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Nos arts. 33 a 42, estabelece as normas sobre as duas espécies de penas privativas
de liberdade adotadas, a reclusão e a detenção, adiante tratadas.
O art. 33 do Código Penal estabelece que a pena de reclusão deve ser cumprida
em regime fechado, semi-aberto ou aberto, ao passo que a de detenção será cumprida
em regime semi-aberto ou aberto, salvo a necessidade de transferência ao regime
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles
fechado.
Estaria a diferença das penas relacionadas com a gravidade dos crimes a que
correspondem? A de reclusão seria para crime mais grave e a de detenção para crime
menos grave?
Nos dois crimes, havendo morte, a quantidade da pena é idêntica, de dois a seis
anos, mas na participação em suicídio a pena é de reclusão, ao passo que no infanticídio
a pena é de detenção. Qual dos crimes é o mais grave, se o bem jurídico é o mesmo, a
vida? Igual pena, de detenção por dois a seis anos, é cominada ao abandono de recém-
nascido, seguido de morte (“expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra
própria”).
Difícil afirmar qual dos crimes é o mais grave, qual comportamento merece
maior censura, maior reprovação. Discutindo-os, encontrar-se-iam as mais diversas
razões em todos os sentidos e muito provavelmente não se encontraria uma solução
pacífica, extreme de dúvidas.
Esta diferença, todavia, não diz respeito à natureza da pena, mas ao regime de
cumprimento de qualquer delas, conforme estabelece o § 1º do art. 33 do Código Penal.
Penas Privativas de Liberdade - 3
Não é esse um critério diferenciador da qualidade das duas penas, pois a norma
do art. 97 do Código Penal cuida de outro instituto – medida de segurança – que é,
exatamente, a resposta que o direito dá ao que praticou um fato típico ilícito e que não
poderá ser apenado, por ser considerado inimputável. Esse critério diz respeito à opção
que o juiz poderá fazer entre as duas espécies de medida de segurança, de internação ou
ambulatorial, que estariam correlacionadas com as duas espécies de penas, reclusão e
detenção, respectivamente.
Com base nessa norma, o máximo que se pode afirmar é que a pena de reclusão
é mais severa que a de detenção, como é mais severo o tratamento médico mediante
internação, que o pela via ambulatorial. Aliás, melhor dizer, em vez de mais severo,
menos desejado, pois que, cientificamente e na prática, não se pode afirmar ser – por si
só – mais brando um tratamento ambulatorial que uma internação hospitalar.
Por exemplo, no art. 323, I, que trata da concessão de fiança, a norma a proíbe
se o crime for punido “com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a
dois anos”.
for vadio.
1 Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 392.
2 Op. cit. p. 393.
Penas Privativas de Liberdade - 5
Por muito tempo, somente se viu no princípio da legalidade sua face voltada
para a teoria do crime, para a necessidade da prévia tipificação, em lei federal
ordinária, stricto sensu, da conduta proibida pela norma penal. É verdade que, ao se
indagar do estudante o que é o princípio, ouve-se, na maior parte das vezes, a resposta
solerte: não há crime sem lei anterior que o defina. Ponto. Raramente, o interlocutor
recorda-se de que a necessidade da prévia lei diz respeito também à cominação da
pena, em qualidade e em quantidade.
Por outro lado, quando a Carta Magna afirma que não há pena sem prévia
cominação legal, está-se referindo aos três momentos da pena: cominação, aplicação e
execução. Em outras palavras, a legalidade deve imperar na necessidade da prévia
cominação, no momento da aplicação e por todo o processo de execução.
A pena, por sua vez, só pode ser aplicada com observância do conjunto das
normas processuais vigentes – due process of law – e de outros princípios
constitucionais, como o da amplitude da defesa e do contraditório e, principalmente, o
da exigência da fundamentação da decisão judicial que impuser a pena criminal. Além
disso, deverão ser observadas as normas do Código Penal atinentes à individualização –
outro princípio constitucional impostergável.
médica, psicológica e social, com as quais o preso poderá ser classificado, com base no
qual se escolherão o estabelecimento prisional adequado e os métodos recomendados
para seu tratamento.
