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A.MALDIÇÃO DAS GÊMEAS


Autor: A. S. VIEIRA



    
  


 
   

Lara jogou uma pá de terra sobre o caixão de sua irmã gémea Mabel, logo após seus pais
fazerem o mesmo. Ela fora assassinada com um tiro nas costas após ter sido brutalmente
espancada. Era o fim que todos esperavam que ela tivesse, afinal, a bela Mabel, com
apenas dezanove anos, se desviara a muito tempo dos bons caminhos. Cortejou a
criminalidade, usou drogas, roubou e se prostituiu. Motivos de sobra para que a jovem
fosse repudiada pelos vizinhos e até mesmo pela irmã. A jovem noviça Lara era o
completo oposto da irmã. A começar pela opção de vida, que decidira aos quinze anos,
quando se mudou para um convento. Disse ter tido uma revelação enquanto observava a
cidade de Nova York do alto do edifício Empire States.
Porém, resolveu abandonar o convento para prestar apoio aos pais naquele momento tão
triste de suas vidas. Enquanto se afastava do túmulo, foi interceptada por um homem
moreno, de sobretudo, que observava a cerimonia de longe.

- Boa tarde – disse amistosamente com sua voz alta e bem empostada – Tem um minuto?

- Para que?

- Sou o agente Stone, Peter Stone, da polícia de Nova York. Estou investigando o
assassinato de sua irmã.

Lara o fitou desconcertada pela sua aparência máscula. Então, meio que voltando a si,
respondeu o mais formal que pode, punindo-se internamente por tê-lo olhado com
cobiça:

- E em que posso ajudá-lo, agente Stone?

- Desculpe interrogá-la em um momento tão difícil como esse, mas...

- Vá directo ao ponto, agente Stone. O Sr. tem um minuto, nada mais.

- Gostaria de saber se você sabe algo sobre a morte da Senhorita. Hunter.

- Além de que ela procurou por isso? Não!

- Não sabe nada que possa ajudar?

- Nada mesmo. Estive até ontem em um convento em Ohio, revi meus pais hoje e ainda
nem conversamos sobre Mabel. E na verdade, nem quero conversar sobre isso. Peter
sorriu e a observou de alto a baixo. Seus cabelos ruivos e lisos, presos em um rabo-de-
cavalo, contrastavam bastante com sua pele branca e seus olhos azulados. Uma jovem
naturalmente bonita. Sem maquilhagem ou roupas bonitas, escondia seu corpo sob
vestes longas e escuras. Mas tinha um mistério em seu olhar que a tornava muito
interessante.

- Bem – continuou ele – vou deixar meu cartão com você. Se souber de algo, alguma
novidade, quiser ligar para falar qualquer coisa, meu número particular está aí.

- Não vou ligar agente Stone e para mim, esse assunto está enterrado junto com minha
irmã. Mabel atormentou muito meus pais, acabou com a minha família... Não quer saber
mais nada sobre ela e o que ela fazia.

- Eu só quero ajudar, Senhorita. Hunter.

- Nos deixar de fora de toda essa história será de grande ajuda.

- Mas Senhorita. Hunter...

- Seu minuto se esgotou, agente Stone, com licença.

E dizendo isso se afastou sem olhar para trás. Peter a acompanhou com os olhos sorrindo
maliciosamente.

- É, não é só fisicamente que vocês se pareciam. A personalidade forte também é um


ponto comum entre as duas.



    
  


 
   

Lara entrou no quarto de Mabel acompanhada de sua mãe. Não havia muita coisa ali já
que tudo de valor que ali existira fora trocado por drogas anteriormente. A jovem sentia
o clima pesado que pairava sobre o lugar e, para puxar assunto com sua mãe, falou a
primeira coisa que lhe veio à cabeça:

- Eu adoro o Queens, mamãe. É tão familiar e agradável.

- Seu pai e eu estamos pensando em nos mudar daqui.

- Porque?!

- Os vizinhos nos odeiam. A Mabel aprontou muito por aqui. A Sra. Lupin, que mora há
duas casas daqui teve o carro roubado por ela.

- Eles não odeiam vocês. Odiavam a Mabel, mamãe, e agora que ela morreu tudo vai
ficar melhor.

- Espero que sim – olhou em volta com as mãos na cintura, mordendo os lábios – Se
importa em dormir aqui, Lara?

- Claro que não, mamãe. E não se preocupe, ela se foi. Só precisa da nossa oração, pois
não está em um bom lugar.

Abraçaram-se apertados. Pouco depois Lara se encontrava sozinha no quarto da falecida


irmã. Sua presença ali ainda era muito forte. A cama, suas coisas, suas roupas jogadas,
suas fotos... Era como se ela fosse chegar a qualquer momento.

Resolveu então arrumar as malas que estavam em um canto do quarto e, ao se abaixar


