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A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO RS

Viabilidade e perspectivas

Publicação conjunta:

– Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS


Centro de Documentação e Pesquisa - CEDOPE

– Cáritas Brasileira
Regional Rio Grande do Sul

– Prefeitura Municipal de Porto Alegre


Secretaria Municipal de Produção, Indústria e Comércio - SMIC

Luiz Inácio Germany Gaiger (UNISINOS) (Coord.)


Marinês Besson (Cáritas Regional RS)
Fernando Maccari Lara (UNISINOS)
Ivan Sommer (PMPA – SMIC)
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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO

2 EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

3 OS CAMINHOS DA PESQUISA

4 CONHECENDO AS EXPERIÊNCIAS

5 FATORES GERAIS DE ÊXITO DOS EMPREENDIMENTOS


ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS

6 A COOPERAÇÃO E A EFICIÊNCIA NO TRABALHO

7 INSERÇÃO ESTRATÉGICA NO MERCADO

8 REALISMO E TRANSPARÊNCIA NO GERENCIAMENTO

9 UMA ECONOMIA ALTERNATIVA NO HORIZONTE?

BIBLIOGRAFIA

ANEXO 1 – LISTAGEM DAS EXPERIÊNCIAS VISITADAS

ANEXO 2 – DESCRIÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS VISITADAS

ANEXO 3 – SIGLAS UTILIZADAS


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1 APRESENTAÇÃO

A multiplicação de experiências de geração de trabalho e renda, de forma solidária e


associativa, constitui um traço marcante do campo popular nos dias atuais. Em poucos
anos, iniciativas de base relativamente isoladas, muitas vezes desapercebidas, deram
lugar a uma realidade que se expande e se dinamiza, atraindo a presença e motivando
a ação de organizações civis, do poder público e de entidades de classe.

Apenas recentemente essa novidade tornou-se objeto de estudos mais abrangentes e


sistemáticos (Gaiger, 1996; Silveira, 1995). Em parte, devido ao caráter circunstancial e
efêmero dessas pequenas iniciativas, que além de dificultar o seu registro e
acompanhamento, diminui a chance de constituírem naturalmente um movimento
comum. Em parte, em razão de sua presença polimorfa e difusa no tecido social,
aparentemente alheia aos grandes embates travados no campo popular e, portanto, de
menor expressão na ótica de interpretação antes vigente (cf. Cardoso, 1987; Gaiger,
1995a).

Todavia, à medida que a maior notoriedade das iniciativas solidárias despertou


interesse como objeto de debate e de investigação, nas universidades, centros de
pesquisa e entidades de assessoria, observou-se uma mudança de enfoque. Além de
serem valorizadas como respostas necessárias a demandas sociais urgentes, ganhou
receptividade a tese que as vê como uma base fundamental para a reconstrução do
meio social em que vivem as classes populares, meio cuja tendência à decomposição,
sem uma ação contra-ofensiva dessa natureza, alcançaria níveis intoleráveis.

Segundo essa nova interpretação, as experiências solidárias e os programas que as


sustentam estariam em vias de evoluir para uma ação propositiva, com reflexos
concretos no campo das políticas públicas e nos embates que hoje definem os rumos
da sociedade. Elas constituiríam não uma frente pré-política, mas uma ação de
fronteira, geradora de embriões de novas formas de produção e trabalho, estimuladora
de alternativas de vida econômica e social. Palavras hoje revigoradas, tais como local,
comunitário, associativo, ecológico e redes, denotam que está havendo mudanças nos
enfoques analíticos e na pauta política. Entretanto, essa aposta no potencial das
pequenas experiências carece, no momento, de estudos que possam verificar, com o
devido embasamento empírico, de que modo esta expectativa está encontrando a sua
real concretização.

Precisamente com essa finalidade, foi idealizada e realizada a pesquisa que origina
esta publicação. Ela expressa o interesse comum de um conjunto de entidades do RS,
com marcada atuação junto aos setores populares, em particular no apoio a projetos
comunitários e a associações locais de produtores. Aproximando suas frentes de
trabalho, essas entidades promoveram, em 1996, o 1º Encontrão de Experiências
Alternativas de Organização Popular e Geração de Renda, com representantes de
grupos e organizações de apoio de todo o Estado. A fim de manter uma instância de
articulação, somar esforços e prosseguir nas ações em parceria, criou-se a seguir um
fórum permanente de entidades, do qual participam, entre outras, a Cáritas Brasileira -
Regional RS, a Comissão Pastoral da Terra, o Centro de Assessoria Multiprofissional, o
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Centro de Documentação e Pesquisa, da UNISINOS, a Secretaria Municipal de


Produção, Indústria e Comércio de Porto Alegre, a Cooperativa Central dos
Assentamentos do RS e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

O projeto de pesquisa foi idealizado por esse fórum e contou com o apoio e o
acompanhamento de entidades que o integram, no planejamento global, na
mobilização de recursos, na organização de eventos e na avaliação dos resultados.
Seus proponentes e realizadores entendem que é oportuno contribuir para um balanço
dos resultados e das perspectivas desse novo campo de solidariedade popular.
Vivemos dias em que se acumula um longo período de desorganização e segregação
social, em que se redesenham os atores e as condições de ação sócio-política e,
ainda, em que os setores progressistas reavaliam os seus modelos programáticos e
estratégicos de transformação macrosocial, para os quais sempre esperaram contar,
precisamente, com o potencial reunido pelos movimentos populares.

A pesquisa teve por objeto as experiências populares de trabalho e renda no Rio


Grande do Sul. Avaliações anteriores, nesse Estado, já haviam apontado indícios
positivos de sustentação desses empreendimentos, bem como dificuldades que
enfrentam para se tornarem viáveis e promissores. Não obstante a magnitude dos
problemas com que se deparam e que os levam seguidamente à dissolução,
experiências bem sucedidas existem. Entendeu-se então que um estudo
pormenorizado, a seu respeito, poderia revelar as condições e as estratégias com as
quais os grupos de geração de renda vencem os principais desafios e evoluem, como
alternativas de sobrevivência e prosperidade econômica, funcionando então como
esteios de uma economia popular solidária. Teríamos aí um caminho para avaliar o
potencial existente nesses empreendimentos e subsidiar as políticas e ações de apoio
para o setor. Almeja-se, ainda, trazer elementos para a compreensão teórica de uma
realidade emergente, na qual talvez encontre lugar uma formidável parcela da
humanidade, num mundo que se globaliza e que deve ser pensado, em seu horizonte,
a partir de um destino comum (Morin & Kern, 1995).

Tendo ao fundo essas questões e objetivos, a pesquisa foi direcionada para duas
metas principais complementares, no sentido de avaliar a viabilidade e as perspectivas
da economia solidária, em seu estágio atual no Rio Grande do Sul:

1) Com base na análise pormenorizada e profunda de uma amostra empírica


criteriosamente delimitada, caracterizar as experiências de geração de renda que
apresentam sinais de êxito, identificando com que meios e estratégias, bem como
em quais circunstâncias, assumem os traços de empreendimentos econômicos
solidários.

2) Verificar em que medida e com quais peculiaridades, na região de abrangência


da pesquisa, as experiências de geração de renda, em suas interações
recíprocas e com a sociedade, indicam estar em formação uma economia
popular alternativa.

O cerne da pesquisa foi um trabalho de campo, realizado através de visitas a grupos


de geração de renda e da participação em reuniões e encontros. Ao mesmo tempo,
fez-se uma coleta de informações sobre os principais programas de fomento e outras
iniciativas, privadas e públicas, atuantes no RS. Para dar maior fundamentação à
5

pesquisa, houve igualmente uma revisão bibliográfica dos estudos e teorias sobre o
assunto, enfocando também o atual contexto econômico, suas determinações
estruturais, suas transformações mais amplas e seus impactos no âmbito regional e
local.

A vinculação da pesquisa a uma instância mais ampla, composta por entidades com
atuação na área, permitiu a adoção de uma metodologia participativa e interativa.
Eventos promovidos pelo fórum constituiram-se em momentos importantes de
pesquisa: em primeiro lugar, o Encontro Estadual de Economia Popular Solidária,
realizado em 18/04/97, com a finalidade de lançar a pesquisa e mobilizar entidades e
agentes; os Encontros Regionais, realizados no primeiro semestre de 1998; o 2º
Encontrão Estadual de Alternativas Populares, com mais de 250 presenças, ocorrido
em 15/08/98. Tais eventos serviram para subsidiar a pesquisa e, simultaneamente,
para o debate e a difusão dos conhecimentos gerados, possibilitando uma articulação
permanente entre pesquisa, assessoria e extensão universitária.

No âmbito da UNISINOS, coordenadora acadêmica do projeto, a pesquisa dá


continuidade a uma das linhas de pesquisa e extensão desenvolvida, há seis anos,
pelo Núcleo de Movimentos Sociais e Cultura, do CEDOPE. Tendo como objetivo
avaliar o significado das formas alternativas de economia e sobrevivência comunitária,
no cenário recente da sociedade brasileira, essa linha motivou pesquisas empíricas,
assessorias e outros serviços de extensão, cursos e publicações. Tais pesquisas,
avaliações e debates fundamentaram a presente investigação em seus aspectos
teóricos e de análise empírica. Vale observar, ainda, que a pesquisa enquadra-se nos
objetivos do Núcleo de Estudo sobre a Pobreza, do Centro de Ciências Humanas da
UNISINOS. Da mesma forma, vincula-se ao núcleo local da rede inter-universitária e
inter-sindical UNITRABALHO, bem como ao seu grupo nacional voltado à economia
solidária.

O objetivo deste texto é apresentar os principais resultados da pesquisa. Seu eixo


condutor é a análise dos diversos fatores, de natureza econômica, social, política e
cultural, que intervêm no desenvolvimento das experiências de solidarismo econômico
e explicam seus êxitos e dificuldades. Em cada capítulo, os dados empíricos são
discutidos, relacionados às questões da pesquisa e cotejados com outros estudos. A
reflexão teórica, pela qual se inicia o texto, no cap. 2, estende-se de forma articulada
com a análise dos dados empíricos, até o capítulo final.

Tratando-se da primeira publicação oriunda da pesquisa, o texto tem, naturalmente, um


caráter inacabado. No futuro próximo, ele deverá ser revisto e complementado por
outras publicações, à medida que a continuidade da pesquisa de campo agregar novas
informações e, por outro lado, as conclusões atuais forem enriquecidas pelo debate
com agentes e estudiosos da economia solidária. Alimentar esse debate é o seu
propósito.

Finalizando, a equipe da pesquisa expressa o seu reconhecimento a todas as pessoas


e instituições que colaboraram com a sua realização. Em particular, ressalta o papel
fundamental dos informantes e grupos visitados, cujo interesse e disponibilidade
permitiu-nos compreender melhor os caminhos trilhados e os rumos da solidariedade.
6

2 EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Quinze anos após sua ressurgência no país, o solidarismo econômico das classes
populares apresenta-se com um quadro diverso e uma trajetória merecedora de
atenção, no sentido de compreender sua gênese e delinear seus possíveis
desdobramentos. Resumir em grandes linhas esse quadro, indicar algumas hipóteses
que se vêm formulando sobre o futuro da economia solidária, destacar por fim
determinados problemas, práticos e teóricos, que esse campo de experiência tem
apresentado, são os objetivos deste capítulo. Com essa visão de contexto, melhor
poder-se-á situar o objeto da pesquisa e avaliar os seus resultados.1

Não há números aproximados sobre o total e os tipos de empreendimentos solidários


no país.2 Estudos específicos e estimativas setoriais indicam no entanto um surto de
desenvolvimento notável, onde o revigoramento de experiências mais antigas, a
exemplo das cooperativas de produção agropecuária e de consumo, ocorre lado a lado
com a expansão de novos segmentos (cooperativas de serviços e de trabalho) e com
uma grande diversificação das iniciativas locais, em regiões rurais e urbanas. Ao
mesmo tempo, aparecem novos agentes e ações de apoio, fazendo convergir o poder
público, a iniciativa privada e uma gama variada de organizações não governamentais
e sem fins lucrativos.

Um levantamento sumário das iniciativas econômicas solidárias hoje existentes, nos


diversos recantos do país, apresenta um leque amplo, que abrange inúmeras
associações informais, negócios de caráter semi-familiar, pequenas indústrias
artesanais e microempresas, em regime de produção permanente, temporário ou
mesmo ocasional. As atividades econômicas compreendem, além do plantio e
comercialização de produtos agrícolas, o beneficiamento da produção primária,
pequenas confecções e indústrias de alimentação, artesanato e prestação de serviços,
entre muitas outras.3 Ao lado de outras alternativas de subsistência que se generalizam
na América Latina, expandindo o setor informal e a “economia subterrânea”, essas
experiências de trabalho e renda compõem o que se pode chamar de economia
popular (Razeto, 1993), na qual encontram guarida os segmentos postos à margem
dos sistemas convencionais de geração e distribuição de recursos, assentados no
mercado capitalista e no Estado.

Os motivos que induziram parcelas importantes dos setores populares a buscarem tais
alternativas de sobrevivência, remetem ao padrão de desenvolvimento nacional
instaurado nos anos 60. O efeito das políticas instauradas sob sua égide foi provocar
uma integração social altamente seletiva, enquanto se acelerava a desarticulação da
sociedade e aprofundavam-se as desigualdades. No lugar do welfare state, tivemos no
1
Uma boa parte das considerações que seguem foi publicada, sob forma de artigo, na Revista Contexto e Educação
(Gaiger, 1998) e republicada, a pedido, na Revista Renovação (CNBB - Regional Sul 3, nº 319, ago. 1998).
2
O único setor onde há recenseamentos sistemáticos é o das cooperativas, caso em que as cifras apontam um
crescimento importante nos últimos anos. Um levantamento amplo e inédito da economia solidária no Brasil é a
meta de um projeto de pesquisa, preparado pela UNITRABALHO, uma rede bilateral entre sindicatos e
universidades.
3
Para uma visão de conjunto, contemplando diferenças regionais, ver Cáritas (1995) e Gaiger (1996).
7

Estado um vetor fundamental do crescimento econômico, pautado numa regulação


excludente dos conflitos e em políticas que financiaram a reprodução do capital, sem
financiar a reprodução da força de trabalho e tampouco garantir a observância das
regras e dos direitos de cidadania (Doimo, 1995).

Não obstante esse traço estrutural do nosso subdesenvolvimento, ciclos localizados de


crescimento e facilidades na captação de recursos externos permitiram ao Estado e ao
mercado, até meados dos anos 70, incorporar parcelas da força de trabalho privadas
dos meios de subsistência e entregues à pauperização, como bem atesta o massivo
êxodo rural registrado na época. Desde então, modificações tecnológicas, com reflexos
na organização do processo de trabalho, somadas à reestruturação dos mercados
nacionais e internacionais, diminuíram gradativamente a capacidade de absorção de
mão-de-obra pelo mercado; ao intensificarem a capitalização dos fatores de produção
(como a terra), excluíram de sua posse os trabalhadores e, por conseguinte, minaram
seu acesso aos meios e aos serviços essenciais à sua subsistência. Ao mesmo tempo,
o Estado mergulhou em sucessivas crises fiscais e administrativas, reduzindo-se com
isso seu poder de incorporação da mão-de-obra excedente, assim como os recursos
disponíveis para as políticas sociais tradicionais.

Tais tendências, por um largo tempo, foram vistas primordialmente como resultado de
uma condução autoritária do Estado e de uma concepção elitista do crescimento
econômico. O front principal situava-se no campo político (pela democratização e pela
ascenção de novas forças ao poder) e nas relações de classes (pela instauração de
um pacto social que redistribuísse os frutos do crescimento). No cenário mais amplo, a
política e a economia mundial apareciam divididas em dois blocos e em duas lógicas: a
do mercado e a do planejamento estatal. Estado x mercado constituía a disjuntiva em
que se dava o embate ideológico e político (Laraña, 1996: 325).

Por conseguinte, as frentes de ação que não tencionavam esses antagonismos eram
consideradas subsidiárias, ou mesmo desagregadoras. Não havia muito o que indagar
sobre o potencial das experiências comunitárias, tanto mais que delas se ocupavam
programas de instituições com um papel secundário ou de discutível confiabilidade
política, como a filantropia das igrejas e as ações de promoção de inúmeras agências
internacionais, para não falar do braço social do Estado. Tratava-se, naquela ótica, de
ações assistenciais, ambíguas, que incidiam sobre as conseqüências do modelo
vigente e não sobre os pilares que o sustentavam. Ações cujo valor esgotava-se na
lógica de defesa e resistência em que se movia, efetivamente, a quase totalidade
daquelas experiências.

Os anos 90, no entanto, deixaram claro que a degeneração do tecido social é a face
dramática de uma reestruturação global da economia, em curso há três décadas,
decorrente da reconversão tecnológica e produtiva do capitalismo deste final de século
e do reordenamento internacional dos mercados e dos grandes agentes e pólos
econômicos (Harvey, 1989; Antunes, 1995). Com a aplicação da informática à
automação industrial e a gama de inovações na organização do trabalho, o
crescimento industrial já não gera uma ampliação significativa na oferta de postos de
trabalho. Fenômenos como a reengenharia, a terceirização e a disseminação do
trabalho temporário ou a domicílio, são componentes de uma quebra na estrutura
ocupacional, com efeitos imediatos sobre as carreiras, a qualificação e as chances de
inserção sócio-profissional. O conhecimento e a formação intelectual passam a ser
requisitos indispensáveis para o ingresso no mercado. A geração de empregos, quando
8

ocorre, vem acompanhada de uma profunda segmentação, que reserva à maioria dos
trabalhadores condições precárias de trabalho, a que se somam o debilitamento das
políticas de proteção dos trabalhadores e as enormes deficiências na escolarização e
na formação para o trabalho.

O paradigma clássico do desenvolvimento, baseado na grande empresa e na


estabilidade do trabalho assalariado, está, assim, inexoravelmente em causa.
Tampouco sustenta-se a suposição de uma tendência à homogeneização do processo
produtivo. Conforme se observa também nos países de economia avançada (Defourny,
1994; Sauvage et al, 1996), para os setores sem chances no mercado, ou em vias de
exclusão, transformados num exército de dispensados, é mister buscar alternativas ao
assalariamento. Na contraface da dita sociedade do conhecimento, o tema da pobreza
e da erradicação da miséria voltou com urgência à agenda. Desfeita a expectativa
depositada no crescimento econômico e constatada a insuficiência das políticas
compensatórias, os empreendimentos solidários de geração de renda ganharam novo
valor. Eles adotam, em seu favor, o princípio de fortalecer a capacidade produtiva dos
empobrecidos. “E sua principal capacidade é, em primeiro lugar, seu trabalho.” (Lisboa,
1996: 15).

Reforçando essas expectativas, as avaliações indicam que os programas de apoio e as


experiências de base têm evoluído. O caráter assistencial predominante nos anos 80
deu lugar a ações que buscam a emancipação dos setores sociais assistidos, mediante
a revitalização de suas energias e a apropriação de tecnologias produtivas e
organizacionais, compatíveis com os seus saberes tradicionais e sua capacidade de
ativar recursos próprios. Ao poder público e às instituições filantrópicas, juntaram-se
setores renovados das igrejas, ONGs e organizações populares. Fundos e agências
internacionais igualmente adotaram nova postura, estimulando a auto-sustentação dos
grupos beneficiários e, portanto, sua viabilidade econômica no interior de uma
economia de mercado.

A disseminação e continuidade das experiências deixam a esta altura registrados


alguns resultados tangíveis. Em primeiro lugar, elas garantem a sobrevivência imediata
e a subsistência material de populações sem recursos, vitimadas há mais de duas
décadas por uma conjuntura economicamente adversa. Além disso, oportunizam o
aprendizado de algum ofício, o domínio de técnicas simples e eficientes; portanto,
algum crescimento intelectual e profissional. Seu fundamento comunitário recupera
valores e práticas deixadas no esquecimento, dando-lhes novo sentido e amplitude e
propiciando a inclusão e a reconstrução pessoal dos indivíduos. Por fim, em vários
casos (Cáritas, 1995), ocorre uma ruptura no padrão parternalista e clientelista
imperante na assistência às populações pobres, juntamente com o desenvolvimento de
uma atitude socialmente participativa, de parte de seus protagonistas.

O alcance das microexperiências depende de circunstâncias imediatas que lhes são


próprias e das pressões estruturais exercidas sobre as diferentes categorias que a elas
acorrem, como meio de defesa e sustento. Sendo essa população altamente
heterogênea, introduzem-se metas e dinâmicas diferenciadas, além do peso de fatores
subjetivos decorrentes da natureza eminentemente voluntarista das iniciativas. Daí
haver reticências quanto ao seu significado, na medida em que poderiam levar a um
simples acomodamento ao status quo, com efeitos tópicos e meramente paliativos,
desviando as energias do campo popular de lutas maiores e decisivas.
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Observa-se, porém, que certas experiências transcendem o patamar de subsistência e


atingem níveis de acumulação e crescimento. Embora vulneráveis, alcançam alguma
estabilidade e viabilidade a médio prazo. Caracterizam-se ainda por um maior grau de
organização interna, de integração ao mercado e de articulação com grupos similares,
órgãos públicos, entidades privadas, etc. Esses fatos alimentam a linha de
interpretação que hoje ganha força no debate intelectual e político: as
microexperiências estariam cumprindo um papel fundamental na formação de
indivíduos e grupos com capacidade de ação, forjada pela vivência de reorganização
da vida cotidiana e, por extensão, das demais esferas da vida social (Gadotti, 1993);
num ambiente cambiante, seu poder irradiador e sua tendência a multiplicar vínculos
estariam apontando para a gênese de uma economia popular solidária, integrada à
economia de mercado e no entanto contraposta à sua lógica mercantilista.

Um horizonte semelhante descortina-se em outros países da América Latina, onde


diversas economias sentem o impacto das mudanças em curso no cenário mundial,
como sejam a acelerada concentração de capital, o incremento da competição e a
reconversão tecnológica. O resultado é uma modernização parcial e dependente, que
termina por conferir ao setor informal papel preponderante para a sobrevivência de
amplos extratos sociais (Razeto, 1997: 29-33). A isso acrescenta-se, à raiz da crise
econômico-financeira dos anos 70, o abandono do modelo nacional-
desenvolvimentista que, mal ou bem, significara o estabelecimento de certas garantias
sociais, previdenciárias e trabalhistas, e um compromisso do Estado com o
atendimento de necessidades básicas no campo da saúde, da educação e do
emprego. Amplia-se, em conseqüência, a busca de alternativas de sobrevivência,
diante da qual os setores populares do continente contariam, até certo ponto, com a
preservação de identidades coletivas calcadas numa história e num território comuns
(Defourny, 1994: 4) e, por outro lado, com uma larga experiência de informalidade
econômica, cuja persistência e magnitude são marcas estruturais do desenvolvimento
latinoamericano.

O caráter dessas iniciativas também vem alterando-se nesses países. No Chile,


significaram, nos anos 70 e 80, um meio de resistência à exclusão política, social e
cultural, além de defesa contra a degradação das condições materiais de vida. Na
presente década, estariam evoluindo para a condição de agentes econômicos
dinâmicos, geradores de emprego e renda, ao mesmo tempo que propulsionam uma
rede diversa de organizações, com funções de troca, intercâmbio e apoio (Nyssens,
1996; 1997). Muitas adotam formatos coletivos e logram taxas razoáveis de
crescimento, conciliando e reforçando mutuamente a cooperação no trabalho e a
acumulação econômica.

Casos similares registram-se na Argentina, país dos mais afetados pela nova realidade
econômica e deparando-se hoje com um quadro de reforma acelerada do Estado, alta
concentração do capital, queda do poder aquisitivo e desemprego crescente. A aposta
em pequenos empreendimentos associativos, mediante a requalificação técnica dos
produtores, tem gerado bons resultados, em particular quando se observa o apoio do
poder público local e o interesse de instituições dotadas de recursos e competências
(I.C.D.A., 1997).

Países como a Nicarágua, em aguda crise econômica e havendo, no entanto,


conhecido, em período anterior, políticas direcionadas aos setores populares,
encontram nas estruturas associativas então criadas o lastro e a possível saída
10

estratégica diante do fracasso reiterado das medidas voltadas ao setor privado


empresarial. Tendências de articulação horizontal e de integração vertical sinalizariam
hoje a possibilidade concreta de operar em larga escala, inclusive no mercado externo,
sem perda da identidade própria que caracteriza esses novos agentes econômicos
(Núñez, 1997).

Igualmente na África, grupos informais se desenvolvem e alcançam uma importância


macroeconômica nada desprezível. Na África do Oeste, mais da metade do algodão é
comercializado por mercados auto-gestionários: em Camarões, existem mais de 200
agrupamentos; em Burkina Faso e no Sahel, grupos similares espalham-se por quase
todas as localidades. A criação de vínculos, através de uniões e redes, é outra
característica a salientar, a exemplo do Senegal, onde meio milhar de grupos de
mulheres constituíram uma federação nacional (Jacquier, 1988: 90).

Situação análoga é visível no hemisfério Norte, através de um campo multiforme de


iniciativas que assinala a revivescência de uma economia social (Laville, 1994), com
elementos de continuidade e de ruptura com a tradição mutualista e cooperativista do
século XIX (Desroche, 1987). Na esteira da crise do modo de regulação fordista e da
superveniência de problemas e impasses de natureza social, ambiental, étnica etc., a
nova economia social aparece como uma alternativa diante da flagrante impotência do
poder público e do setor privado capitalista. Dotada de uma ressonância política
positiva, ela implicaria algo novo em relação à inexorabilidade do mercado e à
insensibilidade da ação estatal (Mellor, 1991). Favorecendo-a, nota-se um processo de
renovação dos movimentos sociais, com a valorização da criação de empresas por
razões sociais e éticas, o reconhecimento das mesmas pelo movimento operário, o
desenvolvimento do voluntariado e a multiplicação de associações humanitárias,
ecológicas, culturais etc. (Carpi, 1997: 92). Exemplos são abundantes, entre outros
países, na França, na Bélgica, no Canadá e nos Estados Unidos (Defourny & Monzon-
Campos, 1996).

Observa-se, por exemplo, uma revitalização das cooperativas de trabalho, braço menor
da tradição cooperativista européia. Em 1985, estimativas apontavam a existência de
32.000 empresas do gênero, empregando mais de 800.000 trabalhadores. No Reino
Unido, as cifras evoluíram, entre 1976 e 1985, de 80 para 1.200; na Espanha, as 250
cooperativas de trabalho conhecidas em 1979 deram lugar, nove anos depois, para
2.000 empresas (Defourny, 1988: 140). No que se relaciona à comercialização,
estimava-se, em 1993, um volume de comércio alternativo 200 milhões de dólares; em
1996, o continente apresentava perto de 3.000 estabelecimentos, vinculados à
European Fair Trade Association (Laraña, 1996: 332-33).