“ao exame de que trata esse artigo poderá ser submetido o condenado ao
cumprimento de pena privativa de liberdade em regime semi-aberto”.
O art. 114 da Lei de Execução Penal estabelece como requisitos para o ingresso no
regime aberto:
“I – permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II –
sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III – não se ausentar da cidade
onde reside, sem autorização judicial; IV – comparecer a Juízo, para informar e
justificar as suas atividades, quando for determinado.”
pessoais do condenado e do crime por ele praticado, com vistas a oferecer melhores
condições para a sua recuperação.
evidência, sua morte precederá qualquer conquista da execução da pena, esta se torna
absolutamente inócua e, por isso, desnecessária.
Condenados portadores de doença grave, como a AIDS, por exemplo, podem ser
beneficiados com a prisão domiciliar. Ela favorece, ainda, as mães, gestantes ou com
filhos deficientes que necessitam de maior atenção materna, e idosos maiores de 70
anos.
Trata-se de dispositivo da mais alta importância, que deve ser observado ri-
gorosamente, e que visa proporcionar às mulheres tratamento adequado e exigido por
sua condição discriminada ao longo dos anos, protegendo-as de agressões além das
decorrentes da própria imposição da pena.
Determina o art. 59, III, do Código Penal, que, ao condenar o acusado, o juiz
deverá estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, e o
14 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Essa alteração legislativa somente se deu após o Supremo Tribunal Federal ter
declarado a inconstitucionalidade da proibição de progressão.
Com base nessas regras, uma pergunta: pode o juiz condenar alguém a uma pena
de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime aberto? Ou o juiz está obrigado a
observar, estrita e rigorosamente, os critérios do § 2º do art. 33?
DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JÚNIOR dá-nos notícia de que, na cidade de São
Paulo, em 24-10-1989, o Juiz Antonio Dimas da Cruz Carneiro, da 2ª Vara Criminal
Penas Privativas de Liberdade - 15
“os réus praticaram a infração para comprar alimentos, circunstância que, ‘se de
um lado não justifica a atitude delituosa, de outro lado torna a falta
compreensível, diante da grave crise social que ora acomete o país’” e também
porque são “primários e mal chegados à idade adulta, não sendo recomendável a
manutenção em cárcere”
A sentença foi cassada pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, o qual
mandou que fosse aplicado, desde o início, o regime semi-aberto.
Mas, como assinala o noticiante, o juiz agiu corretamente, pois, ao fixar o regime
inicial, levou em conta as circunstâncias judiciais e o comando do preceito contido no
art. 59 do Código Penal, que manda o juiz fixar a pena – e também o regime –
conforme seja necessário e suficiente para prevenir e reprovar o crime. Eis a chave de
tudo: necessidade e suficiência. A pena – e o regime – devem ser apenas o necessário, e
não mais, nem menos, do que o suficiente para impor ao condenado a reprovação
penal, bem assim para alcançar as exigências da prevenção geral.
Desse modo, o juiz deve ter liberdade para fixar regime inicial mais brando do que
o recomendado pelo § 2º do art. 33, ao condenado que o merecer. É claro que
6Cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial aberto. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 5, p. 166-167, 1994.
7CINTRA JÚNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. Cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial aberto.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 5, p. 169, 1994.
16 – Direito Penal – Ney Moura Teles
14.2.8 Progressão
Como já foi dito, o sistema punitivo brasileiro é progressivo; por meio dele, o
condenado passa do regime inicial mais severo para o regime mais brando, até
alcançar o livramento condicional ou a liberdade definitiva.
não há possibilidade de que ele volte a delinqüir – todas, como se vê, absolutamente
indemonstráveis.
