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INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

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A lei penal contém uma norma, que é uma ordem estatal dirigida a todos os
cidadãos, no sentido de fazer ou não fazer alguma coisa. A norma penal incriminadora,
por exemplo, contém um mandamento que impõe determinado comportamento: não
matar (art. 121, CP), não constranger mulher a conjunção carnal mediante violência ou
grave ameaça (art. 213, CP).

O conjunto das normas penais incriminadoras – que definem o crime e


cominam a pena – contém o conjunto dos comportamentos humanos que são proibidos
sob a ameaça de pena criminal. Quem violar o preceito pode sofrer a sanção penal.

As leis, contendo as normas, dirigem-se a todos os indivíduos da sociedade, e


trazem ordens que todos devem cumprir. Toda ordem deve ser clara, precisa, exata,
mas, além disso, deve ser compreendida por todos os seus destinatários.

Por mais que o legislador se esforce na missão de elaborar a norma com


precisão e clareza, as palavras, as frases, as construções, a língua utilizada na
comunicação, exigem uma análise a fim de bem delimitar seu conteúdo. Esta análise do
texto da lei busca encontrar o sentido exato de seu conteúdo.

É que a norma penal é o marco que delimita o terreno dos comportamentos


permitidos daquele outro campo das condutas proibidas, até porque, na vida em
sociedade, só existem comportamentos permitidos e comportamentos proibidos. Por
isso, não podem pairar dúvidas sobre o conteúdo, a extensão e o significado de cada
norma penal.

Toda norma, de conseqüência, necessita ser conhecida em sua inteireza para que
se possa bem saber o que se pode e o que não se pode fazer, o que é certo e o que é
errado, distinguindo o proibido do permitido.

Por mais clara que seja, aparentemente, uma norma, ainda assim precisa ser
analisada e examinada. Quando se diz que uma norma é clara e, por isso, não precisa
ser interpretada, é porque, quando se a considerou clara, já se a tinha analisado e
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles

conhecido, previamente, seu verdadeiro significado.

Interpretar a lei é extrair o significado e a extensão da norma, em face da


realidade; descobrir sua real dimensão, sua amplitude, o âmbito de sua incidência na
vida prática.

A interpretação é uma operação lógica que visa descobrir a vontade da lei, para
aplicá-la aos casos que ocorrem no dia-a-dia.

Muitos pensam que, com a interpretação, busca-se descobrir o que pretendia o


legislador no momento em que elaborou a lei, o que é absolutamente incorreto.

Lembra BETTIOL:

“Afirma-se algo de todo inexato quando se diz que é tarefa da


hermenêutica ir à procura da vontade do legislador, compulsando trabalhos
preparatórios. O legislador, como tal, é um ‘mito’, porque na realidade é
composto por um grupo de homens que, sentados em torno de uma mesa,
concordam, quiçá com sacrifício de suas idéias pessoais, em elaborar uma
ordenação. Mas a ordenação, uma vez elaborada, se objetiva, desvincula-se do
pensamento daqueles que a tomaram, vive uma vida autônoma. Repetindo
Calamandrei, a lei é como um filho que sai da casa paterna para ir ao
encontro da vida, para seguir a sua própria estrada, frustrando, talvez ou
superando toda a expectativa do genitor. Assim, a lei é independente da
vontade do legislador, mas independente também do complexo de condições
histórico-ambientais que a determinaram, pelo que deve saber adaptar-se a
um complexo de novas condições sociais que se podem apresentar, com o fluir
do tempo.”1

É verdade, viva, a lei tem luz própria, impondo sua vontade até mesmo contra a
vontade do legislador.

6.1 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

A doutrina distingue a interpretação da lei penal quanto ao sujeito que a faz, em


autêntica ou legislativa, doutrinária e judicial.

6.1.1 Interpretação autêntica ou legislativa

1 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. v. 1, p. 152.
Interpretação da Lei Penal - 3

Esta é a interpretação feita pelo próprio legislador, por meio da própria lei. Ao
elaborar determinada lei, verifica o legislador a existência de um conceito, um termo,
um instituto, inserido na norma que pode ser interpretado de forma dúbia ou ambígua
e, como a norma penal deve ser precisa, ele mesmo apresenta a solução da dúvida ou da
ambigüidade, espancando futuras controvérsias.

Trata-se da mais verdadeira interpretação da lei, pois é ela mesma quem diz qual sua
vontade, qual a extensão do conteúdo e o significado das expressões que utiliza.

Quando o legislador interpreta a lei em seu próprio contexto, há interpretação


autêntica contextual.

Exemplos dessa espécie de interpretação encontram-se no Código Penal.

No art. 150, está definido o crime de violação de domicílio, assim: “entrar ou


permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa de quem de
direito, em casa alheia ou em suas dependências”.

Qual é a amplitude, a extensão, da expressão casa? O próprio legislador do Código


Penal, antevendo dúvidas futuras, tratou de esclarecer, no próprio texto legal, no § 4º
do mesmo artigo, o significado do termo:

“A expressão ‘casa’ compreende: I – qualquer compartimento habitado; II


– aposento ocupado de habitação coletiva; III – compartimento não aberto ao
público, onde alguém exerce profissão ou atividade.”

Vê-se, assim, que por casa se deve entender qualquer lugar, ou compartimento
onde alguém more, vale dizer, um barraco, uma barraca, um trailer, bem assim o
escritório do profissional liberal, exceto a sala de espera, aberta ao público.

Nos arts. 312 a 326 do Código Penal estão definidas várias espécies de crimes que
só podem ser praticados por funcionário público. O legislador, prevendo ambigüidades
na conceituação de funcionário público, antecipou-se e fez no art. 327 sua
interpretação:

“Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora


transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função
pública. § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego
ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora
de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da
Administração Pública.”

A Lei nº 6.538, de 22-6-78, que, entre outras coisas, definiu crimes contra o
serviço postal e o de telegrama, no art. 47 esclareceu o conteúdo de vários termos, como
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles

carta, cartão-postal, encomenda etc., tornando claros os significados dessas


expressões, evitando, com isso, a incerteza e a dúvida.

Pode ocorrer que, em vigor uma lei e surgindo dúvidas quanto a sua vontade, o
legislador entenda necessário elaborar nova lei, esclarecendo o conteúdo da lei anterior,
dirimindo assim a dúvida ou ambigüidade. Esta é outra espécie de interpretação
legislativa, chamada posterior. Trata-se de lei nova, com o objetivo de interpretar a
anterior.

Conquanto a interpretação autêntica seja a própria lei, é óbvio que é obrigatória.

6.1.2 Interpretação doutrinária

Esta é a interpretação realizada pelos juristas, pelos estudiosos, pelos cientistas


do Direito.