Outro exemplo a registrar são os LETS,4 iniciados no Canadá e hoje com centenas de
experiências no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e outros países (Singer, 1997).
Basicamente, os LETS são um sistema local de troca de produtos e serviços, mediante
crédito mútuo Toda a venda origina um crédito, pagável por meio de outros produtos e
serviços dos associados à rede. O mesmo vale para as aquisições, cujo débito é
saldado mediante oferta similar do sócio devedor. Quanto mais o negócio cresce em
transações e amplitude, maiores são os benefícios de cada membro, sem com isso
implicar um incremento proporcional dos seus investimentos. O capital social é
formado naturalmente, elevando o interesse dos associados.

4
Local Employment and Trading System, ou “sistema local de emprego e comércio”.
11

Em seu conjunto, essas diferentes iniciativas inserem-se numa realidade mais ampla,
de desenvolvimento de uma economia alternativa, onde coexistem atores diversos e
sobrepõem-se interações locais, regionais e inter-regionais. Embora baseada em
microexperiências, observa-se que a economia alternativa está evidenciando
capacidade de operar em escala maior, ao lado da economia privada individual e da
economia pública estatal (Defourny & Monzon-Campos, 1996). Em moldes alternativos,
identificam-se hoje, além de diversas redes de comércio regional e internacional5, a
difusão de práticas de agricultura alternativa6, o surgimento de fundos de inversão
ética7 e a multiplicação de empresas de reciclagem e reaproveitamento de resíduos
domésticos e industriais.

Uma inovação digna de nota são as instituições comunitárias de crédito. Geralmente,


visam o financiamento de microempreendedores, formais e informais, mediante
créditos de curto prazo, renováveis e progressivos, com base em avais solidários ou
em garantias extra-monetárias. Repercussão internacional teve o pioneiro Grameen
Bank, em Bangladesh: iniciado em 1983, possui mais de 1.000 sucursais e atende
2.000.000 de pessoas, em 36.000 localidades. As melhorias econômicas, sociais e
políticas, na situação da população beneficiada, são visíveis (Rahman e Wahid, 1997;
Develtere, 1998). Outras experiências sucederam-se na Índia, onde o Fórum das
Mulheres de Madras beneficia dezenas de milhares de clientes (Jacquier, 1988: 95), na
Bolívia e na Colômbia (Voigt, 1996). Os organismos de crédito popular multiplicam-se
também no Brasil, por iniciativa da sociedade civil, do poder público e, seguidamente,
mediante parcerias entre ambos e organismos multilaterais (Silveira, Amaral e Mello,
1997). Entre os casos mais conhecidos, estão a rede Banco da Mulher, a rede CEAPE,
o PROGER, o Vivacred (Rio de Janeiro) e o Portosol (Porto Alegre).

Para essas iniciativas concorre, portanto, um espectro amplo de entidades e agentes,


cuja presença estaria desfazendo a antinomia anterior Estado - mercado e
configurando um novo espaço social, alternativo ao mercado e ao Estado, por isso
apontado como um Terceiro Setor (Fernandes, 1994). Dele participam instituições não
estatais, porém de interesse público (como as associações comunitárias), entidades
privadas, sem fins lucrativos, e instituições voltadas a necessidades coletivas (como as
fundações e as próprias ONGs).

Se a projeção desse setor vier a suplantar a disjuntiva Estado x mercado, a economia


alternativa indicaria ser possível conceber o mercado como um sistema eficiente de
trocas, despojável de sua matriz capitalista. Ela nasce de uma atitude crítica frente ao
capitalismo; sem desconhecê-lo como único sistema econômico mundial na atualidade
e ponto de partida inevitável, orienta-se por valores não mercantis, como a
solidariedade, a autonomia, a igualdade e a democracia. Fundada na cooperação entre
produtores e consumidores e buscando a satisfação máxima (com vistas ao
desenvolvimento humano) ao menor custo (para os produtores e para a sociedade), a
economia alternativa estaria abrindo a possibilidade de um mercado não-capitalista, no
qual as experiências de geração de renda, bem mais que um último recurso, venham a
orientar-se por uma lógica de crescimento e expansão.

5
Não são poucas as articulações entre grandes firmas internacionais e projetos de geração de renda no Brasil (Cf.
Silveira & Amaral, 1994). No comércio entre o Terceiro Mundo e os países de economia avançada, a rede mais
importante é formada pelas Organizações de Comércio Alternativo.
6
Coordenadas pela International Federation of Organic Agriculture Movements.
7
Nos quais os depositantes arbitram sobre os critérios de aplicação dos seus investimentos, a exemplo do fundo
Faim et Développement, na França.
12

Contribuir para a verificação desse prognóstico é o propósito da pesquisa que motiva


essa publicação. Uma tarefa por certo de grande envergadura, somente realizável por
etapas, através de estudos parciais e de análises comparativas. No Rio Grande do Sul,
os avanços da economia solidária são inegáveis, mas permanecem ainda pouco
conhecidos os motivos de seu insucesso e de seu êxito. Para isso, faz-se necessário
examinar a história e as características dos empreendimentos, depreender desta
análise a sua lógica de desenvolvimento e, assim, chegar ao seu padrão de
determinação social, isto é, ao conhecimento dos fatores endógenos e externos que
condicionam a sua evolução.
13

3 OS CAMINHOS DA PESQUISA

Em vista dos objetivos e das condições de realização da pesquisa, considerando


também o conhecimento e as informações já disponíveis sobre os empreendimentos
de geração de renda, escolheu-se uma metodologia de investigação qualitativa e
interativa.

Qualitativa, porque se decidiu focalizar um conjunto restrito, porém significativo de


experiências, a fim de recolher sobre elas informações detalhadas, cuja análise e
contextualização viesse a elucidar as condições em que se formam empreendimentos
solidários com maiores chances de êxito e perenidade. No total, 35 empreendimentos
foram visitados.8 Para a coleta de dados empregaram-se roteiros de entrevistas e
planilhas, conforme se descreve adiante.

Interativa, porque as situações de pesquisa, a discussão dos resultados parciais e as


reorientações da análise fluíram do contato regular da equipe executiva com o fórum
de entidades e de diversas reuniões e encontros com representantes das
microexperiências, centros de assessoria e órgãos públicos. Nesse particular, devemos
destacar:

1) As reuniões periódicas da equipe de pesquisa, nas quais se realizou o


planejamento conjunto, a divisão de tarefas e a análise dos dados, além da
preparação das exposições de resultados e das assessorias;
2) As reuniões com o fórum de entidades e os encontros regionais com agentes e
membros das experiências, em Santa Maria, Pelotas e Passo Fundo. Nessa
ocasiões colheram-se informações, discutiram-se as hipóteses da pesquisa e
debateram-se as conclusões que estavam surgindo da análise;
3) Três encontros de alcance estadual, nos quais, além dos objetivos anteriores,
multiplicaram-se os contatos e ampliou-se o acervo de informações e
documentos disponíveis: a Feira Estadual do Cooperativismo Alternativo
(Santa Maria, 07/98), o 2º Encontrão Estadual de Economia Solidária (Porto
Alegre, 08/98) e a 1ª Feira da Solidariedade (Porto Alegre, 11/98);
4) A participação do coordenador da pesquisa em dois eventos científicos
internacionais, em Mar del Plata (11/97) e em Genebra (07/98), nos quais
submeteu ao debate dois trabalhos relacionados à pesquisa. Da mesma forma,
duas viagens internacionais, para o Canadá (02/98) e a Bélgica (07/98), em
que se avistou com pesquisadores e entidades de apoio à economia solidária e
recolheu bibliografia sobre o tema. Esses fatos ajudaram a preparar a segunda
etapa da pesquisa, na qual se fará um estudo comparativo com outros países.

Para alcançar seus objetivos, a pesquisa compreendeu três níveis complementares:


8
A lista dos empreendimentos, com seus dados de identificação, encontra-se no anexo 1. Uma descrição sumária de
cada experiência, sobre sua origem e características principais, é apresentada no anexo 2.
14

1) O nível da economia global: considerando, à luz de uma teorização


fundamental, as transformações gerais do sistema econômico, as tendências
do mercado de trabalho, a evolução do setor informal e da economia popular e,
por fim, o aparecimento de práticas econômicas alternativas, com diferentes
graus de solidez e raios distintos de abrangência.

Para esse trabalho contribuíram, principalmente, a busca e o estudo de fontes


bibliográficas, bem como as discussões havidas entre os membros da equipe e com
outros pesquisadores.

A busca e análise de fontes bibliográficas, além de outros documentos sobre o tema da


pesquisa, ocorreu paralelamente ao trabalho de campo. Para isso, foram consultadas
as bibliotecas da UNISINOS e utilizaram-se os recursos de busca da Internet. As
viagens e contatos com pesquisadores contribuíram igualmente para o conhecimento
de estudos relevantes e de autores de referência.

A identificação dos trabalhos de interesse fez-se através da pesquisa por assunto e,


quando possível, por autor. Após a identificação da obra, elaborou-se um breve resumo
de seu conteúdo, constituindo-se com isso um banco com aproximadamente uma
centena de trabalhos. Esse acervo tem servido regularmente à fundamentação teórica
da equipe e à análise dos dados, prevendo-se ademais, na segunda fase da pesquisa,
sua divulgação e sua disponibilização para consulta externa, através da Internet.

2) O nível da economia solidária no seu conjunto: identificando e caracterizando


os principais programas de apoio e iniciativas desse gênero no Estado, as
redes e articulações horizontais, as políticas sociais aplicadas ao setor, os
resultados atuais e as ações definidoras de novas perspectivas.

Como primeiro passo, definiu-se uma estratégia para identificar e coletar dados sobre
essas iniciativas, durante as visitas de campo e, quando necessário, mediante contatos
específicos. Como roteiro para as entrevistas e para a análise da documentação
recebida, ambos consignados através de uma planilha de registro, selecionaram-se os
seguintes aspectos:
a) Para a caracterização do programa ou agência: as ações desenvolvidas, as
formas de articulação e de interação, os resultados e as perspectivas de
atuação;
b) Para a interpretação dos dados: a lógica econômica e social praticada ou
estimulada, a relação existente entre o setor público e o privado no que
respeita àquela iniciativa, a concepção de desenvolvimento e de apoio aos
setores populares que pauta sua ação.

Cerca de quinze programas e agências, de abrangência regional ou estadual, foram


examinados. Além disso, algumas iniciativas incluídas nas visitas de campo são, por si
próprias, ações de articulação e de fortalecimento dos empreendimentos,
especialmente as cooperativas de comercialização. Os contatos e a análise dos dados
ficaram, no entanto, inconclusos e estão sendo retomados na segunda fase da
pesquisa. Dessa forma, será possível responder melhor ao segundo problema em vista
na pesquisa, referente à formação de uma economia solidária no RS. Sobre isso,
15

conforme se verá no cap. 9, temos, por hora, condições de formular considerações


apenas indicativas.

3) Por fim, o nível das experiências de geração de renda, alvo principal da pes-
quisa de campo. Seu estudo levou em conta quatro dimensões: a) as
características do grupo empreendedor, tais como origem e extração social,
necessidades, formas anteriores de solidariedade, recursos materiais, técnicos
e intelectuais; b) a organização do trabalho e da produção, dada pelo tipo de
coletivização e de divisão social e técnica das atividades, pelo grau de
formalização organizacional, pelo tipo de planejamento, etc.; c) a integração à
economia de mercado e as articulações horizontais, de diferentes naturezas,
bem como as características da demanda a que atendem; d) a presença de
aportes externos, em termos de financiamento, assessoria e outras formas de
apoio e assistência.

Por sua importância, esse nível de análise é detalhado a seguir.

As visitas de campo

A pesquisa de campo foi idealizada com a finalidade de cobrir uma amostra de


experiências de geração de trabalho e renda, representativa das principais situações
em que tais iniciativas vêm apresentando características de viabilidade e integração
com outras iniciativas solidárias. Para tanto, buscou-se um conjunto de
empreendimentos vinculados a diferentes instituições de fomento e, por conseguinte:
a) associados a distintas redes de assessoria e articulação; b) situados em zona
urbana, rural e na região metropolitana; c) envolvendo diferentes segmentos sociais.

A amostra foi retirada de três programas de fomento, cujas particularidades atendem a


esses requisitos:

a) O programa de Projetos Alternativos Comunitários (PACs) da Cáritas Regional.


Vinculado à uma instituição católica, existe há mais de dez anos e reúne
grande diversidade de projetos, em áreas rurais e em centros urbanos (23
empreendimentos visitados);
b) O programa de Apoio à Economia Popular, da Secretaria Municipal de
Produção, Indústria e Comércio de Porto Alegre. De iniciativa do poder público,
apóia grupos de trabalho e produção no maior centro urbano do Estado (3
empreendimentos visitados);
c) O Sistema Cooperativista dos Assentados, da Cooperativa Central dos
Assentamentos do RS. Vinculado a um movimento social consolidado (MST),
congrega diferentes tipos de associação de agricultores nos assentamentos do
Estado (9 empreendimentos visitados).

Do ponto de vista da zona de implantação e da atividade econômica principal do


empreendimento, a amostra assim se distribui:
16

a) Zona rural: associações de máquinas e equipamentos, grupos coletivos de


produção e trabalho, agroindústria e agricultura ecológica (13
empreendimentos visitados);
b) Zona urbana: produção de alimentos, pequenos ofícios e indústrias,
artesanato, coleta seletiva e reciclagem de produtos, prestação de serviços e
cooperativas de trabalho (17 empreendimentos visitados);
c) Zona rural-urbana: experiências de comercialização direta (5 empreendimentos
visitados).

Visando ainda contemplar a diversidade do Estado, a amostra divide-se em quatro


regiões:
a) Região metropolitana de Porto Alegre (7 empreendimentos visitados);
b) Região colonial de Passo Fundo (12 empreendimentos visitados);
c) Região central, no eixo Santa Maria - Cruz Alta (9 empreendimentos visitados);
d) Região sul, no eixo Pelotas - Bagé (7 empreendimentos visitados).

A fim de garantir que a escolha recaísse sobre experiências efetivamente bem


sucedidas, sua seleção foi condicionada ao fato de evidenciarem o atendimento a
cinco critérios: a) avanço efetivo no sentido da auto-sustentação econômica e
financeira; b) organização e funcionamento democrático, autogestionário e autônomo,
sem criar ou prolongar dependência de pessoas ou de entidades de apoio; c)
realizações no plano educativo, gerando envolvimento com a comunidade e com os
problemas sociais e, por outro lado, oportunizando formação profissional; d) relevância
econômica para os seus membros, não constituindo apenas uma atividade ocasional,
destinada a gerar tão somente renda complementar; d) longevidade, tendo para isso
no mínimo um ano de existência e havendo completado ao menos um ciclo econômico.

As visitas de campo foram realizadas por três pesquisadores. Iniciavam geralmente


com a observação do funcionamento da experiência e prosseguiam com uma
entrevista com representantes do grupo. Enquanto se passavam os diferentes tópicos
para a caracterização da experiência, cujos dados eram lançados na planilha 1
(esquema abaixo), um dos pesquisadores preenchia a ficha de identificação do
empreendimento e, quando oportuno, um terceiro lançava na planilha 2 as informações
atinentes aos aspectos fundamentais da análise: o desempenho auto-sustentável, o
desenvolvimento da autonomia e as ações e resultados no campo da formação
técnico-profissional e da educação para a cidadania.

A análise dos dados de campo

Posteriormente, conforme se observa no esquema adiante, as planilhas foram


informatizadas e enviadas para o bolsista do projeto, que as consolidou num único
documento. Em reuniões da equipe, o exame de cada experiência resultou numa
planilha 3, de síntese, na qual se consignaram as considerações principais em torno
dos seguintes eixos de análise: a) o desenvolvimento do vetor empresarial; b) o
desenvolvimento do vetor solidário; c) os fatores de avanço; d) os fatores de bloqueio;
e) os resultados mais relevantes do empreendimento.
17

Processamento e Análise dos Dados Empíricos

Visita e coleta de dados


Planilha 1
Planilha 2

Relatórios Individuais

Internet

Consolidação

Aspectos centrais analisados


- vetor empresarial
Análise na equipe - vetor solidário
- fatores de avanço
- fatores de bloqueio
- resultados mais relevantes
Planilha 3
(síntese)

Análise comparativa e interpretação


Esquema 1

O conjunto de planilhas, ao qual soma-se um número considerável de documentos,


forma a base da análise e da interpretação dos dados, no sentido de responder às
questões que motivaram a pesquisa. Após o exame minucioso de cada experiência,
esse trabalho prosseguiu de acordo com as seguintes etapas:
1) Análise da correspondência entre as características da amostra e a totalidade
das experiências no RS. Embora não seja uma amostra estatisticamente
representativa, é importante detectar eventuais lacunas, pois podem distorcer a
análise. Concluiu-se que o único tipo importante ausente são as cooperativas
de trabalho, as quais se tenciona incluir na segunda fase da pesquisa, a título
de amostra complementar e igualmente com a finalidade de aprofundar a
análise do trabalho cooperativo e da autogestão, comparativamente ao
trabalho assalariado. Com isso, haverá ao mesmo tempo um incremento do
número de experiências da região metropolitana, por hora pouco
representados.
2) Análise comparativa geral dos empreendimentos, visando identificar as
características significativas, perfis específicos, tendências e, principalmente,
os fatores de êxito e de bloqueio que mais se manifestam. Em seguida à
elaboração do texto de referência, procedeu-se à nova análise de cada
empreendimento, relacionando suas características com os fatores então
apontados, com o objetivo de: a) aprimorar a formulação e a identificação dos
diversos elementos implicados em cada fator; b) enriquecê-los com exemplos e
18

com uma maior discriminação das situações que abrangem; c) propor


tipologias, em que se observem linhas de evolução ou modalidades vinculadas
a circunstâncias específicas.
3) Análises por segmentos ou focalizando questões específicas, até o momento
em duas direções: a) os empreendimentos mais antigos, a fim de identificar
eventuais condições e fenômenos relacionados à perdurância no tempo; b) os
empreendimentos mais bem sucedidos, em ambos os vetores, constrastando-
os com os menos bem sucedidos no mesmo ramo de atividades, com o fim de
trazer novas nuances à compreensão das diferenças que os separam;
4) Relacionamento das conclusões retiradas do material empírico com as
abordagens teóricas, as hipóteses e demais estudos oferecidos pela
bibliografia sobre o tema. Esse trabalho fundamenta esse texto, devendo no
entanto, por sua própria natureza, prosseguir na segunda fase da pesquisa e
ensejar novas publicações, em que se buscará aprofundar determinados
aspectos, tais como as virtualidades do trabalho associativo, os possíveis
caminhos para a constituição de uma rede de economia solidária, o papel das
políticas públicas, a tendência observada no meio rural ao desenvolvimento de
atividades não agrícolas, etc.
19

4 CONHECENDO AS EXPERIÊNCIAS

As características dos empreendimentos

A primeira característica das experiências focalizadas na pesquisa de campo diz


respeito àquela atividade econômica que se pode considerar como a principal, ou por
ser a mais importante, ou por ser a mais antiga e, por isso, ter marcado a história do
empreendimento. Uma rápida análise desse aspecto propicia um primeiro contato com
a amostra e, além disso, permite avaliar se a amostra reflete, em linhas gerais, o
conjunto das experiências existentes no Estado.

Embora grande parte dos empreendimentos tenha diversificado suas linhas de


produção ou serviços, sendo essa aliás uma das razões do seu êxito, a classificação
por tipo de atividade leva ao seguinte quadro:9

Categorias N° de experiências %
Alimentação 7 20,0
Confecções 7 20,0
Produção agrícola 7 20,0
Comercialização 5 14,3
Agroindústria 3 8,6
Reciclagem 2 5,7
Serviços 2 5,7
Outros 2 5,7
Total 35 100,0
Quadro 1 – Classificação por tipo de atividade

Hoje existem poucas informações sobre os tipos de iniciativa de economia solidária


que predominam no RS. Mesmo assim, pode-se considerar que as atividades
sabidamente mais comuns, como alimentação, confecções e produção agrícola,
figuram na amostra proporcionalmente. Como vários empreendimentos atuam em mais
de uma frente, foi possível, a rigor, examinar o desenvolvimento de um número maior
de atividades. Por outro lado, conforme foi salientado no cap. 3, um tipo de
empreendimento muito importante ficou ausente e merecerá um estudo posterior: as
cooperativas de trabalho, que hoje se multiplicam em resposta à crise de postos de
trabalho e suscitam muitas interrogações.

Do total da amostra, 48,6% são empreendimentos urbanos, 37,1% localizam-se na


zona rural e 14,3% possuem implantação rural e urbana (projetos de comercialização).
Sob esse aspecto, há uma certa correspondência com o que se conhece da realidade,
valendo ainda acrescentar que alguns empreendimentos encontram-se numa situação
híbrida, porque ocupam mão-de-obra rural em atividades não agrícolas ou porque as
9
Veja no anexo 1 a lista completa dos empreendimentos e sua classificação por esse critério.
20

modestas dimensões do núcleo urbano em questão lhes confere feições de ruralidade.


Aparece, nesse particular, uma tendência a ser melhor analisada: o desenvolvimento
de atividades não essencialmente agrícolas em zonas rurais, como a fabricação de
gêneros alimentícios, confecções, olaria e outros.

O quadro abaixo indica que a distribuição da amostra pelas regiões do Estado


contempla satisfatoriamente o objetivo de examinar um número mínimo de casos em
cada região. Passo Fundo e Santa Maria fazem jus a um peso ligeiramente maior, uma
vez que há anos ambas contam com projetos de economia solidária, impulsionados
principalmente pelas pastorais sociais da Igreja Católica.10 Por outro lado, na
continuidade da pesquisa, poder-se-ia acrescentar, suplementarmente, outras
experiências da região metropolitana de Porto Alegre (além dos grupos de produção
em assentamentos que, no momento, predominam na amostra), dando assim melhor
conta da diversidade de iniciativas que aí têm aparecido nos últimos anos.

Região da pesquisa N° de Exp. %


Passo Fundo 12 34,3
Santa Maria / Cruz Alta 9 25,7
Metropolitana - POA 7 20,0
Pelotas 7 20,0
Total 35 100,0
Quadro 2 – Distribuição por regiões da pesquisa

Sob o ponto de vista da principal instituição a que se vincula cada experiência, há um


predomínio da Cáritas, com 65,71% dos casos, seguida pela COCEARGS, com
25,71%, e pela SMIC-POA, com apenas 8,57%. Essa disparidade reflete o trabalho
mais antigo e mais amplo da Cáritas, em todo o Estado. Todavia, como sempre é bom
ter vários casos em cada subconjunto, essa é mais uma razão para visitar
oportunamente outras experiências na região metropolitana de Porto Alegre. Seria
também interessante incluir na amostra, posteriormente, iniciativas sem vínculos com
as três instituições enfocadas na pesquisa, ou totalmente independentes, para verificar
se possuem características distintas e como isso repercute na sua evolução.

Algumas pistas iniciais da análise

A fim de se obter uma visão panorâmica das experiências pesquisadas, algumas das
suas características foram tabuladas e submetidas a um estudo de freqüência e de
correlação simples11. Entre as constatações desse estudo preliminar, valeria destacar
brevemente o seguinte:

O número médio de participantes varia enormemente de um caso para o outro,


podendo ser inferior a 5 ou superior a 100. Examinando-se os empreendimentos sob
10
Nota-se ainda que a amostra de Passo Fundo concentra empreendimentos no ramo alimentício, enquanto na de
Santa Maria sobressaem-se as confecções. A reciclagem aparece, no momento, como uma especificidade das
políticas públicas municipais de Porto Alegre, embora outros municípios (Caxias do Sul, Viamão) estejam
investindo nessa alternativa.
11
Basicamente, trata-se de identificar as características mais freqüentes, comparativamente às minoritárias,
cruzando-as depois entre si para verificar que relação existem entre elas.
21

esse ângulo, nota-se que o número de membros ou sócios não é algo fortuito, mas
depende das demais características do empreendimento. Isso cria dois perfis
contrastivos, entre experiências de pequenas e de grandes dimensões:

1º perfil 2º perfil

até 10 participantes mais de 50 participantes


alimentação agroindústria comercialização
confecções reciclagem atividades conjugadas
urbanos rurais rurais ou rural-urbanos
semi-familiar multi-familiar cooperativas
predomínio feminino predomínio masculino

Alguns aspectos relacionados aos perfis não causam surpresa; sabe-se, por exemplo,
que projetos de confecção são tipicamente femininos e habitualmente urbanos. Outros,
no entanto, parecem menos óbvios, como o predomínio masculino dentro das
cooperativas ou o caráter multi-familiar dos empreendimentos rurais. Mesmo se a rigor
não há grandes novidades, a tipologia indica que certas atividades correspondem a
situações sociais e econômico-materias específicas e comportam, para serem bem
sucedidas, um número determinado de membros. A envergadura do empreendimento
não depende portanto do grau de boa vontade ou de solidarismo. Traída por seu
excessivo entusiasmo, a idéia do quanto maior, melhor pode redundar em fracasso.

Consciente desse problema, embora muito procurada a Unidade de Reciclagem


Cavalhada preferiu no momento conservar o número atual de sócios, em razão de sua
limitada infra-estrutura e como forma de ocupá-los integralmente e manter um ritmo de
trabalho constante. Como veremos adiante, um desafio permanente enfrentado pelos
empreendimentos exitosos é adequar suas dimensões às suas reais possibilidades de
crescimento e reorientar essas em função de alterações viáveis no grupo
empreendedor. Isso permite, apenas para citar dois elementos a serem aprofundados,
um uso ótimo da capacidade de trabalho e, do ponto de vista gerencial, definir e
explorar corretamente o formato jurídico apropriado para o empreendimento.

Indo adiante na questão, nota-se que o número de participantes da maioria dos


empreendimentos variou com o tempo. Em 40% dos casos, aumentou; em 31,4% dos
casos, diminuiu; nos 28,6% restantes, permaneceu quase inalterado. Qual o significado
dessas oscilações?

Entre os empreendimentos que cresceram, despontam as cooperativas de


comercialização, portanto dentro do 2º perfil acima. Normalmente, a ampliação do
quadro associativo era uma meta das direções e uma condição para que essas
cooperativas superassem seus problemas estruturais. Essas cooperativas de
comercialização e apoio à produção, como fica patente nos casos da COANOL e da
COMARA, demandam uma certa escala de atuação econômica para tornarem-se
atrativas para os sócios e competitivas no mercado.

