Comer é uma coisa de que todos nós gostamos – e às vezes gostamos
exageradamente: estão aí os gordinhos para comprová-lo. Já ler... Vamos admitir: nem todo o mundo é leitor, não leitor habitual, pelo menos. Mas aqueles que realmente gostam de ler encontram no texto o mesmo sabor que o gurmê procura numa iguaria. Aliás, usamos a expressão “devorei o livro” para descrever uma leitura impulsionada pelo prazer, ou pela emoção, ou por ambos. E as sessões de autógrafos passaram a ser muito mais concorridas depois que os editores se dispuseram a oferecer comes e bebes para os convidados. A cozinha acabou invadindo o texto: aí estão os livros de culinária, cada vez mais numerosos, para comprová-lo. Mas o inverso já não era tão freqüente. A chamada grande literatura tinha um certo desprezo pela comida, o mesmo desprezo que, supõe-se, o espírito deve ter pelo corpo. Mas as exceções não tardaram a surgir e aí temos “A Festa de Babette”, da escritora dinamarquesa Karen Blixen (que usava o pseudônimo Isak Dinensen), uma obra que, levada à tela, alcançou o maior sucesso. Esta é a trilha seguida por Ricardo Moreira de Mesquita em “Contos para comer”. O que temos aí são histórias saborosas, acompanhadas de receitas originais – mesmo nascido no Rio Grande do Sul eu não conhecia o berbigão gaúcho, apesar de o personagem do conto declarar que os gaúchos “garganteiam em tudo, sabem tudo” (em tempo: aprendemos que berbigão é um molusco bovalvo, parecido com o sururu da Bahia. Duvido que gaúcho troque o churrasco por esse bicho). O leitor vai gostar da história – e das receitas. O que cria um dilema: deve-se desejar, a quem vai ler o livro, boa leitura, bom apetite – ou ambos?