Tão logo em vigor uma lei, torna-se necessário interpretá-la. As dúvidas


aparecem, e os cientistas sobre ela se debruçam e, conquanto sejam profundos
conhecedores do Direito, investigam, com base nos métodos científicos indicados, e
apresentam à comunidade dos operadores do Direito seu entendimento acerca da
vontade da lei.

A interpretação doutrinária, é certo, não tem força obrigatória, pois não passa
da opinião de um homem; todavia, sendo ele um cientista, seu pensamento será levado
em conta pelos profissionais do Direito. À medida que determinado jurista se impõe
perante a sociedade – pela seriedade de seu trabalho, pela cientificidade de suas obras
e, sobretudo, pela coerência de suas idéias, e seu ajustamento ao sistema jurídico –
suas opiniões são respeitadas e acabam por se tornar de aceitação geral.

Especialmente no Brasil, em que o legislador, muitas vezes, não atenta para a


necessidade de maiores discussões, aceitando, facilmente, tudo o que vem do Poder
Executivo, e, principalmente, quando busca legislar para atender a manifestações da
opinião pública manipulada, o papel dos doutrinadores do Direito é da mais alta
importância, pois são eles os primeiros a apontar as incongruências, as contradições, os
erros das leis e a necessidade de modificá-las.

No Brasil, sempre houve juristas da mais alta respeitabilidade. No passado,


Galdino Siqueira, Bento de Faria, Roberto Lyra, Nelson Hungria, Aníbal Bruno e
Magalhães Noronha. Depois deles, os saudosos Heleno Fragoso, Manoel Pedro
Pimentel, Francisco de Assis Toledo e Julio Fabbrini Mirabete; hoje, são expoentes do
Direito Penal, entre outros, Damásio Evangelista de Jesus, e Alberto da Silva Franco.
Interpretação da Lei Penal - 5

6.1.3 Interpretação judicial

É a interpretação realizada pelos juízes e pelos tribunais, quando do julgamento


dos casos concretos.

Ocorrendo o crime e nascendo, para o Estado, o direito de punir o infrator da


norma penal, vai ele, perante o juiz, pedir a condenação do homem acusado de
desobedecer o mandamento. Ao juiz caberá descobrir qual a vontade da norma, qual
seu alcance, qual sua extensão e profundidade, seu significado, o âmbito de sua eficácia,
diante daquele caso ocorrido.

Para aplicar a lei, o juiz deve conhecer a norma e interpretá-la diante do caso
concreto. Deve, pois, descobrir a vontade da lei.

Esta interpretação tem força obrigatória apenas para o caso que estiver sendo
julgado. Isto significa que o juiz não está obrigado a dar à lei a mesma interpretação
dada, anteriormente, por outro juiz, ou pelo tribunal.

Não está o juiz vinculado à interpretação dada pela instância superior, nem pelo
Supremo Tribunal Federal.

Ao interpretar a lei penal, decidindo o caso concreto, o juiz deve estar atento para
a lição do grande NELSON HUNGRIA:

“Como adverte Calamandrei, no seu Elogio dos juízes, as sentenças


judiciais não precisam ser amostras de rebrilhante cultura de vitrina. O que
lhes convém é que, dentro das possibilidades humanas, sejam justas, servindo
ao fim prático de implantar a paz entre os homens. Longe de mim afirmar que
o juiz não deva ilustrar-se, consultando a lição doutrinária e pondo-se em dia
com a evolução jurídica; mas se ele se deixa seduzir demasiadamente pelo
teorismo, vai dar no carrascal das subtilitares juris e das abstrações inanes,
distanciando-se do solo firme dos fatos, para aplicar, não a autêntica justiça,
que é sentimento em face da vida, mas um direito cerebrino e inumano; não o
direito como ciência da vida social, mas o direito como ciência de lógica pura,
divorciado da realidade humana; não a verdadeira justiça, que é função da
alma voltada para o mundo, mas um direito postiço, arrebicado, sabendo a
palha seca e cheirando a naftalina de biblioteca. O juiz que, para a
demonstração de ser a linha reta o caminho mais curto entre dois pontos, cita
desde Euclides até os geômetras da quarta dimensão, acaba perdendo a
crença em si mesmo e a coragem de pensar por conta própria. Dele jamais se
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles

poderá esperar uma solução cautamente pretoriana, um milímetro de avanço


na evolução do direito, o mais insignificante esforço de adaptação das leis. O
juiz deve ter alguma coisa de pelicano. A vida é variedade infinita e nunca lhe
assentam com irrepreensível justeza as ‘roupas feitas’ da lei e os figurinos da
doutrina. Se o juiz não dá de si, para dizer o direito em face da diversidade de
cada caso, a sua justiça será a do leito de Procusto: ao invés de medir-se com
os fatos, estes é que terão de medir-se com ela. (...)

Da mesma tribo do juiz técnico-apriorístico é o juiz fetichista da


jurisprudência. Esse é o juiz burocrata, o juiz de fichário e catálogo, o juiz
colecionador de arestos segundo a ordem alfabética dos assuntos. É o juiz que
se põe genuflexo diante dos repertórios jurisprudenciais como se fossem livros
sagrados de alguma religião cabalística. Para ele, a jurisprudência é o direito
imutável e eterno: segrega-se dentro dela como anacoreta na sua gruta,
indiferente às aventuras do mundo.”2

Hoje, o perigo reside nas facilidades que o banco de dados instalado no


microcomputador oferece e na gravação de modelos de sentença no disco rígido, no
arquivo do processador de texto, que devem servir ao homem e não comandá-lo.

Outra lição pertinente é a de RANULFO DE MELO FREIRE:

“O juiz atual deve perder sua incontaminada inocência, imiscuindo-se nas


impurezas do social, e deve tomar consciência de que o apego literal à norma
pode, não poucas vezes, torná-lo mero instrumento de interesses menos
legítimos; mas o papel do juiz criminal não se resume apenas em infundir, em
relação a determinadas normas de incriminação, o sopro do social. É sua
incumbência ainda posicionar-se na relação de tensão Indivíduo-Estado para
assegurar sempre ‘uma esfera individual frente à onipotência do Estado’. E, no
exercício desse mister, não pode validar nenhum agravo aos princípios
constitucionais, que velam pela área de liberdade e de segurança jurídica que
cada cidadão possui frente ao Estado. (...)

É seu dever zelar para que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial
dos direitos do cidadão, constitucionalmente protegido. É seu dever, ainda, não
tolerar interpretações que acarretem o esvaziamento de sua jurisdição, em favor
de jurisdições especiais. É seu dever também garantir a ampla e efetiva defesa, o
contraditório e a isonomia de oportunidades, favorecendo, assim, o concreto
exercício da função de defesa. É seu dever, por fim, invalidar as provas obtidas

2 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 61-64.


