Antropologia III Professora Tânia Alunos: Beatriz Novo, Juliana Coutinho e Nathália de Freitas Ciências Sociais – 3º período
Resenha crítica sobre o texto:
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)
O grande objeto de estudo da Antropologia é a diversidade. Ao mesmo passo que há a
universalidade da espécie, há a especificidade de grupos, sociedades, etc. Esta obra de Malinowski reconstrói sua experiência entre os nativos das ilhas Trobriand e nos relata especificamente o Kula, uma prática entre as tribos que dita mais sobre a vida das aldeias como um todo, e também de cada indivíduo e suas rotinas, do que pode aparentemente vir a parecer. Malinowski, contribui com novos modos de pensar para a área da Antropologia. Essa obra ajuda a quebrar paradigmas que se faziam presentes em etnografias até então, e surge com outras maneiras de estudar “o outro”, ao tentar responder de outras formas questões centrais da Antropologia, a diversidade do homem. Bronislaw Malinowski é um autor da escola funcionalista, que vê em cada sociedade uma lógica interna, um sistema estruturado. Ele percebe as sociedades como um organismo único, onde cada instituição social tem sua funcionalidade, onde há uma analogia assim com o corpo humano. Em seu contexto do funcionalismo, ele “relativiza o etnocentrismo”, a noção de temporalidade dos evolucionistas principalmente, em que a humanidade caminha para uma única direção. Ao dialogar com o evolucionismo e o difusionismo, ele enriquece uma nova forma de pensar que questiona o que até então se achava bom e certo. E mais que isso, estabelece uma metodologia que orienta um antropólogo a concretizar um bom trabalho etnográfico. Podendo então daí trabalhar na etnologia, uma forma de “sistematizar” conhecimentos obtidos desse trabalho etnográfico, e assim conhecer o outro de outras perspectivas. É importante ressaltar que ao mesmo passo que dita novos ares para a Antropologia, Malinowski não deixa de utilizar certos termos e conceitos usados anteriormente por ele. Na verdade ele já os incorporou, mas lida e dialoga com eles, tentando os colocar à parte do conteúdo principal de seu trabalho, já que acredita que a capacidade de levantar problemas e questões é uma das grandes virtudes de um cientista. Em certo ponto chega a criticar o trabalho do indivíduo que muito se prende em suas hipóteses e não se encontra flexível para mudar, incorporar seu ponto de vista à prática que lhe aparece. Anuncia que seu trabalho será inútil. Segundo seu método, quanto mais problemas o indivíduo conseguir levar ao trabalho de campo, o quanto mais conseguir moldar suas teorias aos fatos reais, melhor será a sua pesquisa. Malinowski questiona a condição do pensamento antropológico, inova na forma de coletar dados no campo, trazendo novos elementos e fatores importantes para a etnologia. Malinowski acredita que há o emprego de certos métodos eficazes na procura de fatos etnográficos. Entre eles como já apontamos, não se sobrecarregar de idéias preconcebidas, mas sim moldar sua “munição” de teorias aos fatos porque, afinal, dúvida e observação fazem parte do conhecimento científico e levantar problemas e hipóteses só enriquece o trabalho de campo. Do mesmo modo, ver complexidade e aplicar concepções profundas sobre a sociedade que se está estudando, é outra parte importante dessa metodologia. Ainda na introdução do livro, o autor especifica o tema, método e objetivo de sua pesquisa, onde ele explica o que acha importante ser feito e por que. O autor indica três caminhos a serem almejados a fim de alcançar os objetivos de sua pesquisa no campo etnográfico: os detalhes, a neutralidade, no momento de explicitar em cada mínimo detalhe a organização da tribo e os aspectos de sua cultura; ademais destas observações é necessário relatos dos mais claros e minuciosos possíveis – trabalho este que é resultado de contato altamente íntimo com os indivíduos que caracterizam seu objeto de estudo – sobre os tipos de comportamento dentre as situações tribais; e uma coleção de narrativas, palavras características dos nativos, conhecimento sobre as lendas e as figuras