As experiências cujo número de membros permaneceu estável possuem, em regra, um


reduzido número de integrantes, dentro do primeiro perfil acima. A manutenção dessas
dimensões modestas (em alguns casos após malogradas tentativas de ampliação),
combinada com um sistema de trabalho semi-familiar, visivelmente favoreceu a
continuidade desses empreendimentos.
22

Entre os empreendimentos que perderam associados, aparecem casos com uma


trajetória instável (COOPERLAÍSA, APROMACOM, AMME), mal sucedidos (Dikasa) e,
curiosamente, todos os empreendimentos de agroindústria. Olhando a sua história,
conclui-se que o investimento nessa linha de produção foi, na verdade, uma reação à
incapacidade do empreendimento para produzir renda para todos através de outras
atividades. Ou seja, a agroindústria, via de regra, não é a primeira atividade, mas
aparece como uma alternativa, num segundo ou terceiro momento da experiência, cujo
êxito permite a reestruturação do empreendimento e, em certos casos, a absorção
posterior de novos sócios.

Outro aspecto que merece atenção é a longevidade dos empreendimentos, uma vez
que um êxito passageiro pouco significa. Para ser efetivo, deve perdurar ao longo dos
anos, com a continuidade da experiência.

Nesse particular, a amostra sugere duas situações: a) a primeira, majoritária (48,6%),


de experiências novas, movidas pelo entusiasmo e por condições iniciais favoráveis.
Algumas delas (Grupo de Produção 1A, COOPSERV, Grupo dos Siqueiras, Pé no
Chão Calçados), muito recentes, de fato ainda não puderam demonstrar a sua
viabilidade; b) um conjunto menor (37,1%) de experiências mais antigas, que já
passaram pela prova do tempo. Nota-se que a instabilidade marcou a história de
algumas (COONALTER, COOPERLAÍSA, Associação Linha Jabuticaba), que outras
contam com um apoio institucional muito importante (Unidades de Reciclagem Rubem
Berta e Cavalhada, COOESPERANÇA) e, ainda, que algumas diversificaram
gradativamente as suas linhas de produção e os seus vínculos externos (Associação
Linha Terceira, CRISFA, COOPTAR). Esse último caso parece conter as experiências
com maior grau de êxito e solidez.

A correlação entre longevidade e atividade principal evidencia que os


empreendimentos de alimentação e de confecções são recentes, deixando supor, para
esses segmentos, um índice de sucesso menor a médio e longo prazo. Os grupos de
produção agrícola, em sua maioria em assentamentos, também são relativamente
recentes e vinculados a esse entorno particular. A estrutura de apoio oferecida pelo
MST e pelo seu sistema de associações e cooperativas estabelece uma enorme
diferença; nesse caso, não são apenas os grupos, mas o próprio contexto circundante
que está em movimento.

A faixa de empreendimentos com ao menos seis anos de existência comporta diversos


tipos (mostrando que nenhuma atividade condena a uma existência efêmera), com
predomínio dos empreendimentos de comercialização. Além do forte investimento que
houve em certa época no setor,12 essas iniciativas, ao que parece, apenas se
consolidam quando há uma base local consistente, especialmente de associações
vicinais de pequenos produtores. Outra explicação para o seu êxito pode estar no fato
de que representam ganhos suplementares à economia dos seus associados. Dessa
forma, não sendo vitais para a sobrevivência, permitem inversões e riscos calculados e
adaptam-se bem às disponibilidades e interesses dos seus membros.

12
Os anos 80 e 90 registraram várias iniciativas de comercialização direta, com apoio de associações de produtores,
sindicatos, igrejas e outros agentes. A idéia, às vezes um tanto simplista, consistia em eliminar os atravessadores e
beneficiar tanto os pequenos produtores quanto os trabalhadores urbanos que consumiam os produtos agrícolas.
23

A longevidade aparece ainda vinculada a um apoio institucional externo importante.


Essa presença parece contrabalançar a instabilidade do empreendimento ao longo do
tempo e permitir, ao cabo de várias tentativas, o estabelecimento de uma estratégia de
diversificação das linhas de produção e dos vínculos externos. Quando se analisa as
experiências mais antigas e também mais bem sucedidas, essa conclusão se confirma
e se amplia: elas constituem, em proporções diversas, o resultado de uma estratégia
de diversificação de atividades, com base numa produção primária inicial, combinada
com um entorno favorável (em parte já existente, em parte construído pelo grupo) e
com um trabalho de articulação local e regional continuado.

Os empreendimentos que mais se destacam nesse sentido revelam a importância de


conciliar habilmente duas atitudes: o senso de oportunismo e prontidão, diante do
imediato, e o senso de progressividade, no que tange ao planejamento de longo prazo.
Aqui vale a máxima segundo a qual as necessidades imediatas são inimigas do
planejamento estratégico; ou seja, é preciso agir com pragmatismo dentro das
condições atuais, porém num quadro de previsão que faculta calcular e assumir riscos,
ou mesmo sacrifícios passageiros.

Quando faltam esses elementos, a presença de apoios externos repetidos acaba


erroneamente propiciando ao empreendimento uma sobrevivência artificial, sem afetar
a sua lógica de funcionamento. Aportes sucessivos, sobretudo quando a fundo perdido,
terminam cumprindo essa função, como se observou no projeto Dikasa Produtos
Caseiros e, em certa medida, na Associação de Reciclagem Ecológica Rubem Berta.

No rumo do solidarismo empreendedor

A análise individualizada de cada experiência culminou com uma avaliação, pela


equipe da pesquisa,13 do grau em que nela se desenvolvem o vetor empresarial e o
vetor solidário. Cada um deles corresponde a uma das faces do que denominamos
empreendimentos econômicos solidários (EES), ou seja, aquelas iniciativas que logram
algum nível de acumulação e crescimento, que alcançam certa estabilidade e
viabilidade, por meio da planificação de seus investimentos, e que requerem, para isso,
a introdução de uma nova racionalidade econômica, calcada no trabalho cooperativo.14
Como explicado, o principal objetivo da pesquisa foi, precisamente, verificar como as
experiências de geração de renda alcançam esse patamar.

A avaliação de cada experiência visitada mostrou que são mais comuns os casos de
conjunção, em que ambos os vetores se desenvolvem (40%), do que de disjunção
(11,5% de exclusividade para o vetor empresarial e 23% para o vetor solidário). Não há
ademais nenhum caso de desenvolvimento unilateral de algum deles, com
desenvolvimento nulo do outro. Esse fato aponta uma tendência à compatibilização
entre as duas lógicas e ao reforço mútuo de uma e outra.15

Nesse sentido, essas primeiras evidências avalizam a hipótese principal da pesquisa: a


força dos empreendimentos solidários reside no fato de combinarem, de forma original,
o espírito empresarial - no sentido da busca de resultados por meio de uma ação
13
Essa avaliação resultou na elaboração da planilha 3, conforme explicado no cap. 3.
14
Voltaremos a discutir esse conceito mais adiante. Ele nos foi inspirado principalmente pelos trabalhos de Razeto
(1990; 1993). Para maiores detalhes, ver Gaiger (1996; 1998).
15
Por outro lado, é verdade, o índice de apenas 40% de conjunção plena demonstra as dificuldades dos
empreendimentos visitados, muito embora tenham sido selecionados como exemplos de êxito.
24

planejada e pela otimização dos fatores produtivos, humanos e materiais - e o espírito


solidário, de tal maneira que a própria cooperação funciona como vetor da
racionalização econômica, produzindo efeitos tangíveis e vantagens reais,
comparativamente à ação individual e às relações de trabalho assalariadas.

Idealismo

Espírito Empreendimentos Espírito


Econômicos
Solidário Empresarial
Solidários

Realismo

– gerenciamento
– propriedade comum – planejamento
– cooperação – capacitação
– democracia – eficiência
– autogestão – viabilidade econômica
Esquema 2

O termo empresarial, no sentido empregado aqui, deve ser dissociado da semântica


que o vincula apenas ao empresário capitalista. Ele designa, nas atuais condições
econômicas, a incorporação de elementos necessários à sustentação dos
empreendimentos, tais como a qualificação técnica, a produtividade, a conquista de
mercados e a ampliação do capital. A diferença está em que a busca de maior
racionalidade vale-se nesse caso da cooperação e da exploração das potencialidades
do trabalho consorciado, em benefício dos próprios produtores. Esse espírito distingue-
se portanto da racionalidade capitalista - que não é solidária nem inclusiva - e da
solidariedade comunitária - à qual faltam os instrumentos adequados ao desempenho
econômico na sociedade contemporânea.

Sendo assim, a união das forças e aptidões individuais funciona como mola mestra da
empresa solidária (Razeto, 1993: 41), apresentando efeitos positivos tanto no processo
de produção quanto nos de distribuição e consumo.16 O trabalho cooperativo
representaria assim não somente uma opção pelo solidarismo, mas uma alavanca que
16
Segundo alguns autores (cf. Carpi, 1997), as vantagens comparativas dos empreendimentos residiriam, entre
outras, na maior flexibilidade, criatividade, eficiência ambiental e implicação dos indivíduos, metas que por sinal
estão exigindo hoje, sem retorno garantido, estratégias sofisticadas das empresas capitalistas. O aumento da
produtividade, vital no atual sistema econômico, torna inútil o incremento linear em tecnologia desacompanhado
de uma exploração intensiva do trabalho. A virtude dos empreendimentos solidários está em que permitem
avançar nessa direção sem desfigurar, mas, pelo contrário, fortalecendo o seu caráter cooperativo.
25

torna os empreendimentos de pequeno porte superiores ao trabalho artesanal e


individualizado dos pequenos produtores autônomos, além de mais resistentes aos
efeitos deletérios do capitalismo. A combinação entre as lógicas que presidem cada
vetor conduz a um círculo positivo, no qual ambas se reforçam e garantem a
viabilidade do empreendimento.

Aprofundaremos essa idéia ao longo do texto, na medida em que avançar a análise


dos dados da pesquisa. Valeria no entanto lembrar, para o seu bom entendimento, que
a preocupação com a eficiência econômica, baseada na cooperação, é hoje muito
clara entre os agentes da economia popular alternativa. Conforme foi salientado
anteriormente, a propósito dos assentamentos rurais:

“...almeja-se a racionalização dos recursos, a qualificação do trabalho, a produção para o


mercado, o aumento de produtividade, a planificação, os investimentos crescentes, etc.
Não faltam discussões, cursos e cartilhas sobre como atingir essas metas. Insiste-se
porém na distinção entre essa nova concepção empresarial e aquela da economia
estatal ou capitalista, por razões idênticas ao que se observa no âmbito dos projetos: em
contraposição aos mecanismos de rentabilidade e de lucro do sistema capitalista, os
empreendimentos solidários atingem maior racionalidade com base numa
potencialização do trabalho em benefício dos produtores. Isto é, assumem os parâmetros
de produtividade e eficiência da economia competitiva valendo-se da cooperação e por
essa via realizando os interesses de seus associados.” (Gaiger, 1996: 114-15).
26

5 FATORES GERAIS DE ÊXITO DOS EMPREENDIMENTOS


ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS

As circunstâncias e os motivos que explicam o êxito dos empreendimentos econômicos


solidários (EES) são de natureza e procedência diversa. Com certeza, é impossível
dizer, em cada caso particular, qual foi a razão decisiva que permitiu ir à frente, ou
então colocar os diferentes fatores de êxito numa ordem de importância, válida para
todas as situações. Distintos elementos entram em jogo, de forma combinada e
singular. Não obstante, a análise do conjunto das experiências, levando também em
conta outros estudos sobre o assunto, permite identificar alguns fatores de caráter mais
geral que, de uma forma ou outra, estão presentes na realidade de cada EES e
condicionam sua evolução e suas características mais específicas, conforme será
detalhado nos capítulos seguintes.

Características da população envolvida nos EES

Entre esses fatores gerais, alguns dizem respeito às características econômicas,


sociais e culturais da população envolvida em cada empreendimento. Trata-se de
elementos vinculados à trajetória de vida dos membros dos grupos, portanto anteriores
à opção pelo solidarismo e constitutivos da própria realidade social em que o mesmo
aparece. Constituem, por assim dizer, o pano de fundo e o ponto de partida de cada
empreendimento.

Por essa razão, antes de apresentá-los, é importante ressaltar que esses fatores
acarretam conseqüências inevitáveis, a começar pela natureza dos projetos solidários
que cada grupo social terá interesse ou sentido em desenvolver, mas não impedem
que tais projetos evoluam em direções opostas, de acordo com as decisões do grupo
empreendedor. Ou seja, agem como fatores determinantes, mas não obrigatoriamente
decisivos. Mesmo quando em princípio beneficiam o grupo - no sentido, por exemplo,
da autonomia (preparo profissional já adquirido, experiência com negócios, etc.) - não
são uma condição suficiente, podendo levar os indivíduos a uma perspectiva
unicamente pessoal, em que a cooperação assume um caráter meramente
instrumental e pragmático.

As características da população que influenciam os EES podem ser sintetizadas


através de dois fatores:

O empreendimento conta com alguma plataforma material e econômica


anterior, que lhe propicia recursos e alternativas nos períodos de
dificuldade, bem como meios para assumir certos riscos ou implementar
estratégias de investimento a maior prazo.

No caso das Massas ASCAL, o grupo é formado por mulheres de agricultores,


organizadas anteriormente em uma associação. A agricultura é a base de sustentação
do projeto, garantindo, além de uma importante parcela da renda das famílias, o auto-
27

abastecimento de muitas matérias-primas e ingredientes utilizados na produção de


massas.

As experiências de produção agrícola nos assentamentos têm a terra como base de


sustentação. Os agricultores, a partir do assentamento, passam a ter propriedade
sobre seus lotes e o que neles se produz, assegurando sua sobrevivência. Já as
experiências de agroindústria, viabilizam-se com base na produção agrícola anterior.
Passam à nova atividade normalmente como forma de agregar valor ao seu produto e
incrementar a renda dos participantes. Na pior das hipóteses, existe a possibilidade de
voltar à antiga atividade, ainda que prejuízos sejam contabilizados.

As experiências mais bem sucedidas de alimentação têm entre seus participantes


profissionais experientes. Além de conhecerem a atividade, já possuíam alguma
clientela. É o caso da Doce Sabor, que surgiu como forma de atender à demanda
crescente, uma vez que a coordenadora do grupo, trabalhando individualmente, já não
conseguia ampliar a produção.

No caso das experiências de comercialização, é vantajoso que sejam alicerçadas em


unidades familiares de produção e em associações de produtores consolidadas, como
no caso da ARPA, que reúne, na sua feira semanal, diversas associações de
produtores. Neste aspecto, a UNAIC, no Município de Canguçu, enfrenta dificuldades,
dado o caráter das associações que congrega, formadas em momentos anteriores,
com um enfoque diferente do que a UNAIC se propõe a incentivar.

Há uma homogeneidade social significativa entre os integrantes do


empreendimento, quanto à categoria social, à trajetória do núcleo familiar,
às referências culturais, etc. O projeto coletivo de produção e trabalho
sustenta-se numa convergência natural de propósitos e expectativas, dada
pelo projeto implícito comum de vida.

Os projetos em assentamentos caracterizam-se pelo predomínio de participantes


jovens, solteiros ou recém-casados, filhos de pequenos proprietários, naturais de
regiões próximas e com origens étnicas seguidamente comuns. Além disto, alimentam
em geral perspectivas semelhantes em relação ao futuro, pois partiram de uma
situação similar de dificuldades, luta e reivindicação pela posse da terra; estando agora
assentados, assumem o desafio comum de estruturar, de forma coletiva, sua nova
etapa de vida.

Nos empreendimentos Massas ASCAL e COOPERLAÍSA, todas as participantes são


esposas de pequenos agricultores, de condições econômicas similares. Isso possibilita
a todas, de igual forma, combinar o trabalho na produção rural com as atividades do
projeto coletivo. No Doce Sabor, a disponibilidade de horas, embora desigual, parece
ser canalizada exitosamente para o empreendimento, conjugando-se as ocupações
profissionais, no setor de serviços urbanos, com os compromissos no
empreendimento.

Características do contexto local e regional dos EES


28

Os empreendimentos são mais bem sucedidos quando existe um entorno


social favorável, que lhes garante aportes financeiros, facilidades materiais,
formação técnica, acompanhamento metodológico, troca de experiências,
cooperação entre as experiências, fortalecimento moral, etc.

As experiências da região de Santa Maria têm no Projeto Esperança uma grande


vantagem em relação a outras regiões. Há mais de dez anos, a Diocese de Santa
Maria vem procurando promover e acompanhar os Projetos Alternativos Comunitários
(PACs), em moldes idênticos aos da Cáritas-RS. O trabalho é articulado com
cooperativas, sindicatos, movimentos populares, pastorais sociais, prefeituras,
universidades e outras entidades. Proporciona, além do aporte inicial de recursos para
a formação dos empreendimentos, acompanhamento e formação geral, para os quais
mantém uma equipe permanente. Proporciona também, através da COOESPERANÇA,
uma alternativa de comercialização da produção dos grupos, através de um ponto de
vendas e de feiras semanais, além da grande Feira do Cooperativismo Alternativo,
organizada anualmente. As feiras, além de darem visibilidade e maiores oportunidades
de comercialização aos grupos, são momentos extremamente importantes de
articulação, troca de produtos e intercâmbio de experiências, num processo de
construção de uma rede de economia solidária.

A COANOL constitui outro exemplo, pois desfruta em seu notável crescimento do fato
de situar-se na região dos municípios de Ronda Alta e Sarandi, com grande tradição de
lutas sociais e de associativismo. É a região onde praticamente nasceu o Movimento
Sem-Terra e na qual exerce grande influência política, já tendo, inclusive, entre seus
integrantes, um prefeito e alguns vereadores eleitos.

Semelhantes vantagens possuem as cooperativas agropecuárias dos assentamentos


(CPAs), pelas articulações e estruturas do MST em todo o Estado, através da
cooperativa estadual (COCEARGS) e das cooperativas regionais, que proporcionam
formação e acompanhamento técnico e gerencial aos integrantes, além de outras
facilidades materiais, como aluguel de máquinas e implementos.

O que está em jogo aqui é a presença de agentes sociais integrados ao movimento da


economia solidária, bem como o grau de coesão que apresentam e a correlação de
forças que estabelecem no âmbito local e regional. Esses elementos, a princípio,
independem das iniciativas de economia solidária como tais, mas em parte podem ser
criados ou fortalecidos pelo conjunto de experiências, à medida que se articulam e
unem forças. Vários empreendimentos tiveram um papel pioneiro e modificaram aos
poucos a face de sua região. Nesse sentido, não resta dúvida que a criação de um
entorno favorável é um desafio concreto, não algo a esperar. A inexistência dessas
condições constitui um fator de bloqueio e se observa, negativamente, de modo
particular em duas situações:

Um entorno social globalmente desfavorável, em especial marcado por


tensionamentos e fissuras, latentes ou explícitas, que colocam o grupo
empreendedor numa situação marginal, de isolamento ou em que se vê
obrigado a estabelecer uma difícil negociação.

Quando do seu início, o Grupo de Produção 1A, em Jóia, era formado por 26 famílias.
No decorrer do trabalho, ocorreram conflitos e rompimentos, de modo que atualmente
o grupo é formado por apenas seis famílias. Os planos idealizados no início são
29

impraticáveis, pois o grupo remanescente perdeu equipamentos, terras e braços. É


preciso, portanto, redimensionar o projeto e restabelecer suas bases materiais e
econômicas. Além disso, faz-se necessário superar as marcas pessoais e os conflitos
existentes com as demais famílias do assentamento, para que o grupo não fique
isolado.

O Grupo dos Siqueiras, desde que separou-se da cooperativa COOPAN, ficou


marginalizado no assentamento. Essa situação acabou por desligar o grupo do seu
entorno (MST, COCEARGS, cooperativas regionais, assentamento), retirando-lhe as
facilidades proporcionadas aos demais, em aportes materiais e técnicos,
acompanhamento e cooperação.

Na COONALTER, existe um conselho de administração, previsto por estatuto, do qual


participam pessoas com visões diferentes da cooperativa. Ocorreram então, nesse
conselho, choques entre os objetivos empresariais e os objetivos eclesiais e
ideológicos, levando a um tensionamento quase imobilizante e dificultando decisões
necessárias à rentabilização do empreendimento.

A UNAIC, por seu turno, encontra-se numa região onde enfrenta resistência e
concorrência por parte de outras associações de produtores, do sindicato de
produtores rurais, do poder municipal e de órgãos de apoio e assessoria. Assim, é
obrigada a estabelecer complicadas negociações para realizar seu trabalho segundo
nova orientação. Outra experiência com dificuldades em parte semelhantes é a
Associação da Linha Jabuticaba: seus participantes sentem-se atrelados à cooperativa,
para a qual entregam sua produção. Foram também notoriamente prejudicados por
erros da assessoria técnica que montou seu projeto de condomínio rural. Encontram-se
isolados de outras assessorias e de acompanhamento.

A presença influente de lideranças ou de promotores externos que agem


com um misto de idealismo, paternalismo e intervencionismo, sem ter em
conta as reais condições do empreendimento e de seus integrantes.

A Unidade de Reciclagem Ruben Berta trabalha sob certa tutela desde o seu início. É
um grupo constituído de fora para dentro. O paternalismo e a forma de condução de
determinadas lideranças externas, ao que se pode inferir, não favorece que a
inexperiência e despreparo dos membros sejam superados e o grupo alcance sua
autonomia. Por seu lado, o grande aporte de recursos a fundo perdido que recebeu o
projeto Dikasa aponta para a hipótese de equívocos importantes na avaliação do
projeto, por parte dos agentes mediadores. Na prática, independentemente das
intenções, o projeto funcionou como meio para garantir o sustento do seu coordenador,
em retribuição por seu engajamento em ações pastorais e sociais.17

Ambos os empreendimentos, em contextos diferentes, evidenciam os equívocos de


uma linha de trabalho, na qual rapidamente se observam tendências de favorecimento,
bem como dificuldades, para os apoios e assessorias, de superar sua externalidade
em relação ao grupo beneficiário.

17
Segundo agentes ligados ao projeto, o coordenador sempre se interessou mais pelas suas atividades pastorais do
que propriamente pelo trabalho no Dikasa. Utiliza, inclusive, como argumento para o insucesso do projeto, o fato de
ser um “igrejeiro”, e não ter aptidão para atividades produtivas ou comerciais.
30

A lógica de desenvolvimento do empreendimento

Um terceiro tipo de fatores gerais está relacionado à forma como o EES organiza e
incrementa as suas atividades. Esse aspecto é terminante, uma vez que define a
orientação da experiência, e depende basicamente das decisões do grupo
empreendedor, para as quais se vale de informações, de formações recebidas e do
debate interno que propicia. Três fatores merecem destaque:

Exploram-se os recursos humanos, materiais e financeiros das unidades


familiares e das interações vicinais, sobre as quais se estrutura o
empreendimento, de modo a potencializá-los sem descaracterizá-los e,
assim, propiciar uma metamorfose da matriz de entre-ajuda, fundada no
costume, para uma lógica econômica empreendedora.

Empreendimentos como a padaria GESMA, cooperativa COOPERLAÍSA e, sobretudo,


Doce Sabor e LC Jansen, demonstram a importância dos recursos financeiros, do
espaço físico, de instalações e meios de transporte, dos saberes profissionais e da
mão-de-obra alocadas ao empreendimento pelas unidades familiares preexistentes,
sem rompimento brusco dos laços e práticas anteriores.

A experiência de entre-ajuda, no grupo GESMA, foi forjada na luta pelo assentamento


urbano em que se localiza o empreendimento. Para sua implantação, beneficiaram-se
do aporte de diversas instituições, já envolvidas na luta pela moradia ou sensibilizadas
com o projeto. A COOPERLAÍSA vale-se notoriamente, e com sábia flexibilidade, das
horas disponibilizadas e do interesse, variável, das agricultoras-costureiras. Estruturou-
se, ademais, a partir de grupos de costura, amparados numa ampla e sólida rede de
CEBs e no movimento de mulheres.

No caso do Doce Sabor, o espaço físico e alguns equipamentos são de propriedade da


coordenadora, que já exercia o trabalho de forma individual, e tinha também, portanto,
o conhecimento específico da atividade. Além disto, aproveitam-se também as horas
disponíveis da sócia filha da coordenadora para o trabalho no projeto. Na LC Jansen
(vide esquema) ocorre fato semelhante: diversos familiares participam do projeto e
contribuem, de acordo com seus conhecimentos e possibilidades. Dentre outros
colaboradores, há um familiar que realiza o trabalho de manutenção dos
equipamentos, outro que aporta recursos para capital de giro e, ainda, parentes que
moram na zona rural e fornecem algumas matérias-primas.
31

Gílson
- aval do aluguel marido
- estoques e capital de giro
- carro e transporte
- aval para empréstimo
Luci
- bancos e burocracia irmãs
primas

Celoir
Lea Rodízio de tarefas - titular do aluguel
- confeitaria e cozinha - padeira-mor

marido primas

Osmar Filhas
- conserto das máquinas - fazem pão da manhã
(técnico em eletrônica) - dormem no ponto p/ segurança

Esquema 3 – Experiência LC Jansen

O fornecimento de matérias-primas, de qualidade e a baixo custo, por parte dos


familiares que vivem no interior, é um expediente de que se utiliza também a
experiência Massas Delícia. Já no caso da Cooperativa UNIVENS, a disponibilidade de
tempo das associadas para o trabalho no projeto é compatibilizada com suas outras
atividades domésticas e profissionais.

Essa conciliação entre os recursos, saberes, valores e hábitos existentes, com os


imperativos progressivamente colocados pelo empreendimento, exige, sem dúvida, um
enfoque pedagógico adequado das lideranças e das assessorias externas. Mais ainda,
depende visivelmente do talento e habilidade para identificar e dar forma àquela
atividade econômica que melhor se adapta a esses requisitos. Muitas vezes, trata-se
de uma atividade que representa uma extensão ou um aperfeiçoamento de um ofício já
praticado pelos membros do projeto, como a costura e o preparo de alimentos.
Exemplos se conhecem de outras regiões, como as casas de artesanato do Nordeste,
as confecções de moda em favelas do Rio de Janeiro e as farinheiras, no interior do
centro e do norte do país.18

A atividade produtiva e o ambiente de trabalho são gratificantes, moral e


socialmente recompensadores, motivando a cada um e fortalecendo os
laços de confiança.