Interpretação da Lei Penal - 7

com ‘a violação da autonomia ética da pessoa’, ou seja, todos aqueles meios de


prova que importem ofensa à dignidade da pessoa humana, à integridade
pessoal (física ou moral) do argüido e, em especial, os que importem qualquer
perturbação da sua liberdade de vontade e de decisão.”3

A descoberta da vontade da lei, pelo juiz, portanto, há de ser feita sem esquecer
que estará sendo aplicada ao homem, que é a razão de ser de tudo.

6.2 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

Não se descobre a vontade da lei ao acaso, nem amadoristicamente, mas com a


utilização de métodos.

6.2.1 Método literal

As normas são comandos que se expressam por palavras da língua oficial. A


primeira coisa a fazer é examiná-las, descobrir qual seu significado léxico e gramatical.

Assim, no art. 121, Código Penal, “matar alguém”; é preciso examinar ambas as
expressões. Por “matar” deve-se entender “tirar a vida” ou “causar a morte”. E por
“alguém” deve entender-se “qualquer pessoa”.

Com este método, busca-se descobrir o significado denotativo das palavras.

Todavia, com o método gramatical, exclusivamente, não se consegue descobrir a


vontade da lei. Basta pensar a seguinte hipótese: certo médico, encarregado de realizar
uma cirurgia abdominal num seu paciente, aproveita-se e extrai do mesmo um rim,
para realizar um transplante para outro paciente.

Realizando-se uma interpretação puramente gramatical, pode-se concluir que tal


médico praticou o crime de furto, definido no art. 155 do Código Penal (subtrair, para si
ou para outrem, coisa alheia móvel). Com efeito, o médico subtraiu, tirou, para terceira
pessoa, uma coisa, o rim, alheia, do paciente que, após extirpado do corpo, tornou-se
móvel. Estará, assim, a princípio, sujeito a uma pena de reclusão de um a quatro anos e
multa.

Estará correta esta interpretação?

Claro que não, apesar de literalmente ser aceitável tal conclusão.

3 In: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 18.
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles

E não está porque a vontade da norma do art. 155 do Código Penal não é proteger
a saúde das pessoas, mas seu patrimônio. E o rim não é patrimônio, mas órgão
indispensável à manutenção da vida do homem.

Se não está certa esta interpretação, como, então, descobrir, qual norma se aplica
ao fato narrado?

O método literal não é o único, pois é preciso, além dele, utilizar o intérprete do
método teleológico ou finalístico, com o qual se descobre a vontade da lei.

6.2.2 Método teleológico ou finalístico

Por meio deste método, o intérprete vai descobrir a vontade da lei, perguntando
quais seus objetivos, qual sua finalidade.

Como já foi dito, a tarefa do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais
importantes, das lesões mais graves. De conseqüência, é claro que as normas penais
incriminadoras foram elaboradas para dar proteção aos ditos bens jurídicos. Cada
norma penal incriminadora visa à proteção de um ou mais bens jurídicos. A norma do
art. 155 do Código Penal, que define o crime de furto, visa proteger o patrimônio – bens
materiais de valor econômico – das pessoas, dos ataques consistentes na apropriação
das coisas que integram o patrimônio, sem violência contra a pessoa e sem nenhuma
outra agressão a qualquer outro bem jurídico.

Já a norma do art. 157, Código Penal – que define o crime de roubo – visa proteger
o mesmo patrimônio das pessoas, mas dos ataques violentos – protegendo, igualmente,
a vida, a integridade física ou a tranqüilidade dos indivíduos.

Nas duas normas citadas, protege-se o patrimônio, e na segunda, além dele, a


pessoa.

Para descobrir, portanto, a vontade da lei, é indispensável, em primeiro lugar,


considerar o bem jurídico. No exemplo da extração do rim, é de se concluir que não
pode ser furto, pois aquele órgão não se inclui entre os bens do patrimônio da pessoa,
mas é um órgão integrante de sua integridade física, sem o qual resta atingida sua
saúde.

Ora, existe alguma norma penal que protege a integridade corporal e a saúde das
pessoas? Claro que existe. Já no Código Penal encontrava-se o art. 129:

“Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção


de 3 (três) meses a 1 (um ano). § 1º – Se resulta: (...) II – debilidade permanente
Interpretação da Lei Penal - 9

de membro, sentido ou função; Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.”

E na Lei nº 9.434, de 4-2-1997, que dispôs sobre a remoção de órgãos, tecidos e


partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, estão inscritas
algumas figuras criminosas que protegem especificamente a integridade física e a saúde
das pessoas contra ataques que se destinam exatamente a extrair-lhes órgãos, tecidos e
partes do corpo, valendo transcrevê-las:

“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou


cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei: Pena – reclusão, de dois
a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa. (...) § 2º Se o crime é praticado
em pessoa viva e resulta para o ofendido: (...) debilidade permanente de
membro, sentido ou função; Pena – reclusão, de três a dez anos, e multa, de
100 a 200 dias-multa.”

No caso, o médico estaria sujeito a pena de 3 a 10 anos de reclusão, pela prática do


crime de remoção de órgão de pessoa viva, seguido de lesão corporal de natureza grave
e não do delito de furto. Esta é a vontade da lei, inclusive de punir com maior
severidade o comportamento daquele médico.

6.2.2.1 Ratio legis

O método teleológico ou finalístico impõe ao intérprete a obrigação de perguntar


quais motivos determinaram o estabelecimento do preceito penal, bem assim quais
necessidades e qual princípio superior deram origem à norma penal. Ao fazê-lo, estará
descobrindo o fim da lei, sua razão de ser, seu elemento teleológico.

A interpretação finalística exige não apenas descobrir a ratio legis – razão


teleológica, que é a consideração do bem jurídico –, mas impõe ao intérprete a atenção
para com outros elementos: o sistemático, o histórico, o direito comparado e outros,
extrapenais e extrajurídicos.

6.2.2.2 Elemento sistemático

Na busca da vontade da lei, não pode o intérprete esquecer que o ordenamento


jurídico-penal é um sistema de normas jurídicas que não se contradizem, não se
repudiam, mas se completam, harmonicamente, no sentido de conferir proteção aos
bens jurídicos importantes, em face das lesões mais graves. Igualmente, a ordem
jurídico-penal contém um conjunto de princípios jurídicos que formam um todo.
10 – Direito Penal – Ney Moura Teles

O conhecimento da vontade da norma penal incriminadora exige o conhecimento


da vontade de todo o ordenamento jurídico. Assim, por exemplo, “matar” é proibido,
mas, se quem o faz age em “legítima defesa”, não há o crime.

Um exemplo. No caput do art. 342 do Código Penal está definido o crime de “falso
testemunho ou falsa perícia”, assim:

“Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito,


contador, tradutor, ou intérprete em processo judicial ou administrativo, inquérito
policial, ou em juízo arbitral.”