para abri-las, ouviu a voz fria e cínica de Mabel a chamando. Sentiu um frio subir pela
sua espinha, arregalou os olhos assustada e virou-se calmamente esperando ver sua irmã
atrás dela, rindo debochadamente enquanto enrolava os dedos nos cachos dos cabelos
ruivos, como costumava fazer quando queria deixá-la perturbada. Mas não viu nada.
Pensou que fosse o vento nocturno lhe pregando uma peça, já que a janela estava
completamente aberta. Mais calma subiu na cama e olhou através dela atentamente. A
noite estava calma. Estranhamente calma. Sem carros barulhentos, sem pessoas pela
rua, sem o ruído das casas vizinhas... Nada. Então a fechou meio desconcertada, sentou-
se na cama e abriu sua mala, tirando rapidamente uma camisola antes de sair do quarto.
Caminhou até o banheiro pensando no policial que a abordara no cemitério. Sorriu
acanhada. Pela primeira vez se imaginou beijando um homem, e gostou. Tirou toda
roupa vagarosamente enquanto soltava os cabelos, revelando um corpo atraente, com
belas curvas, e ligou o chuveiro, entrando no momento em que a água estava quente o
bastante. Ficou sob o duche durante alguns minutos com os olhos fechados, sentindo a
água massa geando seu corpo, protegida pela box de vidro já embaçado. Porém, quando
abriu os olhos, a silhueta de uma garota surgiu diante dela. Lara tremeu estarrecida,
porém incapaz de emitir qualquer som. A menina, que não conseguia ver bem, andou
pelo banheiro até parar diante da pia mexendo nos cabelos cacheados. Parecia estar
brincando com o espelho. Os sentidos de Lara pareciam em choque. Sua irmã estava ali,
mesmo que insistisse para si no quanto aquilo era impossível. Mas a imagem continuava
ali, diante da pia. Virou-se um instante, como se pudesse ver Lara tremendo sob o duche
quente, então abriu a porta e desapareceu. Lara não conseguia acreditar no que vira.
Desligou cuidadosamente o chuveiro, puxou a toalha sobre a box, se enrolou e,
apreensiva, o abriu. Para sua surpresa, a porta do banheiro continuava trancada por
dentro. Porém, seu sorriso de alívio foi sufocado ao olhar para o pequeno espelho
embaçado. Três palavras haviam sido escritas no vapor em letras garrafais:

VOCÊ – AJUDA – MABEL

Pensou em gritar, mas a razão falou mais alto lembrando-a de seus pais, que já haviam
sofrido muito naqueles últimos dias. Não pretendia perturbá-los com sua imaginação.
Vestiu sua camisola o mais rápido que pode e enquanto secava o banheiro, sentiu a porta
sendo forçada. Empalideceu quase que automaticamente, assustada. A maçaneta girava
ruidosamente e à medida que era forçado, o trinco parecia querer se romper. Lara



    
  


 
   

encolheu-se ao lado do vaso sanitário em pânico, chorando apavorada em silêncio,


temendo ser encontrada, quando uma voz do outro lado falou:

- Lara é você quem está aí?

- Mamãe! – Exclamou com um sorriso aliviado após reconhecer a voz. Então se levantou e
abriu a porta – Desculpe, eu me assustei.

- Eu me assustei, Lara – disse ela em tom enfático – Acabei de vê-la agora mesmo na
cozinha e você já está aqui.

- Eu não estive na cozinha, mamãe – disse ela séria.

- Não?! – Pareceu intrigada por alguns segundos e, como se quisesse negar algo, sorriu –
Bela tentativa, Lara. Mas se você não estava na cozinha, quem estava? Era você, não
era?

Lara suspirou, sentindo que uma mentira era necessária:

- Sim, mamãe era eu mesmo. Desculpe a brincadeira.

- Tudo bem – disse ela satisfeita com a resposta – Seu pai já dormiu e eu vou fazer o
mesmo. Engraçado, quando eu te vi lá em baixo, tive a impressão de ter visto os seus
cabelos cacheados como os de Mabel.

Lara nada disse, a observando se afastar. Mabel estava na casa, sem dúvidas. Mas o que
ela estava querendo?

Subitamente, sua mãe reapareceu à porta dizendo:

- Não esqueça de fechar a janela do quarto, querida. Vai fazer frio essa noite – mexeu
negativamente a cabeça – Mabel gostava de mantê-la aberta para poder andar pelo
telhado quando estava drogada.

Ao dizer isso, chorou. Lara não se conteve e a abraçou cheia de piedade.

- Esqueça isso, mamãe; eu já fechei a janela. E além do mais, Mabel não está mais aqui.

Ainda abraçadas, Lara viu um rápido vulto se mover pelo corredor camuflado pela
escuridão. Apertou a mãe com mais força.

- Lara?

- Sim?

- Por que seu coração está batendo tão depressa?

- Eu estou bem, mamãe. De verdade.

Sua mãe então entrou em seu quarto, deixando Lara sozinha no corredor olhando
apreensiva para a porta entreaberta do aposento de Mabel. A jovem se aproximou
vagarosamente do quarto e, parada diante da porta, ouviu alguns sussurros que fizeram
seu sangue gelar involuntariamente. Podia discernir claramente a voz de Mabel, que
parecia estar discutindo com alguém em baixo tom. Sentindo o coração pulsar, Lara
apurou os ouvidos para tentar ouvir melhor. Mabel parecia assustada, discutindo com um
rapaz, cuja voz Lara jamais ouvira antes:

- Aqui não, Josh! Meus pais podem ouvir. Vá embora, por favor!

- Eu to falando, Mabel, a gente sabe demais. E o Carl não gosta disso. Ele vai acabar com
a gente.

- Não vai, Josh. Eu sou a garota dele!

- Mas ele sabe que nós estamos juntos e que podemos o encrencar com o que sabemos.



    
  


 
   

- E daí que nós sabemos que ele matou aquela piranha?!

- Aquela piranha era a filha do chefe do tráfico no Harlem. Filha única! E ele prometeu
um milhão em dinheiro a quem entregar o assassino dela.

- Mas nós não vamos fazer isso.

- Certo, mas quem vai acreditar na gente? Ninguém dispensa tanto dinheiro dessa forma.
Ele vai matar a gente.

- Olha, quanto ao cérebro, essa parte é minha. Então deixa que eu resolva isso. Vou
conversar com ele e explicar tudo.

- Mabel, eu to falando, temos que fugir. Ele vai te matar e depois vai atrás de mim.

- Eu não vou fugir. Vou conversar com ele e ajeitar a situação. Agora vá embora e vê se
fica longe do Harlem por alguns dias, ok?

- Mas eu moro lá!

