um mercado de escravos. Chega o barão endinheirado e faz uma pergunta ao lote: “Quem aí é especialista em alguma coisa?” Aqueles que têm alguma qualificação, de média para cima, são imediatamente adquiridos e embarcados para o exterior mediante políticas que facilitam a expatriação da mão-de-obra.
Faziam isso com africanos de bons braços, fazem hoje com
cidadãos de bons cérebros. Mas gestores espertos vendem seus patrícios como neoescravos? Os promissores talentos indianos ganham bolsas para estudar e se aperfeiçoar na Europa e nos EUA, mas geralmente voltam para ajudar o País. Os que se desgarram simplesmente viram bife para o repasto dos barões do hemisfério Norte. A tal de “brain circulation” consiste em aproveitar a qualidade da educação existente lá fora, construída com riquezas sugadas do hemisfério Sul, enquanto se galopa aqui dentro para superar o atraso até obter um grau melhor de educação e preparo profissional. Mas se o cérebro sai daqui e encalha por lá, adeus “circulation” de “brain”... A vitória do capitalismo se dá quando o mais avaliado quer e sonha em ter sua mais-valia extraída. Não está fácil para empresa alguma do planeta reter seus melhores talentos. Eles são disputados ferozmente pelas corporações. No caso do Brasil, precisamos de um enorme pelotão de talentos para lidar com as várias camadas de petróleo. O busílis da coisa consiste em que não há tempo de preparar tantos cabras bons assim a ponto de já empregá-los no pré-sal e nas diversas plantas modernas que vão se impor na indústria nacional. Só tapado acredita que a saída é apenas exportar commodities. Chegamos a um ponto em que mesmo uma política de emprego para todos esbarra no quesito qualificação. Em Cuba, meio milhão de servidores cujas tarefas no Estado já se cumpriram saem para se qualificar e prestar serviços úteis às suas famílias e à população. Fosse no Brasil, demitir o equivalente – algo como 7 milhões de aspones − e obrigá-los a trabalhar para viver derrubaria o governo. Por isso, não demitem: arrocham os vencimentos e o recruta pede pra sair... O que conta é a sábia visão do mestre Xiao-Ping: não importa a cor do gato, desde que ele apanhe o rato. O rato é a ignorância, o despreparo, a despolitização. Cidadãos com boa educação, uma estrutura de saúde dignamente construída e participantes das decisões políticas serão bons gatos, do tipo xiao- pingueano, capazes de espantar para longe os murinos do oportunismo e da burrice. No Brasil, no entanto, o que se vê é a multiplicação da ratitude e o governo mantendo os murídeos dóceis, já que as décadas passam e a qualidade do ensino patina, mantendo o País no atraso. Sombras descem em neo-Matrix. Preços altos, endividamento geral, cortes brutais e arrocho no serviço público, especulação, bolhas de crédito... será que isto se resolve com rato endeusando quem faz gols, gozando perdedores e vandalizando clube derrotado? Ao passo que os gatos são comprados pelas corporações transnacionais, a ratice vai crescendo e lotando cadeias. Se o salário do barnabé não sobe, se a inflação pula 5% no oficial e o reajuste de IPTU, transporte ou produto no mercado é de 8% no paralelo, o técnico é burro e o torcedor é um rato. Ótimo que neo-Matrix seja uma ficção. Coisas desse tipo nem dóceis ratazanas aguentariam por tempo demais.