Já no § 2º do mesmo artigo, há uma norma que impede a aplicação da pena


para este crime: “O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que
ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.”

Se o intérprete examinar apenas o caput do art. 342, poderá cometer lamentável


engano, ignorando que, na hipótese de a testemunha, antes da sentença, desmentir-se,
não haverá punição.

O intérprete, portanto, deve estar atento ao sistema. Examinar todas as normas


que regulam o mesmo fato. Nunca contentar-se com a primeira conclusão, com a
leitura superficial das normas.

O Código Penal é um sistema dividido em duas partes, a parte geral e a parte


especial. Na primeira, estão os princípios gerais do Direito Penal; na segunda, a
definição das várias espécies de crime com suas respectivas penas.

Na parte geral, no título I (arts. 1º a 12), as regras de aplicação da lei penal. Nos
títulos II, III e IV (arts. 13 a 31), as normas que tratam do crime, em todas as suas
características gerais.

No título V (arts. 32 a 95), as normas sobre as penas, e no VI (arts. 96 a 99), as


medidas de segurança. O título VII (arts. 100 a 106) traz os princípios diretores da ação
penal e, finalmente, o título VIII (arts. 107 a 120) cuida da extinção da punibilidade.

Na segunda parte, a Parte Especial, que vai do art. 121 até o 359, estão definidas
as várias modalidades de condutas consideradas criminosas, com algumas normas
penais permissivas especiais, e outras normas explicativas, relativas aos crimes em
espécie.

As várias espécies de crime estão agrupadas em função do bem jurídico. Nos


arts. 121 a 154, estão reunidos os chamados crimes contra a pessoa, ou seja, os crimes
contra o ser humano.

Dentre deles, os crimes contra a vida encontram-se nos arts. 121 a 128, que são:
Interpretação da Lei Penal - 11

as várias espécies de homicídio – simples, privilegiado, qualificado, culposo simples,


culposo qualificado –, o induzimento, a instigação ou auxílio ao suicídio, o infanticídio
e as várias modalidades de aborto.

Como se vê, portanto, existe uma ordem harmônica, de modo que o intérprete,
quando vai aplicar a norma incriminadora ao fato, deve considerar a existência de
várias normas e uma só delas aplicável, e que ela deve estar coerentemente ajustada ao
sistema.

É preciso, pois, considerar o sistema, que, sendo harmônico, não admite


ambigüidades, dúvidas ou incertezas. A vontade da lei é uma só.

6.2.2.3 Elemento histórico

Conhecer a história da lei, o contexto em que foi determinada, suas razões


determinantes, sua gênese e suas transformações, pode, às vezes, ser importante no
momento da descoberta de sua vontade.

BETTIOL, todavia, nos explica

“que o estudo da história do Direito Penal nem sempre é útil para a


compreensão do Direito Penal moderno, porque o que interessa é o significado
que a norma num determinado momento apresenta, não as modalidades de
suas formas precedentes, o como veio à luz. Mas se a indagação sobre
transformações formais da norma em períodos sucessivos pode também
trazer esclarecimentos, acerca do conteúdo substancial da própria norma,
idêntica indagação deve ser realizada a respeito dos valores que ela
atualmente tutela e tal indagação se enquadra perfeitamente nas exigências
de uma interpretação teleológica”.4

6.2.2.4 Outros elementos

Em algumas oportunidades, confrontar o direito nacional com o de outros


países, para verificar o tratamento dispensado por outros povos ao mesmo instituto, é
de acentuada importância para a descoberta da vontade da lei. Assim, também o estudo
do direito comparado tem seu lugar na interpretação finalística.

Deve o intérprete atentar para o chamado elemento político-social, de natureza

4 Op. cit. p. 161.


12 – Direito Penal – Ney Moura Teles

extrapenal, que consiste na verificação do ajustamento harmônico da norma penal com


as instituições políticas e sociais da sociedade e, particularmente, com os interesses dos
cidadãos. É claro que a norma penal não pode integrar-se em dissonância com os
anseios da sociedade, que se expressam por meio de suas instituições legítimas.

A propósito, é preciso enorme cuidado com as manipulações dos sentimentos


populares, realizadas por alguns órgãos dos meios modernos de comunicação de
massas, que, infelizmente, conseguem transmitir a falsa impressão de uma vontade
popular inexistente.

Deve o intérprete ter em mente que os conceitos jurídicos não são, sempre,
suficientes para o estabelecimento da vontade da norma, devendo buscar, em outras
ciências, o auxílio indispensável, por exemplo, à conceituação do que seja moléstia,
saúde, doença mental, perturbação psíquica etc. Elementos extra-jurídicos,
sociológicos, psiquiátricos, antropológicos, colaboram com o alcance do objetivo
visado.

6.3 RESULTADO DA INTERPRETAÇÃO

Interpretar, já se disse, é descobrir o significado e a extensão da letra da lei. As


palavras, às vezes, dizem mais do que a lei deseja, outras vezes, menos, e, na maior
parte delas, correspondem, integralmente, a sua vontade.

6.3.1 Interpretação declarativa

Quando a letra da lei corresponder a sua vontade, sem necessidade de se


estender ou de se restringir o alcance de suas palavras, chega-se a um resultado
meramente declarativo. É o que se chama interpretação declarativa.

Veja-se o exemplo, emprestado de NELSON HUNGRIA5. O art. 141 do Código Penal


determina que, quando os crimes de calúnia – atribuir, falsamente, a alguém a prática
de um fato definido como crime –, difamação – imputar a alguém fato ofensivo a sua
reputação – e injúria – ofender a dignidade ou o decoro de alguém – tiverem sido
cometidos “na presença de várias pessoas...”, as penas cominadas nas normas penais
incriminadoras serão aumentadas de 1/3 (um terço).

A pena para o crime de calúnia é de detenção de seis meses a dois anos e multa.
Se a calúnia for feita na presença de várias pessoas, a pena será de, no mínimo, oito

5 Comentários ao Código Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 1, t. 1, p. 80.


Interpretação da Lei Penal - 13

meses e, no máximo, dois anos e oito meses, além da multa.

Como interpretar o significado da expressão várias? Qual o mínimo de pessoas


que devem presenciar tais crimes, para que as penas sejam aumentadas de 1/3? Duas
pessoas, três pessoas ou quatro pessoas?

Quando se fala em várias pessoas, pode-se estar falando em cinqüenta, mil,


duas mil pessoas. O número máximo de pessoas que pode presenciar uma calúnia é o
número de pessoas que existe no planeta, menos o caluniador e a vítima. E o número
mínimo é uma pessoa. Uma pessoa, todavia, não são várias pessoas. Para que sejam
várias pessoas, esse mínimo pode ser duas, três ou quatro.

