O que é a tradição? “A tradição, digamos memória coletiva e as verdades inerentes
assim, é a cola que une as ordens sociais ao tradicional. O ritual reforça a pré-modernas”, afirma Giddens. A tradição experiência cotidiana e refaz a liga que une envolve, de alguma forma, controle do a comunidade, mas ele tem uma esfera e tempo.“Em outras palavras, a tradição é linguagem próprias e uma verdade em si, uma orientação para o passado, de tal isto é, uma “verdade formular” que não forma que o passado tem uma pesada depende das “propriedades referenciais da influência ou, mais precisamente, é linguagem”. Pelo contrário, “a linguagem constituído para ter uma pesada influência ritual é performativa, e às vezes pode para o presente”. (1997, p. 80) conter palavras ou práticas que os falantes ou os ouvintes mal conseguem A Tradição integra e monitora a ação à compreender. (…) A fala ritual é aquela da organização tempo-espacial da qual não faz sentido discordar nem comunidade (ela é parte do passado, contradizer – e por isso contém um meio presente e futuro; é um elemento poderoso de redução da intrínseco e inseparável da possibilidade de dissenção”. (p. comunidade). Ela está vinculada à 83) compreensão do mundo fundada na superstição, religião e nos A “verdade formular” na qual se costumes; pressupõe uma atitude funda o ritual necessita de de resignação diante do destino, o intérprete, o guardião da tradição. qual, em última instância, não O guardião se caracteriza pelo depende da intervenção humana, status, isto é, o papel que ocupa na do “fazer a história”. Dessa forma, ordem tradicional. Diferentemente conhecer é ter habilidade para do perito, o especialista da ordem produzir algo, está ligado à técnica social moderna, seu conhecimento e à reprodução das condições do viver. A se reveste de mistério, se funda na pura ordem social sedimentada na tradição crença e tem um sentido místico, ao expressa a valorização da cultura oral, do inacessível ao comum, ao leigo: passado e dos símbolos enquanto fatores “A tradição é impensável sem que perpetuam a experiência das gerações. guardiães, porque estes têm um acesso Por outro lado, a tradição também se privilegiado à verdade; a verdade não vincula ao futuro. Mas este não é pode ser demonstrada, salvo na medida concebido como algo distante e separado, em que se manifesta nas interpretações e práticas dos guardiães. O sacerdote, mas como uma espécie de linha contínua ou xamã, pode reivindicar ser não mais que envolve o passado e o presente. É a que o porta-voz dos deuses, mas suas tradição que persiste, remodelada e ações de facto definem o que as reinventada a cada geração. Não há um tradições realmente são. As tradições corte profundo, ruptura ou descontinuidade seculares consideram seus guardiães absolutas entre o ontem, hoje e o amanhã. como aquelas pessoas relacionadas ao sagrado; os líderes políticos falam a A tradição envolve ritual; este constitui um linguagem da tradição quando meio prático de preservação. Nas reivindicam o mesmo tipo de acesso à sociedades que integram a tradição, os verdade formular”. (p. 100) rituais são mecanismos de preservar a A interpretação monopolizada pelo ocorre com o guardião, substituído pelo guardião constitui uma verdade acessível especialista, o perito. A modernidade apenas aos iniciados, isto é, aos que reincorpora a tradição, reinventa-a, e, neste aceitam a verdade revelada pelo guardião sentido, também expressa continuidade. e, conseqüentemente, o status deste. A Não por acaso, ideologias modernas tradição é intrinsecamente excludente: também se alimentam da tradição. Irmãos apenas os iniciados, os admitidos, podem e irmãs, companheiros e camaradas de participar e compartilhar da sua verdade, seitas políticas e religiosas, vinculados às do ritual. A discriminação do não-iniciado, mesmas origens, disputam o espólio e o “outro”, é fundamental para fortalecer o quem representa a continuidade da status do guardião e do ritual em si: apenas tradição. os iniciados têm o direito de compartilharem a sua verdade. O “outro” __________ está fora, a verdade formular lhe é Referência interdita. A identidade do “eu” vincula-se BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, ao envolvimento com o ritual e, portanto, Scott. Modernidade reflexiva: trabalho e estética diferenciação em relação ao “outro”. na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Unesp, 1997. Nas condições da modernidade, o ritual é reinventado e reformulado. O mesmo