- Se vira, Josh. Agora vá embora, por favor.

As vozes silenciaram no momento em que Lara empurrou a porta cuidadosamente. Havia


um forte e insuportável odor de carne queimada, mas o quarto estava vazio. Porém dois
detalhes lhe chamaram a atenção: uma densa fumaça que pairava no quarto tentava
escapar pela janela, que estava aberta. Lara sentiu-se enjoada e, ao se sentar na cama,
ouviu passos pesados correrem pelo telhado. Levantou-se sobressaltada. Então pegou
seu terço, fez o sinal da cruz e sentou-se novamente, fazendo suas orações até que
adormeceu cansada. Acordou com o sol em seu rosto. Não havia no quarto nada que
lembrasse os eventos da noite anterior. Mas foi real, apesar de estar se forçando a não
acreditar. Não havia ninguém em casa além dela, o que significava que seus pais haviam
saído mais cedo. E já que estava sozinha, resolveu rever a grande maçã. Visitar
Manhattan. Começou pela Time Square, dando uma atenção maior ao prédio da MTV,
lembrando da época em que sonhara ser VJ, antes de descobrir sua vocação. Voltou ao
topo do edifício Empire States, onde tivera a revelação anos antes e pela primeira vez,
questionou sua escolha. Talvez ter visto uma freira salvar uma criança de cair das
escadas não fosse lá uma verdadeira revelação. Almoçou no Dean & DeLuca, 560
Broadway, esquina com Prince Street, onde os pratos e o café são óptimos. Enquanto
comia um hambúrguer com fritas, um homem de meia-idade, que chegara havia pouco
tempo e a observava do balcão, se aproximou sorrindo:

- Quase não a reconheci, assim, tão discreta.

- Está falando comigo? – Perguntou Lara o olhando.

- Com que mais?

- Desculpe, mas deve estar me confundindo com alguém.

- Você fica bem diferente sem a maquilhagem carregada, mas eu te reconheci.

Sem pedir licença, se sentou a olhando com malícia.

- Poderia se levantar, por favor? O Sr. não foi convidado e está sendo indelicado.

- Mabel, não precisa fingir para mim. Seu cliente assíduo.

- Do que está falando?!

- Não faz tipo, piranha, esse não é o seu estilo.

Lara se levantou indignada, jogando o guardanapo sobre a mesa dizendo:

- Agora chega, vou chamar um segurança.

O homem se levantou e segurou seu braço, a olhando com uma expressão dura.



    
  


 
   

- Você vai ficar onde está, Mabel. Eu ainda pago muito bem, lembra?

- Eu não sou a Mabel!

- Vamos ver isso no motel. Eu conheço o seu corpo como ninguém.

- Me solta!

- Ah cale a boca.

Peter Stone então meio que surgiu porta adentro e segurou o homem pelo paletó,
falando em seu tom de homem da lei:

- Não ouviu a moça?

- Quem é você?! O cliente da tarde?!

- Eu sou o agente de polícia Stone – disse mostrando o distintivo – e caso não saiba, está
machucando a irmã Lara Hunter.

- Uma freira?! – Exclamou ele surpreso a soltando – Mas tu lembra-me muito alguém!

- Mabel, a prostituta? – Perguntou Peter.

- Sim.

- Era minha irmã – disse Lara sem emoção maior – e está morta.

- Talvez o Sr. saiba algo sobre isso – disse Peter largando seu paletó.

- Eu não sei de nada, me deixe em paz!

O homem saiu pelo restaurante resmungando. Lara olhou-o se afastar então se voltou a
Peter agradecida:

- Obrigada, agente Stone, aquele homem era louco.

- Era apenas um dos pervertidos que andavam com sua irmã. Ele te machucou?

Lara mexeu negativamente a cabeça. Peter Stone parecia ainda mais bonito e
interessante se mostrando tão preocupado com ela.

- Não dá para entender, agente Stone – disse tentando disfarçar seu interesse – ela era
minha irmã, mas eu não conhecia nada sobre ela.

- Acontece nas melhores famílias, srta(senhorita). Hunter.

- Pode me chamar de Lara. O Sr. tem irmãos, agente Stone?

- Pode me chamar de Peter e não, eu não tenho irmãos. Sou filho único – a olhou nos
olhos e sorriu – Há quanto tempo está fora de Manhattan?

- Alguns anos.

- A cidade não mudou muito, mas... Que tal um passeio?

- Não vejo problemas nisso. Aliás, te devo uma, não é?

- Então vamos. Só preciso de um bom café para me manter acordado.

- Não teve uma boa noite de sono?

- Não tive uma noite de sono! Mas são ossos do ofício - pegou um café para viagem sobre
o balcão, deixou uma nota de cinco dólares e antes de sair acompanhado de Lara, sorriu
para garçonete

– Obrigado, Felicity.



    
  


 
   

Passearam alegremente pelas livrarias do SoHo, antiquários no Village e tomaram


sorvete no Central Park. Lara evitava os olhares de Peter apesar de estar
completamente envolvida. Surpreendera-se com o rapaz. Fazia uma ideia
completamente diferente daquele homem inteligente e atencioso com que passara a
tarde, a fazendo se esquecer dos eventos da noite anterior. Enquanto passeavam pelo
Rockfeller Center, ela observou as crianças brincando alegremente com seus pais. Então
suspirou tristemente.

- O que houve? – Perguntou Peter – Parece triste.

- São as lembranças que esse lugar me traz. Me remete à minha infância. Eu e Mabel
vínhamos muito aqui em Dezembro, patinar no gelo. Eu adorava.

- O que as tornou tão distantes?

- Nossas escolhas! Ela não aceitava as minhas e eu não aceitava as dela.

Peter se calou a analisando com o olhar.