Se o intérprete chegar à conclusão de que o número mínimo é dois, terá


interpretado a expressão várias da forma mais ampla possível, ou seja, várias pessoas
é, no mínimo, duas pessoas.

Entendendo que o número mínimo é quatro, terá interpretado a expressão de


forma a restringir sua amplitude, isto é, várias pessoas é, no mínimo, quatro pessoas,
indica que se está diante de um número de pessoas menor, menos amplo, do que se o
mínimo fossem duas pessoas.

Concluindo que o mínimo é três pessoas, não terá nem ampliado, nem
restringido o significado da expressão várias.

Em conclusão, se o intérprete confere à letra da lei um conteúdo mais amplo,


mais extenso, estará chegando a um resultado extensivo, se, ao contrário, diminui a
amplitude da palavra, seu alcance, estará atingindo um resultado restritivo; se não
estende nem restringe, estará tão-somente declarando o conteúdo denotativo da
palavra.

No exemplo de HUNGRIA, o resultado correto da interpretação é declarativo. A


vontade da norma do art. 141 do Código Penal é aumentar as penas daqueles crimes
quando forem eles cometidos na presença de no mínimo três pessoas.

Como chegar a essa conclusão? Com a utilização do método finalístico de


interpretação, especialmente com amparo no elemento sistemático, já explicado.

O Código Penal é um sistema harmônico de normas que, por isso, não se


contradizem, antes se ajustam com perfeição.

Observando-se todo o Código Penal, encontram-se outras normas nas quais há


menção à quantidade de pessoas. Assim o art. 226, I, que contém um dispositivo que se
aplica aos crimes contra os costumes, estupro, sedução etc. Diz aquela norma que, se
qualquer daqueles crimes for cometido “com o concurso de duas ou mais pessoas”, a
14 – Direito Penal – Ney Moura Teles

pena será aumentada de quarta parte. O § 1º do art. 150, por sua vez, faz aumentar a
pena do crime de violação de domicílio, se ele for cometido “por duas ou mais pessoas”.

Então pode-se verificar que o Código Penal quando quer referir-se à quantidade
mínima de duas pessoas, expressamente refere-se ao número dois, utilizando-se da
fórmula “duas ou mais pessoas”, para se referir ao mínimo de pessoas que exige.

A conclusão a que se deve chegar é a de que, se o Código quisesse que a pena


para o crime de calúnia fosse aumentada de 1/3 quando cometida na presença de, no
mínimo, duas pessoas, não teria usado a expressão várias, mas, coerentemente com o
sistema, teria dito: na presença de “duas ou mais pessoas”. Afasta-se, portanto, o
resultado extensivo na interpretação.

Se o mínimo não é duas pessoas, por que não seriam quatro pessoas?

Responda-se negativamente, com base no mesmo elemento sistemático. O


mesmo Código, quando quer referir-se a uma quantidade mínima de quatro pessoas,
expressamente diz: “mais de três pessoas”, como na norma penal incriminadora do art.
288, que define o crime de quadrilha ou bando. Ali, para deixar claro que o mínimo de
pessoas exigido é quatro, o Código não usou a expressão várias, mas, “mais de três”, e
mais de três é, no mínimo, quatro pessoas.

Dar outra interpretação para a expressão várias seria, portanto, ignorar a


harmonia do sistema do Direito Penal.

Declarativa é a interpretação que não confere, ao texto da lei, nenhum sentido


mais amplo, nem mais restrito, mas tão-somente declara uma correspondência. São as
palavras da lei, o texto da lei, correspondentes a sua vontade, sem necessidade de
extensão, nem de restrição do alcance das palavras que a compõem.

6.3.2 Interpretação restritiva

Quando as palavras do texto legal disserem mais do que é sua vontade, o


intérprete deve restringir seu alcance, amoldando-o à intenção da lei. Outro exemplo de
HUNGRIA bem ilustra essa situação6.

Diz o art. 28, I, do Código Penal, que “a emoção ou a paixão” não excluem a
responsabilidade penal. Se alguém cometer um fato definido como crime sob o domínio
do estado de emoção ou da paixão, não estará, por isso, excluída sua responsabilidade

6 Op. cit. p. 80.


Interpretação da Lei Penal - 15

penal. Em outras palavras, a emoção e a paixão não retiram do homem sua capacidade
de responder por seus atos. Não será ele eximido da pena criminal pela simples razão
de ter agido sob domínio de emoção ou de paixão.

A interpretação meramente denotativa do texto dessa norma leva ao


entendimento de que “toda e qualquer” emoção, bem assim “toda e qualquer” paixão
não excluem a responsabilidade penal. Sim, porque a letra da lei não adjetivou tais
substantivos, não conferindo a eles nenhuma qualificação, pelo que não restringiu seu
alcance.

Se a letra da lei não restringiu, é de se perguntar, fê-lo porque era essa sua
vontade? A vontade do Código Penal é dizer que nenhuma emoção ou nenhuma
paixão exclui a capacidade penal? Será essa a vontade da lei?

É claro que não. O Código, repita-se, outra vez, é um sistema. Suas normas não
estão em conflito, mas convivem e amoldam-se com harmonia.

Emoção é um estado afetivo que perturba o equilíbrio psíquico do indivíduo, de


forma aguda e por curto período de tempo. A ira, o medo, a alegria, a surpresa, a
vergonha, o prazer erótico são conhecidos estados de emoção.

A paixão já é uma crise psicológica mais profunda e de maior duração, que, de


modo crônico e estabilizado, ataca a integridade do espírito humano e reflete-se no
corpo, como no amor, no ódio, no ciúme e na ambição.

Esses estados que agridem a alma do homem, enquanto não tenham afetado a
psique humana de modo mais profundo, efetivamente não têm o condão de afetar a
capacidade de o homem entender as coisas, ou de governar-se.

Há casos, todavia, em que tais estados, de tão intensos, ou em face da


fragilidade da saúde mental de certo indivíduo, nele se instalam e se convertem em
verdadeira patologia, transformando-o num doente mental. Tais estados, portanto,
podem caracterizar-se como uma anomalia mental e, em função disso, o indivíduo pode
não ter a capacidade de discernir ou de se determinar.

Para incidir sobre casos como esses existe a norma do art. 26 do Código Penal, a
qual informa ser incapaz, do ponto de vista penal, aquele indivíduo portador de doença
mental que, em virtude desta, ao cometer um fato definido como crime, não tem
nenhuma capacidade de entender que seu comportamento é proibido, ou, quando
entende, não tem nenhuma capacidade de se controlar, de se governar.

De conseqüência, não é vontade da norma do art. 28, I, afirmar, como


literalmente afirma, que nenhuma emoção, ou nenhuma paixão, exclui a
16 – Direito Penal – Ney Moura Teles

responsabilidade penal, porque a emoção e a paixão patológicas – quando


constituírem doença mental – podem excluir a capacidade penal.