Assim, após 1/6 da pena no regime fechado (ou 2/5, se primário, ou 3/5 se
reincidente, apenado por crime hediondo, prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo), o condenado que tiver bom
comportamento na penitenciária deverá ser transferido para a colônia agrícola ou
industrial, em regime de semiliberdade, em que, após cumprir mais 1/6 da pena (2/5
ou 3/%), e merecendo, será transferido para o regime aberto, em casa de albergado.
março de 2.007, mantenho, nesta edição o texto integral do item 14.2.9, da edição
anterior deste volume, sem qualquer alteração, que demonstrava, então, a meu ver, a
revogação tácita do art. 2º da Lei nº 8.072/90, para que o leitor possa se inteirar de
aspectos importantes acerca do tema.
A Lei nº 9.455, de 7-4-1997, que definiu os crimes de tortura, no art. 1º, § 7º,
assim dispõe: O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º,
iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. Tendo determinado o regime
inicial fechado, implicitamente permite a progressão.
Defende-se aqui que a nova lei veio revogar, tacitamente, o art. 2º da Lei nº
8.072/90, que, entre outras restrições, proíbe a progressão no cumprimento da pena,
como se procura, a seguir, demonstrar.
Quase dois anos depois veio ao mundo a Lei nº 8.072, de 25-7-1990, conhecida
como a Lei dos Crimes Hediondos, que, no entanto, não se limitou a definir tais crimes.
Essa lei, como tem sido comum no Brasil, tratou de várias questões penais e
processuais penais, como se mostra.
No art. 1º (ao depois alterado pela Lei nº 8.930, de 6-9-1994), relacionou os tipos
legais de crimes que considerou hediondos, inclusive as tentativas deles, e nos arts. 6º e
9º aumentou as penas de vários dos crimes hediondos, criando um caso de diminuição
de pena (delação premiada) para o crime hediondo de extorsão mediante seqüestro
Penas Privativas de Liberdade - 19
(art. 7º). Assim, nesses artigos (1º, 6º, 7º e 9º), a Lei nº 8.072/97 cuidou
exclusivamente de crimes hediondos.
Nos arts. 2º, 5º e 8º, a Lei nº 8.072/90 tratou de todos aqueles crimes referidos
no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal: tortura, tráfico ilícito de entorpecentes,
terrorismo e os hediondos, em outras palavras, os crimes hediondos e os a ele
assemelhados ou equiparados. No art. 2º, estabeleceu restrições para acusados e
condenados por crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e
terrorismo (anistia, graça, indulto, fiança, liberdade provisória), impôs regime fechado
integral para o cumprimento de penas, exigiu que o direito de apelar em liberdade fosse
concedido somente em decisão fundamentada, e dilatou o prazo de prisão temporária
para tais crimes, e no art. 5º (o 4º foi vetado) impôs tempo maior de cumprimento de
pena (2/3) para a obtenção do livramento condicional, para os condenados por crimes
hediondos e assemelhados (tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes), não
reincidentes específicos em crimes dessa natureza. No art. 8º, criou nova modalidade
de crime de quadrilha e bando, quando a associação criminosa tiver por finalidade o
cometimento de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes ou
terrorismo (art. 8º) definindo, como causa de diminuição de pena a delação premiada
(parágrafo único, art. 8º).
Vê-se, pois, que a Lei nº 8.072/90 contém normas de cinco matérias distintas.
Uma das matérias tratadas, a das restrições impostas aos acusados e condenados por
crimes de tortura, tráfico, terrorismo e hediondos, alcançou preceitos de natureza
20 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Mais uma vez, o legislador brasileiro, num único diploma legal, tratou de matérias
absolutamente distintas: (a) tipificação de crimes e criação de causas de aumento de
pena; (b) imposição de restrições de natureza penal e processual penal para acusados e
condenados por crimes de tortura; (c) criação de mais um caso de extraterritorialidade
da lei penal.
