Paulo, 13/12/2012
Rapidamente, os blogs se multiplicaram -tanto de pessoas se queixando de seus devaneios excessivos como de mdicos interessados em registrar o novo transtorno e propor uma cura. Dez anos atrs, o devaneio era considerado como fuga de um provvel abuso infantil. Hoje, possvel ser sonhador sem ter sido abusado; um alvio. No fim de 2011, foi publicada, em "Consciousness and Cognition" (conscincia e conhecimento), uma pesquisa detalhando o sofrimento dos sonhadores compulsivos (http://migre.me/ciyPG): blogs e sites fizeram uma festa. Aprendemos que os sonhadores de olhos abertos sentem vergonha de sua condio. Eles se escondem, mas podem ser identificados porque, sem se dar conta, enquanto sonham, eles atuam seus devaneios em gestos e palavras (ou seja, falam sozinhos). Enfim, eles precisam ser ajudados porque tudo isso leva a ansiedade e depresso. Li recentemente, num blog, a carta de uma me preocupada porque o filho, de sete anos, no para de sonhar em proteger o mundo contra os malvados ou em distribuir dinheiro aos pobres. Ser que, nas prximas dcadas, o devaneio ocupar o lugar do transtorno de deficit de ateno? Desde 2008 (http://migre.me/ciyZL), alguns garantem que a fluvoxamina (remdio, em tese, para transtornos obsessivo-compulsivos) cortaria o devaneio excessivo. Se os laboratrios decidirem que medicar o devaneio um bom negcio, que Deus acuda as crianas. O devaneio excessivo o hbito de Dom Quixote, Madame Bovary, dois teros dos adolescentes, quase todos os autores de novelas e romances etc. Transformar esse hbito, to humano, em "transtorno", uma tentativa de regular nossas vidas com a desculpa higienista: tudo nos imposto para nossa "sade" e nosso bem. Pararemos de sonhar porque mais "saudvel" prestar ateno s no que est na agenda de hoje? No fundo, nada disso me estranha. Desde o sculo 19, as regras para uma vida saudvel (fsica e psquica) so nossa nova moral. E esse ataque contra o devaneio era previsvel: qualquer forma de poder prefere limitar os sonhos de seus sujeitos.