Em outras palavras, a vontade da norma do art. 28, I, não é dizer literalmente: a


emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal. Sua vontade é dizer: não
excluem a imputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão não patológicas.

Esta é a vontade da lei.

Como se observa, fez-se uma interpretação que restringiu o alcance das


palavras, sua amplitude, sua extensão. Literalmente amplas, abarcando toda e qualquer
situação, são, todavia, restringidas, para corresponderem à vontade da lei.

O resultado da interpretação foi, portanto, restritivo. Esta é a chamada


interpretação restritiva.

6.3.3 Interpretação extensiva

O inverso também ocorre. A letra da lei, em certas situações, diz menos que é
sua vontade. O significado denotativo das palavras utilizadas não corresponde, por ser
menos amplo, ao que a norma pretende.

Tratando-se de normas penais incriminadoras, aquelas que definem o crime e


cominam as penas, em face do princípio da legalidade, que exige que a lei penal seja
exata, precisa, certa, clara, é preciso muito cuidado com a interpretação que estenda o
sentido, o alcance, o conteúdo das palavras, conferindo à norma, de conseqüência,
maior alcance. Em se tratando de normas definidoras de crime, o intérprete deve
atentar para, conferindo maior alcance às palavras, não violar o princípio da reserva
legal.

São raros os casos em que se pode fazer, com normas penais incriminadoras,
uma interpretação extensiva. Outro exemplo clássico de HUNGRIA7, aliás, não diz
respeito, propriamente, a uma norma penal incriminadora, mas ao nome jurídico de
um crime: a bigamia. O grande penalista pátrio mostra que, quando a lei faz referência
ao crime de bigamia, não deseja ela proibir apenas o segundo casamento, ou dois
casamentos, mas o terceiro, quarto, mais de um casamento.

Deseja a lei, portanto, definir como crime não apenas a bigamia, mas também a
poligamia. Então, o sentido da expressão bigamia deve ser interpretado extensivamente,

7 Op. cit. p. 82.


Interpretação da Lei Penal - 17

como abarcando, igualmente, a trigamia, tetragamia, enfim, a poligamia.

O exemplo bem revela que raramente se podem interpretar extensivamente


normas penais incriminadoras. Tanto que a própria definição do crime de bigamia não
carece de nenhuma interpretação extensiva, pois, na definição, as palavras
correspondem, precisamente, ao texto da lei: “contrair alguém, sendo casado, novo
casamento”. A vontade da norma é proibir que alguém, sendo casado, contraia novo
casamento, seja o segundo, o terceiro ou o quarto. A norma incriminadora, portanto,
não exigiu interpretação extensiva.

Diz a doutrina que um exemplo de interpretação extensiva está na necessidade


de se compreender, na locução “expor a contágio de moléstia venérea” também a
expressão “contagiar”, do crime de “perigo de contágio venéreo”, do art. 130 do Código
Penal, porque a lei desejaria punir não só a exposição ao perigo de contágio, mas,
igualmente, o próprio contágio.

Não me parece correto esse entendimento. O crime definido no art. 130 do


Código Penal define apenas o comportamento perigoso, pune simplesmente a criação
da situação de perigo de contágio venéreo. Se este vier a ocorrer, o crime praticado será
outro, o de lesão corporal.

6.3.4 Conclusão

A interpretação finalística vai conduzir, necessariamente, a um resultado


harmônico e conclusivo, induvidoso, e o intérprete não deve se preocupar se o
resultado será restritivo, extensivo ou meramente declarativo. Se o método teleológico
tiver sido aplicado com critério, especialmente com atenção à razão de ser da norma,
considerando-se o bem jurídico, a agressão perpetrada e elemento sistemático, a
interpretação terá sido realizada corretamente.

Aplicado o método teleológico e se, mesmo assim, não se chegar a um resultado


harmônico, induvidoso, remanescendo ainda dúvidas, o caminho não pode ser outro:
interpreta-se conforme seja mais favorável ao perseguido, ao acusado da prática do
crime.

6.4 ANALOGIA

Por mais que o ordenamento jurídico procure ser abrangente de todas as


situações que busca regular, por mais que a lei queira alcançar todos os
comportamentos que atingem de modo grave os bens mais importantes, por mais que o
18 – Direito Penal – Ney Moura Teles

direito procure tratar de todas as hipóteses em que não se deve punir, por mais, enfim,
que o homem procure alcançar, com o Direito, todas as situações passíveis de proibição
penal, ou de permissão excepcional, sempre haverá lacunas, omissões.

As leis são feitas em determinado momento histórico e, mal entram em vigor,


novas hipóteses ocorrem, algumas jamais imaginadas.

O grande NELSON HUNGRIA, por exemplo, dizia, na década de 508, a propósito


do delito de aborto, que a ciência não podia fornecer uma prova irrefutável de que um
feto fosse portador de anomalia física ou mental, o que, hoje, é plenamente possível, em
grande parte dos hospitais do país, por meio de exames realizados no útero, no feto, no
líquido amniótico, já nos primeiros meses da gravidez, que apontam, com segurança
absoluta, a existência de anomalia grave, física ou mental.

O próprio ordenamento jurídico prevê a possibilidade de inexistência de lei para


regular certas situações, mandando que: “Quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (Lei de
Introdução ao Código Civil, art. 4º).

Quando tiver o julgador de decidir um caso e não houver lei, deverá julgá-lo, em
primeiro lugar, de acordo com a analogia, depois com os costumes e, finalmente, com
os princípios gerais de direito.

Sobre os costumes e os princípios gerais de direito, já se falou antes,


especialmente que eles não podem ser utilizados para definir crimes, nem para cominar
penas.

E analogia, o que é?

Usar analogia é, em palavras bem simples, diante de um caso para o qual não
existe lei, aplicar a lei que se aplica a um caso bastante semelhante, bem parecido.

Um exemplo: todos sabem o que é uma procuração. Um contrato por meio do


qual alguém, mandante, outorga a outra pessoa, mandatário, poderes para agir em seu
nome. Materializa-se por intermédio de um documento escrito. Diz a lei civil que “o
terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma
reconhecida” (novo Código Civil, art. 654, § 2º).

A procuração outorgada a João pode ser, por ele, substabelecida a Pedro, para
que este o substitua, exercendo o mandato conferido pelo outorgante. Esta
transferência de poderes chama-se substabelecimento. A lei civil é omissa no que diz

8 Op. cit. v. 5, p. 305.


Interpretação da Lei Penal - 19

respeito à possibilidade de o terceiro exigir também o reconhecimento, pelo tabelião,


da assinatura do procurador constituído (João) no instrumento de substabelecimento.