A independência e a prática cooperativa no trabalho constituem, por certo, um


pressuposto dos EES, a condição que lhes permite superar o caráter alienante,
subalterno e desumanizante do trabalho assalariado, sobretudo quando temos em vista
o aviltamento e a afronta à dignidade a que são submetidos habitualmente os
trabalhadores menos especializados. No entanto, a supressão da divisão social
capitalista do trabalho não redunda necessariamente na criação de relações
horizontais, seja devido à inevitável divisão técnica do trabalho e ao hábito herdado de

18
As farinheiras são um dos exemplos mais interessantes da metamorfose que pode ocorrer numa atividade
tradicional, fortemente arraigada na cultura do pequeno agricultor do semi-árido, levando-a a assumir feições
comerciais e empresarias. Ver a respeito Gaiger (1996).
32

fazer de toda a diferença um motivo de discriminação, seja devido às tensões naturais,


em um ambiente participativo, diante dos desafios continuamente colocados para o
empreendimento.

Algumas experiências sobressaem-se nesse sentido. Os vínculos familiares e de


amizade, fincados na história comum das sócias das Massas ASCAL, acabam por
tornar a jornada de trabalho uma reunião de amigas e familiares, diluindo sua forma
habitual, de fardo indispensável à sobrevivência. O mesmo ocorre no LC Jansen, onde
o ambiente de trabalho transforma-se no lugar de convivência da família e as tarefas
adquirem uma dimensão lúdica. Da mesma forma, no Grupo Alto Uruguai, as origens
comuns e um clima de entusiasmo e despreendimento marcam o atual estágio da
experiência.

Os efeitos positivos do ambiente democrático e amigável do trabalho cooperativo tem


sido sublinhados pela literatura especializada. Alguns autores destacam o peso do
estímulo moral, e não apenas material, para o incremento da capacidade de trabalho e
para que a experiência profissional seja conservada e compartida. Outros concluem
que um ambiente participativo facilita a comunicação e favorece a identificação dos
fatores de ineficiência, além de aumentar o empenho de cada um em aplicar as
diretivas e formular novas propostas, uma vez que o interesse e a satisfação de todos
está sempre em jogo.19 Por sua vez, apenas a muito custo as empresas tradicionais
alcançam esses objetivos.

Não somente ocorre uma evolução simultânea dos vetores empresarial e


solidário, mas se faz uma distinção entre esses dois princípios,
percebendo-se que seguem duas lógicas, com objetivos e requisitos
específicos, ambos indispensáveis. De um lado, a lógica racional
empresarial, que demanda realismo e pragmatismo e orienta-se pela
viabilização de uma alternativa econômica; de outro lado, a lógica dos
valores e princípios ideológicos, voltada à transformação social a partir do
solidarismo e implicando uma reflexão própria (na qual desponta o ambiente
pastoral), alimentadora da mística e do projeto de construção de uma
economia alternativa e de um mundo solidário.

Uma série de impasses com que se deparam os grupos solidários e as agências de


promoção sinaliza que pode haver choques entre esses dois princípios. Sua
conciliação não advém ao natural, mas deve ser construída progressivamente. Uma
vez que o assunto será aprofundado nos próximos capítulos, citemos apenas alguns
exemplos:

Já na raiz dos projetos de geração de renda, dúvidas aparecem quanto ao segmento


social que deve ser focalizado com prioridade pelas agências e programas de fomento:
aquele dos mais excluídos e necessitados (vetor solidário), ou aquele, entre os
excluídos, em condições materiais e sócio-culturais mínimas para tocar os
empreendimentos (vetor empresarial)? Deve o grupo, por outro lado, permanecer
solidariamente aberto a novas adesões, ou condicioná-las à manutenção da
rentabilidade necessária à consolidação e sobrevivência do empreendimento? A
contrapartida pelo trabalho depende da produtividade de cada um, ou deve-se repartir
o bolo em partes iguais? Havendo necessidade momentânea de novos braços, é lícito
19
Ver em Defourny (1988) um balanço das teorias sobre as vantagens e desvantagens econômicas da cooperação.
33

contratar trabalhadores ou criar sub-categorias de sócios? O que se deve produzir:


artigos de consumo eminentemente popular, praticando a solidariedade de classe ou,
dadas as chances da competição no mercado, artigos que agregam valor e visam um
consumidor de maior poder aquisitivo?

As decisões são difíceis e, no fundo, de natureza política, pois remetem à concepção


dos empreendimentos e à leitura que se têm da realidade, no sentido de transformá-la.
Não há resolução desses impasses, nem forma de administrá-los sem tormentos, fora
de uma percepção dos limites atuais do solidarismo e de uma visão estratégica sobre
seus efeitos e perspectivas a longo termo. Algumas experiências analisadas na
pesquisa ilustram o teor dessa problemática:

Na Associação dos Agricultores da Linha Terceira, procura-se crescente eficiência


econômica, através de uma gestão profissional adequada e da diversificação de
atividades, mercados e fontes de financiamento. Adota-se uma interessante estratégia
de explorar com certo ineditismo atividades mais rentáveis, a exemplo da construção
civil, com o objetivo de gerar capacidade de investimento no setor primário e
rentabilizá-lo. Ao mesmo tempo, a associação é um importante ator na luta social e
política no município. Aliada ao sindicato, realiza ações no campo da saúde e da
alimentação alternativa. É também importante peça na disputa político-partidária do
município, fazendo oposição aos setores mais conservadores. Sua respeitabilidade
política deriva em boa parte de seu peso como agente econômico.

A indistinção entre as duas ordens de exigência apontadas, no projeto Dikasa, leva


seus integrantes a mascarar o insucesso em ambas. O fracasso no campo do
solidarismo é justificado pelas implicações do campo econômico; a inviabilidade do
negócio, pela índole participativa e includente do projeto. No final das contas, a falta de
perspectiva econômica acabou motivando o desmembramento do grupo e
demonstrando a inexistência tanto do espírito empresarial quanto do solidário.

Massas Delícia e confecções Pega Bem sugerem haver uma supremacia da lógica
empresarial, em prejuízo da solidária. No primeiro caso, trabalham oito pessoas, das
quais apenas três são sócias e tiram dividendos das sobras do projeto. Das outras
cinco, três são remuneradas por hora de trabalho e duas recebem um valor fixo
mensal. Aparentemente, somente as três sócias participam das decisões a respeito
dos rumos do projeto. Poder-se-ia sustentar que, objetivamente, no estágio atual a
experiência é alternativa apenas para as três sócias, representando um emprego
convencional para as demais participantes. No empreendimento Pega Bem, também
ocorre um desnível desse tipo, uma vez que dois sócios são os proprietários e as
outras sete pessoas, sócios-trabalhadores.

A exigência de compatibilizar dinamicamente os vetores empresarial e solidário é sem


dúvida um aspecto fundamental que reforça a hipótese básica da pesquisa. A volta por
cima dos empreendimentos está em unir o que sempre apareceu desunido na
economia moderna dominante; nesta, a economia é o terreno do “cada um por si”, no
qual os mais empreendedores devem colocar os demais a seu serviço e a seu mando.
O princípio da igualdade fica para o terreno do “social”, em geral através de políticas
compensatórias, que atacam as conseqüências e não as causas dos desequilíbrios
sociais. Negando essa divisão da vida em duas esferas contrapostas, os
empreendimentos criam um novo tipo de economia, uma economia social,20 em que os
20
Sobre a aplicação desse conceito aos países em desenvolvimento, apoiada em exemplos, ver Develtere (1998).
34

objetivos sociais da participação e da repartição fazem parte da própria lógica


econômica. Em vez de se oporem, um aspecto reforça o outro.

Não se confunde, todavia, o princípio solidário com o empresarial, como se andassem


naturalmente juntos. Esse seria outro engano. Justamente por reconhecer as
implicações próprias de cada um e perceber que, deixados à sua própria sorte,
levariam o empreendimento à deriva ou à descaracterização, cada um deles é
desenvolvido naquilo que tem de específico, porém de forma mutuamente articulada:

Distinção

Lógica racional Lógica dos valores


empresarial e princípios
- realismo - solidarismo
- pragmatismo - transformação social

Combinação

Alternativa econômica e Economia alternativa


Esquema 4
35

6 A COOPERAÇÃO E A EFICIÊNCIA NO TRABALHO

O trabalho constitui o elemento central dos EES. Ele é o recurso mais importante,
senão único, dos trabalhadores que se solidarizam e canalizam suas forças para o
empreendimento. Assim sendo, torna-se o fator produtivo preponderante, com grande
peso específico em relação ao capital, composto pela modesta infra-estrutura,
tecnologia instalada, equipamentos e pequenos aportes monetários. O trabalho
adquire, ademais, um valor simbólico e moral, posto que no EES passa-se a produzir, a
contribuir com uma atividade útil para a sociedade, ampliando-a e dando-lhe um novo
sentido; a partir do trabalho, o EES institui, com toda a força de uma experiência
concreta, valores como justiça e eqüidade, ao mesmo tempo que propicia um
enriquecimento humano, cognitivo e tecnológico da atividade laboral. Por fim, se o
trabalho é a garantia básica do EES, também é por ele assegurado: manter cada posto
de trabalho passa a ser prioridade bem maior do que a lucratividade. Como salienta
Razeto (1997a: 96), a valorização do trabalho próprio define a racionalidade destas
pequenas empresas de trabalhadores.

Não pairam dúvidas de que as características dos EES, particularmente o modo como
se organiza o processo de trabalho, trazem, por si mesmas, uma série de vantagens e
satisfações adicionais, além de benefícios materiais indiretos. A renda monetária, de
resto seguidamente próxima ao que se poderia auferir nos empregos oferecidos pelo
mercado de trabalho, fica de certo modo em segundo plano, diante da condição ímpar
de ser co-proprietário e gestor do negócio, de dispor do poder de decisão em prol dos
trabalhadores e de si próprio, de recuperar a auto-estima, de viver o trabalho, enfim,
como algo edificante e dignificante.21

Esse fato fica estampado na pesquisa. Quase a uma só voz, os membros dos EES
visitados afirmam sentirem-se numa nova vida. Apesar das dificuldades e incertezas,
mal cogitam em voltar a trabalhar para um patrão, ou a arriscarem-se sozinhos com um
negócio próprio, que estimam uma quimera nos dias de hoje. De todo modo, alguns
reais a mais no fim do mês jamais justificariam suportar as condições do
assalariamento ou a precariedade do setor autônomo informal. Aliás, quando
comparam o EES com outras alternativas, entre elas as microempresas convencionais,
com acerto o fazem colocando-se não no lugar do proprietário do negócio, em posição
privilegiada, mas no de seus empregados, em suas condições de trabalho comumente
aviltantes e com ganhos no geral irrisórios.

Entretanto, sem desconhecer esses méritos, quando se aborda o problema da auto-


sustentação e da viabilidade dos EES, num contexto econômico adverso e
crescentemente excludente, questões importantes aparecem. Uma delas, no sentido
de pensar como a cooperação e a eficiência econômica se conjugam e fazem do
trabalho, além de elemento central, um elemento diferencial, que confere aos EES
vantagens comparativas em relação às formas convencionais de organização do

21
Sobre o valor do trabalho como atividade humanizante, dentro do panorama contemporâneo de crise da chamada
“sociedade de trabalho”, consultar o brilhante ensaio de Antunes (1997). No âmbito da economia solidária, ver os
sugestivos trabalhos de Razeto (1997a; 1997b) e Arruda (1997).
36

trabalho, assegurando-lhes então níveis compatíveis de produtividade e, assim,


competitividade diante dos seus concorrentes diretos e indiretos.

Deve-se aqui ter em vista, sobretudo, o setor autônomo e as pequenas e médias


empresas, que dividem com os EES as mesmas fatias do mercado, buscam os
interstícios existentes nos segmentos oligopolizados, em particular os produtos não
padronizáveis ou de baixo valor tecnológico agregado22, visando uma clientela local,
restrita ou, por outro lado, fornecem componentes para a cadeia produtiva da grande
indústria. São eles os concorrentes imediatos dos EES; apóiam-se na exploração do
próprio trabalho (produtores individuais e empresas familiares) ou na super-exploração
do trabalho alheio, geralmente sub-assalariado. Se do ponto de vista social os EES
situam-se num patamar indiscutivelmente superior, permanece a questão da sua
produtividade relativa, inevitável para que a economia solidária se consolide e suplante
o grau de instabilidade e insolvência dos pequenos empreendimentos.23

Os fatores que elencamos a seguir indicam situações ou estratégias em que as


virtualidades do trabalho cooperativo aparecem manifestas e favorecem a longevidade
dos empreendimentos solidários. Sua apresentação não é conclusiva e nem poderia
ser, dada a complexidade do problema, o estágio experimental dos EES, notadamente
sob esse ângulo, e o incipiente trabalho de teorização nessa matéria pelas ciências
econômicas e afins. Por isso mesmo, indícios e pistas são relevantes ao
aprimoramento das experiências e à renovação da teoria econômica, para a qual
solidariedade e cooperação apenas se relacionam com eficiência e produtividade no
interior de uma necessária divisão social do trabalho, desempenhando um papel
pragmático, limitado, de estímulo à execução das tarefas específicas e subordinadas
do trabalhador.

No contexto dos EES, a cooperação e a eficiência no trabalho desenvolvem-se e


transparecem com mais força nas seguintes situações:

O empreendimento possui importância similar para os seus membros, como


alternativa de geração de renda e como perspectiva econômica, sendo para
todos relevante. Em conseqüência, a dedicação às atividades é uniforme,
evitando-se envolvimentos pessoais discrepantes e, sobretudo, a existência
de diferentes tipos de sócios ou participantes.

Nos assentamentos rurais, a criação de grupos e associações respalda-se numa


condição social homogênea que propicia naturalmente um acordo a respeito. Trata-se
de dar curso e viabilidade ao ofício de agricultor, apostando para isso numa estrutura
coletiva que supõe igual empenho de todos. O atendimento, mediante regras, dos
interesses particulares, dada a condição autárquica dos grupos, não dispensa senão
excepcionalmente a dedicação integral ao empreendimento.

Uma opção acertada da Associação de Agricultores da Linha Terceira foi ter


multiplicado suas atividades, com o cuidado de não desfigurar a sociedade inicial e
romper a identidade do grupo. Para isso, a expansão dos negócios manteve as
prerrogativas dos sócios originais, detentores do capital da empresa e com direito a
22
Do que, obviamente, os artigos tipicamente artesanais são o melhor exemplo.
23
Poder-se-ia indagar que chances têm os EES de conviver com a grande empresa capitalista, que lhes oferece
concorrência direta em determinados segmentos e, de todo modo, estabelece os preços e os fluxos econômicos
definidores do mercado. A questão não pode ser equacionada do ponto de vista de cada EES (porque aí as chances
são diminutas), mas de uma perspectiva de integração horizontal, tema do cap. 9.
37

vantagens pecuniárias e sociais, diferenciando-os dos funcionários e trabalhadores da


produção, contratados de acordo com as necessidades.24

Por seu lado, confecções AMME, embora de cunho semi-familiar, decidiu estender a
condição de sócio a todos os seus membros. A opção incluiu as vendedoras, cuja
integração foi posterior e gradativa, como forma de interessá-las na prosperidade do
empreendimento e resolver um problema crônico, comum a outras experiências, de
ineficácia na comercialização. As vendedoras passaram a desempenhar um papel
importante nas alterações da linha básica da confecção e na ampliação da demanda,
ao trazerem sugestões e encomendas da clientela.

Na contramão desses casos, percebe-se a existência de uma barreira importante. É


quando o empreendimento sustenta-se na liderança, no conhecimento ou nos recursos
pertencentes a um membro ou a uma família, estabelecendo-se uma situação de
desequilíbrio, de desigualdade na participação ou, ainda, exigindo uma quota de
sacrifício do idealizador ou mantenedor do empreendimento, insustentável a longo
prazo.

Confecções Pega Bem, tendo por origem e por base atual uma empresa familiar, de
propriedade dos líderes do empreendimento, configura uma situação objetiva de
divisão social do trabalho. O propósito reiterado por seus membros é constituir uma
associação autogestionária e democrática, por intermédio da socialização progressiva
do capital inicial, à medida que o mesmo se dilui com a expansão do negócio. Os
meios para realizá-lo são, contudo, motivo de hesitação no grupo.

Pelo que se pôde constatar, o empreendimento Massas Delícia comporta relações de


trabalho ambíguas, entre as sócias-proprietárias que geram o negócio e a mão-de-obra
ocasional ou parcial, sub-remunerada por hora de trabalho. Notoriamente, tais limites
no vínculo cooperativo introduzem diferenças de expectativa e de atitude quanto à
eficiência do empreendimento.

Há um uso intensivo do fator trabalho, otimizando os investimentos em


capital e esgotando, nas dimensões do empreendimento, sua capacidade
de atendimento ao mercado.

Para fazer frente à demanda e preservar sua clientela, os membros do grupo GESMA
não hesitam em bancar longas jornadas de trabalho e dedicar-se exclusivamente ao
empreendimento. Além de entenderem essa quota de sacrifício como algo transitório e
preferível à admissão prematura de novos sócios, contabilizam a satisfação de
trabalharem por conta própria e demonstrarem a viabilidade do solidarismo.

Num outro segmento, o exemplo vem da Unidade de Reciclagem Cavalhada, cuja


premissa é o processamento de todo o material entregue pelo departamento municipal
de limpeza urbana, ajustando para isso o ritmo e as funções no trabalho. Cada
participante está apto a realizar todas as tarefas, ocorrendo um revezamento que não

24
Situações como essa trazem o problema da reintrodução do assalariamento no interior dos EES. No caso em
análise, entendeu-se que a admissão de novos sócios, sem levar em conta o elevado investimento realizado desde o
início do projeto e a conseqüente valorização das quotas-parte, seria um expediente artificial e perigoso. A
compensação estaria no tratamento humano dispendido aos trabalhadores sob contrato. No fundo, a questão diz
respeito aos limites do solidarismo nas condições atuais da sociedade.
38

dispensa a pontualidade, rigorosamente controlada. Ainda assim, existem 40 pessoas


na fila para ingressar na associação, contra 36 sócios atuais.

Em ambos os casos, o que parece fundamentalmente sustentar o empenho dos sócios


é o próprio caráter participativo e autogestionário dos empreendimentos. Essa
condição, conforme reconhece um certo número de estudos (Defourny, 1988: 144),
confere grande flexibilidade (de horários e tarefas, principalmente) e explica o maior
senso de responsabilidade e compromisso de cada um com o resultado global e os
rumos do negócio, de tal forma que o absenteísmo, o desperdício, a negligência no
trabalho e condutas desta natureza são rapidamente repelidas, precisamente ao
contrário do que costuma acontecer nas empresas privadas. Quando isso não ocorre,
como se ouviu em alguns depoimentos, é sintoma nítido de debilidade no vínculo
cooperativo; não sendo sanado, termina por comprometer o empreendimento.

O empreendimento incorpora um conhecimento especializado, viabilizando


linhas de produção inovadoras e de qualidade competitiva. Em certos casos,
há uma transferência desse saber, de um membro para os demais
integrantes do empreendimento, evitando-se, contudo, que a divisão técnica
do trabalho, inevitável ao menos no início, redunde em discriminações e em
concentração do poder.

Na empresa de calçados Pé no Chão, um dos integrantes trabalhava anteriormente no


ramo, de forma artesanal, e possui o conhecimento técnico necessário a essa linha de
produção, bem como ao uso do maquinário agora disponível. Semelhante situação
ocorre no Doce Sabor, cuja coordenadora atuava na elaboração de doces finos e
coloca agora sua experiência e criatividade a serviço do grupo. Com isso, o
empreendimento é conhecido por seus produtos de excepcional qualidade.

A cooperativa COOPTAR, buscando viabilizar seu frigorífico e fazer nome na praça,


dispensa grande atenção ao conhecimento exigido em cada função. O rodízio de
tarefas foi ao menos momentaneamente abandonado, adotando-se um sistema de
funções fixas, considerado mais adequado para elevar a produtividade e garantir a
qualidade dos produtos. Ainda no segmento de agroindústria, a associação APRORAM
é um exemplo de progressiva especialização e setorização do trabalho, sem ter gerado
diferenças sociais aparentes.

O caso mais claro talvez seja o das experiências em assentamentos, em que a


formação para a gestão dos empreendimentos e para cada linha de produção é uma
prioridade. O próprio MST, através de suas cooperativas centrais e regionais, procura
assessorar as suas cooperativas associadas, promovendo cursos de contabilidade e
gerenciamento.

A remuneração do trabalho se faz com base em critérios intrínsecos (tempo


dispendido e, conforme o caso, grau de responsabilidade da tarefa) e não
como uma variável dependente de outros custos e circunstâncias que fogem
ao controle gerencial e ao âmbito de decisões do empreendimento (custo da
matéria-prima, etc.).
39

Esse é sem dúvida um dos pontos nevrálgicos e mais controversos dos EES. Um
primeiro problema consiste em superar um sistema de cálculo que não considera o
valor agregado pelo trabalho dispendido no empreendimento (nem mesmo em horas)
e, simplesmente, adiciona aos demais custos um percentual, definido um tanto
aleatoriamente, de modo a não encarecer a mercadoria diante dos preços da
concorrência. Assim sendo, não há base real para a identificação das linhas de
produção deficitárias, para o planejamento da produção, realocação da força-de-
trabalho, etc. A previsão de ingressos não pode ser cotejada com a estrutura de custos
e medidas corretivas acabam tomadas de forma errática. Via de regra, a remuneração
do trabalho finda extremamente deprimida e instável, frustrando as expectativas dos
sócios e hipotecando sua permanência.25

Alguns empreendimentos, atentos ao problema, apresentam alternativas interessantes,


com efeitos positivos em seus resultados financeiros. Na confecções Pega Bem, o
preço final do produto incorpora um valor fixado com base num patamar de
remuneração estabelecido para cada função, dividindo-se a seguir pelo número de
peças produzidas. O ganho do trabalho é então previamente definido, segundo um
macro-planejamento que considera o tempo médio de cada tarefa, a estrutura de
custos e o preço de mercado. O piso de cada função vale, no entanto, como referência,
não como ganho efetivo, que dependerá das horas de trabalho e da produtividade
individual.

Outras experiências, como a Reciclagem Cavalhada e grande parte dos projetos em


assentamentos, instituem uma remuneração proporcional ao número de horas
trabalhadas, a título de adiantamento das sobras. O controle das horas passa a ser
decisivo e polêmico, como também o valor da hora de trabalho. Quanto a isso, a
cooperativa de prestação de serviços COOPSERV adota os dissídios salariais das
categorias correspondentes como piso mínimo e estima que a rentabilidade do
empreendimento apenas será legítima se permanecer fiel a esse critério.

O valor da hora de trabalho é um problema delicado, porque envolve o debate sobre a


discriminação por tipo de tarefa. Devem os coordenadores ou os que dominam o ofício
e repassam seu saber aos demais, receber uma gratificação por isso? Todas as etapas
e tarefas do processo produtivo agregam o mesmo valor ao produto final? Questões
não resolvidas, mesmo na teoria econômica ordinária, e compreensivelmente em
aberto no campo prático e na reflexão teórica sobre a economia solidária.26

Não há fórmulas nem pistas seguras. Não obstante, algumas lições se depreendem
das experiências focalizadas na pesquisa. A primeira, de que um maior empenho ou
dedicação ao empreendimento deve ser de algum modo recompensado, segundo
normas estabelecidas pelo grupo, sob pena de se cair em paternalismos ou de coibir o
espírito de iniciativa. A segunda, de que os recursos materiais e financeiros
disponibilizados pelos sócios devem ter sua contrapartida, como forma de preservar as
bases reais do empreendimento e orientá-lo para sua efetiva auto-sustentação. Tais
procedimentos não causam abalos quando decididos em conjunto e quando o

25
Ver a respeito Gaiger (1994, cap. 2). As dificuldades em estabelecer preços e custos são de resto freqüentes, como
se pode observar em experiências do Rio de Janeiro (Abreu et al., 1997).
26
Um problema suplementar está em individualizar os ganhos em função da produtividade pessoal de cada
associado. Desconhecer essas diferenças pode ser fator de desestímulo e comprometer a produtividade global do
empreendimento; reconhecê-las implica resolver o problema técnico de medi-las, no contexto de um trabalho de
equipe, e o problema político de sancionar princípios e regras condizentes, sem desfigurar o empreendimento.
40

equilíbrio e a eqüidade são vistos e programados como metas intrínsecas ao


desenvolvimento do empreendimento.

Recapitulando, os quatro fatores elencados dizem respeito: a) à similitude de


interesses e motivações dos participantes do empreendimento; b) ao emprego, por
mútuo acordo, da maior capacidade de trabalho conjunto disponível; c) ao
conhecimento técnico e profissional transferido ao grupo e incorporado à produção; d)
à repartição eqüitativa dos benefícios, tendo em vista o aporte real de cada um e do
coletivo.

Todos esses elementos relacionam-se com o fator trabalho, no sentido de acioná-lo ou


de favorecer o seu pleno rendimento como trabalho associado. Assim, é apropriado
considerar a cooperação no trabalho como um fator econômico específico dos EES,
conforme foi apontado no cap. 4. Não se trata apenas de reconhecer que o trabalho
conjunto, por sua magnitude e pela divisão técnica que propicia, gera resultados
superiores ao trabalho individual. Disto, toda empresa privada tira proveito. Trata-se de
perceber que a posição que os trabalhadores ocupam, dentro de um organização
cooperativa e solidária, nas relações entre si e perante os demais fatores de produção,
é inerente à eficiência demonstrada e indispensável à realização de suas metas
econômicas e extra-econômicas.

Para acrescentar apenas mais um exemplo das vantagens proporcionadas pela


cooperação solidária, subjacente aliás à parte dos fatores de êxito já considerados,
vale citar a redução dos conflitos laborais e sociais (Razeto, 1990: 142), dado o clima
de mútuo interesse e os canais de expressão e resolução das contendas. Como se
sabe, já nas empresas privadas, o ônus causado pela administração dos conflitos
laborais não pode ser negligenciado.

Aprofundando essa linha de raciocínio, o próprio conceito de eficiência deve ser


revisto. Habitualmente, ele diz respeito aos meios empregados para a realização dos
fins, o que significa medir (e procurar reduzir) as perdas inevitáveis no processo
produtivo: consumo das matérias-primas, depreciação das máquinas, desgaste da
força-de-trabalho, etc. Ora, nos empreendimentos solidários, já o dispêndio da força-
de-trabalho assume outro caráter, por decorrer de uma implicação voluntária, da
dedicação que se deseja e coletivamente se decide oferecer ao empreendimento. Além
disso, o trabalho é fonte de aprendizagem e de criatividade; tendo por isso um efeito
positivo na qualificação dos trabalhadores e no aprimoramento do processo produtivo,
redunda em economia de recursos e em maior eficiência.