- O que foi? – Perguntou ela com um sorriso intrigado – O que está olhando?

- Você realmente não quer saber quem matou a sua irmã?

- Não me interessa de verdade e eu acho que ele já está longe.

- Nós o descobrimos ontem!

Lara parou e o olhou séria.

- Vocês prenderam o assassino da Mabel?!

- Descobrimos quem ele era, quanto à prisão, não foi possível ser feita.

- E por que não? Ele fugiu?

- Não, foi assassinado.

- Quem era ele?

- Jóshua Walker. Ele estuprou e matou a filha do chefe do tráfico; deduraram ele.
Quando ele voltou, ao Harlem foi pego e queimado vivo até a morte ontem à noite. Eles
foram cruéis.

Naquele momento, o estranho diálogo que ouvira no quarto de Mabel e a fumaça


começaram a fazer sentido em sua cabeça. Meio zonza, procurou apoio e se sentou em
um banco próximo. Peter a olhou calmamente acariciando seu rosto.

- Desculpe, não devia ter falado sobre isso. Tivemos uma tarde tão boa.

- Não foi ele! – Disse Lara o encarando.

- Como?

- Não foi o Joshua. Ele não matou minha irmã nem a outra garota.

- Isso já foi esclarecido, Lara, e o caso solucionado e arquivado.

- Não foi ele, agente Stone – disse nervosa - eu sei!

- Tem algo que você não me contou, Lara?

- Olha – disse ela se levantando apreensiva – já está anoitecendo e eu preciso ir.

- Eu te levo!

- Não precisa, eu posso ir sozinha! Eu te ligo!





    
  


 
   

Lara correu sem olhar para trás. Peter a observou até o momento em que sumiu de sua
vista; então respirou fundo e se sentou pensativo. Ao chegar em casa, a jovem foi logo
chamando pelos pais. Encontrou um bilhete colado na geladeira que dizia:

"Lara,

A tia Polly precisou de nós

Em Albany . Dormiremos lá

E voltaremos pela manhã.

O jantar está no forno.

Ah:

Papai e mamãe "

Lara amassou o bilhete e voltou para sala, sentando-se pensativa no sofá. Não queria
passar aquela noite sozinha. Não queria mais se lembrar do que vira e ouvira. Um
homem foi julgado e condenado pelos bandidos por dois crimes que não cometeu; e o
verdadeiro culpado continuava em liberdade. Não queria se envolver, mas aquela
história a estava enlouquecendo e por mais que negasse, queria que o verdadeiro
culpado pagasse pelo crime. Levantou-se nervosa, aproximando-se do espelho próximo a
escada e observou a si mesma, encarando-se assustada. E novamente voltou a sentir a
presença forte de Mabel no momento em que os pelos de seu braço e nuca se
arrepiaram.

- Mabel... – chamou ela olhando em volta – Pode me ouvir?

Em resposta, passos foram ouvidos no andar superior, andando de um lado para o outro.
Lara mordeu os lábios.

- Do que você precisa para descansar, Mabel ? De oração?!

Os ruídos no outro andar cessaram. Lágrimas escorreram pelos olhos de Lara, que
nervosa gritou:

- Do que você precisa, Mabel?! Diga! Eu quero te ajudar!

- Vingança – respondeu uma voz fria.

Lara sentiu que seu corpo inteiro tremia enquanto procurava o lugar de onde se
originava a murmurante voz de Mabel.

- Vingança... – voltou a dizer a voz.

Ela então se virou olhando o espelho. A voz surgia dali. E lá estava Mabel, acabada,
vitimada pelo brutal espancamento, encerrado pelo tiro que a matou. Aquela visão
aterradora de sua irmã a fez gritar. Foi a última coisa que lembra ter feito antes de o
espelho explodir em um estouro barulhento, espalhando centenas de cacos pelo chão.
Assustada, Lara se afastou caminhando de costas, protegendo seu rosto com os braços.
Então tropeçou no degrau inicial da escada e caiu perdendo o equilíbrio, batendo a
cabeça no corrimão de mogno. Perdeu os sentidos imediatamente, permanecendo
desmaiada sobre os degraus da escada. Então abriu os olhos com dificuldade. Não mais
estava na sala de casa, estava em uma rua suja e escura nos arredores da cidade. Um
local no qual nunca estivera. Havia uma melancolia no ar que unida a seu desconforto
interno, a faziam chorar. Caminhou pelas ruas vazias a procura de ajuda, alguém que lhe
ensinasse como voltar para casa, até que parou subitamente assustada. Mais adiante,
Mabel era violentamente surrada por um homem forte e loiro. Lara fez menção de
gritar, mas não conseguia articular palavras; estava sufocada. Olhava para todos os lados
e não via ninguém que pudesse ajudar. Soube então que estava ali para observar. Mabel
era esbofeteada e socada, enquanto tentava, sem sucesso, se defender. Em certo
momento, caiu aos pés do rapaz chorando:



    
  


 
   

- Por favor, Carl me perdoe. Eu prometo não ver mais o Josh.

- Eu odeio levar chifres, Mabel. Se fosse uma puta qualquer eu nem ligaria; mas você era
a minha preferida.

- Aconteceu quando eu estava alucinada, por causa da heroína, você sabe, eu ainda não
me acostumei.

- Comigo você tinha drogas de graça, dinheiro... E com aquele viciado vai ter, o quê?

- Nada, cara, e é por isso que eu te amo!

- Viciada só ama as drogas, Mabel. Você não é diferente. Ta buscando droga fácil e a
merda toda é que você sabe demais.

- Fala da morte da Safira?! Eu não vou te entregar para o pai dela, juro!

- Você é perigosa, Mabel. E tem muito dinheiro na jogada. – Olhou em volta analisando o
lugar – Vou te dar uma chance. Some da cidade com o Josh e não apareçam mais aqui.
Quem sabe eu esqueça vocês.