A matéria que interessa no âmbito desta abordagem sobre a nova lei, a das
restrições impostas aos acusados e condenados por crime de tortura, abrange normas
de natureza penal (graça ou anistia e regime de cumprimento de pena privativa de
liberdade) e processual penal (fiança).
Para se descobrir a vontade da nova lei, convém a lembrança das sempre justas e
pertinentes lições de GIUSEPPE BETTIOL:
8 Direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. v. 1, p. 152-153.
22 – Direito Penal – Ney Moura Teles
além das sandálias, impondo, aos condenados por crimes de tortura, tráfico, terrorismo
e os então definidos hediondos, o cumprimento das penas integralmente em regime
fechado, proibindo para eles a concessão de liberdade provisória, aumentando o prazo
de prisão temporária, determinando que o juiz deliberasse fundamentadamente sobre o
direito de apelar em liberdade, majorando as penas de vários dos crimes considerados
hediondos e criando causas de aumento e de diminuição de penas.
Certo que veio ao mundo não só para definir os tipos de tortura, mas ainda para
revogar alguns dos dispositivos da Lei nº 8.072/90, acabando com suas imperfeições,
seus defeitos, sua rigidez, sua severidade, sua brutalidade, sua estupidez, enfim, suas
ignominiosas restrições aos mais comezinhos direitos processuais dos acusados. Veio
para corrigir o que estava errado, para erradicar os abusos, para riscar da história do
direito penal brasileiro um tempo de terror, de desnecessária e brutal violência legal,
para apagar dispositivos que feriram a Constituição não poucas vezes.
A lei deve dar tratamento isonômico aos iguais, vale dizer, aqui, aos crimes que
a lei fundamental considerou equivalentes, equiparados ou assemelhados, por sua
gravidade, como é o caso da tortura, do terrorismo, do tráfico e dos hediondos. Se o
preceito constitucional equiparou os quatro gêneros de crimes, impondo-lhes restrições
9 Crimes hediondos. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992. nº 2.
10 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen, 1947. v. 1,
p. 165.
11 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1, p. 62.
24 – Direito Penal – Ney Moura Teles
que não impôs, em conjunto, a qualquer outro gênero de crimes, cabe ao legislador
ordinário dar tratamento igualitário a todos aqueles gêneros de crimes. Não poderia,
por exemplo, tratar os crimes de terrorismo de modo mais brando nem mais severo que
os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, nem conferir aos crimes de tortura
tratamento mais duro, nem mais benigno, que o dispensado aos crimes hediondos.
12 Código de processo penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943. v. 1, p. 184.
Penas Privativas de Liberdade - 25
Essa intenção, não expressa, da lei exsurge cristalinamente de todo o seu espírito,
que é o do aperfeiçoamento da legislação penal brasileira, recuperando princípios
constitucionais necessários a uma política criminal eficiente, sem olvidar a proteção
dos interesses da sociedade, tratando rigorosamente os crimes de maior potencial
ofensivo, ao tempo em que observa a necessidade de valorizar a essência humana
presente nos delinqüentes.
“há, no seio das normas uma ordem sistemática freqüentemente decisiva para a
interpretação teleológica. As normas, na verdade, não vivem como ‘mônadas’
isoladas, como meras individualidades entre as quais não há nenhuma relação de
parentesco, mas se reagrupam entre si com base em critérios teleológicos
superiores aos escopos singulares próprios de cada uma das normas”.13
Evidente que, se assim fosse, essas duas leis não formariam aquele feixe com
• Condenado por estupro a pena mínima de seis anos deverá cumpri-la integralmente
em regime fechado. Condenado por crime de tortura seguida de lesão corporal
gravíssima, por exemplo, a extirpação do órgão sexual masculino, a pena de seis anos,
terá direito à progressão. Qual crime é mais grave?
Tais contradições não podem existir, é de todo óbvio, pois que o direito há de ser,
sempre, um sistema harmônico de normas, não um amontoado de incongruências.