A avaliação da eficiência não deve ademais ser isolada da discussão sobre a eficácia
dos empreendimentos, isto é, sobre os fins a serem alcançados e a possibilidade de
atingi-los. Obviamente, a eficácia dos EES não se reduz ao faturamento econômico,
pois tem a ver com satisfação de necessidades e objetivos materiais, sócio-culturais e
ético-morais. Supera a racionalidade dirigida primordialmente à acumulação, da
mesma forma que não se enquadra na estreita relação mercantil entre produtores e
consumidores. A racionalidade dos EES, em outras palavras a relação entre fins e
meios, está compreendida por valores, voltados à qualidade de vida e à evolução do
ser humano. Ela está orientada pela reprodução ampliada (Coraggio, 1997: 36)27 da
27
Sobre o conceito de reprodução ampliada, consultar também: CORAGGIO, L. Desenvolvimento humano e
educação. São Paulo: Cortez, 1996.
41

vida de seus membros, atinente à expansão contínua da qualidade de vida. Apenas


com esse horizonte, pode ser comparada a outras alternativas de trabalho e produção
econômica.
42

7 INSERÇÃO ESTRATÉGICA NO MERCADO

Quando os empreendimentos solidários resolvem a contento os problemas


relacionados ao abastecimento de insumos e à produção, sua viabilidade ainda não
está garantida. Falta ainda assegurar o escoamento e a comercialização de seus
produtos, última e decisiva etapa do circuito econômico, na qual se observam
importantes pontos de estrangulamento. O caráter informal do negócio, que veda
legalmente a comercialização dos produtos, a produção irregular e sem escala, a falta
de qualidade e de adequação dos produtos ao mercado consumidor, a ausência de
clientela fixa, o despreparo técnico e administrativo, a elevada e crescente
concorrência de pequenas empresas e de inúmeros trabalhadores expulsos do
mercado de trabalho, que montam negócios por conta para produzir mercadorias de
baixo custo, esses e outros entraves limitam severamente a expansão dos
empreendimentos de economia solidária.

A superação dessas barreiras demanda por certo ações de envergadura, como a


criação de estruturas horizontais entre os empreendimentos, a formulação de políticas
de injeção de recursos, o desenvolvimento de novas instituições econômicas,
adequações na legislação, etc. Essas medidas serão no entanto inoperantes sem uma
resposta de cada EES, no que depende de sua iniciativa e suas margens de escolha.
Assim, adquirem importância as atuais estratégias de inserção no mercado que
apresentam resultados positivos, pois criam uma base de referência para o conjunto
dos EES e para os agentes mediadores desse segmento econômico. No âmbito da
pesquisa, é de se destacar as seguintes:

Linha de produtos que incorpora elevado valor-trabalho e na qual as


técnicas artesanais e a tradição (caseira, colonial) são vistas como garantia
de qualidade.

A cooperativa agrícola COOPTAR resolveu deixar em segundo plano a atividade da


lavoura comercial. Passou a investir na produção de embutidos, atividade que
demanda mão-de-obra mais preparada e gera produtos diferenciados (coloniais), com
maior valor agregado. Sendo de boa qualidade, encontram aceitação regular no
mercado.

Caso semelhante se registra nas Massas ASCAL, cujo carro-chefe é o “capeleti”,


elaborado artesanalmente. O fato de as integrantes do grupo serem descendentes de
imigrantes italianos recomenda o produto aos olhos dos consumidores, dada a tradição
italiana na produção de massas. Por conta desses fatores, o grupo comercializou por
algum tempo com um restaurante italiano de Porto Alegre, ao mesmo tempo que
consolidava sua clientela regional.

Linha de produtos em que a concorrência com a oferta convencional apóia-


se num diferencial de qualidade e num atendimento personalizado ao
cliente.
43

As roupas íntimas da Pega Bem, além de preços competitivos, atraem pela


comodidade no uso. Há uma preocupação em atender as preferências da clientela, no
que diz respeito aos tecidos e ao tamanho das peças; a oferta de roupas íntimas em
tamanhos grandes, por exemplo, tem boa aceitação na zona rural. Ademais,
personalizam a relação com os clientes, através da produção sob encomenda.

Essa última estratégia caracteriza igualmente as confecções APROMACOM, onde as


roupas sob medida garantem boa parte do movimento. Ainda na produção de roupas, a
qualidade dos produtos e a satisfação dos consumidores orientam a produção da
AMME. Conforme já assinalado, as vendedoras externas desempenham um papel
importante na determinação dos artigos, pois trazem para o grupo as encomendas e
preferências dos consumidores.

Linha de produtos que respondem a uma demanda perene (não


dependendo do sucesso em introduzir novos hábitos de consumo, embora
essa via possa somar resultados) ou que visam nichos de mercado ao
abrigo da concorrência.

A cooperativa UNIVENS atua na produção de multimistura (destinada a hospitais) e de


guarda-pós e aventais, segmentos de menor concorrência, embora com uma clientela
igualmente restrita. Ao ampliar sua linha de confecções para camisetas e outras peças
de vestuário, apostou na relação qualidade - preço (e não apenas no menor preço)
para penetrar no mercado.

As experiências de reciclagem de resíduos sólidos de Porto Alegre atuam num setor


em virtual processo de expansão, tanto na oferta de matérias-primas quanto na
demanda por resíduos reaproveitáveis. No horizonte próximo, além do aprimoramento
técnico do trabalho e da expansão da linha de produtos, espera-se resolver o problema
crucial da dependência dos atravessadores, com a construção de uma central de
vendas diretas à indústria.

A padaria LC Jansen está estrategicamente localizada na cidade de Pelotas. Situa-se a


meio caminho entre um bairro de baixo poder aquisitivo e um bairro de maior renda,
não longe do centro da cidade. Isso lhe permite atender a uma demanda variada,
oferecendo pães e refeições para um tipo de clientes e, produtos de maior valor, como
tortas e salgadinhos, para o segundo grupo de consumidores.

A olaria da associação CRISFA, dada a escassa concorrência e a qualidade de seus


tijolos reconhecida pela clientela, desde a época dos proprietários de quem adquiriram
o negócio, não sofre problemas de demanda. A procura pelos tijolos é grande, embora
sendo os mais caros da região, com tendência ao crescimento. Findo o pagamento das
parcelas ainda devidas, a renda e a capacidade de investimento devem sofrer um
significativo incremento.

Há uma oferta regular de produtos, que viabiliza a escala do negócio,


mantém o leque de ofertas e cativa o consumidor.
44

Na feira organizada pela ARPA, há diversidade e constância na oferta de produtos


agroecológicos. Para os consumidores, habitantes da cidade de Pelotas, a garantia de
chegar na feira e sempre encontrar o que desejam torna-os freqüentadores habituais,
além de alimentar o clima de simpatia e comunhão com a causa ecológica. Caso se
tratasse de produtores individuais, ou de um empreendimento coletivo de pequenas
dimensões, como se observou em alguns assentamentos, tanto a oferta de produtos
quanto o escoamento poderiam ficar inviabilizados, comprometendo o negócio.

As cooperativas COANOL e COMARA, à medida em que se desenvolveram, foram


ampliando seu leque de produtos e serviços, tanto para seus compradores quanto para
seus fornecedores. A esses últimos, oferecem vantagens comerciais quando são
associados à cooperativa, além de assessoria e orientação para os negócios.

Conquista-se o consumidor através da qualidade material do produto (e não


apenas por um apelo moral, evocando as boas intenções do projeto) e
mediante exploração da sensibilidade às inovações no consumo e às modas
do mercado.

Na cooperativa de confecções COOPERLAÍSA, procura-se com sucesso incorporar as


tendências da moda; a modelagem das roupas é inspirada em modelos de revistas
especializadas. Atender ao gosto do cliente pauta igualmente a estratégia de produção
da AMME. Já o Doce Sabor satisfaz sua clientela, basicamente de classe média,
acompanhando os temas preferidos para a decoração de festas infantis.

Os empreendimentos COONALTER e ARPA apostam no filão da ecologia, visando


uma clientela específica e, por seu intermédio, a conquista de novos consumidores. Da
mesma forma procurou agir a cooperativa agrícola COOPAN, penetrando no mercado
de baraços com um produto diferenciado, agroecológico.

Utilizam-se estratégias de venda diversificadas, atingindo-se diferentes


faixas de clientes, de acordo com os hábitos de consumo, os períodos do
ano, o poder aquisitivo, etc.

Massas Delícia adquiriu um ponto de vendas escolhido de forma criteriosa. Neste local,
combina a venda de sua produção própria com a oferta de outros produtos. Atua
também como fornecedor para outros sete estabelecimentos. Comercializa alguns
produtos no próprio local da produção, além da venda sob encomenda, com entrega a
domicílio. Planeja ainda empregar vendedores ambulantes.

Estratégias semelhantes se observam em outros empreendimentos. Pega Bem e


AMME conjugam diversas modalidades de venda. Participam das feiras organizadas
pela COOESPERANÇA, abastecem outros comerciantes e utilizam vendedores
externos. No caso da padaria GESMA, a alternativa para competir com outras
panificadoras e com os supermercados foi o atendimento constante aos pequenos
estabelecimentos, para os quais atua como fornecedora. Participa igualmente da feira
da COOESPERANÇA e fornece lanches para entidades sindicais e pastorais. Recorre,
por fim, a produtos diferenciados, como o tradicional pãozinho, com tamanho e preço
menor, porém sem aditivos químicos. Já a COONALTER, vale-se do seu restaurante
para atrair a clientela a seu ponto de comercialização, também na linha ecológica.
45

Exploram-se novas tendências do mercado local e regional, bem como


novas formas de potencializar os fatores produtivos já disponíveis, mediante
diversificação produtiva e reconversão tecnológica.

Desponta nesse aspecto o investimento em atividades não essencialmente agrícolas


em zonas rurais. Assim, os empreendimentos de agroindústria, bem como o grupo
CRISFA e a Associação Linha Terceira, apostam em atividades que potencializam os
recursos disponíveis em suas propriedades, como os insumos para a produção de
embutidos, a argila para o fabrico de tijolos, ou a madeira para a edificação de casas.
Com isso, multiplicam o uso do espaço rural, além do seu aproveitamento natural para
agricultura, atividade hoje em dia extremamente vulnerável às oscilações do mercado e
seguidamente contraproducente.

As experiências direcionadas a algum tipo de produção ecológica seguem, por sua


vez, uma tendência mundial redefinidora de parcelas do mercado, marcada pela
preocupação com a saúde dos consumidores e com a preservação dos recursos
naturais. Além disso, visam a redução de custos a médio prazo e uma melhor
preservação do solo, riqueza maior não renovável de que dispõem. Com esse fim, o
grupo Progresso Tapense procura inovar na cultura do arroz, introduzindo padrões
ecológicos (arroz germinado) e planejando a associação desta atividade com a
piscicultura.

Um degrau a mais parece estar sendo atingido pelos empreendimentos que


vendem produtos uns dos outros, com aumento do seu leque de ofertas, ou
adotam pontos centralizados de venda.

Esse aspecto já foi comentado anteriormente, especialmente no caso dos


empreendimentos vinculados ao Projeto Esperança, mas vale destacá-lo porque
assinala o germe de uma possível e necessária integração horizontal entre os EES. A
circulação de mercadorias e serviços, além de outras alternativas como fundos de
crédito rotativo, parece indispensável à formação de um sistema de economia solidária
e à progressiva solução de impasses conhecidos, tanto no abastecimento das
matérias-primas quanto no escoamento e comercialização. Muitas vezes é o elevado
comprometimento financeiro exigido pela aquisição de equipamentos, ou então a
impossibilidade de estabelecer pontos de venda em locais distantes, embora haja
demanda, que limita a expansão dos negócios e compromete seu desenvolvimento
46

8 REALISMO E TRANSPARÊNCIA NO GERENCIAMENTO

Pesquisas anteriores sobre os grupos de economia solidária em nosso Estado (Gaiger,


1994; 1996), bem como estudos sobre outras regiões do país 28, apontam alguns
problemas importantes na gestão desses empreendimentos.

O primeiro deles diz respeito à indiferenciação dos diversos elementos que intervêm no
processo produtivo e devem ser contabilizados, tanto no gerenciamento quanto no
planejamento. Um dos efeitos mais comuns dessa dificuldade é a inobservância de
procedimentos necessários à preservação do capital de giro, que termina por dissipar-
se à medida que se lança mão das economias disponíveis para despesas correntes
que não geram retorno. Noções como “fundo de reserva” nem sempre são assimiladas
e menos ainda visualizadas no planejamento de maior prazo, senão no que se refere
ao montante destinado para pagar créditos já contraídos.

Uma segunda ordem de obstáculos relaciona-se à organização do grupo, seja nos


seus aspectos jurídico-formais, com suas respectivas obrigações e prerrogativas, seja
no funcionamento interno, de modo a garantir a participação democrática sem prejuízo
da eficiência e da coerência com a linha de ação econômica escolhida. Aos óbices e
descontinuidades da legislação, soma-se por vezes o desconhecimento dos modelos
existentes e, principalmente, o fato de se estar num processo de experimentação e
definição dos EES, sem exemplos definitivamente consolidados ou soluções facilmente
transponíveis de um caso para outro.

Nesse contexto, os dados recolhidos na pesquisa evidenciam como um certo número


de empreendimentos está superando essas dificuldades, bem como os desafios que
representam:

Na escolha das linhas e volumes de produção, bem como na definição do


preço final, busca-se satisfazer com equilíbrio aos custos intrínsecos, ao
preço de mercado e a um superávit que possibilite investimentos
crescentes. Linhas de produção pouco rentáveis, mas de saída permanente,
são compensadas por outras com maior valor agregado, em que se investe
na diferenciação pela qualidade, pela apresentação do produto, pelo
atendimento personalizado, etc.

A Associação Linha Terceira apóia seus negócios no controle pormenorizado da


rentabilidade de cada atividade econômica. Com isso, identificou insuficiência de
rendimento nas atividades agrícolas e diversificou suas linhas de produção sem
abandonar as primeiras, nas quais tem a maior parte do seu patrimônio e a razão de
ser da associação.

A COANOL orienta seus investimentos de modo a agregar valor a seus produtos, a


exemplo do beneficiamento do leite e derivados. Compensa assim o menor rendimento
28
Ver por exemplo os trabalhos realizados pela FASE-RJ e os artigos publicados em diversos números da Revista
Proposta.
47

de algumas atividades, como a produção de grãos, ainda de grande importância


econômica para o quadro de sócios, devido ao volume comercializado.

Pega Bem especializou-se numa linha de confecções, realizando um cálculo detalhado


do preço final e conjugando medidas de redução de custos, como viagens sem ônus
para aquisição de matérias-primas, compras à vista com desconto, estoques
reduzidos, aplicações bancárias e contadoria profissional.

Discriminação e controle contábil, por linha de produção e custos gerais


(aluguel, depreciação de equipamentos) e específicos (matérias-primas)
agregados a cada produto, de modo a poder alterar o peso de cada um
desses fatores, na medida em que sejam superavitários ou deficitários.

Respondendo a esse critério, a Associação Linha Terceira exerce cada uma de suas
atividades sob uma personalidade jurídica diferente, de sorte a individualizar os
resultados de cada investimento. As cooperativas e associações dos assentamentos
realizam igualmente um controle contábil discriminado, valendo-se de um sistema
informatizado desenvolvido pela cooperativa estadual para esse fim. A cooperativa de
serviços COOPSERV utiliza uma planilha de custos coerente com o objetivo de
remunerar seus sócios acima do mercado, contabilizando-se retornos monetários
mediatos e imediatos, e com o objetivo de alcançar a auto-sustentação do
empreendimento.

Preserva-se o capital de giro, relacionando-o com o faturamento bruto e


líquido do empreendimento, o volume de capital circulante e uma estratégia
de remuneração do trabalho, pagamento de dívidas e novos investimentos.

A Associação Pôr-do-Sol, mediante planejamento anual e balanços mensais, preserva


50% das entradas para o pagamento de dívidas e a formação de um fundo de reserva,
destinado à manutenção dos equipamentos e a novos investimentos. Em algumas
cooperativas de produção agropecuária, é utilizado o estratagema de superestimar os
juros a serem pagos pelos financiamentos, como forma de gerar uma poupança maior
do que a necessária para quitar esses compromissos e dispor de uma reserva para
outros fins.

Adequação do formato jurídico do empreendimento às suas dimensões e


chances de crescimento, compatibilizando a ampliação das estratégias de
produção e comercialização com a desoneração de custos e com uma justa
remuneração do trabalho.

As experiências em assentamentos evoluem, geralmente, da condição de grupos


informais para associações e, destas, para cooperativas de produção agropecuária,
quando adquirem a condição de agentes econômicos de pleno direito, com um
estatudo próprio, coerente com seu caráter autogestionário e democrático.

Há outros exemplos. A associação agrícola APRORAM preferiu registrar-se como


microempresa para comercializar legalmente nos municípios da região. Pega Bem, ao
preservar a condição de empresa de pequeno porte, paralela à associação, obtém
48

redução do ICMS e a possibilidade de utilizar o sistema SIMPLES para a declaração


de impostos.

Todos os fatores anteriores ficam no entanto comprometidos se a falta de


transparência na gestão financeira impedir os sócios de compreenderem o
que se passa com o empreendimento e de sentirem-se em condições de
opinar e decidir em consciência de causa. Isso vale tanto para os pequenos
grupos informais quanto para as grandes cooperativas.

A cooperativa de comercialização UNAIC apenas superou o estado de crise e


desmobilização de alguns anos, por meio de discussões abertas com o quadro de
sócios. Do mesmo modo, na COMARA o tratamento democrático revitalizou a
cooperativa e deu lugar a um projeto de estruturação a médio prazo, com resultados
perceptíveis e animadores. Haja vista a história de muitas experiências, ainda que os
negócios não vão bem, o sentimento de participar das decisões sobre os seus rumos é
invariavelmente o que mantém os grupos coesos e dispostos a redobrar esforços para
a superação dos problemas.

Os fatores de êxito elencados nos cap. 7 e 8 evocam uma questão de fundo que
conviria ter em vista: as relações entre a economia solidária, no seu todo e na esfera
de cada empreendimento, com o mercado. Nos dias atuais, é pertinente afirmar que a
necessidade de atender as regras do mercado constitui um fato essencialmente
degenerador do solidarismo, de caráter passageiro e a ser superado com o próprio
crescimento desse novo segmento econômico?

Contrariamente ao que se chegou a cogitar em outros momentos, já não se pode


imaginar o desenvolvimento econômico das sociedades fora da economia de mercado,
como se esse estivesse a caminho de dissolver-se, ou então fosse possível suprimi-lo
em alguma parte do globo e lá implantar uma economia sem intercâmbio, ou de trocas
totalmente reguladas e dirigidas. O problema está não apenas em reconhecer a força
inconteste dos fatos, mas em retirar o peso ideológico assumido pela questão.
Segundo uma visão de cunho estatizante, há pouco em voga, tendo o mercado sido
extraordinariamente desenvolvido com os influxos do capitalismo e estando, desde
então, sob a hegemonia dos grandes agentes econômicos orientados pela lógica da
acumulação, apenas a esta o mercado pode servir, com ela se confunde e a ela
subordina, sem exceção, qualquer outra lógica econômica.29

A réplica mais profunda a essa tese certamente nos é oferecida pelo importante
historiador Fernand Braudel, que demonstrou ser a formação do capitalismo fortemente
dependente do poder estatal e ter-se contraposto sistemicamente à economia de
mercado.30 Ainda que não a desenvolvamos agora, importa perceber que, ao municiar-
nos valoricamente contra o mercado, um fato essencial nos escapa: nas sociedades
contemporâneas, há muita vida econômica fundada no intercâmbio e na troca, sem por
isso diluir-se na racionalidade mercantil capitalista. Historicamente, o capitalismo não

29
No mesmo sentido, vale acrescentar que “a crítica ao discurso neoliberal usualmente toma os conceitos de
mercado, economia de mercado e capitalismo como se fossem mais ou menos a mesma coisa, em relação a quem os
interesses dos movimentos sociais estariam em oposição.” (Kraychete, 1997: 47).
30
Consultar, deste autor: Os jogos das trocas. Lisboa - Rio de Janeiro: Cosmos, 1985; O tempo do mundo. São
Paulo: Martins Fontes, 1996; Civilisation matérielle, économie et capitalisme. Paris: Armand Colin, 1980.
49

explica a origem do mercado; nos dias atuais, não esgota o seu sentido. Conforme se
afirmava em outra ocasião:

“É preciso superar o dualismo mercantil - não-mercantil, bem como o binômio Estado -


mercado. Talvez não tenha sido feita o bastante a crítica às teorias e práticas políticas
que canalizam as esperanças para o mercado e o Estado, vendo neles os vetores
centrais, senão exclusivos, do desenvolvimento, e com isso obliterando a presença de
agentes que fogem a essa díade, agentes cuja lógica é essencialmente híbrida e obriga
a reposicionar aqueles dois elementos num conjunto mais amplo de possibilidades. Vale
lembrar a tese de R. Kurz (1993), para quem a experiência dos séculos XIX e XX
constitui um movimento pendular que vai do quase exclusivismo do mercado àquele do
Estado, no qual se devem compreender tanto as configurações históricas medianas -
como a social-democracia - quanto aquelas situadas nas antípodas - como o liberalismo
e o socialismo - todas no entanto sendo expressão de um sistema produtor de
mercadorias, cuja marca fundamental é a mercantilização do trabalho e da vida.” (Gaiger,
1998: 62-3).

Em que sentido os EES fogem à lógica da mercadoria? No sentido de que revocam a


separação entre produtores e trabalhadores, que suprimem as relações sociais de
produção responsáveis pelo caráter alienante e descartável do trabalho. No sentido,
ainda, de que criam um novo patamar de satisfação, atendem aspirações não somente
materiais ou monetárias e humanizam as relações entre produtores e desses com os
consumidores. Buscar competividade não fere necessariamente esses princípios, do
contrário seria inevitável admitir que o solidarismo econômico é por natureza
ineficiente, sendo preferível, desse ponto de vista, as velhas relações de exploração. A
questão, portanto, reside em proteger-se ou em retirar benefícios das estruturas e
possibilidades, mesmo limitadas, do sistema de mercado, a fim de fortalecer cada
empreendimento e expandir as relações com seus congêneres.

Na economia solidária há um vínculo entre acumulação e associação. De um lado, a


primeira é subsidiária do atendimento a necessidades, objetivo da associação; de
outro, esta é uma premissa da acumulação, o meio pelo qual os EES podem
incrementar a produção e atuar nas diversas fases do circuito econômico, sem para
isso repetir o modelo do grande capital. Como pondera Singer, a economia solidária
torna possível “quebrar o isolamento da pequena e micro-empresa e oferecer-lhe
possibilidades de cooperação e intercâmbio, que aumentam suas possibilidades de
êxito” (1997: 9-10). Daí, com Nuñez, ser pertinente falar de uma “lógica de acumulação
alternativa” (1997: 48).

Quanto à probabilidade, para os EES, de serem sujeitos desse processo, os fatos


históricos e os dados da pesquisa até o momento trazem sinais alentadores. Sem
menosprezar as barreiras existentes, é plausível sustentar essa perspectiva, tal como
nos sugerem algumas reflexões a propósito da Nicarágua, país colocado perante
desafios de extrema gravidade:

“ Todo esse processo exige uma cultura de empresa que atualmente não está o bastante
presente na economia popular, mas as condições para alcançá-la estão reunidas. [...]
Pouco a pouco, caem certos preconceitos: que os pobres não podem aceder ao crédito
como produtores ou pequenos empreendedores, que os produtores associados não
podem desenvolver estratégias de mercado para sobreviver e fazer concorrência, que a
economia popular não pode ter projeto de acumulação para reinvestir de forma
associativa seus ganhos ou não pode competir suficientemente com a economia
50

capitalista sem dever entrar no círculo vicioso de crescimento, acumulação e exploração.


É a prática que o demonstra.” (Nuñez, 1997: 56. T. N.).
51

9 UMA ECONOMIA ALTERNATIVA NO HORIZONTE?

Como, à luz dos dados levantados, a formação de uma economia solidária, apresenta-
se na região focalizada pela pesquisa? Em que medida e direção, no interior do espaço
sócio-econômico do RS, pode-se visualizar um novo horizonte, viável e alternativo,
para aqueles que vivem do seu trabalho? Quais são os seus sinais promissores e os
seus desafios? Essas últimas reflexões serão dedicadas a esse tema.

É importante considerar, primeiramente, que muitas outras experiências existem no


RS, com resultados satisfatórios e sinais de crescimento. No segmento de reciclagem
de resíduos, representado na amostra por experiências em Porto Alegre, é de citar-se
iniciativas em cidades do interior. Em São Borja, a COOPLAST, com 48
cooperativados, recicla até uma tonelada diária, reaproveitando quase todos os tipos
de plástico como matérias-prima. Funciona desde 1996. Em Caxias do Sul, o
Programa de Reciclagem de Lixo emprega 90 trabalhadores, em duas associações
idealizadas segundo os princípios solidários e de autogestão.

A Cooperativa Auto-gestionária Alumifer, funcionando há um ano, é um exemplo


interessante de consórcio entre empreendimentos de reciclagem e de produção
industrial. A Alumifer foi constituída pelos empregados de uma metalúrgica de Erechim
que fechara as portas. Há muito custo, conseguiram retomar a massa falida da
empresa e recomeçar a produção, na linha de panelas e peças para a indústria. A
matéria-prima é obtida nos galpões de reciclagem de Porto Alegre. Na ponta da
comercialização, estão estabelecendo parcerias com outros municípios, mediante
redes de venda formadas por trabalhadores desempregados. Nesse período, os
ganhos dos 15 metalúrgicos cooperativados dobraram.

Segundo estimativas, haveria cerca de 200 cooperativas de trabalho no Estado. Um


dos setores em que mais se multiplicam é o calçadista, em razão da quebra ou
transferência de muitas fábricas, causando níveis de desemprego assustadores.
Exemplifica-o a Cooperativa Calçadista de Capitão, fundada em 1996 e hoje com 59
sócios. Por enquanto, ela fornece componentes para uma indústria de calçados que
terceirizou etapas da sua produção. A qualidade dos seus produtos garante os
contratos de venda e maiores ganhos aos cooperativados. No projeto, está a formação
de uma central de cooperativas do setor, com uma linha independente de produção e
uma marca própria.