- Mas eu não tenho para onde ir.

- Isso não é problema meu, Mabel. Sumam! É a última chance que eu dou a vocês.

Chorando, Mabel se levantou e correu na direcção da irmã, sem vê-la. Carl então sacou a
arma. Lara viu e abanou as mãos, sinalizando para que Mabel se abaixasse. Mas ela não a
via. Corria sem olhar para trás, balançando seus cachos vermelhos, vestida com sua
calça e jaqueta de couro negro e um top branco por baixo. Houve apenas um disparo.
Mabel foi acertada nas costas e caiu morta aos pés da irmã, que viu Carl se afastar
fumando, como se nada tivesse acontecido. Lara a abraçou chorando. Acabara de
presenciar o assassinato de sua irmã. Se foi um sonho, ou alucinação, era real demais. E
agonizante também. Mabel sangrava muito no momento em que piscou os olhos,
murmurando:

- Que bom te ver, Lara.

- Não fala nada, Mabel – disse Lara tentando parecer forte, sem perceber que a voz
estava de volta - tudo vai ficar bem.

- Já aconteceu, Lara, já estou morta.

- Não fala isso, Mabel – dizia ela chorando desesperadamente.

- Estraguei minha vida, Lara. Completamente. Não vivi nada.

- Eu queria ajudar.

- E pode.

- Como?

- Me aceitando.

- Não entendi – disse ela meio confusa.

- Me abrace, me sinta... E vai entender.

Lara a abraçou forte e se viu tomada por um ódio profundo. Uma angústia crescente
possuindo seu corpo. E tudo começou a rodar rápido, muito rápido. Viu pessoas que
nunca conheceu. Lugares onde nunca esteve. Gostos que nunca experimentou. Palavras
que nunca ouviu. Frases que jamais disse. E tudo girava rápido, muito rápido, muito
rápido... Então parou. E Lara acordou sobre as escadas, levantando-se sem dizer ou
sentir nada. Já era quase meia-noite. Estava frio, mas mesmo assim ela tirou as roupas,
ficando nua. Então riu. A risada mais debochada que já se ouvira, e a medida que fazia
isso, seu cabelos lisos iam se encaracolando aos poucos até ficarem à altura do ombros.



    
  


 
   

Sua risada sobrenatural preencheu o ambiente silencioso. Calmamente, subiu até o


quarto, sentou-se diante da penteadeira e pôs-se a maquiar-se como a mais vil das
prostitutas. Vestiu-se toda em couro negro e enquanto se olhava no espelho, cantarolou
uma das canções pop da artista Pink:

- I'm my own worst enemy; it’s bad when you annoy yourself, so irritating... – então
parou e dize em tom duro e Frio – Carl, vamos acertar as contas.

Não havia mais dúvidas. A presença forte de Mabel se apossara de Lara, possuindo a
irmã. A jovem abriu a janela e saiu, dançando enlouquecida pelo telhado sob a luz da
lua cheia. Parecia que o demónio dominava o corpo da jovem Lara, transformada, em
busca de vingança. Não passou despercebida pelas ruas do Harlem e nem esperava por
isso. Na verdade queria ser anunciada. Agarrou um garoto de mais ou menos treze anos
e, ignorando seus gritos, murmurou em seu ouvido:

- Avisa ao Carl, onde quer que ele esteja, que a preferida dele voltou do inferno.

O garoto correu assustado, enquanto ela andava calma e bem à vontade entre bêbados,
drogados e prostitutas.

- Hei, Mabel – disse uma delas, que estava ao lado de duas outras, encostadas em um
carro – falaram que tinham apagado você.

- Pareço morta, Roxy?

- Parece mais viva que antes – disse a negra com um sorriso que realçou seus dentes
brancos.

Mabel sorriu. Mas, ao tentar atravessar a rua, um carro quase a atropelou, parando com
uma freada brusca. O motorista colocou a cabeça para fora, gritando para que saísse da
frente, mas subitamente se calou assombrado ao reconhecê-la. A jovem o reconheceu
também; Peter Stone em sua viatura. Ele a fitou da cabeça aos pés, boquiaberto. Mabel
sorriu ironicamente se aproximando do policial, que saía do carro a olhando fixamente.

- O que houve, Peter? – Disse ela enrolando os dedos nos cachos vermelhos dos cabelos –
Viu algum fantasma?

- Mabel, você estava morta... Como é possível?

- Certas coisas são reais, acredite você ou não nelas – se aproximou e o beijou
demoradamente – Eu também estava com saudades de você.

Ele a olhou com dureza, segurando seus braços com força.

- Acho que, já que não está morta, tem muitas explicações a dar, Mabel.

- Não me pegue assim, Peter, não somos mais namorados.

- Há muito tempo que não.

Então Peter a virou para algemá-la quando observou seu braço esquerdo com mais
atenção. A puxou então com força, olhando dentro de seus olhos nervoso:

- O que pensa que está fazendo, Lara?!

- Mabel, Peter, eu me chamo Mabel!

- Pode até se vestir como ela, andar como ela, mas esqueceu um detalhe. A pantera!
Mabel tinha uma pantera tatuada no braço.

- Meros detalhes! – Disse ela lhe dando um chute entre as pernas, o fazendo se curvar
arfando de dor.

A jovem então correu pela rua, sem direcção. Peter se levantou apoiando-se no carro,
gritando:



    
  


 
   

- Não faça isso, Mabel! Mabel não, Lara! Droga, as duas!

Peter a seguiu correndo e viu exactamente o momento em que a jovem, que corria
olhando para trás, foi atropelada por um carro azul. Ele então se aproximou, a
amparando nos braços.

- Está viva – murmurou – ainda bem.