A norma do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil afirma que a “lei
posterior revoga a anterior”, quando regular “inteiramente a matéria de que
tratava a lei anterior”.
Entre as cinco matérias tratadas pela Lei nº 8.072/90, uma foi a das
restrições de natureza penal e processual penal impostas aos crimes hediondos e
assemelhados: a classe de crimes insuscetíveis de fiança, graça e anistia, criada pela
norma constitucional.
15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 1, p.
123.
28 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Verifica-se, com clareza, que a nova lei veio tratar de um dos gêneros de crimes
daquela classe de crimes que fora objeto da Lei nº 8.072/90, mencionados no preceito
constitucional.
De todo evidente que a vontade da nova lei é que os “crimes de tortura” recebam
tratamento diferenciado do conferido pela Lei nº 8.072/90, já que não reiterou as
restrições nela contidas, como a proibição da liberdade provisória, o que vem atender a
um reclame quase que uníssono da mais moderna doutrina e jurisprudência, o que, é
de toda obviedade, demonstra a vontade da lei de, corrigindo os defeitos da lei antiga,
não mais vedar essa possibilidade.
Inegável que a nova lei veio tratar integralmente dos crimes de tortura, que
integram o mesmo subsistema penal que fora regulado pela Lei nº 8.072/90,
declarando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (§ 6º). Em outras
palavras, cuidou daquela mesma matéria tratada pelo art. 2º da Lei nº 8.072/90.
Não há, entre a lei anterior e a lei nova, relação de gênero para
espécie. Ambas, a Lei nº 8.072/90 e a Lei nº 9.455/97, são especiais em relação ao
preceito constitucional do art. 5º, XLIII, que é a norma genérica e, ainda, em relação às
normas do Código Penal e do Código de Processo Penal, que constituem, cada qual, as
normas genéricas penais e processuais.
Não há, ademais, em qualquer dos crimes de tortura tipificados, algum minus,
que exigisse tratamento mais benigno que o conferido ao terrorismo, aos crimes
hediondos e ao tráfico ilícito de entorpecentes. Nada que justificasse a construção de
uma lei especial em relação à lei que impôs restrições àqueles crimes. Ao contrário, se
algo houvesse, de diferente, nos crimes de tortura, em relação aos demais, de
especializador, seria exatamente para considerá-los de maior gravidade, uma vez que,
pela conformação dos tipos criados, são sempre condutas por meio das quais alguém,
dolosamente, submete alguém a “sofrimentos agudos, físicos ou mentais”16, com a
16Da definição de tortura adotada pela Convenção da ONU contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, aprovada pelo Dec. Legislativo nº 4, de 23-5-1989, promulgada pelo
Penas Privativas de Liberdade - 29
Tendo a nova lei, tão especial quanto a anterior, dado novo tratamento penal a
um dos gêneros de crimes daquela mesma classe de crimes de grande potencial
ofensivo assemelhados pela Constituição, e nada dito sobre liberdade provisória, direito
de apelar em liberdade e prazos de prisão temporária e procedimentais, é porque,
relativamente a essas questões, desejou sejam aplicadas as normas gerais do Código de
Processo Penal, e as da Lei nº 7.960/89, relativamente à prisão temporária.
Na verdade, o que a nova lei fez foi corrigir as imperfeições da lei antiga, que
impunha tratamento rigoroso, quando o que se exige é um tratamento penal severo, mas,
ao mesmo tempo, humanitário. Além disso, ajustou-se ao princípio da presunção da
inocência, que impede tratamento de condenado a quem ainda não o é.
Com o novo subsistema penal criado, no qual retorna a incidência das regras
gerais do cumprimento progressivo da pena privativa de liberdade, substituindo o
anterior, substitui-se também, em sua integridade, o subsistema processual penal da
Lei dos Crimes Hediondos, eivado de inconstitucionalidades, como apontam a doutrina
mais moderna e a jurisprudência mais democrática.