folclóricas locais, que devem se dispor como um documento, um relato o mais fiel possível da mentalidade dos nativos. Na obra de Malinowski, o que é ao mesmo tempo diálogo com o leitor é uma exposição de como ele realizou seu trabalho etnográfico. Algo extremamente curioso e notável, pois possibilita ao leitor maior aproximação com as condições que o autor viveu e com o tema abordado. É característico desta obrao autor conversar com seus leitores, o trazerem para dentro do texto. Em relação aos objetivos da pesquisa etnográfica, o que fica claro não só na introdução, mas ao longo de toda a obra é que para Malinowski, o inconsciente coletivo de uma sociedade deve ser descoberto, deve-se chegar ao que forma a consciência dos nativos e então apreender dos nativos “sua visão de mundo e seu mundo.”(p.33). E para isso se deve ter a consciência de que cada cultura possui seus próprios valores, e que as pessoas desejam diferentes formas de felicidade. Malinowski nos relata a dificuldade que encontrou de iniciar seu trabalho, penetrar na tribo e um dos motivos era a fala. A decisão também de não muito depender do homem branco, que acampava longe da tribo, mostra sua verdadeira vontade de integrar aquele grupo. Não somente de relacionar-se casualmente com os nativos, mas sim de estar em contato com os mesmos – em certo ponto o próprio faz essa diferenciação. O trabalho de campo auxilia e é fundamental para essa compreensão do modo de vida dos nativos ao passo que se está em contato com eles, e observa-se como o outro vive na sua realidade concreta e se dialoga com ele, o que caracteriza uma observação participante, algo imprescindível para a apreensão ampla dos fatos observados. Mais uma vez mencionando a dificuldade de penetrar em tal realidade, Malinowski tinha a noção que essa questão só seria resolvida com o tempo, a vivência com os nativos uma vez que a presença de terceiros pode vir a influenciar no comportamento dos próprios. Outro ponto importante da obra é que durante o trabalho de campo, por algum momento o cientista deve se desvencilhar de suas anotações, sua máquina fotográfica, entre os demais utensílios que possam lhe ser úteis em seu trabalho a fim de incorporar, se misturar à comunidade. Até mesmo a questão das vestimentas, podem vir a destacar o cientista do grupo ou neutalizá-lo. O indivíduo por certo tempo pode aprender muito mais penetrando, observando de perto do que perguntando. E também em algum ponto de seu trabalho, a lente de aumento deve ser deixada de lado e o etnógrafo deve olhar a distância para seu objeto de pesquisa a fim de alcançar uma visão diferente, de outro ângulo sobre seu estudo. Em “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” Malinowski faz uso de todos os seus recursos metodológicos para analisar não só, mas especificamente o Kula. Numa breve descrição, o Kula pode ser considerado um sistema de trocas que transcende o aspecto econômico e implica numa multiplicidade de objetivos, contando com a questão do simbolismo, da parceria entre os nativos, de rituais de magia, que necessita de convenções e organização de toda a tribo, formando assim, uma instituição complexa e mais ampla do que pode vir a parecer. Essa instituição forma um todo entrelaçado que envolve as tribos que vivem no extremo leste da Nova Guiné, chamados de Papua-melanésios (do lado ocidental) e Massim (do lado oriental). Malinowski além de permanecer mais tempo em contato com os boyowa, da ilha de Trobriand e neles focar seu estudo sobre os nativos, tem como esta ilha o referencial para observação deste acontecimento importante para uma série de nativos, o Kula. Através da navegação, da expedição marítima, o Kula, se mantém como alicerce de uma instituição intertribal, que entre outros motivos existia antes como forma de manter aliados em outras posições geográficas. O Kula, despido de suas atividades paralelas, é a troca repetida de braceletes, chamados mwali e colares, chamados soulava que são destinados à ornamentação, mas não tem necessariamente essa função nas tribos. Com os olhos de nossa cultura que em tanto difere da dos nativos, pode-se