As letras a sua frente não tinham foco algum, dragavam-na para dentro, em
espiral, em um furacão para dentro de si. Tudo rodava na sua mente, as
imagens, as falas, não conseguia organizar-se. Os sentimentos voltaram a
tona, não deixavam com que pensasse claramente ou sequer sentisse,
estava novamente em um misto de fúria, tristeza e indignação.
“Era noite e o bar estava escuro, parcialmente iluminado por luzes que por
vez ou outra brilhavam, sem realmente clarear algo. Tocava algo com uma
batida forte, e ela mexia o corpo junto com a música. Ele se aproximou
como sempre fazia, mas dessa vez sorria diferente. Continuou dançando, e
ele se aproximou, ela foi andando para traz até encontrar a parede, fugiu
para o único lugar possível, abaixou a cabeça. Ele insistiu, ele tapou a boca
com a mão. Ele foi embora, ela voltou a dançar.
Horas depois, o lugar estava quase vazio, ele disse que precisavam
conversar, ela concordou. Ele disse coisas que a magoaram, e no começo ela
exibia apenas uma expressão de indignação, depois ao perceber que ele
falava serio, começou a chorar. Ele continuou falando, e ela sem aceitar,
sem entender, extravasou o que sentia em um tapa no meio do rosto dele.
Virou as costas e andou em direção ao taxi que a esperava.”
Aquilo tinha sido o final. Não sabia se era o final de tudo, ou apenas o final
de um capitulo ruim a espera de uma retomada algumas páginas a adiante,
na verdade, não tinha como saber. Sentada na cama, os dedos
esbranquiçados por apertar o livro, encarava ora as palavras, ora o teto. Não
via nada realmente, tentava em sua mente, formar uma lógica, um sentido
para o que havia acontecido. A sua frente via apenas o passado em
conjunto.
Jogou o livro e levantou-se, andou de um lado para o outro. A cada passo
levava uma das mãos ao cabelo e baixava a outra. Parou e virou-se para a
janela com sua cortina esvoaçante. O vento revirava seus cabelos. Apoiou as
mãos no parapeito e pulou para o telhado onde deitou-se ao sol. Tirou do
moletom velho um maço de cigarros amassado e um zippo gasto, em um
gesto mecânico acendeu um e colocou-o na boca.
Ele sempre dizia, em meio aos risos, “Você é o meu eu-feminino, e eu sou
seu eu-masculino”. Eram realmente parecidos, não na aparência, ele era
moreno e ela loira, ele tinha olhos negros e ela azuis, eram quase idênticos
na maneira de pensar, de agir. Uma amizade que surgira do nada, mas que
completava a ambos. Nas tardes passadas sob a proteção da sombra que a
árvore fazia. Aquela era a árvore deles. Haviam marcado seus nomes na
casca da árvore, era um pacto. Lembrava-se quando, numa tarde qualquer,
ele havia pedido a mão dela em casamento. E ela negara-lhe. Devia ter sido
ali que tudo começou, e continuou com as recusas freqüentes dela. Até que
ele desistiu, deveria ter percebido que afastara-se muito dele depois daquilo.
Não, ele afastara-se dela. Mesmo quando muito tempo depois, haviam
combinado de casar quando aos trinta e cinco anos ainda estivessem
solteiros, sozinhos e sem um grande amor, ainda assim, não estavam mais
tão próximos.