É certo que melhor teria sido se a lei tivesse, expressamente, afirmado sua
vontade de substituir os dispositivos mencionados da Lei dos Crimes Hediondos (art.
2º); todavia, a tarefa primordial é interpretar a norma e não censurar ou tecer críticas
ao legislador, especialmente quando parte de seu trabalho representa notável avanço
para o direito penal, e até porque pode ter sido sua vontade deixar para os
Penso, por todas as razões aqui expostas, que o ordenamento jurídico brasileiro
ficou livre da parte mais hedionda da famigerada Lei dos Crimes Hediondos.
Esse entendimento foi abraçado por diversos Tribunais do país, chegando a ser
acolhido pela 6ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RHC 7.930,
relatado pelo Ministro Vicente Cernicchiaro. Todavia, assim não entendeu o Supremo
Tribunal Federal que, reiteradamente, passou a decidir no sentido contrário.
14.2.10 Regressão
O condenado a regime fechado que, após cumprir 1/6 da pena (2/5 ou 3/5), não
preencher o requisito subjetivo – mérito – e, por isso, tiver negado seu pedido de
progressão ao regime semi-aberto, estará, na prática, sofrendo a regressão no
cumprimento de sua pena.
Não é necessário que o condenado venha a ser condenado por crime doloso, para
justificar a regressão, mas tão-somente que tenha praticado o fato típico, sendo, por
isso, indiciado em inquérito policial. O simples indiciamento é causa para a regressão.
Evidente que, se o condenado vier a ser absolvido, provando, por exemplo, não ter
praticado ou concorrido para o crime, ou ter agido ao amparo de excludente – da
ilicitude ou da culpabilidade –, poderá progredir, de volta ao regime em que cumpria a
pena.
do internado – ou se, podendo, não pagar a pena de multa que lhe tiver sido aplicada.
“pode o condenado ser transferido para regime mais rigoroso se frustrar os fins
da execução, assumindo conduta que demonstra a incompatibilidade com o
regime aberto. A desobediência a ordens recebidas, a provocação de rescisão de
contrato de trabalho ou o seu abandono, a prática de contravenção ou crime
culposo, a prática de falta média ou leve etc. podem revelar que o condenado não
se está adaptando ao regime, nem se processa a sua reinserção social,
recomendando-se sua transferência para o regime mais rigoroso”17.
natureza, vale dizer, interno ou externo, manual, intelectual, agrícola, industrial e até
mesmo artesanal, autorizado pela administração do presídio – de parte do tempo da
pena, na forma do que dispõe o art. 126 da Lei de Execução Penal, assim:
§ 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de um dia de
pena por três de trabalho.
A cada três dias trabalhados, com jornada não inferior a seis horas, nem superior
a oito, a pena será diminuída em um dia.
Questão candente é saber se o condenado que não trabalha porque o Estado não
lhe oferece as condições para tanto terá, ou não, direito à remição.
Dessa forma, o condenado tem direito ao trabalho para produzir e se educar, não
para, com ele, obter a remição da pena, razão por que a falta de trabalho, por desídia do
Estado, não implicará a concessão da remição ao condenado.
14.4 DETRAÇÃO
Detração é
a) quando houver nexo entre a prisão provisória e a pena, isto é, se ambas as prisões
tiverem o mesmo motivo, resultarem do mesmo crime. Exemplo: João teve sua prisão
preventiva decretada por crime de homicídio, ficando preso durante dois anos, quando
transita em julgado a sentença penal que o condenou a seis anos de reclusão. O tempo
de prisão provisória cumprida, dois anos, será computado, no tempo da pena, devendo
João cumprir apenas mais quatro anos;
19 Nosso artigo: Prisão processual: prazo máximo. Informativo Consulex, ano 10, nº 5, p. 136, 29 jan. 1996.
36 – Direito Penal – Ney Moura Teles
b) quando, mesmo sem qualquer nexo, sem nenhuma relação entre os fatos que
motivaram as prisões, tiverem sido elas, todavia, decididas no mesmo processo.