dizer que não há muita utilidade prática nesses artigos, porém há toda uma significação em torno deles. Aqueles que realizaram a troca com seus parceiros de outras tribos têm em mãos agora, algo que Malinowski veio a comparar com um troféu na cultura ocidental, que mostraria que o nativo sobreviveu a vários perigos, incluindo principalmente o da magia, motivo de maior temor dos nativos. Ao lermos a descrição feita sobre a troca de colares e braceletes e a explicação de que aqueles objetos não servem de grande uso até mesmo para os nativos e que seu valor é apenas simbólico, podemos vir a estranhar este costume. Mas Malinowski logo nos lembra de situações parecidas que nos cabem o mesmo pensamento que o dos nativos, como as jóias da Coroa vistas por ele em uma visita ao castelo de Edimburgo. Ao falar dos colares do Kula, muitas vezes incômodos e dos braceletes muito pequenos, Malinowski faz referência às jóias da Coroa: sem nenhum uso, vistosas e igualmente “inúteis” se comparadas com as do Kula. Portanto, se por algum momento não somos capazes de compreender o mecanismo que prende os nativos àqueles colares e braceletes, o autor logo é capaz de nos dar um exemplo similar desta vez encontrado em nossa sociedade. Tanto para os nativos quanto para nossa cultura, é o valor histórico que os exalta. Esses artigos permanecem em constante troca, que não é feita livremente, e segue uma série de regras, entre elas uma das mais importantes: a da posição geográfica, em que, imaginando um mapa, os braceletes seriam passados da esquerda para direita e os colares da direita para a esquerda. E essa “odisséia” que envolve magia, como as bruxas voadoras, e uma série de feitiços, abrange várias áreas da vida social, não só a econômica, não depende de uma só variável para acontecer. A troca destes braceletes e colares é o aspecto central do Kula, mas junto a esta prática, diversas outras atividades que podem ser consideradas secundárias estão envolvidas. Malinowski chega a dizer que o Kula contradiz a noção de “comércio primitivo” que nossa sociedade pode vir a ter daquelas tribos. Há toda uma organização própria e regular para este acontecimento. Tudo dentro da comunidade dos nativos é organizado através e em prol do Kula. Portanto, atividades que a nosso ver poderiam ser julgadas como fundamentais como a navegação, o comércio, são de caráter secundário dentro daquela organização onde de principal há somente o Kula. Os próprios nativos que realizam esse acontecimento de força maior para toda a tribo não compreendem seu mecanismo total. Eles não carregam essa visão geral conforme vão vivendo as etapas do Kula. Malinowski diz que esse papel é do etnógrafo. Um fator interessante que é importante para entender toda essa manutenção do Kula através dos tempos, é a noção de tempo para os nativos e como a tradição tem uma forte ligação com essa noção, pois, não se sabe da onde o mito surgiu, o que lhes resta fazer é seguir toda essa ordem já pré-estabelecida. Uma vez que para os nativos, o “passado é presente” e o “presente é presente” também, pois não há contagem linear do tempo, o mito e tradição se mantêm nesse tempo e assim passam às próximas gerações. A tradição existe na expectativa de reproduzir esse “passado” mítico. Toda a explicação sobre o Kula e seus mecanismos vai nos despertando para lacunas de teorias que tentam de certa forma generalizar, e não entender a fundo a cultura dos nativos. Como a teoria economicista, em que, por exemplo, os nativos plantariam somente para comer, exclusivamente para sua sobrevivência, sem haver espaço para outros usos de excedentes, aos quais seriam atribuídos valores simbólicos, usados para ostentação, ou seja, atribuídos alguma significação. Há a crítica também da teoria do comunismo primitivo, e de que o nativo seria preguiçoso e não gostaria de trabalhar. Isso pode ser facilmente desmascarado se observarmos esse fato com o conceito de trabalho da cultura ocidental, onde a maior motivação é ganhar algo como salário em troca da força de trabalho para produzir algo, o que nas aldeias estudadas não acontece. Aprofundando o conhecimento