O setor cooperativo em geral tem tradição no Estado. Considera-se hoje que envolve
800 mil pessoas, cerca de 8% da população. Os últimos dados oficiais disponíveis,
ficam bem aquém da realidade, cujo dinamismo mostra-se surpreendente. No Brasil,
970 cooperativas novas foram contabilizadas em 1998, podendo-se supor um número
importante do qual não se tem registro. No RS, 261 cooperativas foram registradas em
1997, uma cifra 75% superior a do ano anterior.31 Em termos absolutos e no
comparativo com o país, os totais por categoria, em 1998 (tabela abaixo), evidenciam o
peso do RS nesse setor.32 Sabe-se, ademais, que a preponderância das cooperativas

31
Dados do Jornal do Comércio. Porto Alegre, 09 set. 1998.
52

agropecuárias está diminuindo, ao passo que aumenta a participação das cooperativas


de serviços e de trabalho.

Segmentos Rio Grande do Sul Brasil % RS/BR


Agropecuário 199 1408 14,13%
Consumo 36 193 18,65%
Crédito 88 890 9,89%
Educacional 11 197 5,58%
Energia e Telecomunicações 19 187 10,16%
Habitacional 24 202 11,88%
Mineração 0 15 0,00%
Produção 25 91 27,47%
Saúde 37 585 6,32%
Trabalho 135 1334 10,12%
Total 574 5102 11,25%
Quadro 3 – Número de Cooperativas no RS e no Brasil - 1998
Fonte: OCB/DETEC/Banco de dados (http://www.org.br/banco.htm)

Convém acrescentar, por outro lado, que as instituições, incluídas na pesquisa de


campo, contam com um leque importante de iniciativas em seus programas de
fomento:

A Cáritas atua em todas as regiões do Estado e constitui o programa de economia


solidária mais antigo e consolidado. Em 1993, teve 349 projetos recadastrados (Gaiger,
1994). No triênio 1996-98, 164 iniciativas receberam apoio. Os 12 anos de existência
do programa totalizam cerca de 1.000 empreendimentos. Destes, 570 permanecem em
sua carteira ativa. De modo geral, as atividades propriamente econômicas conjugam-
se com ações em outros planos, reforçando a inserção social e comunitária dos grupos
beneficiários. No conjunto, estima-se em 40.000 a soma de pessoas beneficiadas.

A Cooperativa Central dos Assentamentos do RS agrupava 26 cooperativas


agropecuárias em 1998, além de 10 associações, totalizando ao redor de 3.500
membros. A essas cifras somam-se inúmeros grupos de produção e uniões informais
de agricultores assentados. Embora existam impasses e contradições, em razão de
carências materiais, do despreparo técnico e de visões nem sempre convergentes
sobre o processo de organização dos assentamentos, registram-se resultados
estimulantes, no plano sócio- econômico e educativo (Vela, 1995). O associativismo, à
medida que se adapta à realidade de cada família e cada comunidade, mostra-se o
caminho mais seguro, senão o único, para assegurar a prosperidade dos agricultores
assentados e dos pequenos produtores em geral.

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através do projeto Ações Coletivas, visa


fomentar e acompanhar grupos populares que se organizam solidariamente. Suas
linhas de ação direcionam-se para a coleta seletiva e reciclagem do lixo, para o apoio a
grupos empreendedores e para a criação de incubadoras populares, onde instalações
adequadas servem ao funcionamento e aprimoramento das experiências de produção.
O trabalho atinge um número limitado de grupos, sendo porém continuado: nos últimos
três anos, envolveu oito grupos, perfazendo mais de 500 associados. Programas

32
Um indicador geral da concentração de cooperativas no RS poderia tomar como referência a participação desse
Estado na população do país, equivalente a 6%.
53

semelhantes estão sendo implantados em outros municípios, como Viamão e Caxias


do Sul, havendo ademais subsidiado uma das linhas de ação do programa do atual
governo estadual.

Há então novos atores em cena, gerando um poder de impacto exponencialmente


maior e compondo um quadro plural quanto a concepções, objetivos e métodos de
trabalho. Além do poder público, atuam nesse campo agências de origem empresarial,
como a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, ou mediante parcerias com a iniciativa
privada, como o Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Ana Terra. A FMSS,
vinculada ao Grupo RBS, apóia projetos de geração de renda desde 1996, por meio de
financiamento, diagnóstico de necessidades e indicação de assessorias. Entre os
critérios de financiamento, estão o caráter solidário da proposta, o seu impacto social e
comunitário e sua viabilidade econômica. Em 1998, 29 projetos receberam
financiamento, num valor médio de R$ 15.000,00. Quanto ao CEAPE Ana Terra,
mantém convênios com o SEBRAE e SENAI/RS, com fundações benemerentes e com
diversas associações de pequenos e microempresários. Oferece cursos de formação
para negócios, assessoria e diversas linhas de crédito à pequena empresa. Em 1998,
celebrou 2.605 contratos de crédito e prestou assessoria a cerca de 4.000 pessoas.
Tenciona regionalizar seus serviços, através de postos de atendimento no interior do
Estado.33

Uma iniciativa de referência na área de apoio financeiro é a Instituição Comunitária de


Crédito Portosol, inaugurada em 1996. Sua clientela é formada por micro e pequenos
empresários da capital e de municípios da região metropolitana, como feirantes,
costureiras, taxistas, donos de restaurantes, sapateiros, etc. Além dos avais
convencionalmente praticados, é aceito como garantia para o empréstimo a pertença a
um grupo solidário, cujos membros fazem financiamentos simultâneos e
responsabilizam-se mutuamente pelos débitos individuais. O volume de operações
chega a 200 créditos mensais, num valor médio de R$ 1.500,00. Mais de 70% dos
clientes renova o crédito, ampliando-o de forma progressiva; para habilitarem-se,
evitam a inadimplência, bem inferior ao do sistema financeiro convencional.34 A marca
distintiva do banco reside ainda na relação com a clientela, personalizada no agente
comunitário de crédito, a quem incumbe aproximar-se do cliente, avaliar a solvabilidade
do seu negócio, calcular suas condições de pagamento e monitorar as atividades
financiadas.

O sucesso do crédito solidário do Portosol repete-se no bom desempenho de outras


iniciativas similares, tanto no Brasil quanto em regiões do mundo ainda mais
desprovidas, como a África (Jacquier, 1988). A boa saúde a que podem chegar os
empreendimentos solidários, quando corretamente estimulados, faz parte da
experiência recente da Cáritas-RS. Uma das alterações que introduziu, há alguns
anos, em sua política de financiamento, consistiu na substituição dos repasses a fundo
perdido por empréstimos com previsão de devolução, parcial ou total, criando com isso
um fundo suplementar de apoio aos empreendimentos. O montante a ser devolvido e
as condições de pagamento respeitam as possibilidades do grupo contemplado. A
inovação exigiu maior qualificação das propostas e melhor preparo da assessoria aos
beneficiários, sem no entanto ter significado um desestímulo e havendo surtido efeitos
claramente positivos sobre a auto-sustentação dos empreendimentos.

33
Fonte: Informativo Ana Terra (Porto Alegre), n.14, nov./dez. 1998 e n.16, jan. 1999.
34
Segundo o Jornal Portosol (Porto Alegre, dez. 1996), no primeiro ano de funcionamento não se registraram
atrasos superiores a 30 dias, para os clientes financiados com base em garantias solidárias.
54

A noção de que esse segmento econômico apenas se sustenta mediante uma política
de subsídios paternalista, não se justifica. Não obstante os pontos vulneráveis das
microexperiências, as constatações da pesquisa fornecem a essa altura razões
suficientes para admitir que sua presença no cenário econômico não é
necessariamente efêmera. Uma vez assumido plenamente o seu caráter cooperativo,
de modo a explorar todo o novo potencial adquirido pelo fator trabalho, os
empreendimentos não somente geram benefícios sociais adicionais, mas ganhos reais
em eficiência e, por conseguinte, condições de assegurarem sua própria reprodução.

Do ponto de vista da teoria econômica, seria lícito admitir a hipótese de que o


solidarismo econômico estaria constituindo uma nova forma social de produção, isto é,
um novo arranjo do processo de trabalho e dos fatores de produção, distinto da forma
assalariada capitalista, com chances de perdurar no atual ambiente econômico, sem
perder suas características. O que garante sua sobrevivência não é seu isolamento,
como ocorreu em tempos idos com a produção parcelar camponesa, mas sua
capacidade de incorporar elementos da base técnica e determinados procedimentos -
gerenciais, de mercado, etc. - da economia moderna, fortalecendo com isso a sua
natureza específica.35

Essa possibilidade aumenta na medida que, além de incorporar a base técnica


capitalista, “a forma solidária começa ela mesma a renovar o conteúdo material do
processo de trabalho, a desenvolver novas forças produtivas, materiais e intelectuais,
adaptadas às suas especificidades.” (Gaiger, 1996: 66). É nesse sentido que deve ser
interpretada a revalorização de uma série de técnicas e saberes seculares, caídos em
desuso, assim como as inovações introduzidas com o desenvolvimento de tecnologias
de produção alternativas e de métodos de administração e gerenciamento afinados
com o primado da cooperação. Aqui recupera-se a idéia de Braudel, segundo a qual é
no “andar térreo” da vida econômica que se localiza o viveiro das experiências da
civilização, se reinventa a sobrevivência e se forma, historicamente, a maior parte dos
agentes do mercado.

Em nossa época, a preocupação excessiva com as sobredeterminações estruturais


provocou o ocultamento das riquezas e potencialidades da economia local, bem como
as suas funções de contrapeso e contra-poder, perante os “andares superiores”. Com
isso, esqueceu-se que há margens de liberdade entre os níveis da civilização. A
vitalidade histórica das formas não-dominantes disso é prova inconteste. Para que haja
perspectiva de futuro, sob uma economia que se mundializa, não é indispensável
esperar a destruição completa dos mecanismos de sujeição macro-econômica.

Formulações recentes têm, ao contrário, insistido sobre as qualidades e vantagens


comparativas dos empreendimentos econômicos com forte enraizamento local, vendo-
os sob o prisma de uma concepção de desenvolvimento global e integradora. A ação
local representaria uma fonte de recursos, humanos e materiais inexplorados,
vocacionada a sustentar um novo padrão de desenvolvimento, “ambientalmente seguro
e eco-socialmente equilibrado” (Franco, 1996: 12), em condições de equacionar
problemas estratégicos insolúveis, como a exclusão e a apartação social:

“A progressiva substituição do emprego em massa, em ambiente de grande escala, pelo


trabalho local, em empreendimentos vicinais e comunitários, com tecnologia avançada
35
Sobre o conceito de forma social de produção, retomado de Godelier (1981), ver também Gaiger (1996; 1998).
55

de pequena escala, é uma via possível para potencializar soluções alternativas. Grande
parte das necessidades pode ser satisfeita por um trabalho produtivo local que empregue
tecnologia apropriada (isto é, aquela que conserva os recursos, não agride o ambiente,
ajuda no trabalho e cria produtos socialmente úteis), com a vantagem adicional de
dispensar o deslocamento das pessoas.” (Idem ibidem)

Os paradigmas produtivos que encetaram a propalada modernização estão sendo, na


verdade, um após o outro, postos em cheque. No que diz respeito à agricultura,
redescobre-se a força produtiva das unidades familiares, das quais emerge,
precisamente, a economia solidária. Num ambiente de profundas e rápidas alterações
no perfil do consumo, na estrutura do mercado e nas cadeias produtivas, a produção
familiar, por sua lógica intrínseca, torna-se um agente com elevada capacidade de
gerar reações compatíveis com uma agricultura ambientalmente sustentável, sem
comprometer os níveis de produtividade alcançadas pela revolução tecnológica. A
passagem dessas unidades a formas associativas apenas viria a multiplicar o potencial
que já comportam (Carmo, 1998).

Nesse contexto, a economia solidária pode não apenas subsistir, mas encontrar o
impulso necessário à sua expansão. Isoladamente, cada empreendimento
permanecerá limitado pelos efeitos da concorrência, da sua baixa escala de produção
e da ausência de mecanismos que confiram racionalidade a todo o circuito econômico
em que se insere, dada sua segmentação e fragmentação. A solidariedade deve,
portanto, estender-se entre os EES e destes com os demais agentes que circundam e
se relacionam com esse campo: centros de assessoria e pesquisa, agências de
fomento, órgãos governamentais, etc.

Para que essa integração horizontal e vertical se complete, na região da pesquisa,


muitos avanços ainda são necessários. Há, sem dúvida, uma nítida confluência entre
os agentes de apoio à economia solidária, através de fóruns, parcerias, eventos
conjuntos e diversas formas de colaboração. Do mesmo modo, em regiões como
Passo Fundo, Porto Alegre e Santa Maria, observa-se uma progressiva aproximação
de parte dos movimentos sociais, inclusive o sindical. Com freqüência, são promovidos
encontros entre os grupos solidários, para discussão de problemas, troca de
experiências e formação. Cria-se com isso uma unidade de propósitos e um espírito
comum. A necessidade de criar pontos de convergência e estruturas permanentes de
articulação está na agenda.

No entanto, a integração econômica entre os empreendimentos, de todos o aspecto


mais fundamental, é por enquanto muito tímida. Parcerias e redes, como as da
Alumifer, são incipientes. Estruturas integradas de escoamento e comercialização
limitam-se às áreas de abrangência das cooperativas do ramo, ou restringem-se a
eventos datados, como as feiras solidárias, de caráter principalmente simbólico e
formativo. É verdade que as ações do Projeto Esperança, em Santa Maria,
representam nesse sentido um passo a mais, uma vez que propiciam trocas regulares
entre os empreendimentos e conseguiram implantar um centro permanente de vendas.
Trata-se porém de uma experiência pioneira, ainda sem paralelo. Outras iniciativas,
como a integração ao mercado lojista convencional, visada pelo projeto Etiqueta
Popular, de Porto Alegre, ainda estão em fase de estudos.

Tem-se pela frente importantes desafios. Nas atuais condições econômicas e políticas,
os protagonistas diretos da economia solidária, de certo modo, estão fazendo o que
56

está ao seu alcance. Para ir além de um somatório de pequenas iniciativas e de


intercâmbios internos, restritos pelas insuficiências atuais desse campo, faz-se
necessária uma ação estratégica de envergadura. Seu objetivo deve ser projetar o
solidarismo como alternativa para a economia popular e, ao mesmo tempo, criar um
sistema de “intercâmbios regulados adequadamente com a economia do capital e com
a economia pública.” (Coraggio, 1997: 37).

Do ponto de vista programático, fica patente a necessidade de introduzir políticas


públicas específicas, direcionadas à economia popular solidária. Para ficar em dois
exemplos, é mister uma grande injeção de recursos no setor, mediante a constituição
de programas de créditos, com filosofia, pessoal e procedimentos adequados aos
empreendimentos solidários. O objetivo seria superar as restrições dos fundos oficiais
de apoio, cujas exigências terminam por excluir os setores desprovidos de garantias,
bem como a limitação principal dos programas de micro-crédito, direcionados quase
exclusivamente a empreendimentos individuais. Numa segunda frente, urge criar um
sistema fiscal diferenciado, além de novas alternativas legais, adequadas às
características dos empreendimentos, como forma de estimular sua formalização ou,
ainda, facultar a resolução de impasses candentes, como a compra das empresas por
seus empregados.

Para isso, importa trabalhar em prol de maior coesão do campo popular, de modo a
conferir maior abrangência à atuação dos movimentos sociais e tornar prioritária a
tarefa de dar visibilidade e consistência à economia solidária. Somente assim, será
possível sustentar sua legitimidade e viabilidade, constituindo-a em argumento na luta
política. Difundindo-se pela sociedade, envolvendo e renovando conselhos, comissões
e demais estruturas de participação civil, agregando entidades, esse movimento estaria
dinamizando um espaço vital de ações, de caráter social e público, cujo protagonismo
é indispensável à implementação de um novo projeto de desenvolvimento.

Essa linha de pensamento vai ao encontro de análises e proposições de um número


crescente de estudiosos da economia solidária. Entre eles, há um ponto de
convergência, no sentido de rejeitar a dualidade Estado x mercado, ou público x
privado, e compreender a sociedade como um conjunto de forças dinâmicas, dispostas
numa configuração tripolar. Coraggio (1977) distingue três subsistemas econômicos: a
economia empresarial, a pública e a popular; Franco (1996) delimita três esferas no
arranjo social: o mercado, o Estado e a sociedade civil; Nyssens (1996) propõe a
visualização de três pólos: o capitalista, o público e o relacional. Há consenso quanto à
caracterização do último elemento da tríade: o pólo relacional, a sociedade civil e a
economia popular constituem conjuntos de iniciativas e processos de vida coletiva em
que predominam os fatores humanos e as relações de reciprocidade, dirigidos por uma
racionalidade não-estatal e não-mercantil e orientados por uma lógica de reprodução
ampliada da vida. Do mesmo modo, ele é visto como a fonte de sinergia das novas
forças vivas da sociedade, cuja ação dinâmica redefine o papel dos demais pólos e cria
a possibilidade de novos rumos para a sociedade.

Não se quer com isso subestimar a intervenção do Estado, cujas prerrogativas e raio
de ação o tornam uma peça primordial. Apenas o Estado detém a capacidade de ativar
políticas abrangentes, captar e redirecionar recursos de vulto, materiais e humanos,
visando a reprodução e expansão de novas estruturas econômicas, vulneráveis
perante a força destrutiva do atual sistema de produção de mercadorias. Interagindo
57

com a sociedade civil e com os agentes do mercado, compete ao Estado um papel


fundamental nesse processo de indução e mobilização social.
58

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63

ANEXO 2
DESCRIÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS VISITADAS

Associação de Reciclagem Ecológica Ruben Berta


A unidade de reciclagem Ruben Berta iniciou suas atividades no ano de 1993, contando na época com
20 integrantes. Está localizada na zona norte do Município de Porto Alegre, no assentamento Wenceslau
Fontoura, constituído pelos antigos moradores da chamada “Vila Tripa”. Atualmente, o grupo é composto por
39 integrantes, todos mulheres, sendo que nenhuma delas tinha conhecimentos anteriores sobre o trabalho que
hoje executam, bem como nenhuma experiência anterior de organização solidária.
O trabalho do grupo consiste em selecionar e separar o material recebido, proveniente da coleta
seletiva do Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre. Após separados, os diferentes
materiais são prensados, embalados e vendidos. Os compradores são, em sua maioria, intermediários, que
repassam o material às indústrias que utilizam os resíduos sólidos recicláveis como matéria-prima na
produção.
As atividades são coordenadas por uma diretoria, composta por presidente, vice-presidente, 1° e 2°
secretários e 1° e 2° tesoureiros. Alguns membros da diretoria não fazem parte do grupo, e atuam como
colaboradores. Dentre as entidades que apoiam o projeto estão a Igreja Católica, através dos Irmãos Maristas,
a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho.
A remuneração do trabalho é feita dividindo-se semanalmente os resultados da atividade, e representa
cerca de R$ 120,00 mensais para cada participante.

Associação Pôr-do-Sol
A associação Pôr-do-Sol é uma experiência coletiva de produção agrícola, localizada no
Assentamento Eldorado do Sul. Os integrantes da associação são provenientes do acampamento do MST em
Cruz Alta, no ano de 1989. Foram assentados em 1991, juntamente com outras 70 famílias, recebendo cada
uma 11 ha de terras. A associação, enquanto tal, iniciou suas atividades no ano de 1994, com 10 famílias, e
permanece com este mesmo número de integrantes.
As casas e outras benfeitorias foram construídas em regime de mutirão. A terra que o grupo possui é
trabalhada de forma coletiva e existe uma divisão técnica do trabalho, separando-se os associados em grupos.
Cada grupo é responsável por uma atividade: lavoura de arroz, horta, criação do gado e construção. Esta
divisão é, no entanto, bastante flexível, podendo-se concentrar mais o trabalho, quando necessário, em uma ou
outra atividade. A principal atividade comercial é a lavoura de arroz, sendo que a horta, cultivada em parte de
forma ecológica, também gera bons resultados.
O grupo é associado à Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre
(COOTAP), que lhe presta alguns serviços, como aluguel de máquinas e intermediação na obtenção de
recursos financeiros. A assessoria técnica à produção é prestada pelo Projeto Lumiar e pelo GAIA, este último
na produção ecológica.
64

Anualmente é feito um planejamento da produção, além de uma reestruturação dos grupos de


trabalho. Mensalmente são feitas reuniões com todos os associados para prestação de contas e solução de
eventuais problemas.
A remuneração do trabalho é feita de acordo com as horas trabalhadas por cada associado, e
representa cerca de R$ 100,00 por mês. Praticamente toda a alimentação do grupo é fornecida pela própria
produção interna. Os associados podem abastecer-se livremente do que produzem, com exceção de alguns
alimentos, que são controlados.
65

Grupo Coletivo Progresso Tapense


O Grupo Coletivo Progresso Tapense é uma experiência de produção agrícola, que se localiza no
Assentamento Lagoa do Junco, no Município de Tapes. Iniciou suas atividades em 1995, com 20 famílias,
número com o qual permanece.
A idéia de produzir coletivamente surgiu ainda no período anterior ao assentamento, quando o grupo
encontrava-se nos acampamentos do MST.
A produção é bastante diversificada: milho, soja, aipim, batata-doce, cebola, leite, carne bovina,
suínos, frangos, ovos, pães e hortaliças, além do arroz, que é a principal atividade comercial, gerando renda
para o pagamento dos financiamentos e para novos investimentos. As demais atividades têm por objetivo
suprir as necessidades do grupo, seja via consumo próprio ou via comercialização do excedente, gerando renda
para comprarem outros produtos.
Existe uma divisão do grupo em setores, sendo cada setor responsável por uma atividade: lavoura,
animais, horta, alimentação, e um representante para a parte social. Realizam um controle dos custos de
produção e das horas trabalhadas.
A terra é trabalhada de forma coletiva, com exceção de um pequeno lote onde cada família pode
construir sua casa e produzir algo para consumo próprio, como frutas, legumes, verduras e pequenos animais.
As refeições são feitas em conjunto no refeitório, exceto nos fins de semana, quando ela é preparada em
conjunto, mas pode ser levada para casa. O grupo realiza reuniões semanais e, anualmente, faz a divisão das
sobras, de acordo com as horas trabalhadas, e um planejamento flexível da produção para o próximo ano.
O grupo garante a subsistência dos seus sócios, e optou por não distribuir valores monetários na atual
fase, priorizando pagar os financiamentos e realizar novos investimentos, tarefas que vem executando com
sucesso.

Massas ASCAL – Associação Comunitária dos Agricultores da Linha Oitava

Em 1992, 12 famílias de pequenos agricultores do Município de Guaporé criaram uma associação, a


fim de realizar compras conjuntas de equipamentos e máquinas agrícolas. Dois anos mais tarde, seis das
esposas desses agricultores resolvem passar de meras observadoras da experiência coletiva dos maridos e
organizaram a Massas ASCAL.
O grupo fabrica diversos produtos como pães, cucas, bolachas, rocamboles, tortas e vários tipos de
massas, dentre elas o capeletti, que é o principal produto comercializado. Todos os produtos têm um caráter
caseiro e colonial, e são produzidos sem produtos químicos. Muitos dos ingredientes utilizados são
provenientes da produção primária das famílias.
Há um planejamento semanal da produção, feito conjuntamente. As participantes fazem um
revezamento nas diversas tarefas a serem executadas, sendo o horário de trabalho compatível com as
atividades rurais. Para a remuneração, há um controle das horas trabalhadas. O valor da hora é pré-
estabelecido pelas sócias, com base no salário mínimo.
Os produtos são vendidos nas redondezas (zona rural) e também na área urbana do Município de
Guaporé, quando realizam-se feiras. Apenas os capelettis são vendidos em maior escala, para mercados e
restaurantes.
Os recursos para a compra dos equipamentos necessários à produção foram financiados pela Cáritas
Regional. A Cáritas Diocesana de Passo Fundo também apóia o grupo, organizando encontros de troca de
experiências entre grupos de padarias, visando qualificar o trabalho.
As sócias trabalham em média 80 horas por mês, o que proporciona uma remuneração de R$ 104,00,
com a hora trabalhada estabelecida a R$ 1,30. Nos melhores meses, no entanto, chegam a trabalhar cerca de
130 horas, aumentando bastante os rendimentos (R$ 170,00). Algumas vezes, abrem mão das horas
trabalhadas para realizar novos investimentos.

Associação de Trabalhadores Rurais da Linha


Terceira
A associação localiza-se no Município de São Domingos e iniciou suas atividades no ano de 1985,
sendo integrada por 29 famílias. No ano de 1997, esse número já era de 38 famílias, devido a casamentos
66

ocorridos dentro do grupo. Os sócios são pequenos produtores rurais do Município, que prosseguem com a sua
produção agrícola individual.
No plano econômico, a associação tem várias atividades. No que diz respeito a grãos, a associação faz
colheita, transporte, secagem, armazenagem, moagem e comercialização. Além disso, intermedia a
comercialização de suínos, opera uma serraria e uma fábrica de móveis e ainda trabalha no ramo de construção
civil, construindo casas.
Os sócios têm vantagens em relação aos não sócios em todas as atividades da associação. No que diz
respeito à produção individual de cada associado, não há nenhuma interferência, só auxílio na obtenção de
subsídios e fornecimento de assessorias, via CETAP e EMATER.
A associação trabalha com 12 funcionários remunerados, sendo que alguns também são sócios. Os
administradores são técnicos com formação superior. Cada atividade da associação tem uma personalidade
jurídica diferente, e há um controle da lucratividade de cada atividade específica.
Os recursos necessários para a consolidação da associação foram obtidos em diversas fontes, dentre
elas Cáritas, Banco do Brasil e BNDES. O ativo está estimado em US$ 280 mil, para um passivo de US$ 150
mil.
Quanto a resultados, a associação trabalha em uma escala que lhe permite influir nos preços, além de
possibilitar o acesso a recursos financeiros que, sozinhos, os associados não obteriam. Além disso, a
associação é um dos importantes atores políticos do Município, fazendo oposição aos setores mais
conservadores.
67

CRISFA – Comunidades Cristo Rei e Sagrada Família


A CRISFA é uma associação de produtores rurais, localizada no Município de Santo Antônio do
Palma, que surgiu no ano de 1989, com o objetivo de viabilizar a produção dos seus associados, através da
compra de insumos e equipamentos agrícolas em conjunto.
Além das atividades de compra conjunta, a associação opera uma olaria e uma marcenaria. Na olaria
trabalham três sócios, cerca de 12 horas por semana. Eventualmente, é necessária uma carga de trabalho
maior, e então outros associados são convocados. A marcenaria funciona apenas quando tem encomendas. No
que diz respeito à produção agrícola, é bastante diversificada, e inclui milho, soja, trigo, cevada, aveia, leite,
suínos e aves. A associação não interfere na produção individual, mas procura qualificá-la, organizando
reuniões semanais de discussão, assessoradas por técnicos do CETAP. Além disso, também intermedia a
obtenção de recursos junto aos órgãos de financiamento.
A associação realiza também um trabalho de reflorestamento, tendo obtido um financiamento a fundo
perdido para plantação de eucaliptos e pinus, entrando com a terra e a mão-de-obra. A compra da olaria foi
financiada por um comerciante da região, sendo o pagamento feito em tijolos. Os equipamentos da marcenaria
foram comprados com recursos financiados pela Cáritas e o PRONAF financiou a compra de algumas
máquinas agrícolas.
No plano econômico, a associação obtém importantes resultados. Os tijolos produzidos na olaria têm
qualidade reconhecida na região e a remuneração nesta atividade é de excelente nível. A associação viabiliza
também aos associados a obtenção de importantes recursos. No plano político, a associação tem força no
Município, elegendo um dos seus associados ao cargo de vereador há dois mandatos.