Exemplo: Paulo foi preso em flagrante-delito de homicídio, não relaxado, e denunciado
por homicídio e ocultação de cadáver. Levado a julgamento pelo tribunal do júri, foi
absolvido do homicídio, por ter agido em legítima defesa, mas condenado pelo crime de
ocultação de cadáver a uma pena de dois anos de reclusão. Tendo ficado preso um ano,
em razão do homicídio, e dele tendo sido absolvido, será descontado o tempo de prisão
no tempo da pena a que foi condenado pela ocultação, devendo cumprir apenas mais
um ano;
Uma última hipótese tem sido aceita pela jurisprudência de nossos tribunais: a
da detração do tempo de prisão sofrida em processo em que o réu for absolvido ou tiver
a punibilidade extinta, na pena por crime cometido anteriormente à mesma pena.
Como nesse julgado:
“A pena sofrida por força de crime de cuja punibilidade o réu se vê livre será
computada na condenação por crime cometido anteriormente à mesma pena. Tal
critério não enseja a chamada ‘conta corrente’ com o criminoso, eis que o fato,
cuja pena é detraída, ocorreu antes do cumprimento do tempo computado. Trata-
se da orientação liberal aceitável, eis que considera tempo de prisão que não
deveria ter sido cumprido” (TACRIM-SP – RA – Rel. Walter Theodósio – RT
622/304).
Com exceção dos deveres contidos na última parte do inciso I e no inciso VII, os
demais deveres são, também, impostos aos presos ainda não condenados, provisórios.
Desse direito decorre, igualmente, que não podem os presos ser obrigados a
habitar ambiente insalubre e sem a necessária higiene e segurança. A propósito, as
Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, adotadas pela Organização das
Nações Unidas, em seu primeiro Congresso sobre Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinqüente, em 30-8-1955, estabelecem:
maneira que possa entrar ar fresco, haja ou não ventilação artificial; b) a luz
artificial será suficiente para que o recluso possa ler e trabalhar sem
prejudicar-lhe a vista. 12. As instalações sanitárias deverão ser adequadas
para que o recluso possa satisfazer suas necessidades naturais no momento
oportuno, de forma asseada e decente. 13. As instalações de banho e ducha
deverão ser adequadas para que cada recluso possa tomar um banho ou
ducha a uma temperatura adaptada ao clima e com a freqüência exigida pela
higiene geral, segundo a estação e a região geográfica, porém pelo menos uma
vez por semana, em clima temperado. 14. Todos os locais freqüentados
regularmente pelos reclusos deverão ser mantidos limpos e em perfeito
estado.”
O preso tem direito ao repouso e à recreação; daí por que o tempo de prisão
deverá ser proporcionalmente distribuído entre o trabalho e as atividades esportivas, de
lazer, culturais etc.
Todo preso, além disso, condenado ou provisório, deve ser protegido contra
qualquer forma de sensacionalismo praticado por órgãos de comunicação – jornais,
revistas, rádios, emissoras de televisão – que em suas comunicações procuram explorar a
notícia, conferindo-lhe roupagem fantasiosa que atenta contra a dignidade humana do
preso, podendo causar graves prejuízos para sua recuperação.
Penas Privativas de Liberdade - 41
O preso será identificado e chamado pelo próprio nome e não por um número,
símbolo ou qualquer outra forma de tratamento, especialmente as alcunhas pejorativas
ou ligadas a seu passado. O chamamento nominal é direito impostergável e é
decorrência da inviolabilidade da dignidade do ser humano.
A classificação dos presos não confere a eles tratamento desigual, mas visa
simplesmente à individualização da pena na fase de execução. Vedada, é claro, qualquer
discriminação, de qualquer espécie ou natureza, como racial, política, social, de
opinião, religiosa etc.