Lara foi colocada desacordada no carro. Peter não sabia o que pensar, mas acreditava na
hipótese de Lara ter enlouquecido por causa da morte de sua irmã gémea. Então
disparou com o carro quase atropelando a multidão que se aglomerava em volta do local
do acidente. Lara acordou meio tonta na cama de um hospital. Inicialmente tudo
pareceu turvo, então sua visão se fixou melhor e ela reconheceu Peter diante dela.
Parecia meio nervoso enquanto ela estava muito confusa.

- Onde estou?

- Hospital psiquiátrico Mina Harker – respondeu ele secamente.

- E o que eu estou fazendo aqui, agente Stone? Onde estão meus pais?!

- Seus pais já passaram por aqui mais cedo. Vão voltar mais tarde com suas coisas.

- Minhas coisas? – Se sentou calmamente – O que está acontecendo aqui?!

- Qual é a última coisa que se lembra de ter feito ontem?

- Ontem? Não sei... não lembro – o olhou seriamente – Que diferença isso faz?

- Você atravessou a cidade como se fosse sua irmã. Estava no Harlem, lembra? Por sorte
eu te encontrei antes que você fizesse alguma loucura.

- Isso é loucura, agente Stone. Não me lembro de nada disso e sempre tive boa memória,
no convento nós...

- Por mais que tente negar, Srta. Hunter, a morte de Mabel a afectou profundamente.
Você agiu como se fosse ela por um tempo.

- Quer dizer que Mabel possuiu meu corpo ontem?

- Não existe essa história de possessão, Srta. Hunter – voltara a usar o tom formal com
ela – Você só está impressionada com tudo o que anda acontecendo.

Lara então lembrou-se dos últimos acontecimentos da noite, até o momento em que
abraçou a irmã em seu subconsciente e disse assustada:

- Ela me usou para se vingar do homem que a matou!

- Uma noviça não deveria acreditar nesse tipo de coisa – disse Peter irritado.

- Acredito no que vejo e não nego isso. Ela veio me avisar que Carlton Fiennes a matou!

- Como sabe esse nome? – Perguntou ele intrigado.

- Não sei... Acho que Mabel me contou!

- Impossível, Srta. Hunter. Carlton era o namorado de Mabel...

- Um deles!

-... Todos sabiam que ela era a preferida dele. Além do mais, ele denunciou Joshua
Walker para os bandidos, pelo assassinato de sua irmã e Safira Brown.

- Joshua era inocente! – Gritou Lara – Não tenho como provar, mas eu sei...

- Se não tem como provar... – começou ele a interrompendo.





    
  


 
   

- Cale-se, eu estou falando! Carlton cometeu os dois crimes e se livrou deles acusando
Joshua. Até ganhou dinheiro por isso. Um milhão, pelo que sei. E se você não agir rápido
ele vai fugir!

- Você está desnorteada, não sabe o que diz.

- E garanto que você sabe, não é? – Gritou ela em um tom irónico, porém descontrolado.

Dois enfermeiros então entraram no quarto após ouvirem os gritos, seguraram Lara e lhe
aplicaram um sedativo. A última coisa que Lara viu antes de adormecer foi um
enfermeiro afastar Peter do quarto, seguido por uma Mabel de aparência demoníaca.
Lara tentou avisá-los, em vão, pois em poucos segundos caiu em um sono profundo.
Peter dirigia intrigado com a discussão que tivera com Lara. Podia até ser que ela
estivesse mentindo, mas sabia de coisas demais e ele não conseguia explicar isso. Ela
parecia mesmo Mabel. E beijava como ela. Até sabia do caso secreto entre os dois.
Prendera Mabel há oito meses, mas seduzido pela sua beleza, tiveram um caso. Era pura
paixão e Peter não nega que tenha ficado completamente envolvido pela jovem.
Impetuosa e perigosa, Mabel nunca aceitou os limites que teria de respeitar namorando
um policial. Por essa razão, o romance teve fim em menos de três meses, deixando
Peter completamente obcecado. Porém suas tentativas em reconquistar a jovem não
alcançaram nenhum resultado. As drogas haviam ocupado um grande lugar em sua vida e
a destruíram. Só ele sabe o quanto sofreu com sua morte e o quanto andava confuso com
relação aos eventos recentes. Seu cepticismo o impedia de acreditar no mundo
sobrenatural, mas havia algo estranho em toda aquela história. Talvez estivesse apenas
com medo de acreditar nisso e era o que o estava deixando profundamente abalado.
Desceu do carro olhando em volta, como o habitual, e subiu rapidamente o lance de
escadas até seu apartamento sujo e malcheiroso no East Village. Uma mancha no bairro,
segundo Meridith, sua vizinha de cima. Para um policial jovem, transferido de
Washington, aquilo significava a sua independência e liberdade. Espalhou a roupa que
tirou do corpo pela sala e chegando ao quarto, se jogou na cama só de sunga e meias.
Não pôde evitar pensar em Lara e em suas histórias sobre a volta de Mabel. Por mais
estranho que parecesse aquilo, de alguma forma ela sabia do caso entre eles quando
ninguém mais sabia.

- Talvez Mabel tenha confidenciado isso à irmã – murmurou consigo – Por outro lado,
Lara disse que ela e a irmã não conversavam muito. Talvez...

Um ruído na porta lhe chamou a atenção. Alguém a arranhava insistentemente, gemendo


por vezes, enquanto parecia conversar consigo mesmo em tom murmurante.

Peter segurou sua pistola semi-automática e caminhou lenta e astuciosamente pelo


corredor, depois pela sala, até parar diante da porta.

- É ele! – Disse a voz murmurante atrás da porta e então tudo ficou silencioso.