Vida e Sabor

A experiência Vida e Sabor localiza-se na zona urbana do Município de Passo Fundo. O grupo é
formado desde o seu início, em 1996, pelas mesmas 4 mulheres, ativistas das pastorais da Igreja Católica no
Município. As participantes já trabalhavam juntas, eventualmente, em projetos comunitários de entre-ajuda, e
resolveram tentar obter um financiamento da Cáritas para iniciarem conjuntamente uma atividade remunerada.
O financiamento foi obtido, e o ramo escolhido pelo grupo foi o de alimentação, produzindo pães, massas e
lanches. A atividade foi escolhida devido ao fato de uma das integrantes já exercê-la, e de todas já terem algum
conhecimento de cozinha.
O trabalho é realizado na garagem de uma das sócias, adaptada para a atividade, mediante pagamento
de aluguel. Todas as participantes executam todas as tarefas, mas há uma certa divisão de responsabilidades.
Há uma coordenadora, uma chefe de cozinha, uma vendedora e uma secretária. Algumas trabalham meio turno
por dia, outras, turno integral, e a remuneração é feita de acordo com os turnos trabalhados.
O grupo produz, dentre outros produtos, pães, cucas, pastéis, risoles, coxinhas, pés-de-moleque,
massas, lasanhas e capeleti. O principal meio de comercialização é a venda de lanches para os funcionários de
uma empresa das redondezas. Uma das integrantes do grupo, antes da sua formação, já tinha um acordo de
exclusividade para vender lanches nessa empresa; esse privilégio foi incorporado pelo grupo. Vendem também
para o público em geral, no próprio local da produção e sob encomenda. As vendas para fins comunitários são
feitas a preços de custo.
A remuneração média obtida pelas participantes é de cerca de R$ 100,00 por mês, valor que tenderá a
aumentar depois de terminada a devolução dos recursos financiados junto à Cáritas.

COONALTER – Cooperativa Mista e de Consumo Alternativa

A COONALTER é uma cooperativa localizada na zona urbana do Município de Passo Fundo. Iniciou
suas atividades no ano de 1992, ligada à Cáritas Diocesana de Passo Fundo. Tinha na época dois principais
objetivos: gerar recursos para sustentar esta entidade e difundir o consumo de produtos naturais, através do
funcionamento de um mercado e um restaurante ecológicos. Em 1993, a COONALTER ganhou autonomia em
relação à Cáritas, pois percebeu-se que a cooperativa não conseguia gerar recursos para repassar à entidade, de
acordo com um dos seus objetivos iniciais.
As duas atividades da cooperativa, mercado e restaurante, funcionam no mesmo prédio, alugado junto
à Cáritas. O abastecimento do mercado e do restaurante é feito por grupos apoiados pela Cáritas e por
68

produtores individuais de alimentos naturais. Os produtos coloniais são buscados pela cooperativa, por meio
de rotas pelo interior.
A cooperativa iniciou suas atividades com 24 sócios, e atualmente está com 38. Dentre os sócios da
cooperativa, existem muitos integrantes de grupos apoiados pela Cáritas. Trabalham nas duas atividades da
cooperativa 8 pessoas, sendo que todos são funcionários remunerados, incluindo o presidente da cooperativa e
o gerente. No futuro, a COONALTER pretende transformar-se também em cooperativa de trabalho.
O restaurante da cooperativa tem uma clientela bastante fiel, que demanda cerca de 100 refeições
diárias. O mercado obtém boas vendas no que diz respeito aos produtos coloniais. Há uma certa dificuldade de
avaliar os resultados das duas atividades separadamente, pois o controle das vendas e custos é feito em
conjunto. A individualização das contas das duas atividades está nos planos para o futuro.

Massas Caseiras Delícia

A experiência Massas Caseiras Delícia é uma padaria, localizada na zona urbana do Município de
Passo Fundo. Iniciou suas atividades no ano de 1995, quando recebeu financiamento da Cáritas para compra
de equipamentos. O grupo é composto por três sócias, sendo que duas são mãe e filha, e são as idealizadoras
do projeto. A terceira trabalhava no projeto como funcionária, e posteriormente foi transformada em sócia.
A padaria funciona nos fundos da casa de uma das sócias. Produzem diversos tipos de massas,
bolachas, salgadinhos, pães e cucas, além de diversos pratos prontos, como lasanhas e raviolis. Mantêm
também um ponto de vendas, num espaço alugado, onde, além de comercializarem a produção, também
servem almoços.
As três sócias atuam na produção, mas duas delas têm também outras atribuições. Uma é responsável
pelo ponto de vendas e pela contabilidade do empreendimento; a outra é responsável pelas entregas. Os
ganhos são divididos entre as três, mas em parcelas diferentes, que levam em consideração o capital investido
e os gastos que cada uma assume, como, por exemplo, as despesas com a casa e com o carro utilizados pelo
projeto, que são de propriedade de uma das sócias.
Apesar de trabalharem num ritmo bastante forte, as três sócias não dão conta de todo o trabalho.
Envolvem-se também outras cinco mulheres, remuneradas mensalmente ou por hora trabalhada. Dessas cinco,
três atuam na produção, uma no atendimento no ponto de vendas e a outra faz a limpeza.
A experiência Massas Delícia, além de gerar bons resultados econômicos para as sócias, é uma
referência para os demais grupos da região, assessorando-os eventualmente no trabalho de panificação. Além
disso, uma das sócias faz parte do Conselho de Projetos da Cáritas Diocesana de Passo Fundo, que seleciona
aqueles que recebem financiamento.

Doce Sabor

A experiência Doce Sabor fabrica tortas e doces decorativos para festas. Iniciou suas atividades no
ano de 1997, na zona urbana do Município de Passo Fundo. O grupo é formado por quatro pessoas, todas
mulheres. A coordenadora do grupo já trabalhava no ramo anteriormente, de forma individual; vendo que sua
atividade crescia e demandava cada vez mais trabalho, tomou a iniciativa de formar o grupo, possibilitando o
aumento da produção.
O espaço físico utilizado pelo grupo na produção é a garagem da casa da coordenadora, mediante
pagamento de aluguel. Alguns equipamentos utilizados na produção também são de propriedade da
coordenadora, mas os equipamentos de maior valor foram comprados com os recursos financiados pela
Cáritas.
Os doces e tortas produzidos pelo grupo têm um caráter bastante artístico e decorativo, e demandam
um trabalho manual bastante qualificado. A atividade de montagem e modelagem dos doces é exercida por
todas, e há uma divisão de tarefas no que diz respeito a outras atividades, como a produção das massas, as
compras, os pedidos e a contabilidade. As participantes envolvem-se na Doce Sabor em média 4 horas por dia,
no período da noite, pois todas têm outras atividades.
Muitas das vendas são feitas diretamente aos consumidores, através de encomendas para festas e
comemorações, mas os produtos são também procurados por revendedores, como sorveterias e lojas de
conveniência.
Os ganhos são divididos da seguinte forma: uma parcela é retida como poupança para pagamento do
financiamento, outra parcela fica para a coordenadora, por conta do uso dos equipamentos e por ser quem
69

iniciou a atividade e abriu às demais integrantes; o restante é dividido entre as quatro participantes,
ponderando-se pelas horas trabalhadas por cada uma. A atividade proporciona uma remuneração por hora
trabalhada de cerca de R$ 1,70.

COOPTAR – Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Cascata

A COOPTAR localiza-se no Município de Pontão, no interior do Assentamento 16 de Março, região


onde se localizou o acampamento do MST na antiga Fazenda Anoni. A idéia do grupo de formar uma
cooperativa vem desde este acampamento e a COOPTAR iniciou suas atividades no ano de 1990, constituída
por 24 famílias. Com o passar do tempo, foram aparecendo algumas dificuldades e alguns foram deixando a
cooperativa, que ficou com 16 famílias.
O trabalho na cooperativa é organizado por áreas de produção. Existem as áreas de horta (2 pessoas),
lavoura (1), leite (2), suínos (1), frigorífico (15). O frigorífico é a principal atividade da cooperativa, gerando
cerca de 70% do faturamento e demandando o trabalho da maioria dos sócios e de mais alguns trabalhadores
contratados (em torno de 6 pessoas). A produção interna de suínos fornece 30% da carne demandada pelo
frigorífico. A lavoura de grãos, que já foi a principal atividade da cooperativa, não deu bons resultados e ficou
em segundo plano. Quanto à comercialização, os produtos da cooperativa são vendidos aos supermercados das
cidades próximas.
A cooperativa trabalha com um sistema contábil informatizado, desenvolvido pela COCEARGS, que
também promoveu cursos de formação, preparando os cooperativados para trabalharem com este sistema.
No plano político, a cooperativa organiza-se em assembléias, mini-assembléias e núcleos de
discussão. Procura-se trabalhar de forma democrática, mas sem perder a objetividade, procurando discutir
apenas os assuntos mais relevantes e deixando as decisões mais corriqueiras a cargo do seu responsável direto.
Incluindo-se os gastos com luz, água, etc., a remuneração mensal por família fica em torno de R$
200,00. O auto-abastecimento de alimentos é considerado adiantamento, exceto em produtos como verduras e
outros de menor valor.

COANOL – Cooperativa Agrícola Novo Sarandi

A COANOL surgiu, no ano de 1990, com dois objetivos principais: o primeiro seria aglutinar a
produção dos assentados da região, proporcionando a estes melhores condições de comercialização; o
segundo objetivo era apoiar o MST no plano político, na luta por novos assentamentos. A sede da cooperativa
está localizada na área conhecida por Granja do Holandês, na região da antiga Fazenda Anoni.
Na sua fundação, a COANOL contava com 171 sócios. No ano de 1997, já contava com 682, dentre
os quais existem assentados e pequenos produtores rurais. Para ser sócio da cooperativa é necessário possuir
menos de 40 hectares de terra, pertencer a algum tipo de grupo ou associação de produtores e ter o aval de
outros associados, além de pagar o valor da jóia, fixado em 10 sacas de milho. A cooperativa tem na sua base
cerca de 50 núcleos (cooperativas, grupos, associações). Existe um conselho fiscal, a coordenação e a direção.
Anualmente, é realizada a assembléia geral.
Os serviços oferecidos aos sócios são a comercialização da produção, a venda de insumos, assistência
técnica, fornecimento de máquinas e crédito. Quanto à comercialização, a cooperativa trabalha com soja,
milho, leite, suínos e erva-mate, sendo que esta última é industrializada e vendida pronta para consumo final.
A cooperativa oferece aos associados assistência técnica para máquinas, produção e preservação do meio
ambiente. Procura-se incentivar a agricultura alternativa e a produção de subsistência, através de mecanismos
como a exigência de que uma parcela dos financiamentos obtidos junto à cooperativa seja utilizada para
investimento em produção de subsistência.
A COANOL é atualmente uma cooperativa com uma estrutura de grande porte, e as suas atividades
abrangem 5 municípios da região. Proporciona aos sócios, além de outros benefícios, condições de
viabilizarem sua produção.

COMARA – Cooperativa Mista Agrícola de Ronda Alta

A COMARA nasceu em 1994, de uma fusão entre duas outras cooperativas: a UNACA, que atuava
junto aos produtores de grãos, e a antiga COMARA, que atuava junto aos produtores de leite. Seus sócios são
70

pequenos agricultores da região de Ronda Alta, Município onde se localiza a sede da cooperativa. São cerca de
220 sócios integralizados, com poder de decisão, e mais um número de produtores que recebem o mesmo
tratamento dos sócios, mas sem direito a voto, por não terem entrado com a quota-parte. Ao todo participam
cerca de 350 produtores.
As funções exercidas pela cooperativa são: organização e comercialização da produção,
comercialização de insumos, assistência técnica, assessoria em tecnologia e intermediação de recursos. Possui
uma considerável estrutura física, dispondo de silos de armazenagem e moinho, para os grãos, e uma indústria
de leite e derivados. A comercialização de grãos movimenta maiores valores, mas a atividade que dá melhores
resultados é a comercialização de leite.
A COMARA procura incentivar a produção de subsistência dos seus sócios e promover as alternativas
ecológicas de produção, passando assim para uma estrutura produtiva mais favorável aos pequenos produtores.
Trabalha articulada a outras cooperativas, sindicatos e prefeituras, procurando desenvolver um projeto de
desenvolvimento regional.
Os recursos para a estruturação da COMARA são provenientes de várias fontes como o BNDES, a
Cáritas, e entidades internacionais como a Manos Unidas, que já disponibilizou à cooperativa uma
significativa quantia, a fundo perdido. No que diz respeito a assessorias em tecnologia, contam com o CETAP
e com a COCEARGS.
A COMARA exerce um importante papel na região onde se localiza, fazendo frente às cooperativas
tradicionais. Sua atuação tem incentivado a produção de leite da região e aumentado os rendimentos dos
produtores.

COOPERLAISA – Cooperativa de Produção e Confecções Gerais LAISA

A COOPERLAISA localiza-se na zona urbana do Município de Ronda Alta e iniciou suas atividades
no ano de 1991. A cooperativa é uma articulação de alguns grupos de costura, organizados a partir das CEBs.
O grupo é formado por 22 sócias, todas esposas e filhas de agricultores, organizadas em grupos de 4 e 5
mulheres.
Na sede da cooperativa são realizadas as primeiras fases do processo de produção: o corte e a
modelagem, atividades realizadas pela coordenadora do grupo. As peças cortadas são enviadas para as
costureiras, que realizam, em suas casas, o trabalho de montagem das peças. As roupas prontas são enviadas
novamente para a sede da cooperativa, onde está localizada também a loja, que vende a produção para o
público em geral. As vendas na loja correspondem a apenas 30% do total da produção. A maior parte das
vendas é feita sob encomenda, geralmente em grandes lotes.
Os recursos para compra das máquinas de costura foram financiados junto à Cáritas e ao fundo
rotativo da paróquia. Já os recursos para a compra da casa que abriga a sede da cooperativa foram
disponibilizados por uma entidade internacional, com a qual a cooperativa ainda encontra-se em débito.
Algumas das sócias trazem de casa o conhecimento da atividade de costura, mas algumas recorreram
a cursos rápidos do SENAI e SEBRAE. Somente a coordenadora fez um curso particular mais demorado, de
cerca de 8 meses.
As costureiras trabalham em média 3 a 4 horas por dia e conciliam o trabalho de costura com as
atividades rurais. O pagamento é de acordo com o número de peças produzidas e corresponde em média a
cerca de R$ 100,00 por mês. Somente a coordenadora e a vendedora trabalham em tempo integral. A primeira
recebe um salário mensal fixo de R$ 180,00 e a vendedora, uma comissão de 10% sobre as vendas, o que lhe
proporciona cerca de R$ 150,00 por mês.

Associação Comunitária dos Agricultores da Linha Jabuticaba

A associação está localizada na zona rural do Município de Nova Boa Vista. Tem sua origem no ano
de 1992. Foi criada com o intuito de formar, nos seus membros, uma consciência coletiva para o trabalho e
teve como primeiros objetivos específicos a criação de uma lavoura coletiva para produção de sementes e a
busca de recursos para compra de
equipamentos. Participam da associação 16 pessoas, entre agricultores e filhos, de 9 famílias diferentes.
O projeto da lavoura comunitária foi viabilizado com assistência técnica do CETAP. Com ela, a
associação conseguia produzir internamente as sementes que os associados utilizavam nas suas lavouras
individuais, o que diminuía os custos com este insumo em cerca de 50%. Obtiveram um financiamento da
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Cáritas para a compra de um equipamento de adubação que utiliza esterco, que também deu excelentes
resultados.
A lavoura comunitária foi, no entanto, deixada de lado, quando montaram um condomínio de
produção de leite tipo B, de acordo com um projeto apresentado pela EMATER e com recursos oferecidos
pelo Banrisul. A associação concentrou então todos os seus esforços neste condomínio, até que, depois de 18
meses, perceberam que só estavam tendo prejuízos e o desativaram. Um dos aspectos determinantes dessa
inviabilidade do condomínio foi a impossibilidade de vender o leite produzido a preços de leite tipo B, sendo a
associação obrigada a vender sua produção a preços menores.
Atualmente, os integrantes da associação produzem principalmente soja e leite, mas individualmente
e nas formas tradicionais. A comercialização da produção é feita através de uma cooperativa da região. Visto
que o condomínio de leite nunca deu os resultados previstos, a associação não conseguiu pagar o
financiamento, e encontra-se em débito com o Banrisul. O caso está sendo investigado, para determinar-se se
houve ou não falha da EMATER no projeto.

APRORAM – Associação dos Produtores de Ração à Base de Mandioca

A APRORAM localiza-se no Município de Cerro Branco, tendo surgido no ano de 1989, com o
objetivo de diversificar a produção rural dos seus associados, rompendo assim com a cultura do fumo,
tradicional na região. A associação é composta por 10 sócios, de 4 diferentes famílias de pequenos
proprietários rurais.
O grupo atua em praticamente toda a cadeia produtiva do setor de suínos, produzindo desde a ração
até os produtos finais, como salames, lingüiças e torresmo. Apenas três sócios atuam permanentemente na
associação, dois deles tratando os animais e o outro cuidando das vendas na sede da associação. Há ainda uma
quarta função, na qual os associados se revezam, que é o atendimento no ponto de vendas que possuem, na
sede do Município. Eventualmente, quando o trabalho aumenta, todos os associados se envolvem, em regime
de mutirão. Há um envolvimento de todos também na tomada das decisões mais importantes, quanto ao
planejamento e aos investimentos.
Os recursos investidos na APRORAM foram financiados pela Cáritas e pelo Governo do Estado.
Quanto a aportes técnicos, a EMATER propiciou cursos de gerenciamento e manejo em suinocultura; o
SENAR, sobre produção de embutidos. Há também aporte de técnicos voluntários da UFSM, auxiliando na
gestão do projeto.
Quanto à remuneração, os quatro sócios que trabalham no projeto dividem 3 salários mínimos. Todas
as sobras são reinvestidas no projeto. A APRORAM parece conseguir alcançar seus objetivos, visto que seus
associados já deixaram a cultura do fumo em segundo plano, ainda que alguns ainda mantenham suas
lavouras. O grupo tornou-se uma referência na região e tem articulações bastante amplas com outros grupos,
através do Projeto Esperança. Além disso, marcam presença nos Conselhos Municipais de Saúde, Agricultura
e Bem-Estar do Município.

APROMACOM – Associação dos Produtores de Malhas e Confecções

A história da experiência APROMACOM é intimamente ligada à da APRORAM. Suas três sócias são
também sócias desta outra associação, que não demanda a mão-de-obra de todos os seus participantes. Dessa
forma, em 1993, cria-se a APROMACOM, com o mesmo objetivo da APRORAM: buscar alternativas à
cultura do fumo, típica na região.
A atividade exercida pela APROMACOM é a de confecções, escolhida porque não havia atividade do
gênero no Município, e também porque as participantes já tinham algum conhecimento de costura. Produzem
roupas para homens, mulheres e crianças, e também fazem reformas.
As participantes trabalham em tempo integral, mas o trabalho ainda não esgota a capacidade
produtiva. Todas exercem a atividade de costura, e existe uma certa divisão de tarefas no que diz respeito a
outras atividades como as compras e a comercialização. Para a compra de matérias-primas, viajam à Santa
Catarina, em excursões financiadas pelas indústrias deste Estado, e conseguem assim reduzir custos.
A associação possui um ponto de vendas da sua produção, na sede do Município, em parceria com a
APRORAM. Parte do trabalho de confecção também foi transferido para este local. Além do ponto de vendas,
comercializam também na COOESPERANÇA e em feiras organizadas na cidade de Santa Maria.
Os recursos investidos na APRORAM foram financiados pela Cáritas e pela Prefeitura do Município
de Cerro Branco. Recorreram também a empréstimos bancários para formação de capital de giro.
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A remuneração para cada participante fica em torno de R$ 100,00 por mês. Já realizam alguns
investimentos importantes, como a compra de uma linha telefônica, em parceria com a APRORAM

Associação Pega Bem

A Associação Pega Bem está localizada na zona urbana do Município de Faxinal do Soturno. Quando
iniciou suas atividades, no ano de 1995, era uma microempresa nos moldes tradicionais, na qual trabalhava
apenas um casal. Em 1996, aderiram ao Projeto Esperança, de Santa Maria, e transformaram a microempresa
em associação, ampliando o grupo para 9 pessoas, de 6 famílias diferentes.
O grupo produz roupas íntimas, masculinas, femininas e infantis, de variados tamanhos e modelos.
Atende também a pedidos sob medida. Estão ligadas diretamente à produção 7 pessoas, que dividem o
trabalho de acordo com a especialidade. O trabalho é realizado em tempo integral, e a remuneração obedece o
número de peças produzidas por cada um. Além das sete pessoas ligadas à produção, participam ainda mais
duas, como vendedoras externas.
Os produtos da associação são comercializados no próprio Município e em outros da região. Cerca de
80% da produção é vendida para outros comerciantes, mas vendem também diretamente ao consumidor.
Participam de feiras em Santa Maria, organizadas pela COOESPERANÇA, da qual são associados.
Os recursos para compra de máquinas e equipamentos foram financiados pela Cáritas. O grupo recebe
acompanhamento do Projeto Esperança (Cáritas de Santa Maria), que também viabiliza as articulações da
associação com outros grupos, visando a troca de experiências.
A associação proporciona uma remuneração de cerca de R$ 150,00 mensais para cada participante.
Apenas um dos integrantes ganha mais, por fornecer o espaço físico para o funcionamento da associação e por
ser o proprietário da microempresa que deu origem à experiência atual.

COOPSERV – Cooperativa de Prestação de Serviços

A COOPSERV nasceu em setembro de 1996, por iniciativa de alguns formandos do Curso de


Tecnólogo em Cooperativismo da Universidade Federal de Santa Maria. A cooperativa tem cerca de 30
associados, todos trabalhadores que realizavam serviços de limpeza, marcenaria e construção civil, e que se
encontravam desempregados. Para ingresso na cooperativa, é necessário ser indicado por outros dois
associados, além do pagamento de uma cota.
A cooperativa presta serviços de limpeza, construção civil, montagem e manutenção de móveis. O
preço do serviço é negociado entre o cliente e o associado, mas a cooperativa auxilia na discussão e mediação
dos problemas. Os clientes fazem o pagamento do serviço à cooperativa, que fica com uma parcela e repassa o
restante aos associados que o executaram. A cooperativa constitui fundos para férias, 13o salário, fundo de
garantia e fornecimento de passagens. Contribui também para o INSS dos associados, como autônomos. Todo
o trabalho é discutido em reuniões mensais com todos os sócios.
A Cáritas financiou recursos para compra de móveis, uniformes e formação de capital de giro. Outros
apoios recebidos pela cooperativa provêm do Projeto Esperança, da Sociedade de Engenharia e Agricultura de
Santa Maria e de voluntários ligados à Universidade Federal de Santa Maria.
A cooperativa tem proporcionado aos participantes que trabalham com montagem e manutenção de
móveis uma remuneração em torno de R$ 350,00 mensais e aos da construção civil, cerca de R$ 250,00,
valores acima da remuneração média dos setores na região. Os técnicos que trabalham na administração da
cooperativa são voluntários; esperam começar a ser remunerados quando aumentar o volume de serviços
prestados.

AMME – Associação de Malhas Medianeira

A AMME está localizada na zona urbana do Município de Santa Maria. Teve seu início no ano de
1989, quando seus participantes conheceram o Projeto Esperança, de Santa Maria, e resolveram criar uma
experiência de geração de renda, procurando alternativas para a situação de desemprego que enfrentavam.
A associação trabalha no ramo de confecções. Participam do projeto 6 pessoas, sendo que três
trabalham diretamente com a produção e três atuam como vendedoras. Não há um horário de trabalho
definido; os participantes trabalham o tempo que for necessário. As decisões são tomadas prioritariamente
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pelos integrantes que atuam na produção, mas as vendedoras têm um papel importante na definição das linhas
básicas de confecção, trazendo as sugestões e encomendas do público consumidor. Uma vez por mês há uma
reunião com todos os participantes.
A comercialização é feita em diversos pontos da cidade, através das vendedoras, e também no próprio
local da produção e nas feiras organizadas pela COOESPERANÇA. As feiras, além de momentos de
comercialização da produção, são também momentos de trocas de produtos e integração com os demais
grupos.
Os recursos para compra de equipamentos de costura foram financiados pela Cáritas. Quanto a
assessorias, recebem acompanhamento técnico na área de gestão e contabilidade, por parte de professores da
Universidade Federal de Santa Maria.
A renda gerada pelo projeto é dividida entre os três participantes que trabalham na produção, e
representa cerca de R$ 350,00 mensais para cada um. As vendedoras recebem de acordo com as peças
vendidas. O principal problema enfrentado pela Associação é o esgotamento do capital de giro.

GESMA – Grupo Ecumênico Fazenda Santa Marta

A experiência tem suas origens na ocupação da Fazenda Santa Marta, no Município de Santa Maria,
em 1991. Na época, cerca de 3600 famílias ocuparam a área, pertencente ao governo do Estado, e nos anos
seguintes lutaram por melhorias no local. Para combater o problema da falta de emprego, 6 famílias iniciaram
o projeto de uma padaria comunitária, atividade na época inexistente no local, e deram origem à GESMA.
Na fase atual, trabalham no GESMA 7 pessoas, de 4 famílias diferentes. Todos são moradores do
assentamento, com alguma qualificação profissional, que se encontravam desempregados. Das sete pessoas,
cinco trabalham na produção e venda no local da padaria e as outras duas atuam na distribuição e venda para
outros comerciantes. Trabalham com escalas variáveis de horário, visto que a produção e venda de pães exige
trabalho nas mais variadas horas do dia e da noite.
O grupo procura manter sua posição no assentamento, concorrendo com outras padarias de fora. Para
isso, mantém os dois vendedores dando atendimento constante aos pequenos estabelecimentos próximos.
Outras formas de comercialização realizadas pelo grupo são a venda no local da produção, onde há um espaço
especialmente para isso, o fornecimento de lanches para entidades, como sindicatos e pastorais, e a
participação nas feiras organizadas pela COOESPERANÇA. É através desta, inclusive, que se articulam com
outros grupos para troca de experiências.
Os recursos para compra de equipamentos e construção do prédio foram financiados pela Cáritas
Regional e pelo Projeto Esperança de Santa Maria, sendo que este último proporcionou aos participantes
também um curso de panificação.
A remuneração dos participantes que trabalham na produção representa em média R$ 200,00 mensais;
dos vendedores, cerca de R$ 400,00.