Pois bem, se um juiz tiver de decidir sobre a exigibilidade do reconhecimento da


firma no instrumento de substabelecimento, verificando a inexistência de lei a esse
respeito, deverá, como manda o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil,
considerar que o terceiro tem o direito a exigir o reconhecimento da firma no
substabelecimento.

Terá, então, decidido usando a analogia.

6.4.1 Analogia in malam partem

Tratando-se de Direito Penal, é de se perguntar: pode o juiz, diante de um fato a


ele relatado, e na ausência de norma penal incriminadora, aplicar, ao fato, a norma
penal que incide sobre um fato parecido?

A resposta é, com todas as letras, garrafais: NÃO. O uso da analogia no que diz
respeito às normas penais incriminadoras é terminantemente proibido, pelo princípio
da legalidade: nullum crimen, nulla poena, sine lege. Só a lei pode definir crimes e
cominar penas.

Se não há lei considerando o fato um crime, o juiz está impedido de, usando a
analogia, aplicar uma pena à pessoa que o praticou.

O art. 155 do Código Penal define como crime o comportamento de uma pessoa
consistente em “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Este é o delito
denominado furto.

Se Cláudio, com vontade de ir ao shopping, estando atrasado e não tendo um


veículo, abre o veículo de Alfredo, no estacionamento da faculdade, consegue fazê-lo
funcionar e, com ele, vai até o lugar desejado, deixando o veículo no estacionamento,
terá cometido uma “subtração de coisa alheia móvel para, simplesmente, usá-la”.

Apresentado tal fato ao juiz, para julgamento, este, inicialmente, verificará que
Cláudio não subtraiu o veículo para si, nem para terceira pessoa. Logo, tal fato não está
proibido pela norma do art. 155 do Código Penal.

O juiz, verificando que não existe norma proibindo Cláudio de realizar tal
subtração, poderá, por analogia, aplicar a norma do art. 155, que se aplica a fatos bem
parecidos, bem semelhantes?

Claro que não. Só há furto quando a subtração é feita com o ânimo de


20 – Direito Penal – Ney Moura Teles

assenhoreamento da coisa, isto é, para o próprio agente ou para terceira pessoa.

Não houve crime de furto. Cláudio, é evidente, cometeu um fato contra o


Direito, mas não contra o Direito Penal. Sua atitude é ilícita, mas na esfera do direito
civil. Violou um direito de Alfredo e, segundo manda o art. 927 do Código Civil, deverá
reparar os danos causados. Crime de furto, todavia, não praticou.

O uso da analogia para suprir omissões ou lacunas do sistema de normas penais


incriminadoras é terminantemente proibido, porque viola o Princípio da Reserva Legal.
Definir crimes, cominar penas, é matéria reservada à lei ordinária federal e só ela pode
fazer.

O Juiz, não.

6.4.2 Analogia in bonam partem

O Código Penal (nos arts. 124 a 127) proíbe a realização do aborto – interrupção
da gravidez, com a morte do produto da concepção –, cominando-lhe severa sanção
penal. O art. 128, II, do Código Penal, todavia, contém uma norma penal permissiva,
que diz:

“Não se pune o aborto praticado por médico: II – se a gravidez resulta de


estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.”

Trata-se de uma norma penal permissiva justificante, daquelas que consideram


justificada, lícita, a conduta definida como crime.

Isto significa que, se Maria, estuprada, ficar grávida, poderá consentir em que o
médico realize intervenção cirúrgica com o fim de interromper sua gravidez, e matar o
produto daquela concepção. É permitido esse aborto. Não ofende o Direito. É justo.

A norma é clara, o aborto é justificado, se a gravidez tiver resultado de um


estupro, que é a “conjunção carnal” obtida mediante violência ou grave ameaça.

É preciso pensar agora noutra situação, um pouco diferente da anterior, a de Ana,


que foi constrangida, mediante gravíssima ameaça ou, até, violência física, por José, a
praticar com ele diversos atos libidinosos.

Foi constrangida a sexo oral, sexo anal, enfim, a uma série de contatos físicos,
sem, contudo, ter havido conjunção carnal, a penetração do pênis na vagina.

Apesar da ausência da conjunção carnal, Ana, dias depois, verificou estar grávida.
Como não tivera qualquer contato sexual com outro homem, é óbvio que, por uma
Interpretação da Lei Penal - 21

dessas situações inusitadas da natureza, engravidou sem penetração, sem conjunção


carnal. A ciência médica é uníssona em reconhecer a possibilidade de ocorrer gravidez
nessas hipóteses.

A gravidez de Ana não resultou de estupro – que é a conjunção carnal violenta –,


mas de atentado violento ao pudor, crime definido no art. 214 do Código Penal, assim:
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir
que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.”

Poderá o médico realizar o aborto em Ana? A norma do art. 128, II, não o ampara,
pois ali só é justificado o aborto, quando a gravidez resulta do crime do art. 213 do
Código Penal, de estupro, e não do delito definido no art. 214, de atentado violento ao
pudor.

Apresentado um caso desses ao julgador e verificando ele a omissão da lei, a


inexistência de norma penal permissiva que torne lícita a conduta do médico, poderá
usar da analogia, para aplicar a norma do art. 128, II?

A norma permite o aborto numa situação semelhante, análoga, parecida, então há


de permitir na outra, porquanto, omissa a lei, incide a norma do art. 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil, que manda o juiz aplicar a analogia. Não há, como quando
se trata de norma penal incriminadora, um princípio ou outra norma proibitiva do uso
da analogia em benefício do acusado. O juiz deve, portanto, aplicar o preceito do art.
128, II, mesmo quando a gravidez resultar de atentado violento ao pudor.

Esta é a analogia in bonam partem, aquela que beneficia o acusado, que deve ser
aplicada sempre, no Direito Penal.

E se a gravidez tiver resultado de um fato como o definido no art. 215, ou 216 do


Código Penal? Qual o critério para o uso da analogia? Nesses artigos, estão definidos os
crimes denominados de “posse sexual mediante fraude” e “atentado ao pudor mediante
fraude”. Até onde se pode usar a analogia?

Certas opiniões falam na necessidade da existência de violência no ato causador da


gravidez, isto é, admitir-se-ia, excepcionalmente, o aborto, apenas e tão-somente em
razão da atitude violenta – real ou moral – do homem sobre a mulher, no momento da
conjunção carnal. Nesse caso, a mulher não tinha vontade de engravidar. Logo, não
poderia ser compelida a manter a gestação e ter o filho.

Nessa situação, a vida do feto não estaria sob a proteção do Direito Penal, que
protege, sim, o direito de a gestante não procriar o fruto indesejado da violência. Por
questão de coerência, não poderia a lei obrigar uma mulher a ter um filho, de uma
gravidez que se sustenta num ato que a mesma lei considera não só proibido, mas
22 – Direito Penal – Ney Moura Teles

também sob ameaça de pena criminal.