sobre o Kula, antes da expedição partir, a aldeia fica bastante movimentada por vizinhos que chegam para presentear os expedicionários, enquanto que as mulheres fazem os alimentos e os homens concentram-se nos detalhes finais das canoas e em suas magias. Malinowski é capaz de observar que há diferença entre os nativos que ficarão na aldeia e os que irão seguir viagem. Mas ele observa também, que há diferenciação entre esses últimos, que são separados por diversas funções. Há os donos das canoas, os toliwaga, que possuem importante papel nas magias e nas cerimônias; há os membros da tripulação, os usagelo, que cuidam do manuseio da canoa; e há os silasila que são meninos que ainda não participam do kula, mas que vão para ajudar nos trabalhos da navegação. Diversos rituais mágicos são narrados como, por exemplo, o Encantamento do Yawarapu, que são as esteiras de palha que cobrem a canoa. Para cada preparativo da aldeia há um rito mágico, e todos detalhadamente descritos para o leitor no decorrer do livro. Malinowski percebe que os nativos separam as pequenas das grandes expedições. A primeira é chamada de Kula wala e a segunda, de Uvalaku. Essa última é caracterizada por ser uma grande expedição kula competitiva e possui uma proporção muito maior. Seu chefe, o Toli’uvalaku, é quem contribui para quase tudo no uvalaku, feito que lhe dá crédito e honra. Enquanto que os demais devem cuidar do resto da expedição e da distribuição de alimentos, em troca. O uvalaku difere-se do kula normal por todos os expedicionários participarem das cerimônias; todas as canoas devem ser novas ou reformadas e pintadas; e a característica mais importante é a idéia de receber e não a de dar presente é levada ao extremo. Malinowski apresenta uma série de detalhes, entre a magia da navegação, seus tabus, as crenças e os encantamentos em volta da expedição Kula. Em cada processo de ida, chegada e partida há uma mágica envolvida. O sistema de crenças é tão forte para os nativos que o próprio autor reconhece que é difícil separar o que é ficção daquilo que é real, do que foi retirado de experiências reais. Ele diz que os nativos não se preocupam em distinguir o que é mito e o que é relato histórico e que existe o lili’u que são os mitos ou narrativas que são contadas e respeitadas por eles e que interferem, até, no seu comportamento da vida tribal. O mito pode ser visto com o objetivo de fundar um costume, de fixar modos de comportamento e de dar importância a uma instituição. Malinowski diz, na página 245, que o “Kula recebe dessas histórias antigas seu caráter de extrema importância e valor”. Ou seja, é através do mito que essas atividades recebem sua força de coesão. O autor chama isso de “influência normativa do mito sobre os costumes” (p. 245). Durante o último capítulo o autor diz que, apesar de o Kula aparecer como algo novo para nós, não deve ser o único em todo o mundo. Ele diz que este foi o primeiro a ser descoberto e que não se deve esperar encontrar novamente suas particularidades, apenas seus arranjos sociais, seu mecanismo geral, etc. Ao decorrer de toda a obra Malinowski nos fala sobre a importância e peculiaridade da etnografia. E ainda afirma que o trabalho do etnógrafo deve alcançar todos os campos. Nas últimas páginas do livro fala sobre o que lhe encanta que é justamente a possibilidade de enxergar o mundo sob vários ângulos, por isso o desejo de penetrar em outras culturas e entender outros tipos distintos à nossa. Seu trabalho ajudou a enfraquecer a visão passada e errônea de sua época, que o selvagem não possuía leis e se comportava no sentido literal da palavra. Graças à ciência e à etnografia, tais comunidades podem ser estudadas de acordo com sua organização existente, uma vez provado no trabalho de Malinowski que essas organizações existem apesar de distintas às nossas. De certa forma, o autor deseja mostrar que o Kula é um mecanismo que possui seus significados para aquela cultura assim como a cultura ocidental possui tantos outros também, e que devemos ter olhar atento às nossas categorias, classificações e conceitos ao transferir nosso olhar para o outro.