COOESPERANÇA – Coop. dos Peq. Prod. Rurais e Urbanos Vinculados ao Projeto


Esperança

A COOESPERANÇA foi criada no ano de 1989, por iniciativa do Projeto Esperança, da Diocese de
Santa Maria. Nos seus primeiros anos, a cooperativa enfrentou uma série de dificuldades, permanecendo um
período desativada, em 1990, e reabrindo em 1991, quando então conseguiu viabilizar-se, permanecendo em
funcionamento até os dias atuais.
Todos os grupos que recebem financiamento do Projeto Esperança, automaticamente, fazem parte da
cooperativa; além destes, são associados também alguns que não receberam financiamento, mas são
vinculados à diocese. Ao todo, a COOESPERANÇA reúne cerca de 50 grupos de produtores e prestadores de
serviços rurais e urbanos.
A cooperativa comercializa a produção dos seus associados diariamente, no entreposto localizado no
Bairro Medianeira, em Santa Maria. Neste mesmo local, são realizadas feiras todos os sábados, sendo que a
principal ocorre no primeiro sábado de cada mês, quando cerca de 40 grupos comercializam sua produção.
Nos demais sábados, as feiras contam com a participação de cerca de 15 grupos. São comercializados os mais
variados produtos como hortigranjeiros, carne (gado, suínos e frango), embutidos, confecções, artesanato,
produtos de limpeza, pães, biscoitos, cucas, dentre outros. Organizam também, anualmente, a Feira do
Cooperativismo, com a participação de grupos de todo o Estado.
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Os financiamentos para viabilização da cooperativa foram obtidos junto ao próprio Projeto Esperança
e à Cáritas Regional. As assessorias são prestadas por técnicos da EMATER e da Universidade Federal de
Santa Maria.
A COOESPERANÇA proporciona aos seus participantes um importante espaço de comercialização
dos seus produtos. No entanto, há um resultado talvez ainda mais importante, que é a oportunidade que os
grupos têm de divulgarem seu trabalho e articularem-se com os demais, trocando produtos e experiências, na
construção de uma rede solidária.

Grupo de Produção 1A

O grupo está localizado no Assentamento Rondinha, no Município de Jóia. Iniciou suas atividades no
ano de 1995, sendo integrado na época por 26 famílias. Em 1997, o grupo sofre um rompimento, passando a
contar com apenas 6 famílias. Todos os participantes são filhos de pequenos agricultores, que deixaram a casa
dos pais para juntarem-se aos acampamentos do MST.
O Assentamento Rondinha localiza-se numa área de terras que já possuía alguma estrutura, como
casas e galpões. As casas onde moram os participantes foram construídas em regime de mutirão. Com a
diminuição do número de integrantes do grupo, ficaram impossibilitados de realizar o projeto que tinham em
mente, por falta de mão-de-obra e de terra suficiente. Mesmo assim, continuam produzindo, organizados pelo
sistema de setores de produção. A maior parte dos artigos produzidos é utilizada internamente, na alimentação
do grupo e dos animais que criam. O principais produtos para venda externa são os embutidos à base de carne
suína, comercializados principalmente nas feiras da COOESPERANÇA.
Os primeiros recursos para viabilização da produção foram financiados via PROCERA. O grupo
recebeu, em certo momento, assessoria técnica da EMATER, mas atualmente é o Projeto Lumiar que vem
dando a assistência. Recebem também alguma orientação da UNIJUÍ. O grupo participou ainda de uma série
de cursos promovidos pela COCEARGS, sobre gado leiteiro, agricultura, piscicultura e horta.
Mesmo passando por uma fase de certa indefinição, devido à diminuição do número de integrantes, o
grupo alcançou alguns resultados significativos. Garantem com a produção interna a própria auto-sustentação,
com uma alimentação sadia, e encontram-se em melhor situação do que os assentados que optaram pela
produção individual.

Grupo Alto Uruguai N° 4

O Grupo Alto Uruguai n°4 é uma experiência de produção agrícola, organizada no interior do
Assentamento Rondinha, no Município de Jóia. O grupo iniciou suas atividades no ano de 1995, contando com
24 famílias. Com o passar do tempo, alguns integrantes foram deixando o grupo, optando na sua maioria pelo
sistema individual de produção, e em 1997 o grupo era composto por 14 famílias.
Cada família integrante do grupo dispõe de um lote de 500 m², onde foram construídas as casas e
organizadas pequenas hortas, pomares e criações de animais, de caráter individual. Todo o restante é
coletivizado: 250 ha de terra, cerca de 50 cabeças de gado, ordenha mecânica, resfriadores de leite e um trator.
O grupo possui ainda outras máquinas, como plantadeira, empilhadeira e roçadeira, compradas em conjunto
com outros grupos do assentamento. Os recursos investidos no projeto foram financiados via PROCERA.
A produção é organizada em áreas de produção: hortas, lavoura, pecuária e infra-estrutura, havendo
um rodízio de trabalhadores entre as áreas. Há um controle das horas trabalhadas, para a divisão dos
resultados. Produzem soja, milho e aipim, utilizados para subsistência ou na criação do gado leiteiro. A
produção de leite é a principal atividade com rendimentos monetários. Realizam reuniões entre os setores,
reuniões de coordenação e assembléias gerais mensais.
A principal assessoria técnica é prestada pelo Projeto Lumiar. A COCEARGS também proporciona ao
grupo alguns cursos. Quanto aos resultados, mesmo tendo enfrentado estiagens que prejudicaram bastante
duas safras, o grupo obteve importantes progressos. Garantem a própria subsistência, realizam alguns
investimentos e conseguiram apropriar-se de tecnologias que em outra situação não teriam acesso.

COOPAN – Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita


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A COOPAN iniciou suas atividades no ano de 1994, sendo integrada por 58 famílias. Após a saída de
alguns participantes, que não se adaptaram ao sistema cooperativista proposto, o número se reduziu a 40
famílias. A cooperativa está localizada no Assentamento Capela, no Município de Nova Santa Rita, composto
por cerca de 100 famílias.
A área de terras de propriedade das 40 famílias da COOPAN totaliza 820 hectares, totalmente
coletivizada. As casas onde moram os sócios foram construídas em regime de mutirão, sorteando-se a ordem
de construção. Os recursos investidos na cooperativa foram financiados junto ao PROCERA, em ordem
superior a R$ 400 mil.
A produção, bastante diversificada, é organizada pelo sistema de divisão em setores: horta, lavoura,
animais, baraços e infra-estrutura. A lavoura de arroz é a principal atividade da cooperativa, ocupando uma
área de 160 ha. Produzem ainda, para comercialização, brócolis, couve, espinafre, melões, leite, aves, suínos e
bovinos de corte, além de diversos outros produtos para autoconsumo e alimentação dos animais. A assistência
técnica à produção é prestada pelo Projeto Lumiar. A COCEARGS tem participação no sistema de
contabilidade.
Além dos setores de produção, existem os núcleos de discussão dos problemas gerais do
empreendimento. Os núcleos e os setores elegem suas coordenações, que reúnem-se periodicamente. A cada
21 dias há também uma assembléia para discussão do plano de trabalho. A direção da cooperativa é composta
por cinco membros, eleitos anualmente.
Os resultados alcançados são bastante significativos. A cooperativa produz quase que totalmente o
que necessita para a alimentação dos sócios, e tem conseguido pagar os financiamentos que lhe
proporcionaram um alto grau de capitalização. Cada associado recebe cerca de R$ 50 mensais, livres de
despesas com água, luz e alimentação.

Grupo dos Siqueiras

O grupo é composto por 6 famílias que desligaram-se da COOPAN (quadro acima) em 1996. Assim
como esta cooperativa, o grupo está localizado no Assentamento Capela, no Município de Nova Santa Rita.
Cada família pertencente ao grupo possui 20 ha de terras, sendo 15 ha propícios para o plantio de
arroz e o restante “terras secas”. A idéia do grupo é manter a parte das terras propícias para o plantio do arroz
em regime coletivo e individualizar os lotes secos.
A lavoura de arroz é trabalhada em conjunto e ocupa 48 hectares. O grupo tem diversos planos, como
criação de peixes, aves e abelhas, além da produção de frutas. A viabilização dessas atividades dependem, no
entanto, de obter recursos para investimento. Os equipamentos utilizados para o trabalho na lavoura foram
adquiridos mediante a venda do gado que o grupo recebeu quando da saída da cooperativa. Cada família
procura fazer sua horta individual, para consumo próprio. No entanto, não conseguem produzir muito do que
consomem. As compras externas são feitas de forma conjunta.
Há uma reunião para planejamento das atividades de 15 em 15 dias. Quanto a articulações e aportes
externos, o grupo é associado à Cooperativa Regional, que integra os assentados da região da Grande Porto
Alegre. Recebe assistência técnica do Projeto Lumiar, além de algum apoio da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Quanto a resultados, o grupo considera que, ao sair da COOPAN, garantiu maior independência e
liberdade de ação. No entanto, naquele momento o grupo ainda não tinha conseguido viabilizar-se
economicamente, tendo até que recorrer à venda de algumas cabeças de gado para garantir a alimentação de
seus membros. O grupo visualiza boas perspectivas, porém num quadro de incertezas.

UNIVENS - Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos

A cooperativa está localizada no Bairro Sarandi, na Zona Norte da cidade de Porto Alegre, e iniciou
suas atividades no ano de 1996. O grupo é composto por 26 mulheres, cuja maioria encontrava-se
desempregada.
A cooperativa divide-se em dois grupos de trabalho distintos. Apenas duas participantes trabalham
nos dois grupos. Um deles, composto por 8 pessoas, fabrica a multimistura, um preparado que contém, dentre
outros ingredientes: casca de ovo, sementes, farinha de milho, pó de aipim e de arroz. O produto é vendido ao
Hospital Conceição. O outro grupo trabalha com confecções, e participam 20 pessoas. São produzidos guarda-
pós, uniformes para empresas e camisetas. Dividem o trabalho em três atividades: corte (4 pessoas),
montagem (12) e bainhas (4). A atividade de corte é realizada na capela da paróquia, e as demais atividades
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são realizadas nas casas das participantes. A remuneração é de acordo com as peças produzidas. A cooperativa
vende suas confecções para empresas, sindicatos, partidos políticos e outras entidades, normalmente sob
encomenda. Procuram também participar de licitações públicas. São realizadas reuniões quinzenais com os
dois grupos juntos, para prestação de contas, apresentação de resultados e planejamento.
A cooperativa insere-se no Projeto Ações Coletivas da SMIC/POA, que promove cursos profissionais
e, em breve, fornecerá o espaço físico e infra-estrutura (telefone, fax, secretaria, etc.) na Incubadora de
Economia Popular. Além da SMIC, a IOCHPE, o CAMP e a Cáritas também proporcionaram recursos para
investimento na cooperativa.
A cooperativa tem uma inserção comunitária bastante ampla na zona onde se localiza, participando
ativamente do Orçamento Participativo e articulando-se com o movimento sindical. Quanto a resultados
econômicos, a cooperativa proporciona uma renda complementar entre R$ 50,00 e R$ 100,00 mensais para as
famílias envolvidas.

Unidade de Reciclagem de Resíduos Sólidos do Loteamento Cavalhada

O Loteamento Cavalhada é um assentamento de famílias que foram retiradas de zonas consideradas


de risco pela Prefeitura de Porto Alegre. A unidade de reciclagem, que iniciou suas atividades no final de 1996,
foi a forma encontrada para proporcionar às famílias deslocadas uma atividade econômica. Trabalham na
unidade 35 pessoas, homens e mulheres.
Os caminhões da prefeitura trazem o material, proveniente da coleta seletiva. O trabalho da unidade
consiste em separar, prensar e enfardar o material, havendo um revezamento dos participantes nas diferentes
tarefas. O horário de trabalho foi estabelecido pelos participantes, sendo tolerados atrasos de até dez minutos.
Há uma diretoria eleita, constituída por presidente, vice, tesoureiro, 1o e 2o secretários e fiscal geral, sendo
todos trabalhadores da unidade. Tudo é definido democraticamente; realizam-se assembléias quinzenais para
planejamento e discussão do andamento do trabalho.
Os principais compradores do material reciclável são intermediários, que o repassam às indústrias que
o utilizam na produção. Apenas alguns materiais, como a sucata e o vidro, são vendidos diretamente às
indústrias, obtendo-se assim melhores preços. Há um projeto de uma central de vendas, que integraria todas as
unidades de reciclagem de Porto Alegre.
A unidade de reciclagem é obra do poder público municipal de Porto Alegre, através do DMLU, que
construiu o galpão, e da SMIC, que promoveu cursos sobre cooperativismo, gerenciamento e reciclagem de
plástico. Quanto a outros apoios, a AVIPAL doou uma prensa, e a Termolar doa a quebra de vidros da sua
produção para as unidades de reciclagem.
A unidade proporciona aos seus participantes uma renda mensal de cerca de R$ 250,00, além da
possibilidade de gestão do seu próprio trabalho. Muitos dos integrantes da Unidade anteriormente sobreviviam
catando papel nas ruas da cidade e agora trabalham com muito mais segurança, menor esforço físico e maior
retorno econômico.

COOPAVA – Cooperativa de Produção Agropecuária Vista Alegre Piratini

No ano de 1992, 50 famílias foram assentadas no Município de Piratini, dando origem ao


Assentamento Conquista da Liberdade. Nos dois anos seguintes, todas as famílias trabalharam coletivamente.
Após esse período, muitas famílias foram deixando o grupo, e quando este se formalizou, originando a
COOPAVA, contava com 29 famílias (43 sócios). A partir deste momento, o número de participantes sempre
aumentou, chegando a 57 sócios em 1998.
A área de terras ocupada pela cooperativa é de 670 hectares. De máquinas e equipamentos mais
significativos possuem um caminhão, tratores e uma mini-usina de pasteurização de leite, além de computador
e telefone para o trabalho de escritório. Cada família recebeu um lote de 800 m² para construir as casas, plantar
um pomar e criar pequenos animais.
Os principais produtos da cooperativa são o leite, os suínos e o pêssego. O trabalho é organizado pelo
sistema de setores de produção. Há o setor de pomar, o setor de lavoura e um terceiro setor, que se divide em
quatro equipes: leite, animais, refeitório e horta/reparos. Realizam reuniões semanais dentro de cada setor. Os
coordenadores dos setores, mais a diretoria, formam o conselho deliberativo da cooperativa. O plano de
trabalho é traçado bimestralmente.
A atividade de produção de pêssegos era nova para os sócios da COOPAVA. Por isso, no início do
trabalho, buscaram uma série de assessorias: CAPA, EMBRAPA, EMATER e UFPEL. Atualmente toda a
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assistência é dada pelo Projeto Lumiar. A grande maioria dos recursos investidos na cooperativa foram
financiados junto ao PROCERA.
No que diz respeito aos resultados, o depoimento dos associados revela que houve significativa
evolução no nível de consciência, além de melhoras nas condições sociais e materiais de vida. A remuneração
dos sócios fica em torno de R$ 250,00 mensais por família, entre dinheiro e alimentação.

Dikasa Produtos Caseiros

A experiência Dikasa localiza-se no Bairro Fragata, zona urbana do Município de Pelotas. Iniciou
suas atividades no ano de 1992, buscando alternativas de trabalho para os seus participantes. No decorrer dos
anos, a experiência passou por mudanças de local, de membros e de atividade, e recebeu diversos aportes de
capital.
Dentre as 4 pessoas que iniciaram a Dikasa, apenas um casal ainda permanece na atividade.
Atualmente são os únicos participantes. Já participaram, além deste casal, outras quatro pessoas, que saíram
devido a conflitos internos.
No início das suas atividades, a Dikasa produzia e comercializava massas, cucas e pães. Pararam com
a produção um ano e meio depois, por esgotamento do capital de giro. Numa segunda fase, o grupo já tinha
uma formação diferente, e alugou um ponto comercial para instalar uma lancheria, que venderia bebidas,
sorvetes, almoços e lanches. Os resultados não foram os esperados e a lancheria foi fechada. Numa terceira
fase, com o grupo novamente modificado, mudaram de local e prosseguiram com o fornecimento de almoços,
entregues em viandas.
Quanto aos aportes de capital recebidos, a Cáritas já forneceu recursos por duas vezes, e uma entidade
internacional também disponibilizou à Dikasa uma significativa soma a fundo perdido. Ao todo, a experiência
recebeu cerca de R$ 30 mil, e não conseguiu fazer a devolução prevista à Cáritas. Segundo seus integrantes, a
experiência é carente de assessorias em termos de produção e gerenciamento. A Cáritas da Diocese de Pelotas
realiza um trabalho de assistência junto aos participantes, mas nada em termos de assessoria técnica.
A Dikasa nunca conseguiu viabilizar-se economicamente. Garantiu a sobrevivência da família do
casal participante ao longo dos anos, mas sempre mediante descapitalização da experiência e novos aportes
financeiros.

Pé no Chão Calçados

A experiência Pé no Chão Calçados está localizada no zona urbana do Município de Pelotas, no


Bairro Fragata. Um dos seus integrantes trabalhava anteriormente em uma fábrica de calçados. Quando saiu
deste emprego, resolveu montar sua própria empresa, fabricando calçados de forma artesanal. Tempos mais
tarde, juntaram-se a ele os outros dois participantes e iniciaram a experiência de produção coletiva.
A Pé no Chão fabrica chinelos, botinas e sapatilhas. O participante que tinha experiência na produção
de calçados é o único que domina todo o processo produtivo, por isso é o encarregado da criação e
modelagem. Os outros dois trabalham na costura e colagem das partes dos calçados e na sua comercialização.
Há um horário de trabalho, combinado entre os participantes, de oito horas e meia por dia.
O mercado para os produtos fabricados na Pé no Chão é bastante instável, devido às mudanças de
clima. Quando não faz tanto frio quanto o esperado, um tipo de produto não vende bem, o mesmo acontecendo
com o calor. Além disso, existem cerca de 30 outras microempresas de calçados no Município, que fazem forte
concorrência.
As compras das máquinas e do material para a produção, além das adaptações feitas no local da
produção, foram realizadas com recursos financiados pela Cáritas. Quanto a assessorias técnicas, a cidade de
Pelotas mostra-se carente. Os participantes fizeram apenas um curso de produção de calçados, realizado pelo
SENAI, sem muito resultado.
A idéia inicial do grupo era de obter semanalmente um rendimento de R$ 40,00 para cada um. Esse
valor, no entanto, não se concretizou, devido a uma série de problemas ocorridos, como a instabilidade do
mercado e alguns gastos não previstos.

Seriplast
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A experiência iniciou suas atividades no ano de 1996, em função da situação de desemprego em que
se encontravam seus participantes. O grupo é formado por 4 pessoas de 3 famílias diferentes, que se
conheciam por serem vizinhos no bairro onde moram, no Município de Pelotas.
A Seriplast funciona na casa de uma das famílias participantes. O grupo dispõe de máquinas de
costura e equipamentos básicos de serigrafia. São produzidos diversos artigos em plástico, como pastas
escolares, pequenas bolsas e acessórios para bicicletas.
Eventualmente as mulheres do grupo se encarregam mais do trabalho de costura, mas em geral todos
os participantes exercem todas as atividades, com exceção da serigrafia e das vendas, que são atividades das
quais apenas um dos integrantes é encarregado. Não existe um horário de trabalho definido. Trabalham o
tempo necessário para dar conta das encomendas. Não há tampouco um registro contábil, existindo uma certa
confusão no cálculo dos preços de venda e da remuneração do trabalho.
Os produtos da Seriplast são normalmente comercializados com pequenas lojas e estabelecimentos
comerciais da cidade de Pelotas, sendo bastante procurados. No entanto, a falta de capital de giro impede que
o grupo atenda a encomendas grandes, por não conseguir comprar maiores quantidades de matéria-prima. Os
recursos para compra de máquinas e de matéria-prima para iniciar a atividade foram financiados junto à
Cáritas.
A Seriplast proporciona a cada um dos seus participantes uma remuneração mensal de, em média, R$
250,00. No entanto, o projeto não se expande, por falta de um capital de giro que dê ao grupo condições de
aumentar a produção.

LC Jansen

A LC Jansen é uma padaria e lancheria, localizada próxima ao centro da cidade de Pelotas. Iniciou
suas atividades em 1995, quando as suas participantes ficaram conhecendo o trabalho da Cáritas com
experiências de geração de renda. Após muito medo e resistência, elaboraram o projeto, obtiveram o
financiamento e iniciaram o trabalho.
A LC Jansen tem três sócias, sendo duas irmãs e uma prima, que trabalham todos os dias, das 7 da
manhã às 9 da noite, revezando-se nas tarefas. A padaria é praticamente a casa da família, pois fazem as
refeições no local e ficam ali reunidas a maior parte do tempo.
Além das três sócias, envolvem-se no trabalho outros familiares, cada um colaborando de acordo com
seus conhecimentos e possibilidades. O marido de uma das sócias obtém empréstimos junto à empresa onde
trabalha e repassa-os ao projeto. O marido de outra é técnico e encarrega-se de fazer a manutenção dos
equipamentos da padaria. As filhas da terceira sócia colaboram dormindo no local da padaria, por questão de
segurança, e fazendo o pão pela manhã.
A padaria funciona num prédio alugado, próximo ao centro de Pelotas. Consideram o ponto como
estratégico, pois fica entre uma zona de baixo poder aquisitivo, que consome pães e refeições, e uma zona de
moradores de maior renda, que consomem tortas e salgados.
Como a sobrevivência é garantida pela renda dos maridos, optaram por não receber valores
monetários nesta fase do empreendimento. Todos os recursos são canalizados para novos investimentos, como
o prédio próprio, que estão construindo e que possibilitará a ampliação da atividade para um mini-mercado.
Pretendem começar a remunerar o trabalho quando não precisarem mais pagar aluguel, e quando os recursos
da Cáritas tiverem sido devolvidos.

ARPA – Associação Regional dos Produtores Agroecologistas

A ARPA reúne 70 famílias de pequenos produtores rurais dos municípios de Canguçu, Pelotas e São
Lourenço. A associação foi criada no ano de 1995, inspirada na COOLMÉIA, de Porto Alegre, contando na
época com 42 famílias.
Todos os sábados a associação realiza uma feira na cidade de Pelotas, na qual apenas são vendidos
alimentos produzidos ecologicamente. As famílias integrantes da ARPA dividem-se em sete grupos e cada
grupo expõe seus produtos em uma banca.
O depoimento dos produtores indica que a produção dos alimentos agroecológicos demanda mais
mão-de-obra, mas requer menores custos monetários, ficando a produtividade pouco menor em relação à da
agricultura convencional.
A ARPA mantém um importante intercâmbio com a COOLMÉIA. A cooperativa de Porto Alegre
expõe seus produtos na feira de Pelotas e a ARPA também expõe os seus em Porto Alegre. A COOLMÉIA
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contribui ainda vendendo os produtos que sobram da feira da ARPA no seu entreposto na cidade de Pelotas,
que funciona durante toda a semana.
A associação adquiriu todo o material para a realização da feira, como as lonas e as caixas de
transporte dos produtos, com recursos financiados junto à Cáritas, já devolvidos. A assessoria técnica aos
produtores é prestada pelo CAPA (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor) e pela Pastoral Rural, além da
colaboração da COOLMÉIA.
Os produtores da ARPA estão convencidos de que a produção de hortifrutigranjeiros de forma
ecológica é mais vantajosa do que a lavoura comercial tradicional, em diversos aspectos: condições de saúde
dos produtores, aproveitamento da produção para a própria subsistência e até mesmo em termos de um maior
retorno econômico. Os preços alcançados pelos produtores vendendo seus produtos na feira são 100% maiores
do que os pagos pelos intermediários.

UNAIC – União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu

A UNAIC nasceu no ano de 1988, com o objetivo de integrar as diversas associações de produtores
rurais surgidas no Município de Canguçu num período anterior. No ano de 1992 foi criado o departamento de
comercialização, atendendo a uma demanda dos associados.
A UNAIC reúne 49 associações de produtores, que envolvem cerca de 1.000 famílias. A criação das
associações foi estimulada pela EMATER, em período anterior à existência da UNAIC. São associações
bastante diferentes umas das outras, em aspectos como organização, necessidades e tipo de produção. O
Município de Canguçu é considerado a maior zona de minifúndio da América Latina, com cerca de 11.500
propriedades rurais e uma produção muito diversificada.
São dois os principais objetivos da UNAIC: viabilizar economicamente a produção dos seus
associados e formar a consciência dos sócios para o trabalho comunitário. Para isso, trabalham na UNAIC
apenas três pessoas: o presidente, o tesoureiro e o motorista. De dois em dois anos, a UNAIC realiza um
congresso de dois dias de trabalho, no qual procura-se levantar diretrizes e linhas de ação, para posterior
aprovação da assembléia geral.
O departamento de comercialização procura agenciar a venda da produção dos associados,
recolhendo os produtos e oferecendo aos compradores, cobrando uma taxa apenas para cobrir os custos. O
departamento também fornece sementes e outros insumos aos associados. Da mesma forma que na
comercialização, cobra uma taxa para cobrir os custos, e esta taxa é menor para as compras conjuntas, como
forma de incentivar os associados a procederem dessa forma.
A principal articulação externa é o CAPA (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor), que além de
prestar assessoria técnica, regularmente também disponibiliza recursos para cobrir os custos de funcionamento
da UNAIC.

ANEXO 3
SIGLAS UTILIZADAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social


CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional
CAPA – Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
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CEAPE – Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos


CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CETAP – Centro de Tecnologias Alternativas Populares
COCEARGS – Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul
COOLMÉIA – cooperativa de produtores agroecológicos
COOTAP – Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre
CPA – cooperativa de produção agropecuária
DMLU – Departamento Municipal de Limpeza Urbana
EES – empreendimentos econômicos solidários
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
PACs – Projetos Alternativos Comunitários
PROCERA – Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SMIC-POA – Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio de Porto Alegre
UFPEL – Universidade Federal de Pelotas
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul

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