Melhor é pensar que o Direito não pode obrigar a mulher a continuar uma
gravidez que tenha resultado de um fato que o próprio direito considera crime. Dessa
forma, não se pode exigir que a gravidez seja causada exclusivamente por ação violenta,
mas qualquer outra ação proibida pela norma penal. Analogicamente, também deve ser
permitido o aborto, quando resultar a gravidez não só do atentado violento ao pudor,
mas também dos crimes dos arts. 215 e 216 do Código Penal.

6.5 INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA

Bem demonstrado que a analogia in malam partem é terminantemente


proibida em Direito Penal, é preciso tratar de um instituto bem diferente do uso da
analogia que, freqüentemente, é confundido com ele. Trata-se da interpretação
analógica.

Ao definir as condutas proibidas – consideradas crime –, a lei tem de atender a


duas necessidades básicas: uma, a de não violar o princípio da legalidade, descrevendo,
o mais exatamente, precisamente, possível o comportamento que deseja proibir sob a
ameaça de pena.

A outra necessidade é a de alcançar, abarcar, abranger todos os


comportamentos que constituam graves agressões aos bens jurídicos mais importantes.

Tome-se como exemplo o bem jurídico mais importante: a vida, e a agressão


mais grave contra ela perpetrada: a causação da morte, a destruição da vida humana
por um homem.

A lei definiu tal fato como homicídio. Quando alguém mata outra pessoa, com
vontade efetiva de alcançar esse fim, realiza um fato que se identifica, que corresponde
à definição do crime de homicídio doloso simples. A pena prevista no art. 121, Código
Penal, é de reclusão de seis a 20 anos.

À agressão maior – destruir – ao direito maior – a vida – há de corresponder


uma resposta igualmente maior: pena de privação de liberdade.

Lamentavelmente, o homem é capaz de matar seu semelhante dos mais


diferentes modos, cada um com grau de gravidade diferente. Por exemplo: matar
alguém com um único tiro no coração é diferente de matar uma pessoa privando-a de
alimentar-se, mantendo-a amarrada e faminta, durante o tempo necessário para que
suas funções vitais pereçam naturalmente, causando-lhe um sofrimento muito grande,
além do necessário para, simplesmente, matá-la.
Interpretação da Lei Penal - 23

Em ambos os casos, o mesmo bem jurídico é violado; todavia, as agressões são


distintas, a segunda, bem mais grave.

O Direito Penal responde de modo diferente às duas formas de agressão. À


primeira corresponderá uma pena de reclusão, variável de seis a 20 anos. Na segunda,
em que o delinqüente usou de meio cruel, a pena é mais severa, de 12 a 30 anos de
reclusão. Essa é uma das hipóteses do chamado homicídio qualificado.

Como se vê, a resposta penal leva em conta não só a importância do bem


jurídico, mas também a natureza e a gravidade da lesão.

Ao definir os crimes, a lei deve abranger todas as situações que deseja alcançar,
descrevendo-as do modo mais claro possível. Assim, diz que é homicídio qualificado,
entre outros, aquele cometido: (a) mediante paga ou promessa de recompensa; (b) com
emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura; (c) à traição, de emboscada ou
mediante dissimulação.

Mas, como se pode observar, existem outras situações, muito parecidas com as
mencionadas, que, igualmente, merecem a mesma resposta penal, devendo ser
qualificadas do mesmo modo.

Por exemplo, o homicídio cometido por um motivo tão repugnante quanto o


realizado mediante pagamento. Ou aquele antes relatado, em que a vítima é impedida
de alimentar-se, com sofrimento além do necessário. Ou, então, um homicídio
praticado de surpresa. São situações análogas àquelas definidas precisamente na lei.

Para obedecer ao princípio da legalidade, a lei deveria descrever cada uma das
situações que pretendesse abarcar. Se fizesse assim, só para definir o homicídio
qualificado, a lei precisaria de centenas de locuções que expressassem cada um dos
casos possíveis e, por mais que se esforçasse, não alcançaria todas, pois a imaginação
humana e o avanço tecnológico cada vez criariam novas formas graves de agressões.

Seria impossível listar todas as hipóteses possíveis.

Para não deixar nenhuma delas fora do alcance da norma, utiliza a lei um
recurso parecido com aquele das normas penais em branco. Nestas o preceito é deixado
incompleto, devendo ser completado por outra norma. Aqui, o preceito está completo,
mas exige uma interpretação analógica.

Inteligentemente, a lei utiliza um mecanismo que resolve o problema: seleciona


uma ou mais situações concretas, descreve-as minuciosamente e, em seguida, manda,
por meio de uma fórmula genérica, que todas as situações análogas àquelas sejam
consideradas como as situações concretas.
24 – Direito Penal – Ney Moura Teles

É o que se vê na definição de homicídio qualificado de que trata o § 2º do art.


121 do Código Penal:

“I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;


II – (....); III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.”

Com esse artifício, a lei consegue alcançar todas as condutas que deseja, sem
precisar descrever, casuisticamente, cada uma delas. Será homicídio qualificado não só
aquele cometido mediante paga ou promessa de recompensa, como também qualquer
outro homicídio cometido por outro motivo torpe. Torpe será todo e qualquer motivo
análogo à torpeza do que recebe pagamento ou recompensa para matar.

Vê-se, portanto, que a lei manda seja feita uma interpretação analógica.

O homicídio cometido mediante surpresa é qualificado, porque a surpresa é uma


situação análoga à traição, à emboscada, pois que dificulta ou torna impossível a defesa
da vítima.

Não se trata de uso da analogia, pois que nesta há omissão da lei.

Na interpretação analógica, é a lei que determina ao intérprete, quando for


aplicá-la ao caso concreto, complementar seu preceito analogicamente. O “outro
motivo torpe” deve ser interpretado analogicamente à “paga ou promessa de
recompensa”. O “outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”
deve ser interpretado analogicamente à situação de “traição”, ou “emboscada”, ou
“dissimulação”.

A interpretação analógica não é determinada apenas em normas penais


incriminadoras, mas também em normas explicativas, como é exemplo o preceito do
art. 28, II, do Código Penal. Ali está prescrito: “Não excluem a imputabilidade penal: II
– a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos
análogos.”

Aqui, a lei manda que o intérprete verifique a substância causadora da embriaguez


e a considerará alcançada por seu preceito se seus efeitos forem análogos aos efeitos
produzidos pelo álcool.

A interpretação analógica, portanto, é uma determinação da própria lei, que


manda o intérprete estender seu próprio conteúdo, analogicamente à fórmula
casuística que determinou. Não se confunde, portanto, com uso da analogia, em que
Interpretação da Lei Penal - 25

existe omissão da lei.

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