O jovem policial sentiu um frio lhe subir pela espinha antes de abrir a porta com a arma
direccionada para quem quer que estivesse ali. Porém, a falta de um alguém a quem
culpar pelo susto, fez seu temor aumentar ainda mais. De repente riu alto:

- Essa história de volta dos mortos me impressionou.

Bateu a porta sem perceber que havia uma jovem ruiva atrás dela sorrindo. Mabel
Hunter. Jogou a sunga longe e entrou na box do banheiro, ligando a duche gelada
enquanto cantarolava "Born in USA" animadamente. Então a canção sufocou em sua
garganta quando ele ouviu a risada fria e debochada de Mabel ecoar pela casa, surgindo
de seu quarto. Sentiu o sangue gelar em suas veias, estarrecido, com o coração batendo
apressadamente. Podia ouvi-lo pulsar em seu peito. Com as mãos trémulas, apanhou um
calção azulado e a vestiu, correndo até seu quarto em seguida. O cómodo estava vazio,
rodeado por uma aura macabra que piorou ainda mais os seus temores, dando força a um
medo desconhecido que crescia a cada segundo. Então uma mão fria passeou
calmamente pela sua nuca o fazendo pular de susto, sufocando um grito de terror. Não
imaginara aquilo, sentira mesmo uma mão em seu pescoço e experimentou a terrível



    
  


 
   

sensação de ser tocado por um cadáver. Uma morta o tocara. Mabel estava ali. De
alguma forma estava ali. Peter não parou para pensar; vestiu suas roupas o mais rápido
que pôde, sem perceber que a blusa preta estava pelo avesso, e ao tentar sair pela
porta do quarto, encontrou Mabel. Sua primeira reacção foi a de olhar para o braço da
jovem. A pantera de olhos vermelhos estava lá. Era mesmo Mabel. Trajada com a roupa
com a qual fora enterrada: uma camisola lilás, sem mangas. Estava muito pálida.
Mortalmente pálida. As únicas coisas que pareciam vivas nela eram seus olhos. No fundo
daquela imensidão azul, havia um brilho avermelhado, como o fogo, e eles exprimiam
ódio.

- Vai a algum lugar Peter? – Perguntou ela se aproximando vagarosamente e a medida em


que o rapaz se afastava assustado, ela continuou – Você está dificultando as coisas para
mim, Peter. Nunca gostei disso, você sabe.

Havia uma chave-inglesa em sua mão. Peter olhou aquilo assustado, já prevendo a
pretensão de Mabel. Resolveu tomar uma atitude e pegar aquele objecto de suas mãos à
força. Gritou, reunindo forças e investiu contra Mabel. Então caiu no chão tremendo de
frio. Ele não a tocara, a atravessara, e no momento em que o fez, sentiu uma angústia
no peito. Um desejo de vingança. Sentira o que Mabel estava sentindo e era uma carga
de dor muito pesada para um espírito. Não reflectiu sobre aquilo por muito tempo.
Mabel fizera o que pretendia; o golpeou na nuca com a chave-inglesa o fazendo perder
os sentidos. Lembrou de Lara antes de desmaiar e em como fora injusto.

Mabel então se abaixou e calmamente sussurrou em seu ouvido:

- Você é bom, Peter. Eu sou má. Por isso nunca deu certo entre nós.

E gargalhou alto espalhando seu riso frio e debochado pela noite fria e escura.

Lara acordou sobressaltada na cama do hospital psiquiátrico Mina Harker. Tivera um


pesadelo assustador envolvendo Peter e Mabel; tremia, pois o sonho fora tão real que
dava a impressão de que estava acontecendo de verdade. Se levantou, aproximando-se
da janela protegida por grades metálicas. A noite estava fria e até onde sua vista
alcançava não via ninguém. Nenhum vestígio de vida. Uma enfermeira então entrou em
seu quarto. Era magra, de olhar vazio e expressão de cansaço. Entrou segurando uma
seringa e, ao ver Lara de pé, tentou esconder o objecto, falando em seguida:

- Já de pé Lara?

- Sim e gostaria de saber a que horas eu posso ir embora.

- Logo. O director Harrison está liberando os pacientes aos poucos. Hoje cedo ele deu
alta a uma menina que estava aqui desde os nove anos. Ela acreditava que um
espantalho de sua fazenda a perseguia.

- Mas eu quero ir embora agora.

- Eu sei, mas antes você precisa descansar e esperar seus pais.

- Não preciso esperá-los, eu posso ir sozinha.

- Descanse Lara e não crie problemas.

- Não estou criando problemas, você está!

- Deite-se, estou mandando! – Disse a enfermeira meio impaciente.

- Desculpe, mas você não pode me dar ordens.

- Eu vou pedir ajuda – falou ela rispidamente.

Porém, no momento em que abriu a porta do quarto, sentiu seu corpo ser empurrado de
volta por uma força sobrenatural que a fez cair, soltando a seringa. Lara ficou em
pânico, sentindo uma presença macabra no quarto. A enfermeira então gritou chocada.



