); 2174/2003 da Comissão - Jornal Oficial da União
[10] - Schmidt, R.; Rodrick, G. – Food safety Europeia 13 de Dezembro (2003), L 326/12;
handbook – Wiley-Interscience (2003), p. 214-215, [23] - Anónimo - http://www.agenciaalimentar.pt,
221-222, 240, 316; consultado a 12 de Novembro de 2006;
[11] - Klaassen, C. – Toxicology, the basic science of [24] - Anónimo – www.pubmed.com – consultado a
poisons, Cassaret & Doull’s – McGraw-Hill, Medical 12 de Novembro de 2006;
Publishing Division, 6th edition (2001), p.47, 164, 89- [25] - Merck Research Laboratories - The Merck Índex
90, 446, 478, 1054, 1067, 1076-1077; - Merck & CO., INC., 13ª Edição (2001), USA.
[12] - Smith, J. - Food chemical safety - Chapter 12: [26] – Lewis, l.; et al - Aflatoxin contamination of
Mycotoxins - Woodhead Publishing Ltd (2001); commercial maize products during an outbreak of
[13] - Food and nutritional toxicology – Chapter 13: acute aflatoxicosis in eastern and central Kenya -
fungal mycotoxins - CRC Press LLC (2004); Environmental Health Perspectives, vol. 113, n.º 12,
[14] - Hocking, A. - Food spoilage microorganisms - (2005), p.1763-1767;