    
  


 
   

Lara estava se erguendo no ar, com os olhos esbranquiçados e um riso diabólico. Suas
vestes flutuavam acompanhadas por seus cabelos cor de fogo, que se encaracolavam
lentamente. Suas pupilas azuis foram voltando aos poucos a seus olhos, até que
encararam a apavorada enfermeira no chão. Era como se um demónio maligno tivesse
fugido das trevas e a olhava com aquele sorriso diabólico. Mais tarde ela diria à polícia
que antes na vida jamais vira algo de intenso horror como aquilo e jamais sentira
angústia e medo tão profundos. Foi sua última sensação, antes de Mabel pegar a seringa,
lhe aplicar o tranquilizante e sair calmamente pela porta do quarto. Com passadas leves,
porém determinadas, Mabel atravessava o submundo do crime com um destino em
mente. Prisioneira em seu próprio corpo, Lara assistia a tudo, incapaz de retomar o
controlo. Prisioneira não só do espírito perturbado da irmã, mas também de um ódio até
então desconhecido por ela. Atravessou vielas sujas, becos escuros, lugares tão
conhecidos que lhe passavam uma espécie de segurança. Apenas a ela. Somente uma
pessoa como Mabel Hunter poderia se sentir segura em um lugar tão pesado quanto
aquele. Encontrou então o pequeno prédio que procurava. Uma construção antiga, de
seis andares, já muito desgastada pelo tempo, com rachaduras e fixações malcriadas
escrita com jets e tintas. Entrou no prédio como se fosse a dona do lugar, sem que
ninguém oferecesse resistência, e subiu as escadas, degrau por degrau, até chegar
diante da porta do quarto 606. Calmamente encostou seu dedo indicador na fechadura
e, com um ruído fraco, ela se abriu. O apartamento estava bem quente, com a
calefacção ligada e até poderia ser um lugar aconchegante, se não fosse o sofá
esburacado, as garrafas de tequila espalhadas por entre cinzeiros abarrotados de pontas
de cigarro e o nauseante cheiro de mofo que estava impregnado no local. Mabel mal
notou esses detalhes, apressando-se em se armar com uma faca de fatiar carne deixada
sobre a pia da cozinha. Aproximou-se da porta do quarto, entreaberta, e pelos ruídos e
murmúrios, percebeu que Carl estava transando com alguma prostituta. Sem que isso a
impedisse, empurrou a porta com o pé e entrou no quarto, assustando o casal sobre a
cama.

- Mabel?! – Disse Carl se sentando – Quando me disseram que você estava de volta eu não
acreditei. Achei que tivesse te matado.

Nenhum ruído. Mabel os observava calada, sem qualquer expressão no rosto pálido. A
mulher, sobre a cama percebeu a faca em sua mão e gritou tentando correr nua. Mabel
simplesmente a segurou pelo braço, abriu um sorriso e disse, ignorando seus gritos:

- Avise a polícia, Sonja.

Apavorada, a prostituta correu pelo corredor e bateu a porta ao sair. Mabel então
encarou o homem trémulo sobre a cama. Carlton gritou apavorado e pegou um revólver
escondido sob o travesseiro, apontando para Mabel.

- Quem sabe agora você morre de uma vez – disse ele atirando.

A bala parou, diante dos olhos de Mabel por alguns segundos, sem atingi-la, antes de cair
rolando pelo chão. Ela sorriu. Os olhos de Carlton se arregalaram de pavor e surpresa.
Vendo a inutilidade de sua arma, a jogou na cama e se ajoelhou aos pés de Mabel
tremendo.

- Por favor, Mabel perdoe-me. Não me mate. Por favor.

As sirenes das viaturas policiais se aproximaram, o prédio estava cercado, e as pessoas


se aglomeravam em volta do lugar, curiosas.

- O que você quer? - Perguntou Carlton - Me peça qualquer coisa.

- O dinheiro! - Disse Mabel friamente.

- Que dinheiro?

- O que você ganhou por entregar o Jóshua por um crime que você cometeu.

- Mas é muita grana! A gente pode dividir e...





    
  


 
   

- Me dá o dinheiro agora! – Voltou a dizer ela com sua voz fria.

Aquele tom o fez tremer ainda mais. Se levantou, tirou uma valise do armário e a
entregou a ela.

- O que pretende fazer com toda essa grana? – Perguntou ele pegando uma calça.

- Nu! – Disse ela – Eu quero que você fique nu.

Carlton largou a calça em silêncio. Mabel abriu a valise, se aproximou da janela e


espalhou o dinheiro no vento. Podia ouvir o alvoroço que as pessoas faziam tentando
agarrar as notas de cem dólares.

- Ficou louca?! – Gritou ele pegando novamente sua arma.

Agarrou Mabel, encostando a arma em sua cintura, falando enfurecido:

- Mortos não voltam, piranha, e você não vai fugir a regra.

- Não voltei para ficar – disse ela se virando, rindo debochadamente.

Ele apertou o gatilho nervoso, mas a bala engasgou e a arma falhou. Mabel então
segurou a faca com as duas mãos e a fincou até o cabo na barriga de Carlton, a subindo
lentamente, enquanto ele tremia sentindo a vida lhe abandonar aos poucos. A jovem
então puxou a lâmina, o fazendo cair ensanguentado, com os olhos abertos e sem vida.
Seis policiais, liderados por Peter Stone, com a cabeça enfaixada, invadiram o
apartamento e pararam estarrecidos diante da cena aterrorizante que presenciavam.
Com certeza teriam um relatório intrigante a entregar aquela noite. Subitamente, Lara
desabou no chão, desacordada, largando a faca. Mas Mabel continuou de pé, fitando os
policiais confusos com sua expressão de deboche.

- Cuide de Lara! – Disse se voltando a Peter.

Desapareceu lentamente, gargalhando friamente. Os policiais tremeram diante de tão


bizarra situação. Peter, boquiaberto, foi até onde estava Lara e a abraçou, encostando
sua cabeça em seu peito. Quando acordasse, ela estaria perdida e confusa, precisando
de respostas que ele tentaria dar. Aquela noite, os policiais perceberam que o elo que
une os gémeos é tão forte que nem a morte é capaz de romper. A risada macabra de
Mabel, ouvida aquela noite em Nova York, seria ouvida muitas outras vezes em seus
pesadelos nocturnos e continuaria para sempre pairando no quarto do apartamento 606,
todas as vezes que as sombras da noite se apossassem dele. Eternamente um lugar
assombrado. Para sempre um lugar amaldiçoado.



    
  


 
   

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